Grupo: Educação
Tipo: Artigo
Título: Porque Joãozinho não pode decodificar
Autor: LYON,G. Reid.
Tradução: GOMES, Pedro Lourenço.
Fonte: Washington Post de 27.10.96
Sinopse: Este artigo aponta um estudo sobre a leitura e o porque algumas crianças têm dificuldade em aprender a ler. Na verdade concluiu-se que tanto meninos, como meninas apresentam dificuldades na leitura, o que pode ocasionar baixa auto-estima e falta de motivação para a vida escolar, quando isso é perceptível pelos colegas. O que acontece é que antes de ler para aprender deve-se aprender a ler, afinal a leitura é a interpretação das palavras, e que fique bem claro, que a não habilidade para a leitura nada tem a ver com inteligência, pelo contrário. Confira o estudo, com o problema, as causas, a genética e como se pode ajudar neste caso.
PORQUE JOÃOZINHO NÃO PODE DECODIFICAR
G. Reid Lyon, no Washington Post de 27.10.96 (antigo mas ainda muito interessante).
Elizabeth McPike, da American Federation of Teachers (Federação Americana de Professores), escreveu que se você não aprende a aprender a ler, você simplesmente não se dá bem na vida. A pesquisa que conduzimos e financiamos no NICHD - National Institute of Child Health and Human Development (Instituto Nacional da Saúde Infantil e do Desenvolvimento Humano), dos NIHs (National Institutes of Health (Institutos Nacionais de Saúde, o equivalente ao Ministério da Saúde no Brasil), deixa isto bem claro. Diversos estudos longitudinais de longo prazo feitos por cientistas financiados pelo NICHD demonstraram que aproximadamente 17 a 20% de nossas crianças têm substanciais dificuldades em aprender a ler.
Em contraste com o que antes era convencional, descobrimos que tanto meninas quanto meninos manifestam dificuldades de leitura. Os meninos parecem ser identificados mais prontamente pelo sistema de escolas públicas com relação a dificuldades de leitura porque tendem a ser um pouco mais ativos e barulhentos do que suas colegas de mesma idade. Já que tipicamente é o comportamento da criança, mais do que suas dificuldades escolares, que leva os professores a encaminhar os jovens aos serviços de educação especial, as dificuldades que as meninas têm na leitura são freqüentemente menosprezadas porque em geral elas são mais bem comportadas e socialmente adaptadas.
Ainda assim, à medida em que vemos estes garotos e garotas crescerem, os efeitos negativos de suas dificuldades de leitura aparecem com abundância e clareza. Durante os primeiros anos de escola, quando devem estar aprendendo a ler, suas dificuldades são bastante embaraçosas para eles. Esta humilhação precoce leva a uma predizível diminuição em sua auto-estima e em sua motivação para a vida escolar. Através dos anos tenho me entristecido crescentemente com o fato de que estas crianças não são tão flexíveis como eu pensava que fossem. São ternos indivíduos, que se frustram e se envergonham facilmente por causa de suas deficiências em habilidades de leitura assim que notam que muitos de seus colegas lêem tão fluentemente. Durante os anos posteriores, quando os jovens param de aprender a ler e começam a ler para aprender, seu conhecimento e interesse em áreas como literatura, ciência, matemática e história são inibidos simplesmente porque não podem adquirir os conceitos através do texto impresso.
Em contraste com o que antes era convencional, descobrimos que tanto meninas quanto meninos manifestam dificuldades de leitura. Os meninos parecem ser identificados mais prontamente pelo sistema de escolas públicas com relação a dificuldades de leitura porque tendem a ser um pouco mais ativos e barulhentos do que suas colegas de mesma idade. Já que tipicamente é o comportamento da criança, mais do que suas dificuldades escolares, que leva os professores a encaminhar os jovens aos serviços de educação especial, as dificuldades que as meninas têm na leitura são freqüentemente menosprezadas porque em geral elas são mais bem comportadas e socialmente adaptadas.
Ainda assim, à medida em que vemos estes garotos e garotas crescerem, os efeitos negativos de suas dificuldades de leitura aparecem com abundância e clareza. Durante os primeiros anos de escola, quando devem estar aprendendo a ler, suas dificuldades são bastante embaraçosas para eles. Esta humilhação precoce leva a uma predizível diminuição em sua auto-estima e em sua motivação para a vida escolar. Através dos anos tenho me entristecido crescentemente com o fato de que estas crianças não são tão flexíveis como eu pensava que fossem. São ternos indivíduos, que se frustram e se envergonham facilmente por causa de suas deficiências em habilidades de leitura assim que notam que muitos de seus colegas lêem tão fluentemente. Durante os anos posteriores, quando os jovens param de aprender a ler e começam a ler para aprender, seu conhecimento e interesse em áreas como literatura, ciência, matemática e história são inibidos simplesmente porque não podem adquirir os conceitos através do texto impresso.
Mas as conseqüências do fracasso na leitura vão bem além destes resultados escolares. Entre 10-15 % das crianças com dificuldades de leitura largam a escola antes do segundo grau. Dos que chegam lá, menos de 2 % fazem quatro anos de faculdade, apesar de muitos terem inteligência acima da média. Uma pesquisa rápida com adolescentes e jovens adultos com história de conduta delinqüente ou criminosa indica que metade deles têm dificuldades de leitura, e taxas similares de fracasso na leitura são vistas entre jovens com problemas de drogas. Sem dúvida, a independência e o sucesso ocupacional e vocacional estão comprometidos. Assim, as dificuldades de leitura não são apenas um problema educacional, mas também um grande problema de saúde pública e um desafio econômico. Foi por estas razões que o NICHD tentou agressivamente procurar entender melhor as dificuldades de leitura - descobrir o que as causa, quanto tempo duram, e o que podemos fazer para prevení-las e remediá-las. Nos últimos 20 anos aprendemos muito, mas claramente precisamos aprender mais.
O Problema
Em essência, podem-se ver quase todas as dificuldades de leitura quando uma pessoa tenta ler as palavras de um texto impresso. Os sinais são: uma elaborada abordagem na decodificação ou "sonorização" de palavras desconhecidas, e repetidas identificações erradas de palavras conhecidas. A leitura é hesitante e caracterizada por freqüentes pausas e recomeços, e múltiplos erros de pronúncia. Se indagado a respeito daquilo que acabou de ser lido, o indivíduo quase sempre tem pouco a dizer. Não porque ele ou ela não seja inteligente o bastante; de fato, muitas pessoas com dificuldades de leitura são muito inteligentes. Em geral, sua pouca compreensão existe porque levam muito tempo para ler as palavras, o que deixa pouca energia para a lembrança e compreensão do que leram. Posto de maneira simples, sua leitura das palavras é arrastada e imprecisa, e não automática e fluente.
Mesmo indivíduos com dificuldades relativamente "leves" de leitura dirão que não lêem por prazer. Por que ? Porque dá muito trabalho até se transformar num prazer, e a leitura simplesmente demora muito tempo, impedindo que o leitor se interesse pelo material.
Infelizmente não há nenhuma maneira de se contornar o estágio de decodificar e reconhecer a palavra na leitura. Uma deficiência nestas aptidões não pode ser compensada apreciavelmente com o uso do contexto para se adivinhar o significado das palavras mal lidas, particularmente se a velocidade de leitura for pequena e os erros abundantes. Em essência, à medida que o propósito de aprender a ler é tirar significado do texto impresso, a chave para a compreensão do que é lido se inicia com a leitura imediata e precisa das palavras.
As dificuldades na decodificação e identificação das palavras, ainda que sejam o âmago da maioria das dificuldades, não são o único tipo de inaptidão de leitura que se pode observar. Certamente algumas crianças podem computar as palavras de modo muito rápido, mas ainda assim têm dificuldades em compreender o que leram. Este tipo de disfunção da compreensão da leitura está sendo estudado hoje por diversos cientistas financiados pelo NICHD, e estamos começando a entender como melhor identificar e abordar o problema.
Mesmo indivíduos com dificuldades relativamente "leves" de leitura dirão que não lêem por prazer. Por que ? Porque dá muito trabalho até se transformar num prazer, e a leitura simplesmente demora muito tempo, impedindo que o leitor se interesse pelo material.
Infelizmente não há nenhuma maneira de se contornar o estágio de decodificar e reconhecer a palavra na leitura. Uma deficiência nestas aptidões não pode ser compensada apreciavelmente com o uso do contexto para se adivinhar o significado das palavras mal lidas, particularmente se a velocidade de leitura for pequena e os erros abundantes. Em essência, à medida que o propósito de aprender a ler é tirar significado do texto impresso, a chave para a compreensão do que é lido se inicia com a leitura imediata e precisa das palavras.
As dificuldades na decodificação e identificação das palavras, ainda que sejam o âmago da maioria das dificuldades, não são o único tipo de inaptidão de leitura que se pode observar. Certamente algumas crianças podem computar as palavras de modo muito rápido, mas ainda assim têm dificuldades em compreender o que leram. Este tipo de disfunção da compreensão da leitura está sendo estudado hoje por diversos cientistas financiados pelo NICHD, e estamos começando a entender como melhor identificar e abordar o problema.
Tentando entender o problema:
Se a capacidade de tirar significado do texto impresso depende de uma decodificação e identificação precisa e automática das palavras, que tipo de coisas estorvam a aquisição destas habilidades básicas de leitura? Sem dúvida, crianças pequenas que tenham exposição limitada tanto à linguagem falada como ao texto impresso antes de entrar para a escola estão em risco de fracassar na leitura. Mas muitas crianças cuja inexperiência linguística inicial torna o aprendizado da leitura difícil podem ser levadas a níveis apropriados de leitura com uma instrução intensiva e científica no jardim de infância e na primeira e segunda séries.
O mais intrigante são as dificuldades de leitura observadas em crianças que têm inteligência entre média e acima da média, uma robusta experiência oral em linguagem e frequente interação com livros - crianças frequentemente chamadas de incapazes de aprender ou disléxicas. Muitas crianças examinadas nos estudos financiados pelo NICHD ouviam histórias que lhes eram lidas regularmente desde a tenra infância. Seu vocabulário de fala é bem desenvolvido, e quando se lê para elas, rapidamente entendem e discutem o conteúdo com ricos detalhes. Entretanto, quando se lhes pede que leiam algo apropriado para sua idade, atrapalham-se.
Nesta última década começamos a entender porque. O inglês é uma língua alfabética, o que significa que para ser lido devem-se desvendar as relações entre sons e letras. Assim, um bom leitor conhece as conexões entre os mais ou menos 40 sons da língua e as 26 letras de nosso alfabeto. Nossa pesquisa no NICHD nos ensinou que para que um leitor iniciante aprenda a mapear ou traduzir símbolos impressos (letras e padrões de letras) em sons, ele deve intuitivamente entender que a fala pode ser segmentada e que as unidades segmentadas da fala podem ser representadas de forma impressa. Esta compreensão é chamada de "consciência fonológica", e é um pré-requisito na decodificação e no reconhecimento das palavras, o que, por sua vez, são passos essenciais da compreensão da leitura.
Por que a consciência fonológica é tão importante? Porque se as crianças não puderem perceber os sons das palavras faladas - por exemplo, se não puderem "ouvir" o som at em fat e cat e perceber que a diferença entre estes segmentos sonoros está no primeiro som - terão significativas dificuldades em decodificar as palavras com precisão e fluência. Esta consciência da estrutura sonora de nossa língua parece tão simples e comum que presumimos que todos os jovens devem desenvolvê-la. Mas muitos não fazem isso, e por algumas interessantes razões. Diferentemente da escrita, nossa fala não consiste de sons separados em palavras. Por exemplo, enquanto uma palavra escrita como cat tem três unidades letra-som, o ouvido percebe apenas um som, não três, quando a palavra é dita. Esta mistura e superposição de sons num feixe de fala torna a comunicação oral muito mais eficiente. Pense como demoraria para se conversar se cada palavra que disséssemos fosse retalhada em seus segmentos sonoros. Temos hoje fortes evidências comprovadas de que não é o ouvido que ajuda a criança a entender que uma palavra falada como cat se divide em três sons e que estes sons podem ser traduzidos como as letras c-a-t, é o cérebro. E em muitos indivíduos o cérebro não está processando este tipo de informação fonológica linguística de maneira eficiente.
Em essência, as pesquisas em curso nos ensinam que as dificuldades de leitura ocorrem com mais frequência do que se supôs inicialmente, e que a maioria destas dificuldades reflete uma disfunção específica de linguagem que torna difícil para algumas crianças entender que as palavras faladas são compostas de unidades sonoras que podem ser traduzidas em letras e padrões de letras de modo que elas possam "desvendar" palavras que nunca tenham lido antes. Sem a consciência fonológica e a capacidade de rapidamente rotular padrões de texto impresso com os sons apropriados, as crianças não podem desenvolver um conhecimento letra-som útil e continuarão a adivinhar, mais do que decodificar e reconhecer as palavras da página.
O mais intrigante são as dificuldades de leitura observadas em crianças que têm inteligência entre média e acima da média, uma robusta experiência oral em linguagem e frequente interação com livros - crianças frequentemente chamadas de incapazes de aprender ou disléxicas. Muitas crianças examinadas nos estudos financiados pelo NICHD ouviam histórias que lhes eram lidas regularmente desde a tenra infância. Seu vocabulário de fala é bem desenvolvido, e quando se lê para elas, rapidamente entendem e discutem o conteúdo com ricos detalhes. Entretanto, quando se lhes pede que leiam algo apropriado para sua idade, atrapalham-se.
Nesta última década começamos a entender porque. O inglês é uma língua alfabética, o que significa que para ser lido devem-se desvendar as relações entre sons e letras. Assim, um bom leitor conhece as conexões entre os mais ou menos 40 sons da língua e as 26 letras de nosso alfabeto. Nossa pesquisa no NICHD nos ensinou que para que um leitor iniciante aprenda a mapear ou traduzir símbolos impressos (letras e padrões de letras) em sons, ele deve intuitivamente entender que a fala pode ser segmentada e que as unidades segmentadas da fala podem ser representadas de forma impressa. Esta compreensão é chamada de "consciência fonológica", e é um pré-requisito na decodificação e no reconhecimento das palavras, o que, por sua vez, são passos essenciais da compreensão da leitura.
Por que a consciência fonológica é tão importante? Porque se as crianças não puderem perceber os sons das palavras faladas - por exemplo, se não puderem "ouvir" o som at em fat e cat e perceber que a diferença entre estes segmentos sonoros está no primeiro som - terão significativas dificuldades em decodificar as palavras com precisão e fluência. Esta consciência da estrutura sonora de nossa língua parece tão simples e comum que presumimos que todos os jovens devem desenvolvê-la. Mas muitos não fazem isso, e por algumas interessantes razões. Diferentemente da escrita, nossa fala não consiste de sons separados em palavras. Por exemplo, enquanto uma palavra escrita como cat tem três unidades letra-som, o ouvido percebe apenas um som, não três, quando a palavra é dita. Esta mistura e superposição de sons num feixe de fala torna a comunicação oral muito mais eficiente. Pense como demoraria para se conversar se cada palavra que disséssemos fosse retalhada em seus segmentos sonoros. Temos hoje fortes evidências comprovadas de que não é o ouvido que ajuda a criança a entender que uma palavra falada como cat se divide em três sons e que estes sons podem ser traduzidos como as letras c-a-t, é o cérebro. E em muitos indivíduos o cérebro não está processando este tipo de informação fonológica linguística de maneira eficiente.
Em essência, as pesquisas em curso nos ensinam que as dificuldades de leitura ocorrem com mais frequência do que se supôs inicialmente, e que a maioria destas dificuldades reflete uma disfunção específica de linguagem que torna difícil para algumas crianças entender que as palavras faladas são compostas de unidades sonoras que podem ser traduzidas em letras e padrões de letras de modo que elas possam "desvendar" palavras que nunca tenham lido antes. Sem a consciência fonológica e a capacidade de rapidamente rotular padrões de texto impresso com os sons apropriados, as crianças não podem desenvolver um conhecimento letra-som útil e continuarão a adivinhar, mais do que decodificar e reconhecer as palavras da página.
O Elo Genético
Quando crianças apresentam dificuldades de leitura baseadas na linguagem, começa-se a pensar na origem de tais dificuldades. Se os déficits de leitura não puderem ser explicados por uma falta de exposição a padrões de linguagem e a materiais voltados para alfabetização durante os anos pré-escolares, uma questão que surge com frequência é se a genética está envolvida. Isto é, as dificuldades são herdadas? Além disso, as dificuldades estão associadas ao modo de funcionamento do cérebro? A resposta é um comprovado sim para as duas perguntas, mas não em relação a todos os leitores com dificuldades. Nos últimos 20 anos os dados obtidos em estudos com famílias, gêmeos e padrões cromossômicos, financiados pelo NICHD, fornecem fortes evidências de que a dificuldade de leitura se multiplica nas famílias, pode ser herdada, e bastante provavelmente é causada porque um ou mais genes têm um importante efeito sobre o desenvolvimento neural. Os dados sugerem que estes efeitos genéticos influenciam a transmissão de déficits fonológicos que produzem as dificuldades de decodificação, de reconhecimento de palavras e de leitura descritas anteriormente.
Os mecanismos específicos através dos quais os fatores genéticos predispõe alguém a dificuldades de leitura não estão bem esclarecidos. Uma possibilidade é que as alterações genéticas influenciam a natureza e a qualidade do desenvolvimento do cérebro nos sistemas neurais que são responsáveis pela identificação dos sons das palavras. Diversos estudos recentes financiados pelo NICHD descobriram que os déficits de consciência fonológica estão associados a um funcionamento atípico de regiões cerebrais específicas. É claro que estas informações das pesquisas, por enquanto, só podem ser vistas como sugestões. Ainda assim, a recente explosão tecnológica no desenvolvimento de métodos de neuroimagem que podem ser utilizados com segurança em crianças indica favoravelmente a compreensão científica dos fundamentos neurobiológicos do desenvolvimento e das dificuldades da leitura.
Estas Crianças Podem Ser Ajudadas?
Na verdade podem. Diversos estudos sobre intervenções na leitura financiados pelo NICHD descobriram que muitos jovens podem aprender a ler bastante bem se uma instrução apropriada for ministrada bem cedo. Nestes estudos longitudinais descobrimos que a intervenção tanto precoce como bem informada é crítica. Por que precoce? Porque parece que a menos que as crianças sejam identificadas e a intervenção apropriada seja feita, lá pela segunda ou terceira séries, suas chances de não ficar para trás com relação à leitura são reduzidas dramaticamente. Isto não quer dizer que não dará certo com estudantes mais velhos. Dará, mas o custo em tempo e dinheiro, essencialmente, triplica.
Diversos estudos do NICHD que estão sendo efetuados em muitos locais de pesquisa registraram que um programa de instrução equilibrado, composto de instrução direta em consciência fonológica, elementos fonéticos e leitura contextual, é necessário para que haja ganhos em habilidades de leitura. Para além de qualquer dúvida, descobrimos que os métodos de ensino que se baseiam em uma só filosofia, como a "abordagem da linguagem total" ou o "método fônico", são contraproducentes para crianças que tenham dificuldades de leitura. Mesmo que a criança seja inteligente e o material de leitura seja interessante, a criança não aprenderá a ler a menos que entenda como o texto impresso se traduz em sons. Do mesmo modo, independentemente da consciência fonológica e do conhecimento dos elementos fonéticos que a criança tenha, ela não desejará dedicar-se à leitura e à escrita a menos que estas sejam significativas e interessantes, e ensinadas de maneira excitante e vibrante.
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COMENTANDO:
Gilson Lima – Pesquisador do CNPQ. Pesquisador do Centro de Microgravidade da PUCRS. Proprietário da NITAS – inovação & Tecnologia LTDA. Professor da UNISC-RS. Pesquisador do Research Committee Logic & Methodology and at the Research Committee of the Clinical Sociology Association International Sociological (ISA).E-mail: gilima@gmail.com Blog: http://glolima.blogspot.com/
Realizamos pesquisas com estudantes do ensino superior a fim de identificar a performance de velocidade e de qualidade (compreensão) de um leitor de artigo científico qualificado internacionalmente em língua portuguesa.
Tínhamos como referência inicial a informação de que um leitor muito eficiente está apto a ler em torno de 240 palavras por minuto, conforme indicações conhecidas de Yara Liberato e Lúcia Fulgêncio. De acordo com elas, um exímio leitor tem a capacidade de processar, na maior velocidade possível segundo mapeamento de sinais pela consciência, no máximo 4 palavras por segundo ou 240 palavras por minuto, isso se tomarmos a palavra e não cada letra como unidade perceptual. Considerando, por outro lado, o caractere como unidade perceptual teremos, assim, 1.296 caracteres por minuto ou 21,6 caracteres por segundo (LIBERATO, Y. & FULGÊNCIO, L., 2007: 19). Nossa pesquisa com estudantes de ensino superior permitiu verificar que isso muito raramente ocorre.
Propusemos um teste que denominei de “teste dos 10 minutos” a fim de verificar a possibilidade de um cérebro com uma excelente performance de velocidade de leitura em língua portuguesa envolto em um fluxo contínuo de compreensão semântica consciente e também dentro de uma temática razoavelmente conhecida e em língua falada pelos alunos. Diversas aplicações do teste foram realizados com estudantes do ensino superior, todos do quinto semestre de graduação em diferentes áreas de conhecimento (exatas, humanas e educação).
Nesse teste os alunos foram submetidos a um procedimento individual de leitura em um ambiente silencioso e por exatos 10 minutos. Trata-se de um tempo suficiente para não desgastar as conexões neuronais e nem diminuir a pressão sobre a atenção do texto e, portanto, não produzir moléculas de adenosinas[i] suficientes para diminuir a pressão da atenção sobre o fluxo da leitura do texto.
Vamos rapidamente descrever o teste dos 10 minutos. Para um melhor padrão de comparação os textos foram sempre artigos científicos qualificados internacionalmente pelo Qualis da Capes, mas sempre na língua nativa do leitor (português) e com temática sobre a área que o estudante-leitor está estudando e sobre a qual está, de algum modo, habituado a refletir. Em suma, a introdução de assunto em texto seguiu a máxima de partir de informações já conhecidas em aula pelo leitor(a) (mesmo deslocando-se focalmente do tópico discursivo), facilitando a leitura. A dificuldade de identificar um tópico novo em um texto pode comprometer o desempenho da legibilidade da leitura. Também levamos em consideração a sinalização da narrativa, pois uma má sinalização ou representação inadequada de tópicos pode também comprometer o desempenho ou reduzir a legibilidade da leitura.
Para um leitor atual, a leitura dos caracteres, das palavras e sentenças transmuta de modo muito veloz sinais visuais que, selecionados e capturados, são enviados ao cérebro. As pesquisas mostraram que o tempo de percebermos uma informação visual dura em torno de 50 a 80 milésimos de segundo; mas o cérebro leva mais tempo para processar essa informação: cerca de ¼ de segundo (ou 250 milissegundos). O cérebro requer tempo para tomar suas decisões e interpretar o que foi visto.
É um evento notável, pois falar e compreender a linguagem é o processo de transporte on-line mais rápido e quantitativamente mais intensivo que existe nas áreas perceptivas e motoras. A diferença temporal do som d e q, k e l, tal como a e c, é de cerca de 20 metros por segundo – muito pouco tempo para a programação dos movimentos da língua, maxilar e lábios, por um lado, e o mesmo tempo exigido para a análise acústica, por outro lado.
Resolvemos também testar o nível de compreensão dos significados lidos, ou seja, agregamos ao texto de velocidade um teste de qualidade, mas se verificou um razoável déficit de compreensão semântica, com muito pouca perspectiva de personalidade na narrativa, isto é, todos os leitores testados foram muito descritivos no quesito compreensão qualitativa da leitura. Alguns descreveram sua narrativa perpassando de um modo próximo o tópico central dos textos. Outros apenas realizaram uma descrição muito sintética, indicando uma grande dificuldade de integralizar fragmentos de ideias.
Algo de interessante ocorreu. Alguns alunos que tiveram performance muito boa no quesito velocidade (quantidade em menor tempo de leitura) ao mesmo tempo obtiveram uma performance muito fraca no quesito compreensão qualitativa. De qualquer modo, tudo indica que nossos leitores de texto de diferentes áreas (mais exigidos ou menos exigidos) são até relativamente velozes no teste dos 10 minutos, mas lêem muito mais a imagem do que significado, ou seja, possuem um razoável déficit de significação conceitual, que é menos descritiva nas leituras científicas.
Ainda que se trate de uma pesquisa inicial, com uma amostra pequena para grande generalizações, pensamos que ela já é indicativa de alguns dilemas que podem ser verificados em uma pesquisa maior. O que podemos deduzir para a aprendizagem e a educação da leitura sistemática?
Uma primeira dedução é a de que existem, junto aos estudantes contemporâneos, dois tipos de déficits.
Tínhamos como referência inicial a informação de que um leitor muito eficiente está apto a ler em torno de 240 palavras por minuto, conforme indicações conhecidas de Yara Liberato e Lúcia Fulgêncio. De acordo com elas, um exímio leitor tem a capacidade de processar, na maior velocidade possível segundo mapeamento de sinais pela consciência, no máximo 4 palavras por segundo ou 240 palavras por minuto, isso se tomarmos a palavra e não cada letra como unidade perceptual. Considerando, por outro lado, o caractere como unidade perceptual teremos, assim, 1.296 caracteres por minuto ou 21,6 caracteres por segundo (LIBERATO, Y. & FULGÊNCIO, L., 2007: 19). Nossa pesquisa com estudantes de ensino superior permitiu verificar que isso muito raramente ocorre.
Propusemos um teste que denominei de “teste dos 10 minutos” a fim de verificar a possibilidade de um cérebro com uma excelente performance de velocidade de leitura em língua portuguesa envolto em um fluxo contínuo de compreensão semântica consciente e também dentro de uma temática razoavelmente conhecida e em língua falada pelos alunos. Diversas aplicações do teste foram realizados com estudantes do ensino superior, todos do quinto semestre de graduação em diferentes áreas de conhecimento (exatas, humanas e educação).
Nesse teste os alunos foram submetidos a um procedimento individual de leitura em um ambiente silencioso e por exatos 10 minutos. Trata-se de um tempo suficiente para não desgastar as conexões neuronais e nem diminuir a pressão sobre a atenção do texto e, portanto, não produzir moléculas de adenosinas[i] suficientes para diminuir a pressão da atenção sobre o fluxo da leitura do texto.
Vamos rapidamente descrever o teste dos 10 minutos. Para um melhor padrão de comparação os textos foram sempre artigos científicos qualificados internacionalmente pelo Qualis da Capes, mas sempre na língua nativa do leitor (português) e com temática sobre a área que o estudante-leitor está estudando e sobre a qual está, de algum modo, habituado a refletir. Em suma, a introdução de assunto em texto seguiu a máxima de partir de informações já conhecidas em aula pelo leitor(a) (mesmo deslocando-se focalmente do tópico discursivo), facilitando a leitura. A dificuldade de identificar um tópico novo em um texto pode comprometer o desempenho da legibilidade da leitura. Também levamos em consideração a sinalização da narrativa, pois uma má sinalização ou representação inadequada de tópicos pode também comprometer o desempenho ou reduzir a legibilidade da leitura.
Para um leitor atual, a leitura dos caracteres, das palavras e sentenças transmuta de modo muito veloz sinais visuais que, selecionados e capturados, são enviados ao cérebro. As pesquisas mostraram que o tempo de percebermos uma informação visual dura em torno de 50 a 80 milésimos de segundo; mas o cérebro leva mais tempo para processar essa informação: cerca de ¼ de segundo (ou 250 milissegundos). O cérebro requer tempo para tomar suas decisões e interpretar o que foi visto.
É um evento notável, pois falar e compreender a linguagem é o processo de transporte on-line mais rápido e quantitativamente mais intensivo que existe nas áreas perceptivas e motoras. A diferença temporal do som d e q, k e l, tal como a e c, é de cerca de 20 metros por segundo – muito pouco tempo para a programação dos movimentos da língua, maxilar e lábios, por um lado, e o mesmo tempo exigido para a análise acústica, por outro lado.
Resolvemos também testar o nível de compreensão dos significados lidos, ou seja, agregamos ao texto de velocidade um teste de qualidade, mas se verificou um razoável déficit de compreensão semântica, com muito pouca perspectiva de personalidade na narrativa, isto é, todos os leitores testados foram muito descritivos no quesito compreensão qualitativa da leitura. Alguns descreveram sua narrativa perpassando de um modo próximo o tópico central dos textos. Outros apenas realizaram uma descrição muito sintética, indicando uma grande dificuldade de integralizar fragmentos de ideias.
Algo de interessante ocorreu. Alguns alunos que tiveram performance muito boa no quesito velocidade (quantidade em menor tempo de leitura) ao mesmo tempo obtiveram uma performance muito fraca no quesito compreensão qualitativa. De qualquer modo, tudo indica que nossos leitores de texto de diferentes áreas (mais exigidos ou menos exigidos) são até relativamente velozes no teste dos 10 minutos, mas lêem muito mais a imagem do que significado, ou seja, possuem um razoável déficit de significação conceitual, que é menos descritiva nas leituras científicas.
Ainda que se trate de uma pesquisa inicial, com uma amostra pequena para grande generalizações, pensamos que ela já é indicativa de alguns dilemas que podem ser verificados em uma pesquisa maior. O que podemos deduzir para a aprendizagem e a educação da leitura sistemática?
Uma primeira dedução é a de que existem, junto aos estudantes contemporâneos, dois tipos de déficits.
1.Um de patologia neurobiológica proveniente de perturbações nas microrrelações neuronais e outro proveniente dos déficits de aprendizagem social
2. Um déficit de escassez da utilização da leitura oriunda da geração da TV, leitora de imagens em movimento, ou seja, um déficit de hermenêutica de profundidade.[ii]
Do ponto de vista das perturbações de microrrelações neuronais calcula-se que entre 5% e 8% das crianças sofrem de déficits de compreensão da linguagem de tipo acústico que, na continuidade do desenvolvimento infantil, muitas vezes se evidenciam em dificuldades de leitura e mesmo em dislexia. Do ponto de vista do déficit de hermenêutica de profundidade – escassez do hábito de leitura de textos, esse índice não é ainda conhecido, mas acreditamos que seja uma patologia que envolva mais da metade de nossos estudantes provenientes da geração da TV.
Uma segunda dedução é que o cérebro vê muito mais do que os olhos percebem. Por exemplo, palavras com forte significado emocional, captadas de forma subliminar, fixam-se na memória inconsciente com o conteúdo relacionado a elas mesmo sem terem sido processadas pelos olhos. Grande parte das imagens captadas pela visão periférica, ou seja, fora da fóvea, região da retina usada para focalizar objetos, é processada de modo subliminar. O processamento desses estímulos ocupa preferencialmente o lado direito do cérebro, mais ligado às emoções, e o armazenamento ocorre de forma paralela ao dos estímulos supraliminares. A diferença é que não temos consciência disso. Por isso, uma revisão ortográfica e detalhada de um texto deve ser realizada como se estivéssemos usando uma régua em cada uma das sílabas registradas (alguns revisores utilizam mesmo uma régua), pois o que importa não é o processo de significação imediata, o processo do pensamento, mas a precisão da escrita dentro das regras de uma língua em que o texto está sendo produzido.
Como focamos a atenção em um conjunto de estímulos, haverá outros que serão percebidos de forma subliminar. Em uma cultura com dados abundantes oferecidos em uma velocidade crescente, as mensagens passam para o inconsciente de forma inadvertida e, quanto mais conhecemos o tema e o assunto sobre o qual estamos lendo, maior se torna a compreensão daquilo que não é percebido conscientemente.
Uma terceira dedução decorre de nossa verificação: quanto maior o acúmulo de experiência de leitura, quanto maior o domínio léxico de uma língua, maior será a redução dos prazos relacionados às decisões que o cérebro deve tomar em um processo imediato de leitura. Descobrimos que muito da leitura não é necessariamente visual. Quando lemos, nossos olhos se movimentam. Esse movimento na leitura não é linear e contínuo, como se estivesse escaneando um papel impresso palavra por palavra. Precisamos nos concentrar, mas também precisamos suspender, ao mesmo tempo, o exercício mecânico em direção a uma performance imaginativa nos processos de significação.
Em uma leitura rápida e qualificada de compreensão ocorre também, muito provavelmente, uma mudança na localização dos processamentos neuronais para as áreas não visuais e superiores do córtex neofrontal, em uma similitude que envolve os hemisférios esquerdo e direito em um jogo crescente entre processo abstrato de significação por raciocínio e processo abstrato por intuição. Dependendo de cada foco de leitura existirá, certamente, um maior envolvimento em processos de significação por raciocínio do que intuição ou em processos de significação de intuição do que de raciocínio. Muito da leitura é não visual, é adivinhação envolvida em complexos processos de mentitude que abrangem sinais lidos e não lidos.
Como focamos a atenção em um conjunto de estímulos, haverá outros que serão percebidos de forma subliminar. Em uma cultura com dados abundantes oferecidos em uma velocidade crescente, as mensagens passam para o inconsciente de forma inadvertida e, quanto mais conhecemos o tema e o assunto sobre o qual estamos lendo, maior se torna a compreensão daquilo que não é percebido conscientemente.
Uma terceira dedução decorre de nossa verificação: quanto maior o acúmulo de experiência de leitura, quanto maior o domínio léxico de uma língua, maior será a redução dos prazos relacionados às decisões que o cérebro deve tomar em um processo imediato de leitura. Descobrimos que muito da leitura não é necessariamente visual. Quando lemos, nossos olhos se movimentam. Esse movimento na leitura não é linear e contínuo, como se estivesse escaneando um papel impresso palavra por palavra. Precisamos nos concentrar, mas também precisamos suspender, ao mesmo tempo, o exercício mecânico em direção a uma performance imaginativa nos processos de significação.
Em uma leitura rápida e qualificada de compreensão ocorre também, muito provavelmente, uma mudança na localização dos processamentos neuronais para as áreas não visuais e superiores do córtex neofrontal, em uma similitude que envolve os hemisférios esquerdo e direito em um jogo crescente entre processo abstrato de significação por raciocínio e processo abstrato por intuição. Dependendo de cada foco de leitura existirá, certamente, um maior envolvimento em processos de significação por raciocínio do que intuição ou em processos de significação de intuição do que de raciocínio. Muito da leitura é não visual, é adivinhação envolvida em complexos processos de mentitude que abrangem sinais lidos e não lidos.
[i] Estudos recentes têm demonstrado que a fadiga mental está bioquimicamente associada ao acúmulo de uma pequena molécula, adenosina, que é liberada por células cerebrais chamadas glias. No final desse artigo abordaremos mais sobre a fadiga mental.
[ii] Uma questão muito importante é a diferença fundamental do percepto inicial de ler imagens (signos miméticos: que imitam a realidade) e um texto. A diferença consiste principalmente no processo inicial da percepção e da concentração, em que a imagem se apresenta por inteiro; a leitura de um texto, ao contrário, necessita de um foco intenso de atenção e concentração nos seus fragmentos (signos) para mergulharmos na narrativa e conquistarmos sua significação, ou seja, para nos apropriamos de seus significados. Não compreendemos de imediato o conjunto do conteúdo de um texto, não relacionamos imediatamente este texto a outros textos e nem a outros fragmentos escritos (LIMA, 2005: 78).
[ii] Uma questão muito importante é a diferença fundamental do percepto inicial de ler imagens (signos miméticos: que imitam a realidade) e um texto. A diferença consiste principalmente no processo inicial da percepção e da concentração, em que a imagem se apresenta por inteiro; a leitura de um texto, ao contrário, necessita de um foco intenso de atenção e concentração nos seus fragmentos (signos) para mergulharmos na narrativa e conquistarmos sua significação, ou seja, para nos apropriamos de seus significados. Não compreendemos de imediato o conjunto do conteúdo de um texto, não relacionamos imediatamente este texto a outros textos e nem a outros fragmentos escritos (LIMA, 2005: 78).
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Considerações: ler e escrever no pagus
Thomas Astle escreveu e imprimiu esse clássico intitulado A origem e o progresso da escrita [The Origin and Progress of Writing], obra com 235 páginas, publicada em Londres em 1784; nela o autor apresenta a escrita desde o hieroglífico elementar, com ilustrações de gravuras lavadas de mármores, manuscritos e escrituras, antigas e modernas. Essa primeira edição inclui alguns desenhos coloridos à mão. Na seção de história esse autor apresenta a clássica teoria de que a impressão teve origem na China. Para Astle, “A mais nobre aquisição da humanidade é a fala, e a arte mais útil é a escrita. A primeira distingue eminentemente o homem da criatura bruta; a segunda, dos selvagens sem civilização” (OLSON, 1997: 17).
Gutenberg fez-nos leitores de livros; a máquina de reprografia fez-nos editores e a eletrônica e os computadores em rede faz-nos co-autores nesse hipertexto planetário da Web. É de conhecimento comum que a escrita não se confunde com o pensamento (isso reforça a afirmação de que uma nova cultura de reconstrução da realidade – a cultura oral x escrita impressa em átomos e x cultura digital – com multicamadas, dos elétrons à interface – não extingue as demais).
O processo de implantação da escrita na história da civilização foi muito longo. No início, escrever significava aprender dezenas ou até centenas de sinais, o que não estava ao alcance de todos. A escrita em átomos utilizou-se de vários suportes: escrevia-se em pedras, em argila, em rolos vegetais, feitos a partir do caule de uma planta (papiro) e, mais tarde, em pergaminhos, livros, etc. O suporte da informação e da comunicação é, talvez, o que “menos” se vê e o que mais interfere na simbiose da produção e da comunicação social do conhecimento. Foi assim até chegarmos ao alfabeto e ao texto pagus.
O que seria um texto pagus? Trata-se de registros de signos impressos e delimitados por uma página estática. Pagus, do latim, quer dizer campo ou local onde o camponês pisava.
Um texto pagus tem as seguintes características:
Gutenberg fez-nos leitores de livros; a máquina de reprografia fez-nos editores e a eletrônica e os computadores em rede faz-nos co-autores nesse hipertexto planetário da Web. É de conhecimento comum que a escrita não se confunde com o pensamento (isso reforça a afirmação de que uma nova cultura de reconstrução da realidade – a cultura oral x escrita impressa em átomos e x cultura digital – com multicamadas, dos elétrons à interface – não extingue as demais).
O processo de implantação da escrita na história da civilização foi muito longo. No início, escrever significava aprender dezenas ou até centenas de sinais, o que não estava ao alcance de todos. A escrita em átomos utilizou-se de vários suportes: escrevia-se em pedras, em argila, em rolos vegetais, feitos a partir do caule de uma planta (papiro) e, mais tarde, em pergaminhos, livros, etc. O suporte da informação e da comunicação é, talvez, o que “menos” se vê e o que mais interfere na simbiose da produção e da comunicação social do conhecimento. Foi assim até chegarmos ao alfabeto e ao texto pagus.
O que seria um texto pagus? Trata-se de registros de signos impressos e delimitados por uma página estática. Pagus, do latim, quer dizer campo ou local onde o camponês pisava.
Um texto pagus tem as seguintes características:
1) É um texto escrito em páginas estáticas, demarcadas fisicamente por um plano reto, do tipo tábua (largura, altura precisamente definida e plana).
2) Tem um ciclo próprio (um início, um desenvolvimento e um fim). Por exemplo, o texto pagus produz uma unidade isolada de início, meio e fim de significações e significados. Assim, um texto, um livro é uno, um parágrafo, um capítulo são sempre uma unidade em si mesma.
3) A organização de seus registros é linear, sequencial e envolta em um ordenamento delimitado e consecutivo, como se seguíssemos uma linha após outra, desenvolvendo assim, cada vez mais, uma crescente em perspectiva de acumulação de signos e significados, ou seja, uma sequência progressiva e imaginante de significação determinada pelas linhas delimitadas da leitura.
2) Tem um ciclo próprio (um início, um desenvolvimento e um fim). Por exemplo, o texto pagus produz uma unidade isolada de início, meio e fim de significações e significados. Assim, um texto, um livro é uno, um parágrafo, um capítulo são sempre uma unidade em si mesma.
3) A organização de seus registros é linear, sequencial e envolta em um ordenamento delimitado e consecutivo, como se seguíssemos uma linha após outra, desenvolvendo assim, cada vez mais, uma crescente em perspectiva de acumulação de signos e significados, ou seja, uma sequência progressiva e imaginante de significação determinada pelas linhas delimitadas da leitura.
Talvez a metáfora mais pertinente para imaginarmos esse processo seja a metáfora do trem da história, que segue suas duas e seguras linhas paralelas. Ela pode ajudar a entendermos as implicações da leitura do pagus. O diagrama mostra a noção moderna de ordenação dos signos que representam a realidade, envoltos em uma temporalidade desenvolvimentista proveniente da abordagem do tempo flecha – o tempo recortado na sequencialidade de uma sucessão de um passado, um presente e um futuro.
Vejamos abaixo, na figura 04, um diagrama que sintetiza as implicações de um aprendizado da cultura da escrita no pagus.
Imaginemos um leitor que se dirige a uma estação de leitura e compra a passagem para uma viajem de trem para cada um dos processos de significação que embarcarão na viagem da compreensão. As letras, as palavras e sentenças se estruturam em linhas ordenadas em sequências paralelas e hierárquicas. Cada signo quer ter seu lugar num dos vagões que farão a viagem da leitura do “trem” da compreensão, mas não existe passagem para todos os signos-caracteres. Os signos-caracteres vão se acumulando em fila e pisando uns nos pés dos outros, muito próximos, mas no final eles se agrupam e se integram de tal modo que irão se converter em significados, desaparecendo como signos de caracteres. Todos os significados agora vão adquirindo na estação da leitura linear a sua passagem para estação do trem da compreensão dos significados, todos eles agora têm seus lugares devidamente garantidos na viagem.
Vejamos abaixo, na figura 04, um diagrama que sintetiza as implicações de um aprendizado da cultura da escrita no pagus.
Imaginemos um leitor que se dirige a uma estação de leitura e compra a passagem para uma viajem de trem para cada um dos processos de significação que embarcarão na viagem da compreensão. As letras, as palavras e sentenças se estruturam em linhas ordenadas em sequências paralelas e hierárquicas. Cada signo quer ter seu lugar num dos vagões que farão a viagem da leitura do “trem” da compreensão, mas não existe passagem para todos os signos-caracteres. Os signos-caracteres vão se acumulando em fila e pisando uns nos pés dos outros, muito próximos, mas no final eles se agrupam e se integram de tal modo que irão se converter em significados, desaparecendo como signos de caracteres. Todos os significados agora vão adquirindo na estação da leitura linear a sua passagem para estação do trem da compreensão dos significados, todos eles agora têm seus lugares devidamente garantidos na viagem.
A leitura de um texto pagus implica também em mecanismos sofisticados de decodificação, relacionados aos limites que nossos cérebros possuem na estruturação mimética das decodificações. Ou seja, implica no tamanho e na extensão das unidades significativas que destacamos das bases textuais que estão sendo lidas, pois lemos por fatias, o que Miller chamou de chunc em 1956, quando tratou de alguns limites de nossa capacidade de processar informação (LIBERATO & FULGÊNCIO, 2007: 21).
Ler toma tempo. Quem lê, diariamente, cerca de 5 páginas, em 10 anos terá percepcionado cerca de 50 mil milhões de letras. Estas letras são de fato produtos artificiais, porque fazem parte dos nossos objetos perceptivos mais frequentes, e têm há pelo menos 500 anos uma vida própria.
Para ler primeiro precisamos fatiar letras, depois aprendemos com o tempo a fatiar as palavras e as sentenças. São procedimentos performáticos acumulativos cujas habilidades de velocidade e precisão dependem de muito exercício. Ler não é uma atividade natural. Domar e conquistar uma compreensão conceitual não é tarefa apenas resolvida pelos genes. É preciso praticar. A própria capacidade de relacionamento da memória de curto prazo com a de longo prazo precisa ser exercitada.
Assim, ao olharmos para um texto escrito e impresso em papel, para que possamos lê-lo teremos de mergulhar nele e verificar a existência de palavras e pedaços de frases que, de imediato, não ouvimos, e de símbolos que não emitem sons, por isso lemos conversando com nós mesmos.
As palavras impressas são, antes de tudo, formas simbólicas, gravadas em um fundo não impresso. Certamente, pela velocidade de nosso olhar, não compreendemos que é pela natureza contrastante de um fundo não impresso que garantimos a existência da significação alfabética impressa.
Para dominá-lo, nós mapeamos suas macro-referências: o seu título, suas notas de rodapé, seus capítulos, enfim, itens diversos, e dirigimo-nos a sua bibliografia. Podemos dizer o mesmo quando escutamos um texto. Ao emitirmos sons da fala, provenientes da leitura em voz alta de um texto qualquer, eles perfuram o vácuo, ocupando espaços que só podem ser compreendidos, de forma lógica, através de nossa concentração sensível aos seus ruídos e pela negligência de nossa atenção focal com relação a outros sons existentes no contexto gerador desta determinada leitura. Os outros sons no entorno contextual são, pela nossa concentração sensível, desfocalizados e tomados apenas como ruídos ambientais.
Como vimos, ler um texto não é natural. Ler aciona uma rede complexa de centros cerebrais – vários níveis de abstração –; são escolhidos, ativados e sincronizados entre si diversos programas de movimento. O resultado é um texto lido em voz alta, que praticamente parece ter sido produzido espontaneamente. O conjunto é um processamento de informação neuronal, conduzido ao mais alto nível, que, para nós, é tão adequado quanto um trator para uma corrida de fórmula 1, e para cuja afinação dispomos apenas de duas horas antes do início da corrida (SPITZER, 2007: 215).
Ler toma tempo. Quem lê, diariamente, cerca de 5 páginas, em 10 anos terá percepcionado cerca de 50 mil milhões de letras. Estas letras são de fato produtos artificiais, porque fazem parte dos nossos objetos perceptivos mais frequentes, e têm há pelo menos 500 anos uma vida própria.
Para ler primeiro precisamos fatiar letras, depois aprendemos com o tempo a fatiar as palavras e as sentenças. São procedimentos performáticos acumulativos cujas habilidades de velocidade e precisão dependem de muito exercício. Ler não é uma atividade natural. Domar e conquistar uma compreensão conceitual não é tarefa apenas resolvida pelos genes. É preciso praticar. A própria capacidade de relacionamento da memória de curto prazo com a de longo prazo precisa ser exercitada.
Assim, ao olharmos para um texto escrito e impresso em papel, para que possamos lê-lo teremos de mergulhar nele e verificar a existência de palavras e pedaços de frases que, de imediato, não ouvimos, e de símbolos que não emitem sons, por isso lemos conversando com nós mesmos.
As palavras impressas são, antes de tudo, formas simbólicas, gravadas em um fundo não impresso. Certamente, pela velocidade de nosso olhar, não compreendemos que é pela natureza contrastante de um fundo não impresso que garantimos a existência da significação alfabética impressa.
Para dominá-lo, nós mapeamos suas macro-referências: o seu título, suas notas de rodapé, seus capítulos, enfim, itens diversos, e dirigimo-nos a sua bibliografia. Podemos dizer o mesmo quando escutamos um texto. Ao emitirmos sons da fala, provenientes da leitura em voz alta de um texto qualquer, eles perfuram o vácuo, ocupando espaços que só podem ser compreendidos, de forma lógica, através de nossa concentração sensível aos seus ruídos e pela negligência de nossa atenção focal com relação a outros sons existentes no contexto gerador desta determinada leitura. Os outros sons no entorno contextual são, pela nossa concentração sensível, desfocalizados e tomados apenas como ruídos ambientais.
Como vimos, ler um texto não é natural. Ler aciona uma rede complexa de centros cerebrais – vários níveis de abstração –; são escolhidos, ativados e sincronizados entre si diversos programas de movimento. O resultado é um texto lido em voz alta, que praticamente parece ter sido produzido espontaneamente. O conjunto é um processamento de informação neuronal, conduzido ao mais alto nível, que, para nós, é tão adequado quanto um trator para uma corrida de fórmula 1, e para cuja afinação dispomos apenas de duas horas antes do início da corrida (SPITZER, 2007: 215).
O trator pode fazer, muito melhor, mais coisas do que um carro de corrida. E o nosso cérebro pode fazer mais do que apenas ler e, de fato, pode fazer muito mais e muito melhor.
Ler um texto sobre algo que não conhecemos é ainda muito mais difícil. Dependemos do conjunto de léxicos, palavras conhecidas para determinar nossa performance de velocidade e precisão da leitura. Ler um texto em um léxico que não dominamos, em uma língua que não falamos é ainda mais difícil. Dependemos de dicionários, mas as palavras têm seus contextos narrativos, temos ainda a cultura, um modo de pensar que não é apenas um processo de codificação automática; se assim o fosse, os programas computacionais de conversão automática de voz em texto ou mesmo meramente de tradução de textos dariam conta do recado facilmente.
Uma das grandes dificuldades dos programas de conversão automática de voz em texto é que, infelizmente, somos seres simbólicos e fabricamos diferentes significados em diferentes contextos e até mesmo em contextos muito parecidos. É muito comum, inclusive, utilizarmos significados diferentes para um mesmo léxico ou uma mesma palavra.
Os contextos léxicos comunicacionais envolvem intencionalidade e um enorme colorido emocional. Por exemplo, um casal que esteja acostumado a tratar um ou outro não pelo nome, mas pelo léxico: amor. Às vezes a tonalidade, um colorido emocional no contexto do enunciado demonstra aproximação, ternura, às vezes um xingamento chamando o outro de AMOR (aos gritos). Nesse caso, um sensor indicando a intensidade do tom e definindo a altura da expressão poderia resolver muitos dos problemas de uma interpretação automática, mas não apenas seres simbólicos, somos também criativos, inventamos significados, alteramos representações, desculpamos, aprendemos, mudamos de comportamento.
Até hoje alguns cientistas e educadores ainda pensam que nós transferimos e deslocamos para o cérebro, mecanicamente, por meio da leitura, o estoque de informações que estavam impressas nos documentos. Achavam que era assim que nos tornávamos inteligentes. Hoje sabemos que esta é uma maneira muito primitiva da inteligência, conhecida como memória primária de curta duração.[iii]
Assim, ler não é fácil e o culpado é o cérebro, que vai ficando cansado. Ainda não se entende completamente o que é a fadiga mental em termos neuronais, mas alguns de seus processos químicos já são conhecidos. A fadiga mental está bioquimicamente associada ao acúmulo de uma pequena molécula, a adenosina, que é liberada pelas inúmeras células cerebrais (glia) nos locais de grande atividade sináptica neuronal.
A liberação química de adenosina pela glia acontece como resposta aos neurotransmissores, as substâncias usadas pelos neurônios para passar informação adiante entre si. Por isso, quanto mais intensa for a atividade sináptica em uma região cerebral, mais adenosina será liberada pela glia (PASCUAL, 2005: 113-116).
Toda essa adenosina se acumula ao redor das células e age sobre os neurônios, impedindo que eles fiquem excessivamente ativos – o que também coloca um "teto" em sua capacidade de processamento de informação. Por isso não adianta praticar muitas horas seguidas, e não é possível para manter o desempenho trabalhando muito tempo em uma mesma tarefa.
Ao menos a fadiga é específica: ela é limitada aos circuitos que trabalharam demais. Se você mudar de assunto, levantar e esticar os braços, dar uma volta ou mudar de atividade em vez de fazer contas ou buscar significados entre letras mentais, seus movimentos são acionando imediatamente e se retornar alguns minutos depois a atividade mental sua performance retorna ao normal sem problemas. Por isso o currículo escolar, com a divisão do período de aulas em blocos de cerca de 40 minutos, acerta ao não manter ninguém tempo demais pensando no mesmo assunto. E quando todos os circuitos cerebrais tiverem se esgotado, o cérebro possui o seu próprio remédio para a fadiga: dormir (HERCULANO-HOUZEL, 2007: 68).
Ler cansa, por que ler não é apenas transferir registros de um lugar para outro, exige energia, foco, atenção e concentração. Se o pensamento não se confunde com a linguagem, a leitura não se confunde com a linguagem escrita e com muita abstração. A escrita impressa em átomos em uma folha de papel é produto de uma conquista histórica, ocorrida muito depois da formação de nosso sistema nervoso.
O cérebro humano possui quase um trilhão de células gliais, cerca de nove células gliais para cada neurônio. Durante décadas, fisiologistas consideravam os neurônios os principais comunicadores do cérebro. Achava-se que as células gliais tinham somente papel de manutenção: levar nutrientes dos vasos sanguíneos para os neurônios, manter um equilíbrio saudável de íons no cérebro e afugentar patógenos que tivessem escapado do sistema imunológico. Nos últimos anos, técnicas mais sensíveis de imagem mostraram que neurônios e células gliais dialogam entre si, do desenvolvimento embrionário até a velhice. As células gliais influenciam a formação de sinapses e ajudam a determinar as conexões neurais que se fortalecerão com o tempo. Essas alterações são essenciais para o aprendizado e o armazenamento de memórias duradouras. Trabalhos mais recentes mostram que as células gliais também se comunicam entre si em uma rede independente, mas paralela à neural, influenciando o desempenho do cérebro. Os neurologistas ainda estão cautelosos e evitam atribuir rápido demais importância à glia. Apesar disso, estão entusiasmados com a perspectiva de que mais da metade do cérebro permanece inexplorado e pode representar uma mina de ouro em informações sobre o funcionamento da mente.
Verificando, na pesquisa que realizamos, os estudantes que tiveram uma performance superior de leitura e compreensão, fizemos uma descoberta interessante. Para ler, ler bem e compreender de modo rápido, não necessitamos apenas focar nossas retinas em um texto, ao contrário, ler rapidamente e ler bem pode significar muito mais a capacidade de não transferir registros de sinais gráficos mecanicamente e muito mais de não lê-los. Assim, uma boa prática de leitura é mais do que exercitar o foco central exigido por nossas retinas em um texto.
Na verdade, a velocidade não é uma determinante absoluta para a qualidade da leitura, mas indica uma performance associada à compreensão, que pode contribuir para entendermos e melhorarmos o desempenho da aquisição de conhecimento através da leitura. Um texto em uma língua, em um léxico que não dominamos, chinês, japonês ou mesmo uma língua como o inglês, pode ser capturado pelos olhos, mas não imediatamente compreendido. Não faltará apenas a informação visual, mas também a informação não-visual necessária para a nossa compreensão. A informação não-visual que utilizamos na leitura compreende tanto o conhecimento da língua como do assunto do texto, e ainda nossa bagagem lexical acumulada e nossos conhecimentos acerca do que compõe a teoria do mundo.
Em nossos testes vimos que a velocidade de leitura depende do exercício acumulado, ou seja, da própria prática de ler, do desenvolvimento da disciplina e da concentração focal, mas depende também, sobretudo, do envolvimento emocional do leitor com a temática, o que é determinante para a conquista da qualidade interpretativa presente nos próprios estímulos do que está sendo capturado pela visão. Ler com prazer é muito mais eficaz.
Assim, um outro efeito líquido para a educação sistemática é que a leitura de um texto pagus é um processo que envolve um estado de mentitude muito complexo. Ler não é fácil e envolve tempo e dedicação. A dominância do pagus sobre o pensamento implicou em duas grandes metodologias de reconstrução simbólica da realidade. A primeira é aquela que se subordinou à ideia de tempo, de precisão linear, presa ao conhecido cronos (tempo cronológico), ou seja, uma representação temporal do tempo, como uma flecha que se dirige permanentemente em uma direção progressiva e nunca mais reencontrará o seu início. A segunda é que isto acabou por levar-nos a um entendimento muito equivocado de inteligência e memória humana.
Por isso pensar e ler cansa. Depois de algumas horas estudando, lendo ou traduzindo um texto ou realizando uma tarefa mental repetidamente, sem descanso, nosso desempenho acaba se deteriorando em vez de melhorar, e é preciso parar antes que os erros fiquem maiores do que gostaríamos.
Como acontece esta transformação de elementos gráficos em simbólicos, de letras em significados, de palavras escritas em sons falados? Como se enquadra a compreensão da linguagem na percepção, para garantir uma rápida captação da informação linguística através de canais não construídos para este efeito? O fato de a leitura parecer, para a maioria das pessoas, tão isenta de dificuldades, resulta de milhares de horas de exercícios e mostra, mais uma vez, como o cérebro humano é flexível. Pode aprender atividades que, no seu caso, não foram instaladas no início. Deduzimos por fim que as antigas atividades de leituras dirigidas e práticas de leituras e de oficinas de leituras coletivas e individuais de texto pagus em salas de aula do ensino básico e médio não estão sendo realizadas e, infelizmente, essas práticas estão sendo abandonadas na formação de base de nossos estudantes atuais. Isso pode comprometer seriamente a complexidade da compreensão de hermenêuticas de profundidade e da complexa conquista do conceito.
Uma das grandes dificuldades dos programas de conversão automática de voz em texto é que, infelizmente, somos seres simbólicos e fabricamos diferentes significados em diferentes contextos e até mesmo em contextos muito parecidos. É muito comum, inclusive, utilizarmos significados diferentes para um mesmo léxico ou uma mesma palavra.
Os contextos léxicos comunicacionais envolvem intencionalidade e um enorme colorido emocional. Por exemplo, um casal que esteja acostumado a tratar um ou outro não pelo nome, mas pelo léxico: amor. Às vezes a tonalidade, um colorido emocional no contexto do enunciado demonstra aproximação, ternura, às vezes um xingamento chamando o outro de AMOR (aos gritos). Nesse caso, um sensor indicando a intensidade do tom e definindo a altura da expressão poderia resolver muitos dos problemas de uma interpretação automática, mas não apenas seres simbólicos, somos também criativos, inventamos significados, alteramos representações, desculpamos, aprendemos, mudamos de comportamento.
Até hoje alguns cientistas e educadores ainda pensam que nós transferimos e deslocamos para o cérebro, mecanicamente, por meio da leitura, o estoque de informações que estavam impressas nos documentos. Achavam que era assim que nos tornávamos inteligentes. Hoje sabemos que esta é uma maneira muito primitiva da inteligência, conhecida como memória primária de curta duração.[iii]
Assim, ler não é fácil e o culpado é o cérebro, que vai ficando cansado. Ainda não se entende completamente o que é a fadiga mental em termos neuronais, mas alguns de seus processos químicos já são conhecidos. A fadiga mental está bioquimicamente associada ao acúmulo de uma pequena molécula, a adenosina, que é liberada pelas inúmeras células cerebrais (glia) nos locais de grande atividade sináptica neuronal.
A liberação química de adenosina pela glia acontece como resposta aos neurotransmissores, as substâncias usadas pelos neurônios para passar informação adiante entre si. Por isso, quanto mais intensa for a atividade sináptica em uma região cerebral, mais adenosina será liberada pela glia (PASCUAL, 2005: 113-116).
Toda essa adenosina se acumula ao redor das células e age sobre os neurônios, impedindo que eles fiquem excessivamente ativos – o que também coloca um "teto" em sua capacidade de processamento de informação. Por isso não adianta praticar muitas horas seguidas, e não é possível para manter o desempenho trabalhando muito tempo em uma mesma tarefa.
Ao menos a fadiga é específica: ela é limitada aos circuitos que trabalharam demais. Se você mudar de assunto, levantar e esticar os braços, dar uma volta ou mudar de atividade em vez de fazer contas ou buscar significados entre letras mentais, seus movimentos são acionando imediatamente e se retornar alguns minutos depois a atividade mental sua performance retorna ao normal sem problemas. Por isso o currículo escolar, com a divisão do período de aulas em blocos de cerca de 40 minutos, acerta ao não manter ninguém tempo demais pensando no mesmo assunto. E quando todos os circuitos cerebrais tiverem se esgotado, o cérebro possui o seu próprio remédio para a fadiga: dormir (HERCULANO-HOUZEL, 2007: 68).
Ler cansa, por que ler não é apenas transferir registros de um lugar para outro, exige energia, foco, atenção e concentração. Se o pensamento não se confunde com a linguagem, a leitura não se confunde com a linguagem escrita e com muita abstração. A escrita impressa em átomos em uma folha de papel é produto de uma conquista histórica, ocorrida muito depois da formação de nosso sistema nervoso.
O cérebro humano possui quase um trilhão de células gliais, cerca de nove células gliais para cada neurônio. Durante décadas, fisiologistas consideravam os neurônios os principais comunicadores do cérebro. Achava-se que as células gliais tinham somente papel de manutenção: levar nutrientes dos vasos sanguíneos para os neurônios, manter um equilíbrio saudável de íons no cérebro e afugentar patógenos que tivessem escapado do sistema imunológico. Nos últimos anos, técnicas mais sensíveis de imagem mostraram que neurônios e células gliais dialogam entre si, do desenvolvimento embrionário até a velhice. As células gliais influenciam a formação de sinapses e ajudam a determinar as conexões neurais que se fortalecerão com o tempo. Essas alterações são essenciais para o aprendizado e o armazenamento de memórias duradouras. Trabalhos mais recentes mostram que as células gliais também se comunicam entre si em uma rede independente, mas paralela à neural, influenciando o desempenho do cérebro. Os neurologistas ainda estão cautelosos e evitam atribuir rápido demais importância à glia. Apesar disso, estão entusiasmados com a perspectiva de que mais da metade do cérebro permanece inexplorado e pode representar uma mina de ouro em informações sobre o funcionamento da mente.
Verificando, na pesquisa que realizamos, os estudantes que tiveram uma performance superior de leitura e compreensão, fizemos uma descoberta interessante. Para ler, ler bem e compreender de modo rápido, não necessitamos apenas focar nossas retinas em um texto, ao contrário, ler rapidamente e ler bem pode significar muito mais a capacidade de não transferir registros de sinais gráficos mecanicamente e muito mais de não lê-los. Assim, uma boa prática de leitura é mais do que exercitar o foco central exigido por nossas retinas em um texto.
Na verdade, a velocidade não é uma determinante absoluta para a qualidade da leitura, mas indica uma performance associada à compreensão, que pode contribuir para entendermos e melhorarmos o desempenho da aquisição de conhecimento através da leitura. Um texto em uma língua, em um léxico que não dominamos, chinês, japonês ou mesmo uma língua como o inglês, pode ser capturado pelos olhos, mas não imediatamente compreendido. Não faltará apenas a informação visual, mas também a informação não-visual necessária para a nossa compreensão. A informação não-visual que utilizamos na leitura compreende tanto o conhecimento da língua como do assunto do texto, e ainda nossa bagagem lexical acumulada e nossos conhecimentos acerca do que compõe a teoria do mundo.
Em nossos testes vimos que a velocidade de leitura depende do exercício acumulado, ou seja, da própria prática de ler, do desenvolvimento da disciplina e da concentração focal, mas depende também, sobretudo, do envolvimento emocional do leitor com a temática, o que é determinante para a conquista da qualidade interpretativa presente nos próprios estímulos do que está sendo capturado pela visão. Ler com prazer é muito mais eficaz.
Assim, um outro efeito líquido para a educação sistemática é que a leitura de um texto pagus é um processo que envolve um estado de mentitude muito complexo. Ler não é fácil e envolve tempo e dedicação. A dominância do pagus sobre o pensamento implicou em duas grandes metodologias de reconstrução simbólica da realidade. A primeira é aquela que se subordinou à ideia de tempo, de precisão linear, presa ao conhecido cronos (tempo cronológico), ou seja, uma representação temporal do tempo, como uma flecha que se dirige permanentemente em uma direção progressiva e nunca mais reencontrará o seu início. A segunda é que isto acabou por levar-nos a um entendimento muito equivocado de inteligência e memória humana.
Por isso pensar e ler cansa. Depois de algumas horas estudando, lendo ou traduzindo um texto ou realizando uma tarefa mental repetidamente, sem descanso, nosso desempenho acaba se deteriorando em vez de melhorar, e é preciso parar antes que os erros fiquem maiores do que gostaríamos.
Como acontece esta transformação de elementos gráficos em simbólicos, de letras em significados, de palavras escritas em sons falados? Como se enquadra a compreensão da linguagem na percepção, para garantir uma rápida captação da informação linguística através de canais não construídos para este efeito? O fato de a leitura parecer, para a maioria das pessoas, tão isenta de dificuldades, resulta de milhares de horas de exercícios e mostra, mais uma vez, como o cérebro humano é flexível. Pode aprender atividades que, no seu caso, não foram instaladas no início. Deduzimos por fim que as antigas atividades de leituras dirigidas e práticas de leituras e de oficinas de leituras coletivas e individuais de texto pagus em salas de aula do ensino básico e médio não estão sendo realizadas e, infelizmente, essas práticas estão sendo abandonadas na formação de base de nossos estudantes atuais. Isso pode comprometer seriamente a complexidade da compreensão de hermenêuticas de profundidade e da complexa conquista do conceito.
Referências Bibliográficas
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CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. São Paulo: Cultrix, 1998. p. 183.
HERCULANO-HOUZEL, Suzana. Por que o bocejo é contagioso? e outras curiosidades no cotidiano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
LENT, Roberto (Org.). Neurociência da Mente e do Comportamento. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.
LIBERATO, Y. & FULGÊNCIO, L. É Possível facilitar a leitura: um guia para escrever claro. São Paulo: Contexto, 2007.
LIMA, Gilson. Nômades de Pedra: Teoria da sociedade simbiogênica contada em prosas. Porto Alegre: Escritos, 2005.
___________. Redescoberta da mente na educação: a expansão do aprender e a conquista do conhecimento complexo. Edu. Soc. Campinas v. 30 n. 106. Jan/abr, 2009: 151-174.
OLSON, David. O mundo no papel: implicações conceituais e cognitivas da leitura e da escrita. São Paulo: Ática, 1997.
PASCUAL, O. et al. Astrocytic Purinergic Signaling Coordinates Synaptic Networks. Science Magazine. Washington: American Association for the Advancement of Science (AAAS). V. 310, n. 5745, p. 113 – 116, Out. 2005.
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___________. Anotações esparsas de palestra proferida em Porto Alegre, outubro 2007, s/p.
___________. Anotações esparsas de palestra proferida em Porto Alegre, outubro 2007, s/p.
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[iii] Existem diferentes tipos de memórias declarativas e não declarativas. As memórias declarativas são diferentes das não declarativas, principalmente por envolver alguma imaginação simbólica reconstrutiva a ser declarada na evocação de sua lembrança (eventos, nomes, conceitos,...). Tentemos recordar um nome de um amigo, de uma escola, de um conhecido. Trazer à tona o rosto dessa pessoa, sua voz, sua maneira de falar e suas lembranças conectadas a eventos significativos, tudo isso, envolve, de algum modo, na sua evocação, alguma imaginação e uma efetiva reconstrução de cenas ou eventos que ocorreram. Quanto mais longínquo for o tempo que ocorreu a lembrança, certamente maior será o grau de significância e intensidade emocional que depositamos nela. Pensamos agora em três tipos de memórias declarativas: as memórias de trabalho, que utilizamos para entender a realidade que nos rodeia e que são também importantes para formarem as outras memórias declarativas; as memórias de curta duração ou de curto prazo, que duram segundos, minutos, no máximo horas; e as memórias de longa duração ou longo prazo, também chamadas de memória remota e que duram dias, anos ou décadas.