quarta-feira, 1 de junho de 2011

CIÊNCIA DAS REDES

TESTANDO UMA NOVA ABORDAGEM:
As redes têm centros: são centros simbióticos de atividades informacionais

A imobilidade me faz pensar em grandes espaços onde acontecem movimentos que não tem fim. (Joan Miró)


RESUMO

A teoria e epistemologia das redes integra a metodologia de um campo de pesquisa denominado mineração de dados (Data Mining) que envolve diferentes métodos computacionais que possibilita a descoberta de conhecimentos através de procedimentos recursivos e relacionais envolvendo grandes volumes de dados numéricos, caracteres ou imagens.
Para tanto é necessário mais do que recursos tecnológicos. Necessitamos uma mudança no paradigma das gestões modernas embasadas no fortalecimento apenas do controle e do tráfego racional das rotinas. A mudança de paradigma organizacional é de vital importância para uma aproximação com o potencial da concepção de que eventos se encadeiam em redes de informações.
Defendemos a exploração de uma metodologia de mineração de dados específica para as redes e ao mesmo tempo estamos propondo experimentar uma nova abordagem complementar de redes com as diferentes técnicas de mineração de dados. Trata de defender a noção contrária a abordagem comum de que as redes não têm centros e que, ao contrário, elas têm e  esses são Centros de Atividades não apenas informacionais, mas também de atividades sociológicas, ou seja, elas possuem centros de representações simbólicas e que ajudam a entender os centros atividades de eventos sociais.
A tese aqui lembra muito do que defendeu o lógico Charles Pierce. Para esse autor houve um tempo em que um simples teorema poderia constituir numa contribuição considerável para a ciência. Atualmente, todavia, teoremas são produzidos por varejo. Um simples tratado sobre algo bem simples contém centenas deles. Hoje, os métodos podem chamar a atenção, mais que os teoremas e estes estão surgindo em tamanha quantidade que o próximo passo seguramente será descobrirmos um método para descobrir métodos (PIERCE, 1990.p.36). Foi o que Pierce se propôs a realizar, desde muito jovem ele se dedicou a um estudo profundo sobre significativos pensadores que lidam com seus problemas, em todos os detalhes, perseguiu métodos utilizados e criados por homens de ciência, matemáticos, filósofos, lógicos e pensadores diversos procurando entender e generalizar as suas concepções de métodos, tanto quanto poderia ser feito, sem destruir a eficácia desses métodos.

O PROBLEMA

No final da década de 1970, a análise de redes sociais tornou-se universalmente reconhecida entre os cientistas sociais e as contribuições da informática se apresentaram, desde então, de forma indispensável ao desenvolvimento desse campo de conhecimento, posto que a construção de softwares capazes de organizar e computar dados relacionais em grande escala foi o que tornou possível realizar trabalhos tão abrangentes quanto a literatura atual é capaz de nos proporcionar. (Molina, 2004).
No entanto, a possibilidade de formalização matemática do fenômeno das redes sociais deu-se através do conceito de grafos introduzido pelo matemático Leonhard Euler no século XVII (Barabási, 2002; Newman, 2001; 2003; Freeman, 1979).
Os conceitos básicos da análise de redes são: o de dado-ator, laço relacional, relação e estruturação. São conceitos numa rica abordagem teórico-metodológica além dos importantes conceitos da teoria dos grafos.
Um grafo é um conjunto de pontos, chamados vértices (ou nodos), conectados por linhas, chamadas de arestas (ou arcos). Um grafo é a representação de uma rede através de pontos e linhas.
Uma discussão adequadamente aprofundada em várias facetas dessa abordagem, voltada para uma análise de cunho estrutural (que deve ser diferenciada do “estruturalismo” convencional) nos é oferecida por Wasserman e Faust (1999).
Vários autores (Freeman, 2004; Molina, 2004, Newman, 2001, 2003) apontam como marco inicial dos estudos sobre a análise de redes na sociologia, por exemplo o trabalho de Jacob Levy Moreno (1934) que introduziu os sociogramas para representar redes de relações interpessoais na Hudson School for Girls.
Nas décadas de 1940 e 1950, os estudos sobre redes sociais passaram pelo que Freeman (2004) chama de “Idade das Trevas” (Dark Ages), onde poucos estudos foram desenvolvidos dentro da temática e nenhum deles sucedeu em gerar um paradigma geral para a análise de redes sociais. Os esforços de psicólogos sociais tiveram um impacto maior nesse sentido, no entanto eles aparentemente se restringiram à área de Psicologia Social.
Molina (2004),  reconheceu o ineditismo e a importância da chamada “Escola de Manchester” com sua rica tradição de estudos sociais que deu ênfase às estruturas das relações humanas combinando técnicas formais de análise de redes com conceitos substantivos da sociologia.
O “Renascimento” dos estudos sobre redes sociais na década de 1960 é marcado pelo retorno à Harvard de Harrison Coyler White que realizou estudos consistentes conseguindo finalmente construir uma base para a investigação das redes sociais por meio de estudos sobre estruturas sociais complexas.
Azarian (2000) credita esse sucesso de White à sua formação em Física, que teria proporcionado modelos e ferramentas adequadas ao estudo quantitativo de estruturas e processos que envolvem as redes sociais.
Na literatura vamos encontrar como uma das primeiras possibilidades de formalização matemática do fenômeno da teoria das redes o conceito de grafos introduzido pelo matemático Leonhard Euler já no século XVII (HARARY, 1972).
No Brasil o número de estudos que utilizam a ARS está crescendo nos últimos anos – entre eles podemos citar o trabalho de Marteleto (2001); Marteleto e Silva (2004); o estudo de que enfatiza a importância da análise de redes sociais para o desenvolvimento econômico e de comunidades e grupos sociais; o estudo de Di Chiara et al. (2006), os trabalhos de Matheus (2006) e em parceria com Vanz e Moura (2007) onde realizam a análise de redes visando comparar as produções científicas e, por fim, Eduardo Marques um dos autores que mais têm pesquisado as redes sociais na área de política pública (2000, 2003, 2006)
As teorias sociais de redes e dados relacionais é uma área ainda em consolidação (apesar de não ser nova), na qual ainda se dá mais importância às informações sobre o processo e as relações do que sobre as categorias e os atributos estabelecidos.

ALGUMAS PALAVRAS SOBRE REDES


Na verdade existe uma 'babilônia conceitual’ que pode ser encontrada quando garimpamos e pesquisamos tentando encontrar uma definição de rede e suas aplicações na literatura ora as redes constituem uma mera metáfora, ora um método, ora uma ferramenta analítica ou ora uma própria teoria (Börzel, 1997). O uso do conceito de rede varia consideravelmente entre e dentro das disciplinas diferentes. Todos eles compartilham uma compreensão comum, uma definição de denominador comum mínima ou mais baixa de uma rede como um jogo de relações relativamente estáveis que são de natureza não hierárquica e interdependente.
Para Castells uma rede pode ser definida como um conjunto de nós interconectados (Castells, 1999). Tais nós podem ser pessoas, grupos ou outras unidades e as interconexões são relações, conjuntos de laços que respeitam um mesmo critério de relacionamento, dado um conjunto de nós. Também Costa define rede como uma estrutura não-linear, descentralizada, flexível, dinâmica, sem limites definidos e auto-organizável, estabelece-se por relações horizontais de cooperação. Costa et alii (2003, p. 73) atestam que a rede "é uma forma de organização caracterizada fundamentalmente pela sua horizontalidade, isto é, pelo modo de inter-relacionar os elementos sem hierarquia". Perguntaremos mais adiante: será mesmo?
Há muitos anos, e mais intensamente nos últimos cinqüenta anos, matemáticos estão discutindo se as redes se formam por agregações aleatórias ou se elas se constituem totalmente ao acaso. Na Matemática, por exemplo, os estudiosos que privilegiaram o acaso na estruturação das redes aleatórias criaram belíssimas fórmulas, pois seus interesses estavam mais voltados à expressão da beleza da Matemática do que à obtenção de uma compreensão profunda das estruturações das redes.
Alguns estudiosos, também no mesmo caminho desses matemáticos, encantados com as agregações aleatórias das redes, estudaram e buscaram suas expressões e manifestações em fenômenos sociais e na natureza. É o que nos aponta Steven Johnson em Emergência: a dinâmica de rede em formigas, cérebros, cidades e softwares (JOHNSON, 2003).
Johnson segue toda a trajetória do seu livro encantado com a complexidade do modo aleatório da estruturação emergente das redes complexas, que reafirmam a tese da organização emergente, segundo a qual a beleza da auto-organização é produto de uma complexidade tipo botton-up, ou seja, agentes individuais que residem em uma escala baixa começam a produzir comportamentos que irão residir em uma escala acima deles: seja formigas que criam colônias, seja cidadãos que criam comunidades e cidades, seja softwares que criam recursos de apoio cognitivo aos seus usuários.


Pensamos diferente: as redes têm centro, um centro de atividades informacionais e sociológicas, e queremos demonstrar aqui o
potencial do conceito de Centros de Atividades, também conhecidos como conectores, a partir de uma abordagem de redes que pode ser a menor diferença que faz a diferença.





Dito de outro modo, o centro de atividade é tão vital para a rede de eventos que mexer nele, extrair dele qualquer intervenção implica em alterar profundamente ou até mesmo desconstruir totalmente toda a rede de eventos constituída. Mexer em outros pontos e conectores não centrais da rede apenas afeta dinâmicas parciais da rede.
Em um estudo de relacionamentos em redes Barabãsi demonstrou que as redes têm-se constituído em um fenômeno que se dá como se o mundo fosse pequeno. Segundo cálculos de Albert-Lászlo Barabãsi, uma página da Web está a somente 19 cliques de qualquer outra, ainda que uma esteja sediada no Japão e a outra em Honduras. A explicação para o fenômeno é simples. Preferimos conectar-nos a quem já é conectado. Páginas da Web com muitos links têm uma chance maior de receberem ainda mais links, pois já são conhecidas. (BARABÃSI, 2002b: 36).
Assim, se realizarmos uma simulação em um computador sobre os links da Web, veremos que alguns poucos sites (como Amazon, Yahoo e eBay) funcionam como centros de atividade. Encontraremos milhares de outras páginas da Internet apontando (com apontadores) para eles e milhares de pessoas tentando acessar esses sites ao mesmo tempo (LIMA, 2005: 252).
De um modo sintético podemos resumir que estamos opondo à idéia de emergência simples, que tem uma característica espontânea e aleatória, uma abordagem (centro de atividade) que tenta descobrir na estruturação relacional de uma rede de eventos os padrões chaves que compõem o núcleo central da cadeia de relações entre dados e eventos de uma rede. Esses padrões são constituídos pelos próprios encadeamentos de relacionamentos nas redes.
A noção de que as redes têm centro envolve a abordagem que estamos chamando de Centro de Atividade. Isso tem implicações analíticas profuindas. Nós buscaremos encontrar no contexto da produção da rede social de dados um conjunto de atratores (ou nódulos de atração forte) muito atuantes (expresso por índices de presença). É importante estarmos atentos ainda para o fato de que um índice de ausência pode indicar também informação estruturante para um sistema (um atrator ao avesso ou o que Prigogine denominou de dissipação na estrutura) e a ausência e presença de atratores fracos e fortes são vitais nessa abordagem para constituir uma efetiva análise do fluxo estruturante da produção do evento social em questão (Lima, 2005a).
Assim essa abordagem não hierárquica, descentrada, rizomática da rede não é por nós compartilhada de modo generalizado. É importante também saber que o conceito de redes foi há muito criticado intensivamente na literatura para citar alguns mais conhecidos estudos-autores Rhodes 1986b; Atkinson e Coleman 1992; Pântano e Rhodes 1992; Schumann 1993; Smith 1993; Dowding 1994; Moinhos e Saward 1994; Bressers e O'Toole 1994; Kassim 1994; Thatcher 1995; Rhodes, Bache e George 1996. Não poderemos aqui tratar e nem sequer endereçar todos as críticas.
Barabãsi resume essa questão em uma grande lição: se até o século XX vivemos uma era de descobertas, relacionadas à forma como entendemos e usamos as propriedades individuais de objetos tão diferentes como moléculas, aviões e sites, o século XXI está revelando que será o que permitirá estudarmos e descobrirmos como as propriedades individuais de todos esses objetos e fenômenos se relacionam (BARABÃSI, 2002a).
Enfim, pensamos, então, que as redes têm centros, que são centros significativos de atividades informacionais. Encontrá-los pode ser a importante e significativa diferença que faz toda a diferença. Certa vez, o filósofo Gregory Bateson afirmou que informação não é dado, definindo informação como a menor “diferença que faz a diferença” (HILLIS, 2000, p. 12). Perguntaríamos, então, onde residiria a diferença que faz a diferença por exemplo para a prevenção social da violência?
Para nós, aqui apenas vamos indicar apenas duas coisas. A idéia da dobra e de dualidade entre evento e representação simbólica dos registros e a noção de que as redes têm centro.
Sobre a dobra é importante então que ao invés de pensarmos que os objetos de uma rede estão se movendo através do espaço com identidade permanente, como no ponto de vista mecanicista, entendemos que tudo está basicamente se desdobrando. O que importa aqui é chamar a atenção para a convergência de informações matemáticas, onde a dobra nos remete ao dobro, à bifurcação e também a um processo exponencial e dissipativo. A ideia de desdobramento tem sua aparição na matemática de Leibniz, através dos conceitos de cálculo diferencial e de mônada.
Geralmente a expressão rede é aqui tratada, não como uma rede social convencional, mas como uma rede de dados ou de eventos, ou seja, um tipo específico de rede em que os nós ou atratores não são de pessoas ou grupos, mas de uma população de dados em rede. Nesse caso, os nós interconetados (os nódulos) possuem e expressam um desdobramento (dobra): a dualidade estrutural (Giddens, 1978, 1989, 1999). Giddens chama esse processo de dupla hermenêutica.
Como qualquer estrutura, as redes de registros de dados costumam ser duradouras. Isso porque, embora elas se transformem continuamente com a construção ou o rompimento de vínculos, a parcela em transformação tende a ser relativamente pequena comparada ao conjunto dos vínculos. Redes de dados e instituições formam um contexto estrutural dinâmico no qual políticas têm que operar de um modo flexível.
























Gráfico extraído de pesquisa sobre prevenção de homicídios coordenada por Gilson Lima.
Quanto mais detalhado e próximos for a integração entre a ocorrência do evento e sua representação estruturada desse evento em um sistema de registro maior será o potencial de constituição de uma centro de atividade informacionais e sociológicos. Além disso, estudos recentes sugerem a existência de elementos associados ao comportamento matemático das redes (Watts, 1999).

Na perspectiva da dupla hermenêutica Giddens defende que a reflexividade na modernidade informacional ocorre por intermédio e existência de uma “hermenêutica dupla”, em que o primeiro meio de interpretação é o agente social e o segundo meio de interpretação é o sistema especialista. Neste último é possível identificar padrões que, em uma dada ordem, produzem e se reproduzem em âmbito simbólico, econômico, político e de legitimação (Giddens, 1978).
Não há nada, no entanto, que assegure que esses padrões serão reproduzidos da mesma maneira, pois é sempre pela posição no fluxo que podemos identificar os padrões, a sistemidade, a mobilidade dos atores nas várias situações interativas. A(s) posição(ões) é que permite(m) a construção da identidade pessoal e grupal de uma população de eventos ou dados. Essas posições e os fluxos das posições podem ser mais ou menos afetadas por tempos de normalidade interativas e por tempos de crise pessoais, institucionais e sistêmicas (Giddens, 1999).
Quanto maior for a tentativa de aproximação da relação estrutural entre o evento social e registros dos eventos informacionais maior será a capacidade de utilizar recursos mais adequados de análise sociais de redes de dados.

VER FILME:


REFERÊNCIAS:

BARABÃSI, Albert-László. Linked: the new science of networks. New York: Plume Books, 2002a.
__________. Statistical mechanics of complex networks. Reviews of Modern Physics, v. 74, p. 47-97, jan. 2002b.
BÓRZEL, Tanja A. European Integration online Papers (EIoP) Vol. 1 (1997) N° 16; http://eiop.or.at/eiop/texte/1997-016a.htm
CASTELLS, M. A sociedade em rede. Tradução de Roneide Venâncio Majer. São Paulo: Paz e Terra, 1999. (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v. 1
COSTA, Larissa et al. (Coord.). Redes: uma introdução às dinâmicas da conectividade e da auto-organização. Brasília: WWF-Brasil, 2003.
FARIAS, Aurélio Pimenta de. Idéias, conhecimento e políticas públicas: um inventário sucinto das principais vertentes analíticas recentes.
GIDDENS, Anthony. Novas regras do método sociológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
__________. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.
__________. & TURNER Jonathan (Org.). Teoria social hoje. São Paulo: Unesp, 1999.
HARARY, F. Graph theory. Massachusetts: Addison-Wesley, 1972. 274 p. (Addison-Wesley Series in Mathematics)
HILLIS, Daniel. O Padrão Gravado na Pedra: as idéias simples que fazem o computador funcionar. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
JOHNSON, Steve. Emergência: a dinâmica de rede em formigas, cérebros, cidades e softwares. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
LAUMANN, Edward O. and Franz Urban Pappi. 1976. Networks of Collective Action: A Perspective on Community Influence Systems, New York: Academic Press.
________ ; KNOLE, David. The Organisational State Social in National Policy Domains, Madison: University of Wisconsin Press, 1987.
LIMA, Gilson. Nômades de Pedra: Teoria da sociedade simbiogênica. Porto Alegre: Escritos, 2005a.
________. As redes têm centros: uma estratégia para migração da cultura pré-digital para a simbiose de redes sociais integradas em centros de atividades sociológicas e informacionais. Liinc em Revista, v.1, n.2, setembro 2005b. Disponível em: http://www.liinc.ufrj.br/revista.
________. et all.Sociedade e Conhecimento: novas tecnologias e desafios para a produção de conhecimento nas Ciências Sociais. Brasília: Sociedade e Estado. Volume 22. Número 2. maio/ago 2007.
MARQUES, Eduardo. Os mecanismos relacionais. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 22, n. 64, jun. 2007 . Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092007000200013&lng=pt&nrm=iso. Último acesso em 19 jun. 2009.
_________. Estado e redes sociais: permeabilidade e coesão nas políticas urbanas no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Revan/FAPESP, 2000.
_________. Redes sociais, instituições e atores políticos no governo da cidade de São Paulo. São Paulo, Annablume, 2003.
_________. Redes sociais e poder no Estado brasileiro: aprendizados a partir de políticas urbanas". Revista Brasileira de Ciências Sociais, 21 (60), 2006.
PIERCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo, Perspectiva, 1990.p.36.

Gilson Lima – Sociólogo da Ciência. Cientista em rabilitação. Pesquisador CNPQ. Pesquisador industrial junto a Ortobras (fábrica de acessibilidade). Pesquisador do Research Committee of the Clinical Sociology Association International Sociological (ISA).E-mail: gilima@gmail.com Blog: http://glolima.blogspot.com/

quinta-feira, 26 de maio de 2011

O FUTURO PRESENTE NA APRENDIZAGEM: a inteligência da complexidade

O FUTURO PRESENTE NA APRENDIZAGEM:  a inteligência da complexidade





A ciência, sobretudo, com o processo de aceleração tecnológica das últimas décadas, transformou o conhecimento em conhecimento complexo. Os paradigmas da aprendizagem estarão cada vez mais mergulhados na busca e reflexão e na experimentação do conhecimento complexo.
Gilson Lima



Ainda hoje em nossas escolas continuamos a formar pelas cidades afora, especialistas em disciplinas predeterminadas, portanto artificialmente delimitadas, enquanto uma grande parte das atividades sociais e do conhecimento científico, no presente e cada vez mais no futuro, tem e terão como exigência seres capazes de um ângulo de visão muito ampla e, ao mesmo tempo, capazes de inserir-se num enfoque de circunstâncias problemas em profundidade, além de altas habilidades de transgredirem as fronteiras históricas das disciplinas.
Os desenvolvimentos disciplinares das ciências trouxeram as vantagens
da produtividade quantitativa pela divisão do trabalho intelectual, mas também nos trouxe os inconvenientes da superespecialização, do confinamento e do despedaçamento do saber. Podemos dizer até que o conhecimento progride cada vez mais não tanto por sofisticação, formalização e abstração, mas, principalmente, pela capacidade de contextualizar e englobar (MORIN, Edgar, 2000).  

Efetivamente, a inteligência que só sabe separar, fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimensional, elimina a visão a longo prazo. Sua insuficiência para tratar nossos problemas contemporâneos mais graves constitui um dos mais graves problemas que enfrentamos.

Nos diz Morin (foto ao lado), pensar a complexidade - esse é o maior desafio do pensamento contemporâneo e, para isso necessitamos de uma reforma no nosso modo de pensar (MORIN, Edgar &; LE MOIGNE, Jean-Louis. 2000 15-16).  De modo que, quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, sem a reforma no nosso modo de pensar, maior a nossa incapacidade de pensar sua multidimensionalidade; quanto mais a crise progride, mais progride a incapacidade de pensar a crise; quanto mais planetários tornam-se os problemas, menos compreensíveis eles se tornam.
Porém, nós que fomos formados e deformados pelo saber disciplinar, fragmentado e segmentado impotente para uma perspectiva integrativa devemos nos conscientizar que cada vez mais nossos estudantes viverão num mundo onde a multipresença e maleabilidade serão princípios básicos constitutivos das suas relações sociais sejam essas relações sociais realizadas com rosto sejam elas realizadas sem rosto. Projeta-se que em 2015, será possível fazer contato com qualquer pessoa em qualquer ponto do planeta, através de minicelulares, sensores ligados a pequenos artefatos e redes computacionais sem dar um passo sequer. As pessoas teleaprenderão, teletrabalharão e se teledivertirão. Isto pode implicar no risco de ficarem abstratas demais e afetivamente e emocionalmente imaturas em demasia devido à falta de contato e vivência presencial com seus semelhantes.
Assim, desde agora a educação escolar deve contribuir para prepara-los a uma familiaridade equilibrada com os instrumentos de comunicação virtuais no compartilhamento de processos de produção de conhecimento por simulação e com o amadurecimento das suas potencialidades sensíveis e afetivas. Isso implica na inadequação, cada vez mais ampla, profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados, compartimentados entre disciplinas, e, por outro lado, realidades ou problemas cada vez mais polidisciplinares, transversais, multidimensionais, transnacioniais, globais, planetários.
Há uma última questão a considerar, particularmente relevante. O surto vertiginoso das transformações tecnológicas não apenas abala a percepção do tempo: ele também obscurece as referências do espaço. Foi esse o efeito que levou a compartilhar do conceito de “hipercórtex”, ou seja, do fenômeno da ampliação vertiginosa de nossa subjetividade cada vez mais espelhada e cada vez mais compartilhadas por interações com máquinas lógicas e artefatos sensórios, isso implica que vivemos cada vez numa densa malha de conectividade, onde os processos que até ontem eram monopólio da mente humana como lógica e cognição, por exemplo, agora estão interligados e integrados às mentes humanas cada vez mais em redes de comunicações e informações envolvendo o conjunto do planeta, onde tudo cada vez mais se torna uma coisa só, uma grande e poderosa “montanha russa” (SEVCENKO, Nicolau, 2001).
Um fato é inegável o de que as mudanças tecnológicas, embora causando vários desequilíbrios nas sociedades mais desenvolvidas que as encabeçam, também canalizam para elas os maiores benefícios. As demais sociedades são arrastadas de roldão nessa torrente, ao custo da desestabilização de suas estruturas e instituições, da exploração predatória de seus recursos naturais e do aprofundamento drástico de suas já graves desigualdades e injustiças.
Por detrás do desafio da complexidade, esconde-se um outro desafio: o da expansão descontrolada do saber. O crescimento ininterrupto dos conhecimentos constrói uma gigantesca torre de Babel, que murmura linguagens discordantes. A torre nos domina porque não podemos dominar nossos conhecimentos. T. S. Eliot dizia: Onde está o conhecimento que perdemos na informação?” (MORIN, Edgar, 2000:16). O conhecimento só é conhecimento enquanto organização, relacionado com as informações e inserido no contexto destas. As informações constituem parcelas dispersas de saber.
Em toda parte, nas ciências como nas mídias, estamos afogados em informações. O especialista da disciplina mais restrita não chega sequer a tomar conhecimento das informações concernentes a sua área. Cada vez mais, a gigantesca proliferação de conhecimentos escapa ao controle humano. Daí o sentido da segunda questão de Eliot: “Onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento?  (MORIN, Egar, 2000: 17).

Os conhecimentos fragmentados só servem para usos técnicos também segmentados e separados da aculturação. Não conseguem conjugar-se para alimentar um pensamento capaz de considerar a situação humana no âmago da vida, na terra, no mundo, e de enfrentar os grandes desafios de nossa época. A persistir isso, não conseguiremos integrar nossos conhecimentos para a condução de nossas vidas.

Gilson Lima Prefossor da UNISC - Universidade de Santa Cruz do Sul. Brazil. Sociólogo da Ciência – Pesquisador do Research Committee of the Clinical Sociology Association International Sociological (ISA).E-mail: gilima@gmail.com Blog: http://glolima.blogspot.com/


REFERÊNCIAS:
LIMA, Gilson. Nômades de Pedra: teoria da sociedade simbiogênica. Porto Alegre: Escritos/TomoEditorial: 2005.
MORIN, Edgar. A Cabeça bem feita: repensar a reforma e reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand, 2000:15-16.
Ver MORIN, Edgar & LE MOIGNE, Jean-Louis. “A Inteligência da Complexidade”. São Paulo: Peirópolis, 2000.
Sobre a metáfora da montanha russa como explicação didática da aceleração tecnológica ver: SEVCENKO, Nicolau. “A CORRIDA PARA O SÉCULO XXI: no loop da montanha-russa”. Rio de Janeiro: Companhia das letras, 2001.
Idem, MORIN. 2000:16.
Idem, MORIN: 2000: 17. A idéia de sabedoria provém do sabor, do sabor prazeroso de degustarmos um apetitoso cardápio de conhecimento. A busca da sabedoria está envolta a um plasma do prazer, do insigth, da curiosidade do e no conhecer e nos impõe desafios para uma pedagogia não centrada na disciplina, não colonizada pelo controle de uma ordem racional, mas uma pedagogia da imaginação criativa e aplicada à complexidade cada vez mais crescente da nossa civilização planetária.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Estudante paraplégico "anda" em formatura usando exoesqueleto

Notícia fôlha. http://www1.folha.uol.com.br/bbc/916782-estudante-paraplegico-anda-em-formatura-usando-exoesqueleto.shtml  17/05/2011 - 08h54


DA BBC BRASIL

Um estudante paraplégico americano conseguiu andar em sua formatura com a ajuda de um exoesqueleto desenvolvido por pesquisadores da Universidade de Berkeley, onde ele estudou.

Diante de uma plateia de 15 mil pessoas, Austin Whitney usou um controle em um andador para acionar o exoesqueleto amarrado às suas pernas e dar os tão esperados sete passos para receber o diploma em Ciência Política e História.

BBC
Estudante americano paraplégico consegue "andar" em formatura usando um exoesqueleto
"Foi realmente além dos meus sonhos mais incríveis", disse Whitney.
"No segundo em que eu apertei o botão e me levantei, eu fui inundado por uma série de emoções."
Ele descreveu como os altos e baixos de sua vida passaram por sua mente enquanto ele andava, desde o momento em que ele ficou paraplégico quatro anos atrás em um acidente de carro até o dia em que ele descobriu que havia sido aceito pela Universidade de Berkeley.
"Foi realmente impressionante", disse ele.
O exoesqueleto que ajudou Whitney a andar depois de anos foi desenvolvido por uma equipe de alunos de pós-graduação liderada pelo professor de engenharia mecânica Homayoon Kazerooni.
Austin Whitney trabalhou com a equipe durante meses, testando a estrutura robótica e dizendo o que funcionava e o que precisava de ajustes. Em homenagem a ele, o exoesqueleto foi batizado de "Austin".

TECNOLOGIA MILITAR

A tecnologia que ajudou Whitney a andar começou a ser criada em 2002, quando Kazerooni recebeu um financiamento do Departamento de Defesa americano para inventar um aparato que permitisse que pessoas carregassem enormes cargas por longos períodos.
Segundo o departamento de imprensa da universidade, a ideia na época era ajudar pessoas como médicos militares carregando um soldado ferido ou bombeiros que precisam subir escadas com equipamento pesado.
Quatro anos depois, foi criado o Bleex (Berkeley Lower Extremity Exoskeleton). O dispositivo tem uma mochila que se conecta às pernas da pessoa e usa sua própria fonte de energia para movê-las sem colocar pressão desnecessária sobre os músculos.
Mas o professor tinha planos mais ambiciosos para o exoesqueleto: ajudar pessoas que não podem andar.

EMBRIAGADO

O acidente que colocou Whitney em uma cadeira de rodas aconteceu no dia 21 de julho de 2007, quando ele assumiu a direção do carro após ter consumido bebidas alcoólicas.
Seu melhor amigo quase morreu e Whitney quebrou a coluna e ficou paraplégico.
"Foi minha culpa", disse ele.
"Eu fiquei com muita raiva de mim mesmo, mas percebi que tinha duas escolhas: eu podia viver no passado e me encher de pena ou enfrentar a adversidade na minha vida e impedir que isso enterrasse meu objetivos, sonhos e aspirações."
Após entrar para a universidade, Whitney passou a dar palestras para estudantes sobre os perigos de beber e dirigir.
Ele também disse esperar que o sucesso da caminhada em sua formatura dê esperanças a outros paraplégicos de que eles um dia possam contar com máquinas de preço acessível que os ajudem a recuperar alguma mobilidade.
"Esta tecnologia pode ser usada por um grande número de pessoas e esta é nossa missão", disse Kazerooni.
"Estamos dizendo à comunidade que isso é possível. Este é apenas o começo de nosso trabalho."

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Filme Sem Limites (Limitless): Reflexões sobre cérebro, aprendizagem e doping intelectual

Dia 16 de abril de 2011 fui ao cinema assistir ao filme Sem Limites (Limitless), indicado por alguns de meus amigos e colaboradores da minha página no Facebook. Fui solicitado a emitir uma análise do filme por ser pesquisador com interface entre o cérebro e a aprendizagem. Resolvi fazer meu comentário agrupando as diversas questões que me fizeram simulando uma entrevista em quatro atos (perguntas).

PRIMEIRO ATO: No geral, o que você achou do filme Sem Limites?

No geral, achei o filme mediano. Sem Limites toma alguns atalhos que enfraquecem a narrativa e decisões que comprometem a inteligência do roteiro. Teria vários exemplos, mas vou destacar a cena em que Lindy, a namorada de Eddie Morra (personagem principal), está em fuga e encurralada por um indivíduo violento e assassino que a persegue. Ela acaba não tendo outra escolha que a de tomar uma das pílulas da inteligência (NZT) para utilizar todo o seu potencial cerebral a fim de conseguir encontrar uma saída coerente para a situação. O problema é que a saída que ela encontra é tão óbvia que não precisaria ter os ditos 100% da capacidade do cérebro para optar por ela, pois seria fácil usar apenas seus instintos mais básicos.
O maior desvio que compromete a inteligência do roteiro, para mim, é a cena em que Eddie Morra bebe o sangue do traficante Gennady (Andrew Howard), que o próprio Eddie acabou de matar. O curioso é que Gennady tinha tomado recentemente a pílula, e Eddie, com isso, recebe com o sangue do morto os princípios ativos da droga, tornando-o apto a enfrentar os outros dois bandidos que estão dispostos a matá-lo na mesma cena. Além do apelo midiático à vampiragem, é polêmico considerar a eficácia das bases bioquímicas de transporte orgânico que são ativadas por sangue fora do corpo, sem base viral de defunto. Claro que, em se tratando de vírus, é possível por um determinado período de tempo a transferência, como no caso dos usuários de cocaína, que, através de canudos de aspiração, podem contaminar diferentes pessoas por sangramentos de lesões realizadas nas fossas nasais de terceiros. Em todo caso, trata-se de uma cena de muito mau gosto.
Por outro lado, destacaria como ponto alto do filme os recursos técnicos, os truques de imagens na abertura e, em algumas passagens, imagens em aceleração de movimento, que envolvem o telespectador e o coloca numa percepção ilusória dentro da cena. Essa técnica foi popularizada, ainda que de modo rústico mas eficiente, no final da década de setenta, com o filme Os Embalos de Sábado à Noite (1977). Trata-se, neste filme, também da abertura. Nela, John Travolta realiza uma caminhada interagindo o corpo com a música dos Bee Gess, envolvido numa técnica de zoom que acaba por induzir a percepção do telespectador. A técnica faz-nos acreditar que estamos ali na cena, caminhando e interagindo o corpo à música. Uma geração inteira correu para dentro das discotecas depois disso.
A abertura do filme Sem Limites é genial nesse sentido. A cena em que vamos subindo rapidamente andar por andar, por fora do edifício, e depois desacelerando, sendo colocados na frente do ator próximo à borda do terraço de uma sacada - girando em alguns graus e nos fazendo sentir até tontura pela altura -, é impressionante. Também as imagens de velocidade mostrando o fluxo de passagens rápidas em frames, que nos colocam dentro de cenas como se estivéssemos numa viagem de trem-bala para simular a aceleração mental, são muito criativas. Muito interessante, também, é a ideia de alterar a tonalidade do filme quando um personagem toma a pílula. Sem a pílula da inteligência o mundo de Eddie Morra era frio, desarrumado e acinzentado. Ao tomar a pílula, tudo fica mais claro, colorido e organizado. Esse truque já havia sido utilizado em Matrix. Quando o hacker Neo e seus amigos estavam conectados a Matrix, o quadro geral da cena ficava mais verde. Como em Matrix, o filme Sem Limites deixa brecha no final para a continuação.
Bem, o filme, do ponto de vista da abordagem cerebral, está repleto de equívocos diante do que já sabemos sobre o funcionamento do encéfalo. Por exemplos: o modo como aprendemos, a noção de memória de longo prazo e a memória computacional de Matrix. É importante ter claro que estamos, afinal, falando de uma ficção, e o filme não deve ser julgado cientificamente, mas apenas avaliado nesse sentido e a permitir relações com aproximações e distanciamentos.

SEGUNDO ATO. Vamos às questões sobre o cérebro. O filme começa destacando a folclórica visão de que o ser humano usa apenas 10% ou 20% da capacidade do cérebro. Isso nunca foi comprovado. Foi?

Trata-se de um mito. Um mito de grande apelo, mas mito. Quem só usasse 10% do cérebro teria os 90% de reserva e, se aprendesse a usá-la, poderia ficar dez vezes mais inteligente, fazer contas dez vezes mais rápido, falar dez vezes mais línguas, lembrar dez vezes mais informações. Sabe-se que se chegou a essa conclusão com base na teoria de William James, o qual, no Século XIX, disse: "uma pessoa comum raramente atinge senão uma pequena porção de seu potencial."
Até três décadas atrás, tudo o que se podia fazer para estudar o cérebro humano era abrir a cabeça e olhar dentro. Alguns chegaram a fazer isso com pacientes vivos, mas o normal era esperar as pessoas morrerem e olhar o que sobrava. Na época, as principais descobertas vinham de pesquisas com animais ou com pessoas com lesões no cérebro. Por exemplo, se alguém perdia o hipocampo e, com ele, a memória recente, é porque os dois deviam estar ligados. Graças aos animais devemos praticamente quase tudo que sabemos sobre os mecanismos moleculares da memória e a fisiologia dos sistemas envolvidos. Exemplos: o hipocampo é uma estrutura localizada nos lobos temporais e é considerada a principal sede da memória e importante componente do sistema límbico; a amígdala, região do sistema límbico, é um importante centro regulador do comportamento sexual, do medo e da agressividade; o núcleo accumbens, uma estrutura cerebral ligada à sensação do prazer pertencente ao sistema mesolímbico dopaminérgico. Sabemos muito sobre os tipos de memória, os mecanismos de evocação, de extinção e modulação, e devemos tudo isso aos estudos de modelos animais como ratos e camundongos.
Porém, agora surgiram maneiras novas de observar o cérebro em atividade, graças, principalmente, à ressonância magnética funcional (RMF). O princípio é colocar o paciente em um campo magnético tão forte que, pendurado em um guindaste, seria capaz de levantar dois carros juntos (o que mostra por que não é uma boa ideia aproximar objetos metálicos de aparelhos como esse). Tais sofisticados aparelhos possibilitam detectar, por ondas de rádio, o fluxo de sangue oxigenado para diferentes partes do cérebro, o que indica as regiões mais ativas em cada situação.
Foi essa técnica que permitiu, pela primeira vez, mapear o cérebro em funcionamento e, por meio de estudos e análises, enterrarmos de vez a ideia de que só usamos 10% do nosso cérebro-mente.
Sabemos agora que o cérebro trabalha no todo e o tempo inteiro. Quando dormimos, o corpo está praticamente anestesiado para organizar tudo que vivemos e/ou aprendemos durante o dia. No cérebro não há regiões silenciosas ou de reserva, e, certamente, o cérebro não é 90% reserva. Cada pedaço tem sua função específica e cada um deles consome muita energia.
O cérebro humano pesa, em média, 1,4 kg e representa apenas cerca de 2% do peso do corpo. Difere em tamanho de homens e mulheres e também de funcionamento. O cérebro, com esse modesto tamanho, consome mais de 22% da energia do todo. Dos alimentos que ingerimos, um quinto vai para o cérebro. Em momentos de escassez de alimentos, o cérebro é para nós um luxo impensável.
No entanto, apesar de toda essa energia consumida, nosso cérebro é muito econômico em termos de energia. O cérebro humano vive sendo comparado a um computador, mas certamente não o é. O modelo computacional do cérebro humano, que os cientistas da informação e suas máquinas cognitivas insistem em afirmar como sendo idênticos, não resiste a modestas comparações. Entre outras questões, o cérebro trabalha a uma potência de apenas 22 watts, bem menos do que a lâmpada que ilumina seu escritório ou quarto.
Voltando às pesquisas de imagens de ressonância, elas permitem identificar o que fazemos relacionando o que acontece com o cérebro; dependendo de quando, o que e como fazemos algumas partes são mais ativadas do que outras. Nos últimos anos, as pesquisas mostraram os sistemas se acenderem em situações como a de se apaixonar, tomar uma decisão, sentir sono, medo, desejo de uma comida ou ver alguém dar-se mal (algo interessante e fenômeno mais intenso em homens).
O que complica as pesquisas é que, assim como não existe pessoa igual à outra, cada cérebro é diferente. Além disso, a aparência dos neurônios não é um indicador fiel do que acontece na cabeça. Existe quem morra com problemas de memória e, na autópsia, percebe-se que o cérebro estava perfeito. Também há os que não apresentaram problemas até o fim da vida, mas cujo cérebro está com neurônios danificados.
Sabemos que pessoas com bom nível educacional ou o bem questionado termo do “QI alto” sofrem perdas menores da capacidade cerebral. Ao que tudo indica, exercitar o cérebro cria uma espécie de reserva. Não se preocupe, portanto, em usar mais o seu cérebro, pois você já utiliza 100% dele. Preocupe-se em usá-lo melhor! O cérebro não é uma caixa em que você vai colocando sapatos e ela enche. O cérebro, quanto mais você usa, mais ele permite colocar algo dentro. É um sistema aberto e auto-organizável, sempre se auto-organiza quando acontecemos no mundo. O cérebro envolve-se muito com o que chamamos de plasticidade, mas precisa de muita atenção e dedicação como qualquer parte do corpo.
A leitura, por exemplo, é um exercício fantástico. “Quem não lê está fadado a uma memória mais lenta”, diz Izquierdo, um dos maiores especialistas em memória humana. Enfrentar desafios e sair da frente da TV também ajuda, assim como fazer exercícios físicos, que não só permitem o melhor funcionamento do cérebro como, provavelmente, fazem nascer novos neurônios (neurogênese).


TERCEIRO ATO. Sobre a questão de a droga acelerar a aprendizagem e permitir que seja utilizado 100% do cérebro. É possível?

Sem Limites conta a história de Eddie Morra (Cooper), um escritor fracassado que não consegue manter um minuto de concentração para terminar de escrever o primeiro parágrafo de seu livro. À primeira vista, Eddie Morra é um tipo “vagal”, o que, além de fazê-lo sofrer o afastamento de sua namorada Lindy (Cornish), coloca-o à beira de um colapso. Mas a vida de Eddie está prestes a mudar quando reencontra o ex-cunhado Vernon (Whitworth), um típico traficante de luxo, que oferece-lhe uma droga ainda não lançada: a NZT.
Segundo Vernon, essa droga permitiria Eddie exercer sua capacidade de utilizar 100% do cérebro.
Um ou dois minutos após o uso da substância, lá está o fracassado Eddie debatendo assuntos fora de sua área e em diferentes línguas. Em pouco tempo, Eddie fatura apostando na bolsa de valores e acaba se destacando no ramo dos negócios. Mas para tudo há uma consequência, certo? Aí entram os efeitos colaterais da droga, que podem levar à morte, e o fato de Eddie acabar conquistando diversos inimigos, alguns deles desejando arrancar sua pele.
Vernon, o traficante de luxo, diz algo muito interessante: “a droga funciona melhor com os inteligentes”. Ela realmente é uma caricatura que amplifica processos moleculares induzindo alta performance de sentidos, conexões e tomadas de decisões. Na verdade, chamamos isso de doping intelectual, ou seja, as pessoas que procuram drogas da inteligência não querem algo que lhes dê “barato”, e sim, “cognição”.
Os cientistas sabem há muito tempo que substâncias mais comuns, como a adrenalina, a glicose e a cafeína melhoram o desempenho e a memória. O conhecido pesquisador do cérebro Gazzanica afirma: ”Claro, nós todos sabemos disto: pessoas que fazem as coisas de última hora trabalham melhor sob o efeito da descarga de adrenalina causada pela aproximação do prazo final; evitamos trabalhar ‘de estômago vazio’, e estamos dispostos a pagar a mais por um café com leite duplo - tudo isso é prova de como apreciamos essas atividades lícitas”.
Essas drogas já existem e são realmente chamadas de drogas da inteligência, mas é preciso primeiro distinguir se, quando estamos falando de uma droga da inteligência, estamos falando de inteligência ou de termos uma percepção mais rápida das coisas e do mundo. A ideia de ser mais inteligente é, com muita frequência, apenas outra definição para pensar e fazer "mais rápido".
O corpo humano, em momentos-chaves de que necessitamos ou estamos em perigo, realiza esse processo naturalmente. Geralmente os sistemas mais rápidos, mobilizados pelo cérebro, envolvem as entranhas mais primárias ligadas à sobrevivência. Se um leão entrasse em nossa casa pela porta dos fundos, uma má cópia em preto e branco da imagem do leão na nossa retina chegaria em menos de 200 milissegundos à amígdala, que responde com a elevação da tensão arterial, da pulsação e da tensão muscular muito antes que a zona da cor do nosso córtex cerebral tenha podido elaborar uma imagem nítida (em tom de amarelo-bege, castanho). Entretanto já teríamos corrido para a porta certa! (Quem não dominar rapidamente este mapa de input-output não ficará para contar a história às gerações seguintes!).
Pesquisas feitas num animal muito simples, o caracol do mar Aplysia, a aprendizagem deste tipo de reflexo condicionado faz-se acompanhar da mudança da intensidade de transporte das ligações sinápticas. Outras experiências puderam demonstrar que a ligação entre dois neurônios eleva sempre a intensidade quando eles estão simultaneamente ativos. Isto foi postulado há mais de cem anos pelo psicólogo americano William James, e formulado mais precisamente há cinquenta anos pelo neurofisiologista canadiano Donald Hebb, e precisamente demonstrado, pela primeira vez, em 1973. O processo bioquímico é conhecido por ativação de longa duração (inglês: long term potentiation, LTP). Essas investigações ajudam a compreender as bases moleculares da aprendizagem e do pensamento que nos distanciam do modo ingênuo de pensarmos o cérebro como uma máquina cognitiva, ou seja, especializada em processar e computar informações nos moldes de um computador eletrônico.
Em conjunto com a variabilidade das ligações entre neurônios e o crescimento destas conexões, permite-se observar no âmbito celular a plasticidade da aprendizagem no nível de toda a zona do córtex cerebral.
Nossa memória mais rápida é a de trabalho, muito presa aos acontecimentos. Tem uma capacidade enorme de processamento, mas não é infinita. A memória de trabalho não forma arquivos duradouros: desaparece em segundos, no máximo em minutos. A memória de trabalho depende da atividade elétrica dos neurônios do córtex pré-frontal, localizado à frente da área motora. Esse esquecimento é muito necessário. Como lembra o neurocientista Izquierdo: “Quando a memória de trabalho fracassa, uma informação se confunde com a anterior ou com a seguinte, ou com a que está ao lado ou acima, confunde informações simultâneas e não consegue ser distinguidas das informações sucessivas ou isoladas”. Então é necessário não apenas velocidade de decisão sobre o que será bloqueado e esquecido, mas o que será posteriormente tratado como uma memória de médio e de longo prazo.
Por isso que chamo a atenção em minhas aulas de neuroaprendizagem que aprender, sobretudo e significativamente, é: aprender a esquecer. Enfraquecer as sinapses que não servem para nada e que não são usadas não dão resultados interessantes na experiência. Fortalecer as que permitem ao cérebro fazer o que dá certo é que é significativo. O emaranhado de conexões vai sendo esculpido, deixam de ser apenas possibilidades e passam a ser um conjunto de caminhos eficazes e com sentido, não mais apenas possibilidades.
As comparações anatômicas ou funcionais do cérebro com o computador geram enorme confusão. O cérebro é um sistema químico, o computador, um sistema elétrico. O cérebro não opera como uma máquina cognitiva-computacional. O computador é “burro” porque não esquece nunca, lembra sempre.
Ao contrário, somos inteligentes porque esquecemos! Somos complexos porque esquecemos. Um computador é uma poderosa máquina cognitiva, mas muito menos complexa, entre outras questões porque não esquece “nunca”, porque apenas computa informações (e ainda de um modo muito simplificado, de forma discreta e de modo apenas binário). O computador não tem um complexo sistema nervoso para uma aprendizagem que efetivamente transforme seus processos em mudanças e, portanto, conquiste a aprendizagem e o conhecimento.
Do ponto de vista do funcionamento, nosso cérebro é muito mais lento do que a máquina cognitiva-computacional. Nosso cérebro é muito lento quando vai operar um pensar consciente. Somos incomparavelmente medíocres em velocidade de processamento frente a um modesto computador de mesa. Um computador funciona na velocidade de um bilionésimo de segundo, o cérebro, em milissegundo.
Toda essa conversa de milissegundos e bilionésimos de segundos pode não o impressionar muito, mas um exemplo conhecido é suficiente para ver a diferença de algo ser um milhão de vezes mais rápido do que outro. Imagine que você tivesse uma pessoa que pudesse realizar uma dada tarefa em um dia, e outra que precisasse de um milhão de vezes mais dias para realizá-la. Se a primeira pessoa tivesse começado a tarefa há 24 horas, ela estaria terminando exatamente agora. Para que a pessoa mais lenta estivesse terminando a tarefa no mesmo tempo, ele ou ela teria de ter começado a tarefa por volta de 770 a.C. Essa é a diferença de velocidade entre um transistor comum e um neurônio!
Por outro lado, sabemos que o nosso cérebro pode trabalhar muito rápido em algumas tarefas. Vamos a outro exemplo conhecido: levante sua cabeça e olhe ao redor, depois a incline. Ao fazer isso, a imagem visual que você tem do mundo permanece vertical, pois ela não se inclina como sua cabeça.
Esta operação simples é tão "automática" que é fácil perder de vista o fato de que constitui um desafio computacional enorme. Apenas muito recentemente as máquinas mais modernas têm sido capazes de executá-la em tempo real, isto porque a maneira tradicional de um computador analisar uma imagem é bem diferente da maneira como o cérebro humano o faz.
É tentador examinar o sistema nervoso humano e ver o cérebro como uma espécie de processador central digital, com os nervos do sistema nervoso periférico atuando como canais de entrada e saída de dados.
O neurônio pode ser visto como uma chave interruptora em vez de transistor - ele está ligado ou desligado. Entretanto, essa analogia não resiste a um exame mais rigoroso. Um aspecto mais importante da natureza química do cérebro diz que ele está ligado ao segundo principal modo de comunicação do corpo, que é o sistema endócrino. O cérebro, na verdade, está em um banho sempre em mudança de substâncias químicas, aquelas criadas no interior do próprio cérebro e as produzidas em outras partes do corpo.
É claro que a base da inteligência é a atenção. Por isso, as drogas que estimulam as ressonâncias sensíveis da atenção são efetivamente muito eficazes. A concentração ajuda na rapidez e na percepção para a consolidação do aprendizado. As memórias de curta e de longa duração, que são a base da consolidação do aprendizado, são feitas por células especializadas do hipocampo e das áreas do córtex com as quais se conecta.
O aprendizado consolidado de longa duração sempre depende dos estados emocionais em que os acontecimentos se realizam. Isso implica liberação de substâncias neuro-humorais (que os antigos chamavam de fluidos corporais) nos processos modulares da atividade nervosa, tais como a noradrenalina, a dopamina, a serotonina, acetilcolina ou a beta-endorfina. Também alguns hormônios são secretados na aprendizagem e é a memória de forte apelo emocional que modula a atividade cerebral dessas áreas envolvidas, sendo a adrenalina e os corticoides as mais conhecidas secreções hormonais.
Aprendemos e gravamos melhor as informações e temos menos tendência a esquecer as memórias de alto conteúdo emocional. Então, tudo depende da atenção. O estresse é uma habituação bioquímica patológica em que mantemos o estado de alerta, envolvendo modulações agressivas para as situações que não são necessárias respostas de defesas severas. Onde nenhum predador efetivamente nos coloca em risco de sobrevivência, mesmo assim algum gatilho dispara reações bioquímicas (cortisol, adrenalina), até quando não necessitamos delas, ou seja, modulações que se encontram fora do contexto. A ciência já sabe que isso são ações dependentes de neurotransmissores. Usar o cérebro intensamente é muito bom. O que mata as células nervosas é o estresse e não a quantidade de seu uso. Esquecemos mais quando aprendemos estressados.
Em geral, chamam-se neurotransmissores àquelas substâncias que são liberadas nas fendas sinápticas pela terminação do neurônio, mais especificamente pelo axônio. Essas substâncias são liberadas para a célula seguinte passando da fenda sináptica e penetrando no neurônio alvo ou receptor. O neurotransmissor mais importante é o ácido glutâmico, que, ao agir sobre o receptor da célula seguinte, habilita-a para que possa gerar impulsos elétricos e enviá-los a outros neurônios. Os neurotransmissores se dividem em exitatórios ou inibitórios.
Também drogas como ansiolíticos como o valium, alprazolam e outros agem como inibidores por conter um dos principais neurotransmissores inibitórios, o ácido gama-butitico ou GABA (sua sigla em inglês). A noradrenalina, dopamina, serotonina, acetilcolina e até opioides como a beta-endorfina podem agir como neurotransmissores ou neuromoduladores.
Algumas drogas ditas inteligentes foram aprovadas e estão no mercado, assim como alguns remédios fitoterápicos sem aprovação. Lojas conhecidas como smartshops (lojas inteligentes) têm surgido por toda a costa oeste dos Estados Unidos para vender esses produtos.
Uma das drogas mais conhecidas, atualmente, é a droga metilfenidato (nome comercial Ritalina, do laboratório Novartis Biociências, e Concerta, do laboratório Janssen Cilag).
Trata-se de uma substância química de estimulação leve do sistema nervoso central com um mecanismo estruturalmente relacionado às anfetaminas de ação ainda não totalmente bem elucidada. É uma droga usada para tratamento dos casos de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), narcolepsia e hipersônia idiopática do sistema nervoso central (SNC).
Enfim, é uma medicação psicoestimulante e seu uso provoca uma maior produção e reaproveitamento de neurotransmissores, a exemplos: dopamina e serotonina.
Entretanto, há controvérsia sobre a produção e reaproveitamento da serotonina pelo cérebro das pessoas portadoras do TDAH.
A Ritalina aumenta o rendimento escolar de crianças hiperativas e faz o mesmo por meninos e meninas saudáveis. O resultado é uma pontuação consideravelmente maior em testes escolares, tanto em hiperativos quanto em usuários normais. Segundo o neurocientista Michael S. Gazzanica: “atualmente, muitos jovens saudáveis a consomem com esse propósito - e, francamente, não há como impedi-los”.
Há, entre a população normal, homens e mulheres com memória assombrosa, ou que aprendem línguas e música muito rapidamente, e mesmo aqueles com capacidades superiores dos mais variados tipos. Algo em seu cérebro permite que codifiquem novas informações numa velocidade espantosa. Aceitamos o fato de que eles devem ter algum sistema químico superior ao nosso ou certos neurocircuitos mais eficientes, mas “sacar uma pílula e aprender coisas novas após uma única leitura pode parecer injusto”, afirma Gazzanica.

Sabe-se que camundos tem dificuldades para formação de memória de longo prazo sem uma adequada habituação de exposição longa ou repetitiva de eventos de apresendizagem. Anos de experimentos demonstram isso. Porém, recentemente camundongos testados com drogas específicas de memória como a CREB (cyclic response element binding) tem alterado esse comportamento. Então uma ativação quimica artificial pode alterar habilidades não consolidadas de aprendizagem e memória. Então o que acontece é que o que os esforços que os camundongos realizavam para aprender um evento de aprendizagem de longa duração tornam-se desnecessários. Drogados eles consolidam aprendizados com facilidade em eventos de curta duração.
O interessante é que muitas drogas da "inteligência" estão na fase de testes clínicos e devem chegar ao mercado logo. Algumas medicações atualmente disponíveis para pacientes com problemas de memória podem aumentar a inteligência de pessoas saudáveis.
Já em julho de 2002, Jerome Yesavage e seus colegas da Universidade de Stanford descobriram o Donepezil, droga aprovada pela FDA para retardar a perda de memória em pacientes com Alzheimer e que melhora a memória de pessoas sem a doença. Para muitos, o futuro já chegou e existe a possibilidade de que o Donepezil se transforme em uma Ritalina de universitários.
Já está disponível ou em estágio de aprovação pela FDA, a agência americana de controle de alimentos e fármacos, diversos estimulantes cognitivos que comprovadamente melhoram a memória. Eles estão sendo chamados de drogas inteligentes ou nootropos.
Se os testes clínicos correrem bem, uma das substâncias mais promissoras é a MEM 1414. Porém, todas as drogas possuem efeitos colaterais tal como mostra o filme. Para quem se aventura ao doping intelectual da NZT, muitas vezes pode pagar o preço de mudanças significativas em sua vida junto a pessoas significativas e vivências existenciais marcantes ou, até mesmo, o preço de sua própria vida.
Não existe droga segura, a não ser a cafeína. Como é estimulante e produz efeitos farmacológicos nos receptores de adenosina, ela é, sim, uma droga. Mas não há evidências de que vicie nem de que seja tóxica, a não ser que você tenha problemas cardiovasculares. Ainda não sabemos se é prejudicial a crianças e adolescentes, mas para adultos não há nenhum problema.
O cérebro, em consequência do uso de drogas, é modificado de maneira física e daí surge a dependência química, uma doença que muda a bioquímica, a função e a anatomia do cérebro. Ocorre da seguinte maneira: todas as drogas aumentam a concentração de dopamina no cérebro. Quando o sistema dopaminérgico é ativado, vez após outra, pelo consumo repetido dessas substâncias, ele sofre modificações, de forma que passa a não funcionar mais quando a pessoa não está sob o efeito da droga. Com isso, o usuário procura usar mais drogas para tentar compensar o déficit.
Muitos especialistas em reabilitação afirmam que nós não podemos curar o vício, mas apenas tratá-lo. Quando você tem uma infecção bacteriana, toma antibiótico e está curado. Agora, se você tem asma ou diabetes, tem de tomar algum tipo de medicamento ao longo de sua vida. É um tratamento para sua condição, não a cura. Hoje, existem apenas tratamentos para o vício, que combinam medicamentos e terapias comportamentais. Sabemos que está sendo desenvolvida uma vacina contra os vícios de cocaína e nicotina, mas ainda são apenas pesquisas.
O córtex orbitofrontal é a principal área ligada ao vício e à mesma área que envolve disfunções e o transtorno obsessivo-compulsivo. A pessoa viciada em drogas pode, em geral, desenvolver uma obsessão e uma compulsão por drogas similares àquelas que são indicadas para a doença de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). O que o vício e o TOC têm em comum? Ambas as doenças afetam as mesmas áreas do cérebro, aquelas relacionadas aos hábitos e aos controles. Mas, embora o local afetado seja o mesmo e a apresentação dos sintomas se dê de forma parecida, os mecanismos que levam a essas anormalidades não os são.

QUARTO ATO. Há equívocos reproduzidos no filme sobre a aprendizagem e a memória envolvida nos estudos do cérebro?

No primeiro ato conhecemos o vagal Eddie, depois, o Eddie em metamorfose seguido pelo Eddie rico, só para aí entrarmos na fase das consequências. Esta se inicia pouco antes da metade do filme, quando Eddie sofre com os devastadores efeitos da droga e a perseguição de terceiros, incluindo a do traficante Gennady (Andrew Howard). Trata-se de uma ficção interagindo com muita ação.

Então vejamos! É possível, sim, potencializar bioquimicamente o cérebro para a atenção, a melhora da performance na rapidez das conexões e o aproveitamento das memórias ou fragmentos pseudoextintas ou reprimidas.
Agora um dos maiores equívocos do filme é a ideia cognitivista-computacional para a aprendizagem. Ao reduzir a aprendizagem ao processamento de informação, típica dos cognitivistas, tudo passa a ser visto em termos de aprendizado só pelo acesso e processamento rápido de dados e por uma rápida tomada de decisão. Se todo o aprendizado é apenas produto de informação, basta acelerar e melhorar a captura e o processamento da informação.
Porém, não se pode tocar um piano somente lendo partituras, muito menos ser um exímio pianista apenas compreendendo as informações contidas nas notas da música e sua tonalidade sonora. A aprendizagem para a informação é importante, mas algo é mais importante: a experiência vital.
Também já sabemos que não existe um único típico de inteligência. A inteligência matemática, tão cultuada nos meios científicos anglo-saxônicos e norte-americanos, é apenas um tipo específico de inteligência. A distribuição das diferentes inteligências entre os seres humanos também é aleatória. Podemos ser muito bons em relacionamento pessoal e muito pouco hábeis com a formalização da matemática e vice-versa. Por exemplo, sabe-se que um autista, com diferentes graus, é consequência de erros migratórios na formação do córtex neuronal de modo a que as áreas funcionais da matemática sejam muito mais eficientes. Um autista é uma espécie de um superespecialista em matemática, mas com muitas dificuldades e déficits em diversas áreas, sobretudo nas de relacionamento interpessoal. Muitos deles são capazes de realizar uma equação de terceiro grau em segundos, mas são incapazes de comprar pão na esquina sozinhos.
No filme, depois de tomar a pílula, Eddie torna-se muito apto a aprender qualquer coisa universalmente: lutar, porque passou na televisão ou assistiu a um filme de Kungfu, ou uma língua em minutos, depois de ouvir alguns fonemas em italiano ou até chinês. Porém, o aprendizado de várias línguas com muita facilidade só é mais possível facilmente quando somos crianças. Os adultos possuirão sempre, em situações normais, muitas dificuldades de aprendizagem de uma língua que não é a sua língua materna.
De 5 a 6 meses de idade obtemos um crescimento cerebral que atinge a velocidade máxima espantosa em torno de 250 mil novos neurônios por minuto. Antes mesmo de você nascer, o cérebro está praticamente formado.
Cada grama do cérebro infantil consome até o dobro de energia que o cérebro adulto.
Isso gera um excesso de sinapse que é a matéria-prima do aprendizado. No entanto, o aprendizado consiste não no acréscimo de conexões novas, mas na eliminação direcionada dessas sinapses, eliminação das conexões excessivas pelo uso e fortalecimento e eliminação dos caminhos repetidos e fortalecidos.
Suzana Herculano, outra cientista do cérebro, explica esse fenômeno com a metáfora da escultura. Imaginamos um tronco de madeira que não é uma escultura com traçados coerentes. Todo o material em excesso será removido. Umas conexões serão fortalecidas, outras eliminadas, e assim, durante todo o desenvolvimento da criança para o adulto, o cérebro vai sendo esculpido. O excesso de conexões iniciais é a matéria-prima que permitirá que o cérebro, com o uso, possa transformar-se em algo definitivamente elaborado pelas experiências.
Daí em diante, segundo o que se acreditava até há pouco tempo, ele poderia aprender coisas novas, mas não ganharia novos neurônios. Só nos restava cuidar bem dos que já temos, mas já descobrimos que não é verdade.
É com a experiência da tentativa e erro que você vai consolidar o resultado que dá sentido a seu cérebro. Conforme descobre na primeira vez, esse caminho sináptico funciona e você começa a repetir e a trilhar cada vez mais até ele reforçar-se, tornando-se a via mais rápida e direta entre dois pontos. Herculano lembra que isso acontece quando mais vezes você anda pelo mesmo caminho, pois mais demarcado ele fica e mais facilmente você o encontra na próxima vez. Nesta, de tão limpo e claro, encontrá-lo e caminhar sobre ele se torna muito mais fácil e rápido (modelagem e remodelagem da aprendizagem).
Chamo a isso de a necessidade de estarmos atentos ao aprendizado por uma pedagogia da experiência do acontecimento).
Denomino de Pedagogia do acontecimento o processo constituído de dinâmicas de um aprender que valorize a própria experiência do saber, um poder aprender numa sociedade que acelera o acesso e a produção da informação e do conhecimento. Tal processo deve ser compreendido da seguinte forma: “viver como um acontecimento”. Para mergulhar nos acontecimentos, necessário se faz desassossegar-se do repouso funcional dos fatos, o que exige viver o acontecimento do mundo, mudando a maneira de pensá-lo. Os estados simbólicos de mentitude necessitam de novas práticas, novos estímulos estéticos e ambientais, novas dinâmicas de modelações criativas do aprendizado, visando não a mera disciplinarização do corpo e da cognição. Envolve motivações, prazer, conformidade com sentidos, da pessoas e junto ao mundo que acontecemos.
Estudos simbióticos de mentitude são envolvidos em dinâmicas de aprendizagens, o percurso de estados da mente e do corpo, frente às diferentes singularidades de dobras micro e macro da realidade. É um percurso vital que envolve complexos processos de associações e conexões de conflitos e cooperações desde as entranhas comportamentais micromoleculares, até as micro e macro comportamentais de nossos sentidos cotidianos, visíveis na escala macrofísica da realidade”. Essa trajetória de estado de mentitude é singular e específica em cada uma dessas “dobras micro e macro da realidade e ao mesmo tempo diferentes e singulares e simultâneas inclusive em suas regras de comportamentos. Por isto o estado de mentitude é simbiótico (de symblon, que vive junto). LIMA, Gilson Luiz de Oliveira. (2009) Redescoberta da mente na educação: a expansão do aprender e a conquista do conhecimento complexo. Educação e Sociedade. Vol 30, nº 106, p. 151-174. Jan/abril.
Voltando a aprendizagem como um acontecimento que experiencia-se. Um tocador de gaita tem mais espaço no cérebro para a mão e para a boca de quem usa, por exemplo, a boca apenas para falar e comer. Mais células representarão o tato nesses locais. Um violinista profissional, que toca o instrumento desde pequeno, tem cerca de 4 centímetros de espaço no cérebro apenas para a mão esquerda.
Se hoje, adultos, vamos começar a aprender a tocar violino poderemos chegar ao máximo a 0,5 centímetros, ou seja, ½ centímetro de espaço para a mão esquerda. É melhor começarmos mais cedo. O jovem está mais preparado para aprender mudanças, os mais velhos são mais lentos. O que é ótimo; caso contrário, teria de aprender tudo sempre novamente, que é o efeito do de novo, da criança de colo. Quando atiramos uma criança de colo para cima, em direção ao teto, ela, depois de algumas risadas, pede: “de novo”. Esse processo vai se repedindo sempre seguido de um de novo (que para a criança é uma nova primeira vez) até que a criança se dá conta de que não corre nenhum risco e que está tudo sobre controle pelo adulto. É assim que consolida sua rede de aprendizagem sobre o evento. A próxima vez não será um de novo, mas uma repetição em que perdeu-se a graça, houve o aprendizado.
No caso do cérebro adulto, aprendemos mais devagar porque nossas redes estão consolidadas. A taxa de rapidez da aprendizagem vai caindo com o tempo. Por isso o aprendizado para muitas situações como o da linguagem no cérebro tem uma JANELA DE OPORTUNIDADE: geralmente é até os 10 anos, e o aprendizado da visão, 5 anos. São, inclusive, momentos críticos essas janelas de oportunidade, período da vida em que o cérebro é especialmente capaz para modificar-se com o uso e a experiência.
Claro que é possível sempre modificar o cérebro com o uso depois de adulto, a aprender (plasticidade), mas é muito mais difícil e certamente falaremos com sotaque. Teremos de compartilhar e dividir com as mesmas trilhas da nova gramática e estabelecer paralelos com a gramática materna. Pensaremos numa palavra e, ao chegar à memória de longo prazo, não consideraremos a habituação da palavra materna memorizada àquele contexto. A criança usará trilhas independentes para diferentes linguagens. Nós já destacamos essas trilhas, temos de trabalhar com o que sobrou.
Outro exemplo. O cérebro precisa aprender a enxergar. O córtex visual tem de processar a informação visual de modo que a imagem seja coerente com os outros sentidos. Isso acontece com muita facilidade no começo da vida. É preciso que o córtex visual junte os sinais que chegam dos dois olhos e de modo coerente até os 4 ou 5 anos, mais ou menos. É por isso que a cirurgia para corrigir estrabismo deve ser realizada nessa idade (não perder a janela de oportunidade), quando o córtex visual está mais apto a se modelar para aprender essa experiência visual (juntar a informação dos dois olhos).
Por outro lado, no filme encontramos uma reducionista abordagem computacional do aprendizado e da inteligência tal como em Matrix. É uma abordagem de modelo computável do cérebro humano que, de algum modo, já comentamos.
Tem uma cena em Matrix que relaciona-se muito com essa abordagem. No primeiro Matrix, quando os dois jovens protagonistas (Neo e a bela italiana Trinity) tentam fugir para um lugar seguro, eles se deparam com um helicóptero. Neo pergunta a Trinity: "Você sabe pilotar isso?”. E ela responde: “Ainda não". Então ela pega o celular, liga para alguém na central e pede para que o sujeito carregue o programa que a faria aprender a pilotar o helicóptero em alguns poucos segundos. Com o programa na mente, ela assume o controle e voam em segurança em busca de novas aventuras.

Essa cena de educação instantânea traduz muito de nossa atualidade, tomada pela hegemonia cognitivista-computacional e da ideia de que podemos programar as pessoas, de que podemos ter acesso instantâneo aos dados (realidade fisicalista) e de que isso até se estende para programações infogenéticas (genes), capazes de indicar automaticamente comportamentos e atitudes. Um mundo que nos levou ao beco sem saída onde os homens se tornam programas ou extensões de máquinas computacionais.
As informações são processadas por Trinity e ela, a seguir, entra no helicóptero e com muita maestria passa a pilotá-lo como se tivesse mais de 40.000 horas de voo no aparelho.
Trata-se de uma visão simplificada e equivocada da aprendizagem cerebral. Nosso cérebro não é um imenso cabo de redes telefônicas, formado por sinais elétricos que perpassam sinais de um ponto a outro como ocorre no computador. Um computador limita-se a acessar, trocar, estocar e transportar dados, informações, e isso está muito longe da complexa expansão do nosso aprendizado humano.
Se considerarmos a dinâmica neural (isto é, a maneira como os padrões de atividade do cérebro se modificam ao longo do tempo), a característica especial mais impressionante dos cérebros dos vertebrados superiores é a existência de um processo que denominamos reentradas. Trata-se do constante e recorrente intercâmbio de sinais em paralelo entre áreas reciprocamente interconectadas do cérebro, um intercâmbio que coordena constantemente a atividade dessas áreas, tanto no espaço como no tempo. Uma característica impressionante dessas reentradas é a sincronização ampliada da atividade de diferentes grupos de neurônios, ativos e distribuídos entre as muitas áreas especializadas do cérebro.
O cérebro, com suas SINAPSES, é um sistema aberto que está sempre de modo ou outro se auto-organizando, quando acontecemos no mundo. Quando surgem acontecimentos que apresentam um resultado melhor do que esperávamos, isso chama a nossa atenção, não é um programa, mas uma predisposição também para aprendermos algo novo.
O cérebro é uma máquina de extração de regras. Um cientista do cérebro, Spitzer, conta-nos uma história bem simples para entendermos esse processo. Diz ele que certamente você já viu (ou comeu) milhares de tomates na sua vida; contudo, de forma alguma pode lembrar-se das características específicas de cada um dos tomates isoladamente. Essas características seriam completamente inúteis para o cérebro toda vez que você observasse um novo tomate, pois só iria utilizar o que o leitor soubesse sobre tomates em geral, para poder saber o que fazer com este. Podemos comê-los, cheirá-los, utilizá-los em ketchup, atirá-los, etc.
A aprendizagem de fatos ou acontecimentos isolados não só é na maioria dos casos pouco importante, como inoportuna. Esses conhecimentos de acontecimentos isolados são de pouca ajuda. A informação isolada da experiência é muito limitada.
Nosso cérebro, com exceção do hipocampo, que é especializado em conteúdos isolados, é muito bom com extração geral de regras, pois é especializado na aprendizagem de generalidades.
Tal generalidade, porém, não é adquirida ao aprendermos regras gerais? Não! Ela é aprendida porque construímos exemplos. É a partir desses exemplos e imitações que aprendemos a produzir as próprias regras.
As centenas de milhões de conexões que compõem a estrutura conectiva íntima do cérebro não são conexões exatas. Se indagarmos se as conexões são idênticas em quaisquer dos cérebros de tamanho semelhante, como ocorreria nos computadores de construção similar, a resposta é não. Isso está equivocado.
O mundo não se apresenta ao cérebro como uma fita magnética de computador que contém uma série de sinais claros e inequívocos. Ao contrário, o cérebro é capaz de categorizar e classificar os padrões de uma enorme série de sinais variáveis.

Para ver o Trailer do filme: http://www.youtube.com/watch?v=JMU_ksS3fq4

Gilson Lima Sociólogo da Ciência. Sócio proprietário da NITAS: tecnologia e inovação. Pesquisador do Research Committee Logic & Methodology and at the Research Committee of the Clinical Sociology Association International Sociological (ISA).E-mail: gilima@gmail.com Blog: http://glolima.blogspot.com/  

terça-feira, 1 de março de 2011

Cérebro não precisa da visão para 'ler' textos, diz pesquisa

Notícias e Comentários
Gilson Lima



Estudo com deficientes visuais lendo em Braille mostra que mesmas áreas do cérebro da leitura visual são ativadas






SÃO PAULO - A porção do cérebro responsável pela leitura visual não precisa da visão. Foi o que determinou um novo estudo analisando imagens do cérebro de cegos lendo em Braille. A descoberta desafia a noção de que o cérebro é dividido em regiões especializadas no processamento da informação vinda de sentidos diferentes, segundo os pesquisadores da Universidade Hebraica de Jerusalém e da França.
Karl-Heinz Wellmann/Divulgação

Livro escrito em Braille
 

O cérebro não é uma máquina sensorial, embora muitas vezes se pareça com uma; ele é uma máquina de realização de tarefas, afirmaram os pesquisadores responsáveis pela pesquisa. Uma área em particular é responsável por uma função única, nesse caso, pela leitura, independentemente do sentido envolvido na modalidade.
Diferentemente de outras tarefas realizadas pelo cérebro, a leitura é uma invenção recente, de cerca de 5.400 anos de idade - o Braille tem apenas 200 anos - não havendo tempo suficiente para que o cérebro tenha evoluído um módulo específico dedicado a essa tarefa.
No estudo, a equipe utilizou ressonâncias magnéticas para observar o cérebro de deficientes visuais de nascença lendo palavras ou sinais sem sentido em Braille. Quando liam palavras reais, a área do cérebro acionada no processo de leitura era as mesma acionada no processo de leitura visual.

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Meu comentário:
Recentemente escrevi um artigo (ainda não publicaso) com resultados de pesquisa que realizei envolvendo o tema da mente, o cérebro, o olho e a leitura.

Nesse artigo reafirmamos a concordância com muitas descobertas atuais das ciências da mente de que o cérebro não foi naturalmente projetado para ler e indicamos alguns aspectos filogenéticos e ontogenético do sistema nervoso central e dos estados de mentitude para a linguagem e a fala. Nosso sistema visual demonstra ao mesmo tempo a importância e os limites do olho para a leitura.



Nesse artigo que espero seja publicado ainda esse ano em uma importante revista da área de educação colocamos um sub-título específico que apresenta didaticamente o processo do sistema visual intitulado: O Olho em si não enxerga.
Nós humanos atualmente nascemos com a dádiva de enxergarmos o mundo colorido em que nele acontecemos esquecemos o que poderíamos ser e aprender sobre nós e esse mesmo mundo sem nossos olhos. No entanto, preparem-se não enxergarmos com o olho. O olho não enxerga nada.
Assim, começamos ao estudar o sistema nervoso central descobrir que no processo de ler significa também não ler e o cérebro não precisa ver tudo que está impresso no papel. Isso é muito importante e de algum modo muda a idéia que alguns reduzirem a performance da leitura totalmente focada no sistema de microrrelações voltada ao foco visual. Para ler um texto impresso precisamos não ler o que não está impresso numa página. Complicado?
Ver realmente é uma dádiva. Entendemos claramente o porque da valorização do olho, pela ciência nos processo de aprendizagem de conhecimento tem uma base de fundamento na idéia que “aparentemente” está correta, de que de todas as ressonâncias sensórias humanas, o olhar e o ver o mundo colorido e em três dimensões é uma das maiores dádivas que a evolução da vida nos legou. Também, nos diz a neurologia, de que de todos os “órgãos” dos sentidos, o olho é o que detém o mais complexo mecanismo operado por nossa mente. Só para se ter uma idéia os estudos de ressonância magnética encefálica, contabilizam mais de cem milhões de fotorreceptores conectados ao olho, contra 3.500 (três mil e quinhentas) células ciliadas internas do ouvido. No entanto, basta um simples fundo musical quando estamos assistindo a uma cena de um filme, que numa simbiose intensa, passamos também a “ver” música e a “ouvir” imagens. (LIMA, Gilson. Nômades de Pedra, Porto Alegre: Escritos, 2005: 316).
Apesar de não vermos tão longe quando um condor capaz de enxergar um pequeno peixe dentro d’água a quase 1.000 metros de altura, nosso sistema visual é muito complexo e a visão é um ponto de partida fundamental para a escrita e a leitura.
Ver não é olhar. A valorização do olho, pela ciência moderna tão enfatizada nos processo de aprendizagem de conhecimento tem uma base de fundamento na idéia que “aparentemente” está correta, de que de todas as ressonâncias sensórias humanas, o olhar e o ver o mundo colorido e em três dimensões é uma das maiores dádivas que a evolução da vida nos legou.
Desde os antigos gregos a visão somente era possível graças a um "fogo interno", emanado dos nossos olhos, iluminando os objetos do mundo. Os gregos seguiam a chamada doutrina jônica, segundo a qual "semelhante é percebido por semelhante. A percepção do som, que é ar em movimento, ocorreria graças à presença de ar nos ouvidos; e, como escreveu Aristóteles (384-322 a.C.).
Ao dizer que vemos o mundo como o vemos, significa dizer também que o mundo que vemos não é o mundo como ele efetivamente é. O mundo como o vemos é um mundo que praticamente reconstruído simbolicamente e como poucos seres vivos o vê.
É importante aqui apenas considerar que para entender o que vemos precisamos primeiro de ver. Para isso precisamos dos olhos. O olho nos permite ver, mas não entender o que enxergamos. Enxergar é um simbiótico estado de mentitude muito complexo. Nem sequer as cores que vemos existem em si mesmo, são produtos da simbiose de estados de mentitude quando acontecemos no mundo em dependência de nossos bioprocessos capazes de transmutarem sinais de fótons em determinadas cores. O mesmo vale para o som. O som lá fora de nossos processos de mentitude são penas ondas que vibram sem ruídos.
Ler exige concentração focal. Os seres humanos e vários outros animais possuem dois olhos apontados para a mesma direção e duas imagens de objetos são enviadas ao cérebro ao mesmo tempo. Se não focarmos e concentrarmos de modo adequado um livro, veremos mais de uma letra o que dificultará a leitura. Nosso raio de ação para não ser bifocal deve ser previamente considerado na leitura para permitir ao cérebro identificar a percepção de um único objeto e também sua distância e profundidade.
Não vamos nos ater nos aspectos mais complexos da transformação do sinal em símbolos socialmente compartilhados e muito menos na complexidade dos processos que envolvem a significação textual. Para nossos fins, apenas devemos ter ciência de que ler é um caso especial de percepção visual. E muito marcado pela aprendizagem e a cultura, mas, ao mesmo tempo, e tão elementar que nos, quando olhamos uma palavra, temos mesmo de ler. Dito de outra forma: não podemos simplesmente ver uma palavra e não a ler! Ler é um ato de imaginação visual.
A questão mais importante para muitos de nós educadores é repensarmos a teoria explícita ou implícita dos sentidos humanos que herdamos de antigos gregos (Aristóteles), ou seja, a idéia da existência em si de uma realidade mateiral dada que é capturada pelos modestos cinco sentidos humanos. Isso tem implicações profundas em nossas práticas de aprendizagens.


Gilson Lima
Sociólogo da Ciência.
Pesquisador do Research Committee Logic & Methodology and at the Research Committee of the Clinical Sociology Association International Sociological (ISA).


Contatos:

Msn: glolima
Orkut: Gilson Lima
Skype: gilsonlima_poa


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

VÍDEO = LESÃO CEREBRAL & PROJETO AVATAR

Continuação da matéria: Lesão cerebral, simbiogênese e o possível fim da linguagem por sinais (Libras).
O projeto envolve: Atendimento clínico-educacional interdiciplinar (alfabetização suportada por recursos computacionais).
Etnografia do cotidiano e mapeamento de comunicação alternativa (conhecimento pré-existente de comunicação).
Suporte informacional com infra vermelho e padrão de reconhecimento de face com interação com olhos e boca.
Acesso a programas windows, sintetizador de texto.
Jogos de aprendizagem, alfabetização e navegação hipertextual.

Coordenação Projeto:
Dr. Gilson Lima
&
Dr. Fleming Pedroso
IPA - Porto Alegre/RS - Brasil

Vide filme anexo!



 


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

OPERADORES TRANSVERSAIS EM POLÍTICAS PÚBLICAS

 
A utilização de operadores transversais nas políticas públicas anunciados pelo novo governo estadual do Rio Grande do Sul é uma novidade muito bem vinda. Trata-se do que de mais avançado podemos encontrar em modelagens organizacionais complexas ausentes até mesmo nas grandes agências de pesquisa do país.
Esses novos operadores são a essência de organizações contemporâneas envolvidas num permanente agenciamento informacional. É o caso de organizações como o Google, o Feceboock apenas para citar algumas.
No decorrer dos últimos anos a ciência rompeu suas limitações disciplinares e descobriu novas relações transdisciplinares. Encontramos novos sistemas complexos, abertos e auto-organizáveis compreendidos como inseparáveis de seu ambiente e em interação constante, com permanente comunicação por redes de trocas em diferentes planos: do âmbito molecular, ao microfísico (eletromagnéticos) até o âmbito molar, corporal, social.
Podemos então olhar a gestão de políticas públicas por outro ângulo? Sim. Não é tarefa fácil. Para tanto, é preciso primeiro destacar o centro de todas as atividades e energias organizadoras e dissipativas sistêmicas, ou seja, precisamos definir o agenciamento e da produção processual da informação e do conhecimento como a atividade fim.
Operadores transversais são típicos de sistemas dinâmicos (sejam eles discretos, contínuos ou híbridos). São sistemas eventualmente assíncronos e de baixa uniformidade ou de simplificação causal. São sistemas abertos e envolvidos com a dissipação e não apenas com a organização. Seus processos são baseados em operações e não em funcionalidades mecanizadas, não decorrem apenas de controles racionais com regras escritas, mas de procedimentos e insigths que permitam a recursividade.
Os operadores transversais são baseados em propriedades como invariância, criticidade, complexidade algorítmica, convergência, similitudes e que descartam as análises estatísticas clássicas. Seus instrumentos são qualitativos e quantitativos envolvidos em sofisticadas técnicas de mineração de dados, lógica fuzzy (lógica de borramento de conjuntos) e, sobretudo, sistemas aprendentes e auto-construcionais.
Nada fácil de dominar e difícil de encontrar até mesmos nas próprias gestões das universidades, mas desejável para ser de algum modo perseguido na esfera pública.


Gilson Lima – Sociólogo da Ciência – IPA.
Pesquisador do Research Committee Logic & Methodology and at the Research Committee of the Clinical Sociology Association International Sociological (ISA).