segunda-feira, 19 de julho de 2010

PENSAR CANSA: vamos diversificar a aprendizagem escolar? Por Gilson Lima

Gilson Lima
Doutor em Sociologia das Ciências. Pesquisador CNPQ. Pesquisador Ortobras. Professor da UNISC. Sua ênfase atual de pesquisas envolve a interface cérebro-mente e máquina.  Pesquisador do Research Committee Logic & Methodology e do Research Committee Clinical Sociology of the International Sociological Association (ISA). Pesquisador do LaDCIS - Laboratório de Difusão de Ciência, Tecnologia e Inovação Social. Colaborador do Núcleo de Violência e Cidadania do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Coordenador do Diretório de Pesquisa do CNPQ: Ciência Tecnologia e Inclusão – NITAS.

TO THINK TIRES: will we diversify the school learning? By Gilson Lima

PhD in Sociology of Sciences. Professor and Researcher at the Graduate Center of the University Methodist IPA. (Brazil). His current emphasis of researches involves the interface brain-mind and machine. Researcher at the Research Committee Logic & Methodology and at the Research Committee of the Clinical Sociology Association International Sociological (ISA). Researcher at the LADC – Laboratory of the Diffusion of Science, Technology and Social Innovation. Contributor of the Center for Violence and Citizenship of the Post-Graduate Program in Sociology at the Federal University of Rio Grande do Sul - UFRGS. Coordinator of the Research Directory of CNPQ: Science Technology and Inclusion - NITAS.

Pensar cansa. As células glias liberam uma substância nos locais onde ocorrendo uma alta atividade sináptica chamada de adenosina. É uma resposta da glia aos neurotransmissores. Quanto mais intensa a atividade sináptica mais adenosina será liberada pela glia. A adenosina acumula ao redor das células neuronais e age sobre os neurônios impedindo que eles fiquem excessivamente ativos – o que coloca um “teto” na sua capacidade de processar informação. Praticar muitas horas seguidas de atividades intelectuais não permite manter o mesmo desempenho. A boa notícia é que a fadiga é específica e limitada aos circuitos que trabalharam demais. Se você mudar de atividade, por exemplo, atividades físicas ou tocar um piano ou realizar atividades experimentais num laboratório a seguir de uma aula teórica, seus dedos e corpos estarão aptos a realizar as tarefas sem maiores problemas de desempenho.

Platão (427-430 d. C.) já sabia disso ele defendia que música e exercícios são vitais para a inteligência humana e assim que acontecia a aprendizagem na antiga Academia Grega. Um lugar para experimentar a si mesmo, inclusive, o próprio corpo em pleno exercício de autoaprendizagem.

Os ambientes de aprendizagem precisam ser devidamente planejados para possibilitar estímulos estéticos capazes de minimizar as ameaças e estimular a sensibilidade e o aconchego, permitindo organizar novos desafios e conquistas do conhecimento aos alunos. Se possível, em grupos reduzidos, onde se verifica o aumento da participação, a expansão da personalização e da individuação e da ação coletiva, bem como, e conseqüentemente, do rendimento de todos.



  • Figura 01.  Modalidade de aprendizagem escolar: AULA TEÓRICA. Conexão de sentidos, Mobilização do corpo (sinestese reduzida) e Estados de mentitude que envolvem: oralidade, escrita, atenção focal - olho). Na educação formal da sociedade industrial, as salas de aulas são montadas como se fossem um casulo, do tipo de uma armadura medieval, visando a limitar e a moldar o corpo e a mente a fim de tornar-se uma modesta máquina cognitiva, para o mundo do trabalho.
Na complexidade, precisamos do processo de individuações, em favor de ações coletivas e não da simples individualização. Os processos de associações de células cerebrais individuais são envolto em redes neuronais complexas da mente e são bem diferentes das estruturas modernas das macroindividualizações funcionais mecanicista, onde para agirmos coletivamente precisaríamos anular-nos enquanto agentes individuais e suprimir nosso agenciamento individual a favor de estruturas, normatizações e instituições que permitiriam, assim, pela anulação do individuo, a plena realização do agenciamento das ações coletivas. Na complexidade organizacional, assim como nos processos celulares celebrais, quanto mais individuamos, isto é, individuar e não individualizar - para diferenciarmos - mais agimos coletivamente e vice-versa. Somos como são os solistas de Jazz, quanto mais dominamos nosso instrumento, mais solamos e, quanto mais solamos de modo complexo, mais qualificamos a orquestração coletiva.
Também como educadores, devemos preparar as instruções informacionais, mas antes, precisamos preparar-nos também para um ambiente favorável a suprimir as ameaças que interfiram negativamente no grupo de aprendentes. É necessário que estabeleçamos um clima que favoreça ao máximo os estados de mentitude microcerebrais, que chamamos de alerta relaxado. Não avisarmos que vai haver uma prova, por exemplo. Não temos que fazer uma lista de verdades objetivas, que sejam certas ou erradas. Os resultados das atividades devem estar sempre em aberto e tudo o que delas resultar tem valor. Porém, uma conquista do conhecimento é, antes de tudo, uma conquista de desafios. Assim, remover a ameaça não é o suficiente; temos que lançar os desafios.










Figura 2. Modalidade de aprendizagem escolar - DEMONSTRATIVA. Conexão de sentidos, Mobilização do corpo (sinestese ampliada ao toque e mais movimentação corpórea) e Estados de mentitude que envolvem: oralidade, escrita, atenção focal (olho), tato, sentidos diversos,... Nesta modalidade a experiência de aprendizagens dos estudantes é de participação, por meio de um conhecimento que está sendo demonstrado, ou seja, conhecimentos adquiridos são demonstrados. Podem, também envolvem recursos visuais e de áudio visuais como ilustração do conhecimento almejado.

Outra coisa a entendermos na aprendizagem é a importância do intervalo. Da dobra. O fazer nada após aprender algo também é muito bom. Quando paramos por 15 minutos, conseguimos organizar as idéias. Vimos com imagens do cérebro que as estruturas cerebrais envolvidas com a memória se ativam nesses minutos sem fazer nada. Você consegue estocar, quando não faz nada depois. Isso tem conseqüências na hora de elaborar currículos escolares. Precisamos ter tempo para fazer nada, para jogar futebol.

As crianças têm de ter esse tempo. As mães - coitadas - se transformam em taxistas e passam o dia largando e buscando as crianças em aulas de tênis. violino, inglês, informática. Bo entanto, as crianças precisam ficar sozinhas, brincar. Precisam de tempo livre. Se você força as coisas muito cedo, o aprendizado para ela não será prazeroso e ela pode desistir de aprender.

Então fazer nada após aprender algo é bom. Quando paramos por 15 minutos, conseguimos organizar as idéias. Em geral, para as crianças, já sabemos que 15 minutos de aula são mais produtivos do que uma hora. As crianças têm de ter esse tempo. Se você força as coisas muito cedo, o aprendizado para ela não será prazeroso, e ela pode desistir de aprender.

Hoje enfatizamos o discurso na sala de aula, mas a ênfase devia ser na experimentação envolvida por condições emocionais positivas deveria ser também fundamental. Essa é a forma com a qual as crianças aprendem melhor -aprendendo numa pedagogia da experiência. Da experimentação do próprio aprendizado. Nós, adultos, também.

Modalidade de aulas demonstrativas















Figura 3. Modalidade de aprendizazem escolar. EXPERIMENTAL. Conexão de sentidos, Mobilização do corpo (sinestese ampliada ao toque e mais movimentação corpórea) e Estados de mentitude que envolvem: oralidade, escrita, atenção focal (olho), tato, sentidos diversos,...
Nesta modalidade, a experiência de aprendizagens dos estudantes é direcionada a meios e recursos capazes de demonstrar um ou mais determinados conhecimentos. Podem envolver, também, recursos visuais e audiovisuais como ilustração do conhecimento em demonstração.

Como educadores temos o desafio de descobrir sempre a forma com que o aprendente no aprendizado se desperta para uma atenção curiosa. Nesse prisma a motivação é a chave mestra.
Concordamos com os neurocientistas quando eles afirmam que processos individuais e coletivos de aprendizagem envolvem também as relações e as associações entre uma ou mais moléculas e que os mecanismos cerebrais da memória e da aprendizagem estão também associados a microprocessos neurais responsáveis pela atenção, percepção, motivação, pensamento e outros processos neuropsicológicos, de forma que, perturbações em qualquer um deles, tendem a afetar, indiretamente, a aprendizagem e a memória.

A simbiose da aprendizagem é muito complexa, vai desde o nível quântico molecular ao macrofísico corpóreo e comportamental, em nível individual e coletivo.
Não somos educados para a alegria do viver e, sim, para vestirmos hábitos operados por rituais repetitivos que os tornam cada vez mais naturais e reais. Precisamos de uma pedagogia do acontecimento. Que compreenda a aprendizagem como uma autaexperimentação. Uma pedagogia que estamos denominando como a pedagogia do acontecimento diferente da pedagogia meramente cognitivista onde o próprio aprender se volta, agora, para a experimentação da própria expansão bionatural do próprio ato de aprender, do próprio conhecer e da própria expansão do conhecimento, do autoacontecimento da própria aprendizagem.
Pensamos que um diálogo de modo muito ampliado com as ciências da mente pode nos ajudar a compreender melhor o labirinto cognitivista, cada vez mais computacional (reducionista) em que nos encontramos na educação e na soeciedade, ao mesmo tempo, permitir renascer uma educação através da redescoberta da mente nos processos do aprendizado complexo, frente à conquista, também, do conhecimento complexo e, mais especificamente, do conhecimento do conhecimento.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

FRAGMENTOS: Filosofia, Vida e ciência.

Gilson Lima*

Seria muito conveniente se houvesse uma definição consensual de vida, mas não há.

Por exemplo:



1. Podemos definir vida como: organizações complexas, capazes de se auto-reproduzirem fielmente. Mas a palavra “fielmente” pode ter vários significados. Uma espécie que se reproduza com excessiva fidelidade (ou seja, com pouca variabilidade darwiniana) não conseguirá sobreviver nem mesmo a uma pequena mudança no ambiente.

2. Podemos entender os seres vivos como entidades complexas, auto-suficientes, capazes de se sustentar apenas com substâncias recolhidas do ambiente.



* Ver nesse sentido: MATURANA, Humberto Romesín; VARELA, Francisco J. Garcia. De máquinas e seres vivos. Autopoiese: a organização do vivo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. Ver também dos mesmos autores: A árvore do conhecimento. Campinas: Editorial Psy, 1995.


Porém, logo perceberemos que os vírus serão excluídos dessas categorizações de seres vivos, pois eles, na sua totalidade, não são capazes de reproduzirem-se sem a ajuda de células intactas. Os biólogos possuem uma grande lista de microorganismos chamados de microbactérias, que não encontramos no tecido planetário, e que são parasitas dos mamíferos — e tão incapazes quanto os vírus, de sobreviverem sozinhos (as microbactérias são responsáveis por várias infecções humanas).

Todos os organismos que hoje habitam a Terra dependem, em maior ou menor grau, muito mais da cooperação do que do conflito de outros organismos. Os animais precisam dos vegetais, as árvores precisam das bactérias para fixar o nitrogênio do ar, e, a maioria das plantas, precisa dos insetos para polinizar as flore1s. É por isso que o complexo de seres vivos, a biosfera, é às vezes chamado de “teia da vida”. Dos organismos modernos, talvez, apenas algumas bactérias e algas marinhas unicelulares atendam aos critérios de fidelidade de reprodução e auto-suficiência.

Será mesmo que a vida se restringe à informação? Ou mais precisamente a informação genética?


Será que a vida é um livro escrito por 3 ou 4 letras de base nitrogenadas? De acordo com as ciências da vida, todos os seres vivos modernos funcionam com os mesmos princípios sendo que as provas encontram-se na biologia molecular, desde 1953.

Por exemplo: o código genético especifica de que forma a seqüência de nucleotídeos em uma molécula de DNA determina a seqüência de aminoácidos nas proteínas fabricadas pelas células. Com raras exceções, o código é o mesmo para todos os organismos.

A estrutura espacial do DNA, descoberta em 1953 por James Watson e Francis Crick, através de estudos de difração de raios-X, tem a forma de uma dupla hélice, a famosa "escada helicoidal".

Para conhecer mais sobre o ambiente na Escola de Biologia de Cambridge que deu origem a decifração da estrutura do DNA, veja: Gilda Morelli e Gabriella Natoli. IN: DE MASI, Domenico (org.). A Emoção e a Regra: grupos criativos na Europa de 1850 a 1950. Rio de Janeiro: José Olympio. 1997. p. 337- 358.


Os biólogos indicam existir quatro bases nitrogenadas no DNA, as quais se unem aos pares para formar os "degraus" da escada: adenina (A), timina (T), guanina (G) e citosina (C).

O corpo humano conta também com 20 aminoácidos diferentes, que se unem em diferentes seqüências, para constituir as diferentes proteínas necessárias à sua estrutura e funcionamento. O organismo humano pode sintetizar pelo menos 80 mil diferentes proteínas.

A instrução para que as células fabriquem uma proteína específica é dada por um segmento da cadeia de DNA contendo uma seqüência específica de bases. Isso é o que constitui o gene: um segmento de DNA que contém a mensagem completa para a síntese de uma proteína. Na linguagem química do código genético, um gene funciona como uma "sentença", cujas letras seriam as quatro bases A, C, G e T. Cada conjunto de 3 bases (codons), na seqüência ao longo da "corda" do DNA, seriam as "palavras", as quais sinalizam às células um determinado aminoácido a ser usado na síntese da proteína. Por exemplo, a seqüência de bases ATG codifica o aminoácido metionina. Um fragmento do DNA com a seqüência GAGATGGCA codifica uma seqüência de três aminoácidos, que são, respectivamente, ácido glutâmico, metionina e alanina.

Se desenrolássemos estes fios e os ligássemos em série, eles formariam um frágil cordão, com cerca de 1 metro e meio de comprimento, e apenas 20 trilionésimos de largura! Este fantástico cordão que encerra o código genético é, na verdade, constituído por uma gigantesca biomolécula, conhecida como ácido desoxirribonucléico — o DNA.

Os biólogos defendem que as cadeias de nucleotídeos formam os genes, são porções do DNA que controlam a síntese das proteínas e determinam as características dos organismos. Os genes também transportam as características hereditárias de uma geração para outra. Podemos considerar as biomoléculas, como sendo: 20 aminoácidos, mais as cinco bases, mais duas de açúcar (ribose e glucose), a do ácido graxo (ácido palmítico), a do álcool (glicerol) e a do aminoálcool (colina), constituindo, assim, em 30 biomoléculas no geral. Praticamente em todos os seres vivos a interação entre os ácidos nucléicos e as proteínas é governada por um código genético comum que relaciona, de forma única, cada um dos 20 aminoácidos dos seres vivos com uma seqüência específica de três nucleotídeos.

MATSUURA, Oscar T. in: O que é vida? ? In: Para entender a biologia do século XXI – organizadores - Charbel Nino El-Hani & Antônio Augusto Passos Videira. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000. p. 276.

Segundo estimativas recentes o corpo humano contém cerca de 100 trilhões de células. Na maioria das células existe um núcleo, onde se encontra algo essencial: o genoma humano, uma estrutura contendo o projeto de construção e funcionamento do corpo. O genoma é encontrado no núcleo das células sob a forma de 46 filamentos enrolados em pacotes chamados cromossomos, que incluem também moléculas de proteínas associadas.

É como se fosse uma escada flexível formada por duas cordas torcidas, ligadas por degraus muito estreitos. Cada "corda" é um arranjo linear de unidades semelhantes que se repetem, chamadas nucleotídeos, e se compõem de açúcar, fosfato e uma base nitrogenada.


Desvendar o seqüenciamento das bases dentro do DNA, para cada organismo é, para os geneticistas, o mesmo que desvendar o "segredo" de sua formação e do seu funcionamento, pois o DNA é o "manual de instruções" usado pela célula (chamado pelos cientistas da vida de processo de desvendamento do código genético da vida).

Entretanto, é bom lembrarmos que a visão funcionalista e mecanicista dos geneticistas tem sido extremamente bem sucedida no campo da biologia, culminando na compreensão da natureza química dos genes, nas unidades básicas da heterogeneidade e conquistando êxitos parciais na revelação do código genético, ela tem, não obstante, sérias limitações diante de conceitos integrativos da vida que continuam para nós sendo um mistério profundo.

Ver. CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 1994. p.96.

* A biologia molecular revelou que a vida na Terra depende de apenas umas poucas dezenas de moléculas básicas. Um grupo dessas moléculas são os aminoácidos. De uns 70 aminoácidos catalogados, a vida só faz uso de 20. As proteínas, cadeias de aminoácidos, controlam o metabolismo, que consiste no aproveitamento dos nutrientes e da energia, e mantêm as atividades vitais de todos os organismos. Ver: POLLACK, Robert.”Signos da vida”. Rio de Janeiro: Editora Rocco, (1997).

Assim o conceito corrente e simplificado de gene como o de uma seqüência de DNA no genoma de um organismo que "codifica" uma proteína. Quer dizer, a fileira de "letras" (bases nitrogenadas) com a "informação" necessária para a célula sintetizar dada proteína, encadeando centenas ou milhares de aminoácidos na ordem correta para que ela possa realizar uma dada função.

O conceito de gene na biologia não passa de metáforas de noções lingüísticas sobrepostas a um código genético.

Lenny Moss, professor de filosofia da Universidade de Notre Dame (EUA), combinando sua formação em biologia celular com sociologia e filosofia, afirma da necessidade de desenredarmos desse emaranhado de conceitos, em que realidades celulares e bioquímicas se entretecem com simbologias de sabor pré-formacionista e até esotérico, como na popular idéia de que o genoma é o Livro da Vida. O destino não está nos genes, que não são nem texto, nem programa de computador. O resultado desse desenredo seria então, uma desconstrução da noção de gene que deveria constituir leitura obrigatória no primeiro ano de todas as faculdades de biociências.

Moss afirma que o problema está na mescla de dois conceitos. Um ele chamou de Gene-P (de "pré-formacionista"), essa idéia de que na coleção de genes se encontra "tudo que é necessário para construir um ser humano". É a nova encarnação da noção antiga de que o plano completo do organismo que se desenvolve do ovo já está contido nele ou num dos gametas que lhe deram origem. O ícone dessa concepção é o homúnculo agachado na cabeça de um espermatozóide, uma das "provas" no clássico debate dos séculos 17 e 18 entre pré-formacionistas e epigenesistas (adeptos do surgimento espontâneo de estruturas ao longo do processo de desenvolvimento).


Ver: MOSS, Lenny. What Genes Can't Do (o que os genes não podem fazer), Editora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, 2002.

O outro conceito isolado por Moss é justamente o de Gene-D (de "desenvolvimento"). Ou seja, aquele em que a seqüência do DNA representa só um recurso necessário para o desenvolvimento de um organismo, do ovo ao adulto. Necessário, mas não suficiente, pois seria um recurso desenvolvimental entre outros, como a maquinaria celular provida pelo citoplasma do gameta feminino (óvulo), o cuidado parental, ou o nicho ecológico.

Esse seria o conceito operacionalmente vivo nos laboratórios, segundo Moss. A mistura dos dois conceitos só serviria a uma coisa: inflar retoricamente e ilusoriamente a potencialidade da genômica.
UMA BREVE HISTÓRIA DE QUASE TUDO!

Extraída do livro: Do big bang ao homem sapiens. Bill Bryson. Cia das Letras, 541 pgs.


A emergência de vida tecnologicamente inteligente na Terra, como possivelmente em outros planetas, anuncia uma era inteiramente nova – a Era da Vida. A vida na Terra apareceu 15 anos após o Big Bang. Segundo Sagan, “apenas” há cerca de 3,5 bilhões de anos. O domínio de um sítio onde residem seres vivos com capacidade de incidir, através de tecnologias inteligentes sobre a evolução cósmica, permite acelerar o processo de controle e independência da vida sobre a matéria.

Bem vindo. E parabéns. Estou encantado com seu sucesso. Chegar aqui não foi fácil. Na verdade, suspeito que foi um pouco mais dificil do que você imagina.

Para inicio de conversa, para você estar aqui agora, trilhões de átomos agitados tiveram de se reunir de uma maneira intricada e intrigantemente providencial a fim de criá-lo. E uma organização tão especializada e particular que nunca antes foi tentada e só existirá desta vez. Nos próximos anos (esperamos), essas partículas minúsculas se dedicarão totalmente aos bilhões de esforços jeitosos e cooperativos necessários para mantê-lo intacto e deixá-lo experimentar o estado agradabilíssimo, mas ao qual não damos o devido valor, conhecido como existência.

Por que os átomos se dão esse trabalho é um enigma. Ser você não é uma experiência gratificante no nível atômico. Apesar de toda a atenção dedicada, seus átomos na verdade nem ligam para você — eles nem sequer sabem que você existe. Não sabem nem que eles existem. São partículas insensíveis, afinal, e nem estão vivas.

(A idéia de que se você se desintegrasse, arrancando com uma pinta um átomo de cada vez, produziria um montículo de poeira atômica fina, sem nenhum sinal de vida, mas que constituiria você, e meio sinistra.) No entanto, durante sua existência, eles responderão a um só impulso dominante: fazer com que você seja você. Portanto, ainda bem que existem os átomos.

A má noticia e que os átomos são volúveis e seu tempo de dedicado bem passageiro. Mesmo uma vida humana longa dura apenas cerca de 650 mil horas. E quando esse marco modesto é atingido, ou algum outro ponto próximo, por motivos desconhecidos, os seus átomos vão "desligar" você, silenciosamente se separarão e passarão a ser outras coisas. Ai você já era.

Mesmo assim, você pode se dar por satisfeito de que isso chegue a acontecer. No universo em geral, ao que sabemos, não acontece. E um fato estranho, porque os átomos que tão liberal e amigavelmente se retinem para formar os seres vivos na Terra são exatamente os mesmos átomos que se recusam a fazê-lo em outras partes.

Segundo Oscar Matsuura, os elementos químicos mais abundantes no meio interestelar são, nessa ordem: hidrogênio, hélio, oxigênio, carbono, nitrogênio, neônio etc. Essa composição é semelhante à das estrelas. Desconsiderando-se os gases raros, os componentes químicos do corpo humano e dos organismos vivos assemelham-se à composição química interestelar, enquanto difere radicalmente do composto químico da crosta terrestre, onde os elementos mais abundantes são pesados (oxigênio, silício, alumínio e ferro). Esse fato torna a crosta terrestre um ambiente menos provável para a síntese das biomoléculas.

Ver também: MATSUURA, Oscar T. O que é vida? In: Para entender a biologia do século XXI – organizadores - Charbel Nino El-Hani & Antônio Augusto Passos Videira. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000.

Então por mais complexa que seja, no nível químico a vida e curiosamente trivial: carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio, um pouco de cálcio, uma pitada de enxofre, umas partículas de outros elementos bem comuns — nada que você não encontre na farmácia próxima e isso tudo de que você precisa. A Única coisa especial nos átomos que o constituem e constituírem você.

Dos bilhões e bilhões de espécies de seres vivos que existiram desde a aurora do tempo, a maioria — 99,99% — não esta mais aqui. A vida na Terra, veja bem, além de breve, é demasiadamente frágil. É curioso que nosso planeta ser exímio em promover vida, mas ainda mais exímio em extingui-la.

A nossa espécie típica dura apenas uns 4 milhões de anos. Desse modo, se quiser permanecer aqui por bilhões de anos, você precisa ser tão volúvel quanto os átomos que o constituem.

Precisa estar preparado para mudar tudo em você — forma, tamanho, cor, espécie a que pertence, tudo e fazê-lo vezes sem conta. Isso e mais fácil de falar que de fazer, porque o processo de mudança e aleatório. Passar do "glóbulo atômico primordial protoplásmico" (frase de uma canção de Gilbert e Sullivan), ou seja, bem lá no início fomos produzidos principalmente originários de um desgasamento que foi intensamente bombardeados de algumas partículas entre 4,1 e 3,9 bilhões de anos atrás até ficarmos assim meio um ser humano dito moderno, ereto e consciente, mas isso exigiu uma serie de mutações criadoras de novos traços, nos momentos certos, por um período longuíssimo. Portanto, em diferentes épocas nos últimos 3,8 bilhões de anos, você teve aversão ao oxigênio e depois passou a adorá-lo, de tal modo que não dura muitos minutos sem ele. Você desenvolveu membros e barbatanas dorsais ágeis, pôs ovos, fustigou o ar com uma língua bifurcada, foi luzidio, foi peludo, viveu sob a terra, viveu nas arvores, foi grande como um veado e pequeno como um camundongo, e milhões de outras coisas. Se você se desviasse o mínimo que fosse de qualquer dessas mudanças evolucionarias, poderia estar agora lambendo algas em paredes de cavernas, espreguiçando como uma morsa em alguma praia pedregosa ou lançando ar por um orifício no alto da cabeça antes de mergulhar vinte metros para se deliciar com uns suculentos vermes.

Além da sorte de ater-se, desde tempos imemoriais, a uma linha evolucionaria privilegiada, você foi extremamente — ou melhor, milagrosamente — afortunado em sua ancestralidade pessoal. Considere o fato de que, por 3,8 bilhões de anos, um período maior que a idade das montanhas, rios e oceanos da Terra, cada um dos seus ancestrais por parte de pai e mãe foi suficientemente atraente para encontrar um parceiro, suficientemente saudável para se reproduzir e suficientemente abençoado pelo destino e pelas circunstancias para viver o tempo necessário para isso. Nenhum de seus ancestrais foi esmagado, devorado, afogado, morto de fome, encalhado, aprisionado, ferido ou desviado de qualquer outra maneira da missão de fornecer uma carga uma carga minúscula de material genético ao parceiro certo, no momento certo, a fim de perpetuar a única seqüência possível de combinações hereditárias capaz de resultar — enfim, espantosamente e por um breve tempo — em você.

Podemos ir longe, atrás de outras lares planetários, mas não devemos esquecer de que uma viagem espacial para uma estrela à 150 anos-luz, a uma velocidade, hoje factível, de 50 km/s, demoraria um milhão de anos. Enquanto as viagens interplanetárias são proibitivas pela baixa velocidade das naves espaciais e conseqüentemente da enormidade de tempo demandado, uma possibilidade prática e barata é a captação passiva de sinais eletromagnéticos.

Para termos uma idéia dessa dificuldade, basta pensarmos que a radiação cósmica viaja na velocidade da luz. A estrela mais próxima de nós (excluindo o sol) é a Centauri. Apesar do adjetivo próxima, ele se encontra a quatro anos luz, ou seja, precisaríamos percorrer durante quatro anos, sob a velocidade constante da luz, para chegarmos até ela. Não esqueçamos que a velocidade da luz é a maior velocidade conhecida pelo homem.

Segundo Eric Chaisson, um ano luz equivale à cerca de dez trilhões de quilômetros ou correspondente a trinta bilhões de quilômetros percorridos em um dia pela luz ou por qualquer outra radiação. Uma velocidade respeitável, sem dúvida nenhuma.

Tudo isso pode parecer, à primeira vista, muito estranho. Em geral, “compreendemos” e emitimos juízos e convicções com base em situações do nosso cotidiano, seja em nível emocional, racional no plano físico. De modo geral, lidamos com situações que estão dentro de nossa experiência sensorial direta, palpável. Entretanto, com um pouco de esforço, não é difícil compreender que a experiência complexa da simbiogênese em nossas vida.

Hoje, vivemos cada vez mais num ascendente império cada vez mais presente na velocidade do tempo real em detrimento do tempo histórico. Assim, viveremos a perda da centralidade normativa, o desmonte da moderna transformação da vida em maquinaria racional e a desmaterialização do poder, corroendo as físicas instituições e seus territórios funcionais de competência. Isto é, viveremos o fim da existência do monopólio da representação e regulamentação normativa e das físicas instituições modernas.

As diversas conquistas das novas tecnologias inteligentes permitiram a construção de um compartilhamento sensório e cognitivo em interação humana com máquinas integradas em redes imateriais, de âmbito local e global, dotadas de ampla capacidade de receber, estocar, represar, alterar, transmitir e retransmitir dados, sons e imagens estáticas ou em movimento, ampliando nossa capacidade de comunicação inteligente. No entanto, apesar da grandiosidade e complexidade que essas conquistas tecnológicas imprimem nos fenômenos sociais, ainda vivemos uma fase primitiva da simbiogênese da vida humana interligada ao processo de aceleração tecnológica e científica. Na verdade, estamos recém começando a viver a sociedade simbiogênica, e ela desde já nos aponta imensos desafios da vida em sociedade que, até então, ainda não tínhamos experimentado em profundidade.

Um adendo. Hoje temos também uma corrente científica chamada de pesquisadores da vida artificial.

A confluência de diversos fatores tecnológicos e informacionaios cristalizou-se no surgimento de uma comunidade científica de caráter interdisciplinar, durante a década de 1980, que se articulou em função do projeto denominado “Vida Artificial”. O nascimento oficial da Vida Artificial como uma nova disciplina científica pode ser datada do ano de 1987, coincidindo com a realização da primeira reunião internacional sobre o tema. A vida artificial é um contraponto da simbiogênese. Ela se define, segundo um dos seus principais fundadores, C. Langton, como sendo o estudo de sistemas construídos pelo homem que exibem comportamentos lifelike. Ou seja, aqueles comportamentos característicos dos seres vivos. Segundo essa perspectiva, o estudo e a compreensão dos mecanismos da vida, em seu sentido mais genérico e fundamental, é inseparável da criação artificial de sistemas vivos.


Ver: MORENO, Álvaro & FERNANDES, Júlio. A Vida Artificial como Projeto de Criação de uma nova biologia universal. In: El-Hani e Videira (orgs.) O que é Vida? Para entender a biologia do século XXI. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000, p. 257-271.


Por isso, a Vida Artificial não seria, em sentido estrito, uma ciência, mas uma tecnociência, visto que, do seu ponto de vista, a compreensão dos mecanismos universais da vida, somente é possível através de sua própria fabricação não simbiótica da vida. Do mesmo modo que, para a Inteligência Artificial, a compreensão da inteligência passa pela construção de sistemas artificiais a-simbióticos que possam desenvolver capacidades cognitivas.

Deixemos nossa polêmica com os defensores a-simbióticos da vida artificial.

Para quem quiser saber mais sobre vida artificial, principalmente, do ponto de vista de seus defensores Ver: ANTUNES, Barone (org.). Sociedades Artificais: A nova Fronteira da Inteligência nas Máquinas. Porto Alegre: Bookmann, 2003.


Hoje, mesmo que, na maioria das vezes, expressando uma perspectiva simplista de determinismo tecnológico, que desconsidera a força, a resistência e a herança da matéria e da realidade orgânica, diante da emergente realidade imaterial das redes digitais, encontramos tanto na literatura científica, como em filmes de ficção, sinais da emergência da sociedade simbiogênica. Cito como exemplo a da defesa do homem simbiótico de Rosnay (1997), e os filmes de ficção: Matrix e Gattaga: a experiência genética. Este último relata o conflito entre uma aristocracia formada por seres de matriz humana geneticamente melhorados, ou seja, evoluídos pela intervenção da simbiogênese e os decadentes seres humanos submetidos à evolução meramente biológica. Nesse sentido, compartilhamos da hipótese implícita nesses filmes de que o pólo dinâmico da informação digital migra para a informação genética e que, provavelmente, os avanços das tecnologias da informação e da comunicação interativa permitirão a eclosão de uma nova possibilidade de evolução da vida, diferente daquela prevista pelo darwinismo. A vida biológica mesclar-se-á, numa simbiose cada vez mais intensa, com as tecnologias de informação integradas em redes e artefatos bioinformacionais (orgânicos e inorgânicos).


Citação. ROSNAY, Joël de. Homem simbiótico. Petrópolis: Vozes, 1997.

Uma coisa se pode ter como certa: a vida humana deixou de ser absolutamente centrada no corpo humano. Nietzsche e Foucault ensinaram-nos que a forma homem foi uma fabricação social e histórica. Quanta violência e crueldade foram necessárias para moldar a vida na forma atual de homem; quanto terror foi necessário para incrustar nesse animal um mínimo de civilidade, de memória, de culpa, de senso, de promessa e dívida, em suma, de moral. Entretanto nos diz Nietzsche, estamos cansados do homem. O homem tornou-se uma forma medíocre e insossa de apequenamento da vida, acabou por se tornar uma meta de civilização. Entretanto, não há por que se desesperar com essa exclamação do filósofo, até porque, a forma homem é uma moldagem histórica complexa e mutante.


* Aqui podemos dizer também que estamos cansados do homem sujeito. Lembramos de Hegel que definiu sujeito como: “o que pode reter em si a própria contradição”. Ver nesse sentido, PELBART, Peter Paul. A vertigem por um fio: políticas da subjetividade contemporânea. Iluminuras: São Paulo, 2000. p. 15.


Porém, penso que é necessário estar atento aos passos de Nietzsche, sobretudo, diante da idéia de que o homem aprisionou a vida e como nos diz o filósofo: é preciso livrar-se do homem para liberar a vida. O campo de batalha é o próprio corpo do homem; são travadas lutas cruéis e brutais sobre o corpo do homem, desde seus genes até os seus gestos, sua percepção, seus afetos. Apesar dessa radicalidade, Nietzsche nos diz que nada está decidido, pois o homem continua sendo conforme suas próprias palavras: o ainda não domado, o eternamente futuro. Nietzsche também nos chama para uma possibilidade da forma da vida do homem como: um grande experimentar-se de si mesmo.


PELBART, Peter Paul. A vertigem por um fio: políticas da subjetividade contemporânea. Iluminuras: São Paulo, 2000. p. 15.

Cada vez mais, a matéria corpórea deixa de ter o monopólio da vida. O mesmo homem, que na modernidade matou Deus e trocou-o pela razão moderna, deixa de ser, gradativamente, a medida de todas as coisas. Hoje, manipulamos múltiplos fragmentos de vida “in vitro”, isto é, fora da matéria vegetal, do corpo animal e do corpo humano. O mesmo pode ser dito diante de novas técnicas de reprodução não presencial que alteram, em muito, o que nossos pais e avós ensinaram-nos sobre a reprodução biológica e sobre a herança genética.

ANEXO

Da Abordagem da simbiogênese!

Quando li o livro O Planeta simbiótico, que contém a proposta de concepção revolucionária da vida, de Lynn Margulis, imediatamente descobri que ali tínhamos um grande insight de compreensão e também de explicação, não apenas da evolução da vida, mas de ressignificação das explicações e compreensões e das interligações entre o mundo orgânico e inorgânico das tecnologias e da vida sobre nossas complexas sociedades contemporâneas, fundadas cada vez mais, sob o princípio da simbiogênese.

MARGULIS, Lynn. O Planeta Simbiótico: nova perspectiva da evolução. Rio de Janeiro : (Editora) , 2001. Sobre o mesmo assunto, veja também: MARGULIS, Lynn. Microcosmos. New York: Summit, 1986 e também: Margulis, Lynn; Dorion Sagan: O que é a vida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

Para que se entenda profundamente essa nossa perspectiva entre simbiogênese e tecnologia, é necessário romper com a velha abordagem dualista: realidade úmida (orgânica) versus realidade seca (inorgânica), que nos acompanhou no entendimento e no entrelaçamento das coisas do mundo com a vida, envolvendo-nos em simplificadoras versões entre realidade vital versus realidade virtual.

Acreditamos que a abordagem da simbiogênese, proveniente da Genética Molecular, pode nos ajudar nessa tarefa de decifração da esfinge informacional. Assim, simbiose, simbiótica e simbiogênese constituem, para nós, conceitos fundamentais para entendermos o impacto sofrido pelas velhas relações sociais polarizadas por realidades físicas delimitadas no indivíduo. Pensamos, dessa forma, explicar e compreender a interação entre as informações e a estrutura reflexiva de comunicação imaterial das redes digitais como mediações simbióticas que expressam a emergente complexidade entre as relações do mundo orgânico com o inorgânico. Igualmente, a simbiogênese é mais adequada para explicar o impacto sofrido pela sociedade em decorrência do fenômeno da aceleração tecnológica, a qual, cada vez mais, está submetida ao domínio da polaridade dinâmica da informação genética.

A simbiogênese, como vimos, originalmente tratou de uma abordagem original para a microbiologia. Lynn Margulis indagou-se à cerca do modo de evolução das formas superiores de vida. A própria autora respondeu a essa pergunta, ao descobrir um caminho, totalmente inesperado de evolução, que traz implicações profundas para todos os ramos da Biologia e da ciência em geral.

Darwin publicou sua teoria em 1859, na sua obra monumental On the Origin of Species e a completou doze anos mais tarde com The Descent of Man. Darwin baseou sua teoria em duas idéias fundamentais: variações casuais, que foi posteriormente denominada de mutação aleatória, e a seleção natural.

Em 1982, Lynn Margulis lançou a idéia de que as mitocôndrias descendiam de bactérias especializadas em conversão de energia que eram parasitas de bactérias maiores e, com o tempo, passaram a fazer parte dessas bactérias. A conclusão óbvia é que houve um estágio na evolução da vida em que havia pelo menos dois códigos genéticos diferentes numa mesma complexidade organizada, ressaltando a importância do parasitismo mutuamente benéfico (conhecido pelo nome de simbiose) como forma de um organismo adquirir novas funções.

Os microbiologistas têm sabido, desde há algum tempo, que a divisão mais fundamental entre todas as formas de vida não é aquela entre plantas e animais, como a maioria das pessoas presume, mas entre dois tipos de células — células com e células sem um núcleo.


*As bactérias, as formas de vida mais simples, não têm núcleos celulares e são, por isso, chamadas de procariotes (“células não-nucleadas”), enquanto que todas as outras células têm núcleos e são denominadas eucariotes (“células nucleadas”). Todas as células dos organismos superiores são nucleadas e os eucariotes também aparecem como micro-organismos não-bacterianos de uma só célula.


Margulis ficou intrigada com o fato de que, nem todos os genes numa célula nucleada, encontravam-se dentro do núcleo celular.

Fomos todos ensinados que os genes se encontravam no núcleo e que o núcleo é o controle central da célula. No começo dos meus estudos de genética, tornei-me ciente de que existem outros sistemas genéticos, com diferentes padrões de herança. Desde o princípio, fiquei curiosa a respeito desses genes indisciplinados que não estavam nos núcleos.

CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1998. p. 184. Ver também: MARGULIS, Lynn; SAGAN, Dorion. “Symbiosis in evolution”. San Francisco: Freeman, 1993. Dos mesmos autores ver ainda: O que é vida? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

À medida que estudava minuciosamente esse fenômeno, Margulis descobriu que quase todos os “genes indisciplinados” derivavam de bactérias e, aos poucos, compreendeu que eles pertenciam a diferentes organismos vivos, pequenas células vivas que residem dentro de grandes células vivas.

A simbiose – tendência de diferentes organismos para viver em estreita associação uns com os outros e, com freqüência, dentro uns dos outros (como as bactérias dos nossos intestinos) –, é um fenômeno difundido e bem conhecido. Margulis, no entanto, deu um passo além e propôs a hipótese de que simbioses de longa duração, envolvendo bactérias e outros micro-organismos que vivem dentro de células maiores, levaram, e continuam a levar, a novas formas de vida.

Margulis publicou, pela primeira vez, sua hipótese revolucionária em meados da década de 60 e, ao longo dos anos, criou uma teoria madura, hoje conhecida como “simbiogênese”, que vê a criação de novas formas de vida por meio de arranjos simbióticos permanentes como o principal caminho de evolução para todos os organismos superiores. Nessa época, sua tese teve pouco impacto, dado que essa constatação contrariaria um dos pilares básicos do entendimento da evolução até então vigente.

Ver: CAPRA, Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1998. p. 185.

A evidência mais notável para a evolução por meio de simbiose é encontrada nas assim chamadas mitocôndrias em uma espécie de casas de força internas à maioria das suas células nucleadas. Essas partes vitais das células animais e vegetais, responsáveis pela respiração celular, contêm seus próprios materiais genéticos, reproduzindo-se de maneira independente e em tempos diferentes com relação ao restante da célula. Segundo Margulis, as mitocôndrias poderiam ter sido, originalmente, bactérias que flutuariam livremente e que, em antigos tempos, teriam invadido outros microorganismos e estabelecido residência permanente dentro deles: “Os organismos mesclados iriam se desenvolver em formas de vida mais complexas, que respiram oxigênio [...] Aqui, portanto, havia um mecanismo evolutivo mais inesperado do que a mutação: uma aliança simbiótica que se tornou permanente”.

MARGULIS, Lynn. ; SAGAN, Dorion. Microcosmos. New York: Summit, 1986. P. 17.


A teoria da simbiogênese elaborada por Margulis implicaria, então, em uma mudança radical de percepção no pensamento evolutivo. Enquanto a teoria convencional concebe o desdobramento da vida como um processo, no qual as espécies apenas divergem umas da outras, Lynn Margulis alega que a formação de novas entidades compostas por meio da simbiose de organismos, antes considerados independentes, tem sido a mais poderosa e mais importante das forças da evolução.

Essa nova visão tem forçado biólogos e deterministas tecnológicos a reconhecerem a importância vital da cooperação no processo evolutivo. Os darwinistas sociais do século XIX viam somente competição na natureza, de uma natureza, vermelha em dentes e em garras – como expressou o poeta Tennyson —, mas agora estamos começando a reconhecer a cooperação contínua e a dependência mútua entre todas as formas de vida como aspectos centrais da evolução. A vida não se apossa do globo pelo combate, mas, sim, pela formação de redes simbióticas.

Ver: MARGULIS, Lynn; SAGAN, Dorion. O que é vida? Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 245.

O desdobramento evolutivo da vida ao longo de bilhões de anos constitui uma história empolgante, que acionada pela criatividade inerente a todos os sistemas vivos expressa, ao longo de três caminhos distintos mutações, intercâmbios de genes e simbioses aguçada pela seleção natural, a pátina viva do planeta expandiu-se e intensificou-se em formas de diversidade sempre crescente.

Não há evidência de algum plano, objetivo ou propósito no processo evolutivo global e, portanto, não há comprovação de progresso; não obstante, há padrões de desenvolvimento reconhecíveis. Um deles, conhecido como convergência, constitui-se na tendência de os organismos desenvolverem semelhantes formas para enfrentarem desafios análogos (mesmo que carreguem histórias ancestrais diferentes). Desse modo, os olhos evoluíram, muitas vezes, ao longo de diferentes caminhos – nas minhocas, nas lesmas, nos insetos e nos vertebrados –, assim como as asas desenvolveram-se independentemente em insetos, em répteis, em mamíferos e em pássaros. Parece que a criatividade da natureza é ilimitada.

Outro padrão notável se expressa pela ocorrência de catástrofes – que talvez sejam pontos de bifurcação planetária – seguida por intensos períodos de crescimento e de inovação. Desse modo, a redução desastrosa da quantidade de hidrogênio na atmosfera da Terra (há mais de dois bilhões de anos) levou a uma das maiores inovações evolutivas: o uso da água na fotossíntese. Aliás, a fotossíntese é processo que sustenta as plantas modernas começou a funcionar “a pleno vapor” há cerca de 2,7 bilhões de anos. (Este é outro marco na evolução da vida). Não dá para esquecermos que muitos organismos dependem da fotossíntese apenas de forma indireta. Por exemplo, os organismos da luxuriante fauna bacteriana que habita o intestino humano nunca vêem a luz do Sol.

Há milhões de anos, esse novo processo extremamente bem-sucedido produziu uma crise ambiental, ao ocasionar a poluição catastrófica por meio do acúmulo de grandes quantidades de oxigênio tóxico na atmosfera. A crise do oxigênio, por sua vez, induziu a evolução de bactérias que respiravam hidrogênio (outra das espetaculares inovações da vida). Mais recentemente, há 245 milhões, as mais devastadoras extinções em massa que o mundo já viu foram seguidas rapidamente pela evolução dos mamíferos, e, 66 milhões de anos atrás, a catástrofe que eliminou os dinossauros da face da Terra abriu caminho para a evolução dos primeiros primatas e, finalmente, para o surgimento da espécie humana.

Por fim, as temáticas complexas exigem níveis mais profundos e detalhados de investigação, comuns às marcas de tendências intelectuais e culturais modernas e evolutivas das quais participamos. Quando alguém tem uma nova idéia, ela será adotada por algum outro inovador que, de início, pensa sobre ela no mesmo contexto que seu criador, porém, depois, percebe que há margem para aperfeiçoá-la e transplantar a sua essência para um outro contexto. A idéia evoluiu. Foi dominada por uma nova mente. Assim, pensamos que vivemos numa sociedade cada vez mais simbiogênica.

Por que não podemos começar a falar que, na atualidade, a humanidade está se dividindo, não mais em classes sociais moldadas pelo seu papel na produção econômica e social? Porque, verificamos que entre os velhos humanóides produzidos pela lenta evolução natural, emerge numa nova espécie, envolvida numa complexa simbiose. Estes últimos encontram-se em rápida aceleração evolutiva, produto de uma nova sociedade simbiônica, tecida, cada vez mais, por uma intensa cadeia de mediações simbiogênicas.