Dia 16 de abril de 2011 fui ao cinema assistir ao filme Sem Limites (Limitless), indicado por alguns de meus amigos e colaboradores da minha página no Facebook. Fui solicitado a emitir uma análise do filme por ser pesquisador com interface entre o cérebro e a aprendizagem. Resolvi fazer meu comentário agrupando as diversas questões que me fizeram simulando uma entrevista em quatro atos (perguntas).
PRIMEIRO ATO: No geral, o que você achou do filme Sem Limites?
No geral, achei o filme mediano. Sem Limites toma alguns atalhos que enfraquecem a narrativa e decisões que comprometem a inteligência do roteiro. Teria vários exemplos, mas vou destacar a cena em que Lindy, a namorada de Eddie Morra (personagem principal), está em fuga e encurralada por um indivíduo violento e assassino que a persegue. Ela acaba não tendo outra escolha que a de tomar uma das pílulas da inteligência (NZT) para utilizar todo o seu potencial cerebral a fim de conseguir encontrar uma saída coerente para a situação. O problema é que a saída que ela encontra é tão óbvia que não precisaria ter os ditos 100% da capacidade do cérebro para optar por ela, pois seria fácil usar apenas seus instintos mais básicos.
O maior desvio que compromete a inteligência do roteiro, para mim, é a cena em que Eddie Morra bebe o sangue do traficante Gennady (Andrew Howard), que o próprio Eddie acabou de matar. O curioso é que Gennady tinha tomado recentemente a pílula, e Eddie, com isso, recebe com o sangue do morto os princípios ativos da droga, tornando-o apto a enfrentar os outros dois bandidos que estão dispostos a matá-lo na mesma cena. Além do apelo midiático à vampiragem, é polêmico considerar a eficácia das bases bioquímicas de transporte orgânico que são ativadas por sangue fora do corpo, sem base viral de defunto. Claro que, em se tratando de vírus, é possível por um determinado período de tempo a transferência, como no caso dos usuários de cocaína, que, através de canudos de aspiração, podem contaminar diferentes pessoas por sangramentos de lesões realizadas nas fossas nasais de terceiros. Em todo caso, trata-se de uma cena de muito mau gosto.
Por outro lado, destacaria como ponto alto do filme os recursos técnicos, os truques de imagens na abertura e, em algumas passagens, imagens em aceleração de movimento, que envolvem o telespectador e o coloca numa percepção ilusória dentro da cena. Essa técnica foi popularizada, ainda que de modo rústico mas eficiente, no final da década de setenta, com o filme Os Embalos de Sábado à Noite (1977). Trata-se, neste filme, também da abertura. Nela, John Travolta realiza uma caminhada interagindo o corpo com a música dos Bee Gess, envolvido numa técnica de zoom que acaba por induzir a percepção do telespectador. A técnica faz-nos acreditar que estamos ali na cena, caminhando e interagindo o corpo à música. Uma geração inteira correu para dentro das discotecas depois disso.
A abertura do filme Sem Limites é genial nesse sentido. A cena em que vamos subindo rapidamente andar por andar, por fora do edifício, e depois desacelerando, sendo colocados na frente do ator próximo à borda do terraço de uma sacada - girando em alguns graus e nos fazendo sentir até tontura pela altura -, é impressionante. Também as imagens de velocidade mostrando o fluxo de passagens rápidas em frames, que nos colocam dentro de cenas como se estivéssemos numa viagem de trem-bala para simular a aceleração mental, são muito criativas. Muito interessante, também, é a ideia de alterar a tonalidade do filme quando um personagem toma a pílula. Sem a pílula da inteligência o mundo de Eddie Morra era frio, desarrumado e acinzentado. Ao tomar a pílula, tudo fica mais claro, colorido e organizado. Esse truque já havia sido utilizado em Matrix. Quando o hacker Neo e seus amigos estavam conectados a Matrix, o quadro geral da cena ficava mais verde. Como em Matrix, o filme Sem Limites deixa brecha no final para a continuação.
Bem, o filme, do ponto de vista da abordagem cerebral, está repleto de equívocos diante do que já sabemos sobre o funcionamento do encéfalo. Por exemplos: o modo como aprendemos, a noção de memória de longo prazo e a memória computacional de Matrix. É importante ter claro que estamos, afinal, falando de uma ficção, e o filme não deve ser julgado cientificamente, mas apenas avaliado nesse sentido e a permitir relações com aproximações e distanciamentos.
SEGUNDO ATO. Vamos às questões sobre o cérebro. O filme começa destacando a folclórica visão de que o ser humano usa apenas 10% ou 20% da capacidade do cérebro. Isso nunca foi comprovado. Foi?
Trata-se de um mito. Um mito de grande apelo, mas mito. Quem só usasse 10% do cérebro teria os 90% de reserva e, se aprendesse a usá-la, poderia ficar dez vezes mais inteligente, fazer contas dez vezes mais rápido, falar dez vezes mais línguas, lembrar dez vezes mais informações. Sabe-se que se chegou a essa conclusão com base na teoria de William James, o qual, no Século XIX, disse: "uma pessoa comum raramente atinge senão uma pequena porção de seu potencial."
Até três décadas atrás, tudo o que se podia fazer para estudar o cérebro humano era abrir a cabeça e olhar dentro. Alguns chegaram a fazer isso com pacientes vivos, mas o normal era esperar as pessoas morrerem e olhar o que sobrava. Na época, as principais descobertas vinham de pesquisas com animais ou com pessoas com lesões no cérebro. Por exemplo, se alguém perdia o hipocampo e, com ele, a memória recente, é porque os dois deviam estar ligados. Graças aos animais devemos praticamente quase tudo que sabemos sobre os mecanismos moleculares da memória e a fisiologia dos sistemas envolvidos. Exemplos: o hipocampo é uma estrutura localizada nos lobos temporais e é considerada a principal sede da memória e importante componente do sistema límbico; a amígdala, região do sistema límbico, é um importante centro regulador do comportamento sexual, do medo e da agressividade; o núcleo accumbens, uma estrutura cerebral ligada à sensação do prazer pertencente ao sistema mesolímbico dopaminérgico. Sabemos muito sobre os tipos de memória, os mecanismos de evocação, de extinção e modulação, e devemos tudo isso aos estudos de modelos animais como ratos e camundongos.
Porém, agora surgiram maneiras novas de observar o cérebro em atividade, graças, principalmente, à ressonância magnética funcional (RMF). O princípio é colocar o paciente em um campo magnético tão forte que, pendurado em um guindaste, seria capaz de levantar dois carros juntos (o que mostra por que não é uma boa ideia aproximar objetos metálicos de aparelhos como esse). Tais sofisticados aparelhos possibilitam detectar, por ondas de rádio, o fluxo de sangue oxigenado para diferentes partes do cérebro, o que indica as regiões mais ativas em cada situação.
Foi essa técnica que permitiu, pela primeira vez, mapear o cérebro em funcionamento e, por meio de estudos e análises, enterrarmos de vez a ideia de que só usamos 10% do nosso cérebro-mente.
Sabemos agora que o cérebro trabalha no todo e o tempo inteiro. Quando dormimos, o corpo está praticamente anestesiado para organizar tudo que vivemos e/ou aprendemos durante o dia. No cérebro não há regiões silenciosas ou de reserva, e, certamente, o cérebro não é 90% reserva. Cada pedaço tem sua função específica e cada um deles consome muita energia.
O cérebro humano pesa, em média, 1,4 kg e representa apenas cerca de 2% do peso do corpo. Difere em tamanho de homens e mulheres e também de funcionamento. O cérebro, com esse modesto tamanho, consome mais de 22% da energia do todo. Dos alimentos que ingerimos, um quinto vai para o cérebro. Em momentos de escassez de alimentos, o cérebro é para nós um luxo impensável.
No entanto, apesar de toda essa energia consumida, nosso cérebro é muito econômico em termos de energia. O cérebro humano vive sendo comparado a um computador, mas certamente não o é. O modelo computacional do cérebro humano, que os cientistas da informação e suas máquinas cognitivas insistem em afirmar como sendo idênticos, não resiste a modestas comparações. Entre outras questões, o cérebro trabalha a uma potência de apenas 22 watts, bem menos do que a lâmpada que ilumina seu escritório ou quarto.
Voltando às pesquisas de imagens de ressonância, elas permitem identificar o que fazemos relacionando o que acontece com o cérebro; dependendo de quando, o que e como fazemos algumas partes são mais ativadas do que outras. Nos últimos anos, as pesquisas mostraram os sistemas se acenderem em situações como a de se apaixonar, tomar uma decisão, sentir sono, medo, desejo de uma comida ou ver alguém dar-se mal (algo interessante e fenômeno mais intenso em homens).
O que complica as pesquisas é que, assim como não existe pessoa igual à outra, cada cérebro é diferente. Além disso, a aparência dos neurônios não é um indicador fiel do que acontece na cabeça. Existe quem morra com problemas de memória e, na autópsia, percebe-se que o cérebro estava perfeito. Também há os que não apresentaram problemas até o fim da vida, mas cujo cérebro está com neurônios danificados.
Sabemos que pessoas com bom nível educacional ou o bem questionado termo do “QI alto” sofrem perdas menores da capacidade cerebral. Ao que tudo indica, exercitar o cérebro cria uma espécie de reserva. Não se preocupe, portanto, em usar mais o seu cérebro, pois você já utiliza 100% dele. Preocupe-se em usá-lo melhor! O cérebro não é uma caixa em que você vai colocando sapatos e ela enche. O cérebro, quanto mais você usa, mais ele permite colocar algo dentro. É um sistema aberto e auto-organizável, sempre se auto-organiza quando acontecemos no mundo. O cérebro envolve-se muito com o que chamamos de plasticidade, mas precisa de muita atenção e dedicação como qualquer parte do corpo.
A leitura, por exemplo, é um exercício fantástico. “Quem não lê está fadado a uma memória mais lenta”, diz Izquierdo, um dos maiores especialistas em memória humana. Enfrentar desafios e sair da frente da TV também ajuda, assim como fazer exercícios físicos, que não só permitem o melhor funcionamento do cérebro como, provavelmente, fazem nascer novos neurônios (neurogênese).
TERCEIRO ATO. Sobre a questão de a droga acelerar a aprendizagem e permitir que seja utilizado 100% do cérebro. É possível?
Sem Limites conta a história de Eddie Morra (Cooper), um escritor fracassado que não consegue manter um minuto de concentração para terminar de escrever o primeiro parágrafo de seu livro. À primeira vista, Eddie Morra é um tipo “vagal”, o que, além de fazê-lo sofrer o afastamento de sua namorada Lindy (Cornish), coloca-o à beira de um colapso. Mas a vida de Eddie está prestes a mudar quando reencontra o ex-cunhado Vernon (Whitworth), um típico traficante de luxo, que oferece-lhe uma droga ainda não lançada: a NZT.
Segundo Vernon, essa droga permitiria Eddie exercer sua capacidade de utilizar 100% do cérebro.
Um ou dois minutos após o uso da substância, lá está o fracassado Eddie debatendo assuntos fora de sua área e em diferentes línguas. Em pouco tempo, Eddie fatura apostando na bolsa de valores e acaba se destacando no ramo dos negócios. Mas para tudo há uma consequência, certo? Aí entram os efeitos colaterais da droga, que podem levar à morte, e o fato de Eddie acabar conquistando diversos inimigos, alguns deles desejando arrancar sua pele.
Vernon, o traficante de luxo, diz algo muito interessante: “a droga funciona melhor com os inteligentes”. Ela realmente é uma caricatura que amplifica processos moleculares induzindo alta performance de sentidos, conexões e tomadas de decisões. Na verdade, chamamos isso de doping intelectual, ou seja, as pessoas que procuram drogas da inteligência não querem algo que lhes dê “barato”, e sim, “cognição”.
Os cientistas sabem há muito tempo que substâncias mais comuns, como a adrenalina, a glicose e a cafeína melhoram o desempenho e a memória. O conhecido pesquisador do cérebro Gazzanica afirma: ”Claro, nós todos sabemos disto: pessoas que fazem as coisas de última hora trabalham melhor sob o efeito da descarga de adrenalina causada pela aproximação do prazo final; evitamos trabalhar ‘de estômago vazio’, e estamos dispostos a pagar a mais por um café com leite duplo - tudo isso é prova de como apreciamos essas atividades lícitas”.
Essas drogas já existem e são realmente chamadas de drogas da inteligência, mas é preciso primeiro distinguir se, quando estamos falando de uma droga da inteligência, estamos falando de inteligência ou de termos uma percepção mais rápida das coisas e do mundo. A ideia de ser mais inteligente é, com muita frequência, apenas outra definição para pensar e fazer "mais rápido".
O corpo humano, em momentos-chaves de que necessitamos ou estamos em perigo, realiza esse processo naturalmente. Geralmente os sistemas mais rápidos, mobilizados pelo cérebro, envolvem as entranhas mais primárias ligadas à sobrevivência. Se um leão entrasse em nossa casa pela porta dos fundos, uma má cópia em preto e branco da imagem do leão na nossa retina chegaria em menos de 200 milissegundos à amígdala, que responde com a elevação da tensão arterial, da pulsação e da tensão muscular muito antes que a zona da cor do nosso córtex cerebral tenha podido elaborar uma imagem nítida (em tom de amarelo-bege, castanho). Entretanto já teríamos corrido para a porta certa! (Quem não dominar rapidamente este mapa de input-output não ficará para contar a história às gerações seguintes!).
Pesquisas feitas num animal muito simples, o caracol do mar Aplysia, a aprendizagem deste tipo de reflexo condicionado faz-se acompanhar da mudança da intensidade de transporte das ligações sinápticas. Outras experiências puderam demonstrar que a ligação entre dois neurônios eleva sempre a intensidade quando eles estão simultaneamente ativos. Isto foi postulado há mais de cem anos pelo psicólogo americano William James, e formulado mais precisamente há cinquenta anos pelo neurofisiologista canadiano Donald Hebb, e precisamente demonstrado, pela primeira vez, em 1973. O processo bioquímico é conhecido por ativação de longa duração (inglês: long term potentiation, LTP). Essas investigações ajudam a compreender as bases moleculares da aprendizagem e do pensamento que nos distanciam do modo ingênuo de pensarmos o cérebro como uma máquina cognitiva, ou seja, especializada em processar e computar informações nos moldes de um computador eletrônico.
Em conjunto com a variabilidade das ligações entre neurônios e o crescimento destas conexões, permite-se observar no âmbito celular a plasticidade da aprendizagem no nível de toda a zona do córtex cerebral.
Nossa memória mais rápida é a de trabalho, muito presa aos acontecimentos. Tem uma capacidade enorme de processamento, mas não é infinita. A memória de trabalho não forma arquivos duradouros: desaparece em segundos, no máximo em minutos. A memória de trabalho depende da atividade elétrica dos neurônios do córtex pré-frontal, localizado à frente da área motora. Esse esquecimento é muito necessário. Como lembra o neurocientista Izquierdo: “Quando a memória de trabalho fracassa, uma informação se confunde com a anterior ou com a seguinte, ou com a que está ao lado ou acima, confunde informações simultâneas e não consegue ser distinguidas das informações sucessivas ou isoladas”. Então é necessário não apenas velocidade de decisão sobre o que será bloqueado e esquecido, mas o que será posteriormente tratado como uma memória de médio e de longo prazo.
Por isso que chamo a atenção em minhas aulas de neuroaprendizagem que aprender, sobretudo e significativamente, é: aprender a esquecer. Enfraquecer as sinapses que não servem para nada e que não são usadas não dão resultados interessantes na experiência. Fortalecer as que permitem ao cérebro fazer o que dá certo é que é significativo. O emaranhado de conexões vai sendo esculpido, deixam de ser apenas possibilidades e passam a ser um conjunto de caminhos eficazes e com sentido, não mais apenas possibilidades.
As comparações anatômicas ou funcionais do cérebro com o computador geram enorme confusão. O cérebro é um sistema químico, o computador, um sistema elétrico. O cérebro não opera como uma máquina cognitiva-computacional. O computador é “burro” porque não esquece nunca, lembra sempre.
Ao contrário, somos inteligentes porque esquecemos! Somos complexos porque esquecemos. Um computador é uma poderosa máquina cognitiva, mas muito menos complexa, entre outras questões porque não esquece “nunca”, porque apenas computa informações (e ainda de um modo muito simplificado, de forma discreta e de modo apenas binário). O computador não tem um complexo sistema nervoso para uma aprendizagem que efetivamente transforme seus processos em mudanças e, portanto, conquiste a aprendizagem e o conhecimento.
Do ponto de vista do funcionamento, nosso cérebro é muito mais lento do que a máquina cognitiva-computacional. Nosso cérebro é muito lento quando vai operar um pensar consciente. Somos incomparavelmente medíocres em velocidade de processamento frente a um modesto computador de mesa. Um computador funciona na velocidade de um bilionésimo de segundo, o cérebro, em milissegundo.
Toda essa conversa de milissegundos e bilionésimos de segundos pode não o impressionar muito, mas um exemplo conhecido é suficiente para ver a diferença de algo ser um milhão de vezes mais rápido do que outro. Imagine que você tivesse uma pessoa que pudesse realizar uma dada tarefa em um dia, e outra que precisasse de um milhão de vezes mais dias para realizá-la. Se a primeira pessoa tivesse começado a tarefa há 24 horas, ela estaria terminando exatamente agora. Para que a pessoa mais lenta estivesse terminando a tarefa no mesmo tempo, ele ou ela teria de ter começado a tarefa por volta de 770 a.C. Essa é a diferença de velocidade entre um transistor comum e um neurônio!
Por outro lado, sabemos que o nosso cérebro pode trabalhar muito rápido em algumas tarefas. Vamos a outro exemplo conhecido: levante sua cabeça e olhe ao redor, depois a incline. Ao fazer isso, a imagem visual que você tem do mundo permanece vertical, pois ela não se inclina como sua cabeça.
Esta operação simples é tão "automática" que é fácil perder de vista o fato de que constitui um desafio computacional enorme. Apenas muito recentemente as máquinas mais modernas têm sido capazes de executá-la em tempo real, isto porque a maneira tradicional de um computador analisar uma imagem é bem diferente da maneira como o cérebro humano o faz.
É tentador examinar o sistema nervoso humano e ver o cérebro como uma espécie de processador central digital, com os nervos do sistema nervoso periférico atuando como canais de entrada e saída de dados.
O neurônio pode ser visto como uma chave interruptora em vez de transistor - ele está ligado ou desligado. Entretanto, essa analogia não resiste a um exame mais rigoroso. Um aspecto mais importante da natureza química do cérebro diz que ele está ligado ao segundo principal modo de comunicação do corpo, que é o sistema endócrino. O cérebro, na verdade, está em um banho sempre em mudança de substâncias químicas, aquelas criadas no interior do próprio cérebro e as produzidas em outras partes do corpo.
É claro que a base da inteligência é a atenção. Por isso, as drogas que estimulam as ressonâncias sensíveis da atenção são efetivamente muito eficazes. A concentração ajuda na rapidez e na percepção para a consolidação do aprendizado. As memórias de curta e de longa duração, que são a base da consolidação do aprendizado, são feitas por células especializadas do hipocampo e das áreas do córtex com as quais se conecta.
O aprendizado consolidado de longa duração sempre depende dos estados emocionais em que os acontecimentos se realizam. Isso implica liberação de substâncias neuro-humorais (que os antigos chamavam de fluidos corporais) nos processos modulares da atividade nervosa, tais como a noradrenalina, a dopamina, a serotonina, acetilcolina ou a beta-endorfina. Também alguns hormônios são secretados na aprendizagem e é a memória de forte apelo emocional que modula a atividade cerebral dessas áreas envolvidas, sendo a adrenalina e os corticoides as mais conhecidas secreções hormonais.
Aprendemos e gravamos melhor as informações e temos menos tendência a esquecer as memórias de alto conteúdo emocional. Então, tudo depende da atenção. O estresse é uma habituação bioquímica patológica em que mantemos o estado de alerta, envolvendo modulações agressivas para as situações que não são necessárias respostas de defesas severas. Onde nenhum predador efetivamente nos coloca em risco de sobrevivência, mesmo assim algum gatilho dispara reações bioquímicas (cortisol, adrenalina), até quando não necessitamos delas, ou seja, modulações que se encontram fora do contexto. A ciência já sabe que isso são ações dependentes de neurotransmissores. Usar o cérebro intensamente é muito bom. O que mata as células nervosas é o estresse e não a quantidade de seu uso. Esquecemos mais quando aprendemos estressados.
Em geral, chamam-se neurotransmissores àquelas substâncias que são liberadas nas fendas sinápticas pela terminação do neurônio, mais especificamente pelo axônio. Essas substâncias são liberadas para a célula seguinte passando da fenda sináptica e penetrando no neurônio alvo ou receptor. O neurotransmissor mais importante é o ácido glutâmico, que, ao agir sobre o receptor da célula seguinte, habilita-a para que possa gerar impulsos elétricos e enviá-los a outros neurônios. Os neurotransmissores se dividem em exitatórios ou inibitórios.
Também drogas como ansiolíticos como o valium, alprazolam e outros agem como inibidores por conter um dos principais neurotransmissores inibitórios, o ácido gama-butitico ou GABA (sua sigla em inglês). A noradrenalina, dopamina, serotonina, acetilcolina e até opioides como a beta-endorfina podem agir como neurotransmissores ou neuromoduladores.
Algumas drogas ditas inteligentes foram aprovadas e estão no mercado, assim como alguns remédios fitoterápicos sem aprovação. Lojas conhecidas como smartshops (lojas inteligentes) têm surgido por toda a costa oeste dos Estados Unidos para vender esses produtos.
Uma das drogas mais conhecidas, atualmente, é a droga metilfenidato (nome comercial Ritalina, do laboratório Novartis Biociências, e Concerta, do laboratório Janssen Cilag).
Trata-se de uma substância química de estimulação leve do sistema nervoso central com um mecanismo estruturalmente relacionado às anfetaminas de ação ainda não totalmente bem elucidada. É uma droga usada para tratamento dos casos de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), narcolepsia e hipersônia idiopática do sistema nervoso central (SNC).
Enfim, é uma medicação psicoestimulante e seu uso provoca uma maior produção e reaproveitamento de neurotransmissores, a exemplos: dopamina e serotonina.
Entretanto, há controvérsia sobre a produção e reaproveitamento da serotonina pelo cérebro das pessoas portadoras do TDAH.
A Ritalina aumenta o rendimento escolar de crianças hiperativas e faz o mesmo por meninos e meninas saudáveis. O resultado é uma pontuação consideravelmente maior em testes escolares, tanto em hiperativos quanto em usuários normais. Segundo o neurocientista Michael S. Gazzanica: “atualmente, muitos jovens saudáveis a consomem com esse propósito - e, francamente, não há como impedi-los”.
Há, entre a população normal, homens e mulheres com memória assombrosa, ou que aprendem línguas e música muito rapidamente, e mesmo aqueles com capacidades superiores dos mais variados tipos. Algo em seu cérebro permite que codifiquem novas informações numa velocidade espantosa. Aceitamos o fato de que eles devem ter algum sistema químico superior ao nosso ou certos neurocircuitos mais eficientes, mas “sacar uma pílula e aprender coisas novas após uma única leitura pode parecer injusto”, afirma Gazzanica.
Sabe-se que camundos tem dificuldades para formação de memória de longo prazo sem uma adequada habituação de exposição longa ou repetitiva de eventos de apresendizagem. Anos de experimentos demonstram isso. Porém, recentemente camundongos testados com drogas específicas de memória como a CREB (cyclic response element binding) tem alterado esse comportamento. Então uma ativação quimica artificial pode alterar habilidades não consolidadas de aprendizagem e memória. Então o que acontece é que o que os esforços que os camundongos realizavam para aprender um evento de aprendizagem de longa duração tornam-se desnecessários. Drogados eles consolidam aprendizados com facilidade em eventos de curta duração.
O interessante é que muitas drogas da "inteligência" estão na fase de testes clínicos e devem chegar ao mercado logo. Algumas medicações atualmente disponíveis para pacientes com problemas de memória podem aumentar a inteligência de pessoas saudáveis.
Já em julho de 2002, Jerome Yesavage e seus colegas da Universidade de Stanford descobriram o Donepezil, droga aprovada pela FDA para retardar a perda de memória em pacientes com Alzheimer e que melhora a memória de pessoas sem a doença. Para muitos, o futuro já chegou e existe a possibilidade de que o Donepezil se transforme em uma Ritalina de universitários.
Já está disponível ou em estágio de aprovação pela FDA, a agência americana de controle de alimentos e fármacos, diversos estimulantes cognitivos que comprovadamente melhoram a memória. Eles estão sendo chamados de drogas inteligentes ou nootropos.
Se os testes clínicos correrem bem, uma das substâncias mais promissoras é a MEM 1414. Porém, todas as drogas possuem efeitos colaterais tal como mostra o filme. Para quem se aventura ao doping intelectual da NZT, muitas vezes pode pagar o preço de mudanças significativas em sua vida junto a pessoas significativas e vivências existenciais marcantes ou, até mesmo, o preço de sua própria vida.
Não existe droga segura, a não ser a cafeína. Como é estimulante e produz efeitos farmacológicos nos receptores de adenosina, ela é, sim, uma droga. Mas não há evidências de que vicie nem de que seja tóxica, a não ser que você tenha problemas cardiovasculares. Ainda não sabemos se é prejudicial a crianças e adolescentes, mas para adultos não há nenhum problema.
O cérebro, em consequência do uso de drogas, é modificado de maneira física e daí surge a dependência química, uma doença que muda a bioquímica, a função e a anatomia do cérebro. Ocorre da seguinte maneira: todas as drogas aumentam a concentração de dopamina no cérebro. Quando o sistema dopaminérgico é ativado, vez após outra, pelo consumo repetido dessas substâncias, ele sofre modificações, de forma que passa a não funcionar mais quando a pessoa não está sob o efeito da droga. Com isso, o usuário procura usar mais drogas para tentar compensar o déficit.
Muitos especialistas em reabilitação afirmam que nós não podemos curar o vício, mas apenas tratá-lo. Quando você tem uma infecção bacteriana, toma antibiótico e está curado. Agora, se você tem asma ou diabetes, tem de tomar algum tipo de medicamento ao longo de sua vida. É um tratamento para sua condição, não a cura. Hoje, existem apenas tratamentos para o vício, que combinam medicamentos e terapias comportamentais. Sabemos que está sendo desenvolvida uma vacina contra os vícios de cocaína e nicotina, mas ainda são apenas pesquisas.
O córtex orbitofrontal é a principal área ligada ao vício e à mesma área que envolve disfunções e o transtorno obsessivo-compulsivo. A pessoa viciada em drogas pode, em geral, desenvolver uma obsessão e uma compulsão por drogas similares àquelas que são indicadas para a doença de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). O que o vício e o TOC têm em comum? Ambas as doenças afetam as mesmas áreas do cérebro, aquelas relacionadas aos hábitos e aos controles. Mas, embora o local afetado seja o mesmo e a apresentação dos sintomas se dê de forma parecida, os mecanismos que levam a essas anormalidades não os são.
QUARTO ATO. Há equívocos reproduzidos no filme sobre a aprendizagem e a memória envolvida nos estudos do cérebro?
No primeiro ato conhecemos o vagal Eddie, depois, o Eddie em metamorfose seguido pelo Eddie rico, só para aí entrarmos na fase das consequências. Esta se inicia pouco antes da metade do filme, quando Eddie sofre com os devastadores efeitos da droga e a perseguição de terceiros, incluindo a do traficante Gennady (Andrew Howard). Trata-se de uma ficção interagindo com muita ação.
Então vejamos! É possível, sim, potencializar bioquimicamente o cérebro para a atenção, a melhora da performance na rapidez das conexões e o aproveitamento das memórias ou fragmentos pseudoextintas ou reprimidas.
Agora um dos maiores equívocos do filme é a ideia cognitivista-computacional para a aprendizagem. Ao reduzir a aprendizagem ao processamento de informação, típica dos cognitivistas, tudo passa a ser visto em termos de aprendizado só pelo acesso e processamento rápido de dados e por uma rápida tomada de decisão. Se todo o aprendizado é apenas produto de informação, basta acelerar e melhorar a captura e o processamento da informação.
Porém, não se pode tocar um piano somente lendo partituras, muito menos ser um exímio pianista apenas compreendendo as informações contidas nas notas da música e sua tonalidade sonora. A aprendizagem para a informação é importante, mas algo é mais importante: a experiência vital.
Também já sabemos que não existe um único típico de inteligência. A inteligência matemática, tão cultuada nos meios científicos anglo-saxônicos e norte-americanos, é apenas um tipo específico de inteligência. A distribuição das diferentes inteligências entre os seres humanos também é aleatória. Podemos ser muito bons em relacionamento pessoal e muito pouco hábeis com a formalização da matemática e vice-versa. Por exemplo, sabe-se que um autista, com diferentes graus, é consequência de erros migratórios na formação do córtex neuronal de modo a que as áreas funcionais da matemática sejam muito mais eficientes. Um autista é uma espécie de um superespecialista em matemática, mas com muitas dificuldades e déficits em diversas áreas, sobretudo nas de relacionamento interpessoal. Muitos deles são capazes de realizar uma equação de terceiro grau em segundos, mas são incapazes de comprar pão na esquina sozinhos.
No filme, depois de tomar a pílula, Eddie torna-se muito apto a aprender qualquer coisa universalmente: lutar, porque passou na televisão ou assistiu a um filme de Kungfu, ou uma língua em minutos, depois de ouvir alguns fonemas em italiano ou até chinês. Porém, o aprendizado de várias línguas com muita facilidade só é mais possível facilmente quando somos crianças. Os adultos possuirão sempre, em situações normais, muitas dificuldades de aprendizagem de uma língua que não é a sua língua materna.
De 5 a 6 meses de idade obtemos um crescimento cerebral que atinge a velocidade máxima espantosa em torno de 250 mil novos neurônios por minuto. Antes mesmo de você nascer, o cérebro está praticamente formado.
Cada grama do cérebro infantil consome até o dobro de energia que o cérebro adulto.
Isso gera um excesso de sinapse que é a matéria-prima do aprendizado. No entanto, o aprendizado consiste não no acréscimo de conexões novas, mas na eliminação direcionada dessas sinapses, eliminação das conexões excessivas pelo uso e fortalecimento e eliminação dos caminhos repetidos e fortalecidos.
Suzana Herculano, outra cientista do cérebro, explica esse fenômeno com a metáfora da escultura. Imaginamos um tronco de madeira que não é uma escultura com traçados coerentes. Todo o material em excesso será removido. Umas conexões serão fortalecidas, outras eliminadas, e assim, durante todo o desenvolvimento da criança para o adulto, o cérebro vai sendo esculpido. O excesso de conexões iniciais é a matéria-prima que permitirá que o cérebro, com o uso, possa transformar-se em algo definitivamente elaborado pelas experiências.
Daí em diante, segundo o que se acreditava até há pouco tempo, ele poderia aprender coisas novas, mas não ganharia novos neurônios. Só nos restava cuidar bem dos que já temos, mas já descobrimos que não é verdade.
É com a experiência da tentativa e erro que você vai consolidar o resultado que dá sentido a seu cérebro. Conforme descobre na primeira vez, esse caminho sináptico funciona e você começa a repetir e a trilhar cada vez mais até ele reforçar-se, tornando-se a via mais rápida e direta entre dois pontos. Herculano lembra que isso acontece quando mais vezes você anda pelo mesmo caminho, pois mais demarcado ele fica e mais facilmente você o encontra na próxima vez. Nesta, de tão limpo e claro, encontrá-lo e caminhar sobre ele se torna muito mais fácil e rápido (modelagem e remodelagem da aprendizagem).
Chamo a isso de a necessidade de estarmos atentos ao aprendizado por uma pedagogia da experiência do acontecimento).
Denomino de Pedagogia do acontecimento o processo constituído de dinâmicas de um aprender que valorize a própria experiência do saber, um poder aprender numa sociedade que acelera o acesso e a produção da informação e do conhecimento. Tal processo deve ser compreendido da seguinte forma: “viver como um acontecimento”. Para mergulhar nos acontecimentos, necessário se faz desassossegar-se do repouso funcional dos fatos, o que exige viver o acontecimento do mundo, mudando a maneira de pensá-lo. Os estados simbólicos de mentitude necessitam de novas práticas, novos estímulos estéticos e ambientais, novas dinâmicas de modelações criativas do aprendizado, visando não a mera disciplinarização do corpo e da cognição. Envolve motivações, prazer, conformidade com sentidos, da pessoas e junto ao mundo que acontecemos.
Estudos simbióticos de mentitude são envolvidos em dinâmicas de aprendizagens, o percurso de estados da mente e do corpo, frente às diferentes singularidades de dobras micro e macro da realidade. É um percurso vital que envolve complexos processos de associações e conexões de conflitos e cooperações desde as entranhas comportamentais micromoleculares, até as micro e macro comportamentais de nossos sentidos cotidianos, visíveis na escala macrofísica da realidade”. Essa trajetória de estado de mentitude é singular e específica em cada uma dessas “dobras micro e macro da realidade e ao mesmo tempo diferentes e singulares e simultâneas inclusive em suas regras de comportamentos. Por isto o estado de mentitude é simbiótico (de symblon, que vive junto). LIMA, Gilson Luiz de Oliveira. (2009) Redescoberta da mente na educação: a expansão do aprender e a conquista do conhecimento complexo. Educação e Sociedade. Vol 30, nº 106, p. 151-174. Jan/abril.
Voltando a aprendizagem como um acontecimento que experiencia-se. Um tocador de gaita tem mais espaço no cérebro para a mão e para a boca de quem usa, por exemplo, a boca apenas para falar e comer. Mais células representarão o tato nesses locais. Um violinista profissional, que toca o instrumento desde pequeno, tem cerca de 4 centímetros de espaço no cérebro apenas para a mão esquerda.
Se hoje, adultos, vamos começar a aprender a tocar violino poderemos chegar ao máximo a 0,5 centímetros, ou seja, ½ centímetro de espaço para a mão esquerda. É melhor começarmos mais cedo. O jovem está mais preparado para aprender mudanças, os mais velhos são mais lentos. O que é ótimo; caso contrário, teria de aprender tudo sempre novamente, que é o efeito do de novo, da criança de colo. Quando atiramos uma criança de colo para cima, em direção ao teto, ela, depois de algumas risadas, pede: “de novo”. Esse processo vai se repedindo sempre seguido de um de novo (que para a criança é uma nova primeira vez) até que a criança se dá conta de que não corre nenhum risco e que está tudo sobre controle pelo adulto. É assim que consolida sua rede de aprendizagem sobre o evento. A próxima vez não será um de novo, mas uma repetição em que perdeu-se a graça, houve o aprendizado.
No caso do cérebro adulto, aprendemos mais devagar porque nossas redes estão consolidadas. A taxa de rapidez da aprendizagem vai caindo com o tempo. Por isso o aprendizado para muitas situações como o da linguagem no cérebro tem uma JANELA DE OPORTUNIDADE: geralmente é até os 10 anos, e o aprendizado da visão, 5 anos. São, inclusive, momentos críticos essas janelas de oportunidade, período da vida em que o cérebro é especialmente capaz para modificar-se com o uso e a experiência.
Claro que é possível sempre modificar o cérebro com o uso depois de adulto, a aprender (plasticidade), mas é muito mais difícil e certamente falaremos com sotaque. Teremos de compartilhar e dividir com as mesmas trilhas da nova gramática e estabelecer paralelos com a gramática materna. Pensaremos numa palavra e, ao chegar à memória de longo prazo, não consideraremos a habituação da palavra materna memorizada àquele contexto. A criança usará trilhas independentes para diferentes linguagens. Nós já destacamos essas trilhas, temos de trabalhar com o que sobrou.
Outro exemplo. O cérebro precisa aprender a enxergar. O córtex visual tem de processar a informação visual de modo que a imagem seja coerente com os outros sentidos. Isso acontece com muita facilidade no começo da vida. É preciso que o córtex visual junte os sinais que chegam dos dois olhos e de modo coerente até os 4 ou 5 anos, mais ou menos. É por isso que a cirurgia para corrigir estrabismo deve ser realizada nessa idade (não perder a janela de oportunidade), quando o córtex visual está mais apto a se modelar para aprender essa experiência visual (juntar a informação dos dois olhos).
Por outro lado, no filme encontramos uma reducionista abordagem computacional do aprendizado e da inteligência tal como em Matrix. É uma abordagem de modelo computável do cérebro humano que, de algum modo, já comentamos.
Tem uma cena em Matrix que relaciona-se muito com essa abordagem. No primeiro Matrix, quando os dois jovens protagonistas (Neo e a bela italiana Trinity) tentam fugir para um lugar seguro, eles se deparam com um helicóptero. Neo pergunta a Trinity: "Você sabe pilotar isso?”. E ela responde: “Ainda não". Então ela pega o celular, liga para alguém na central e pede para que o sujeito carregue o programa que a faria aprender a pilotar o helicóptero em alguns poucos segundos. Com o programa na mente, ela assume o controle e voam em segurança em busca de novas aventuras.
Essa cena de educação instantânea traduz muito de nossa atualidade, tomada pela hegemonia cognitivista-computacional e da ideia de que podemos programar as pessoas, de que podemos ter acesso instantâneo aos dados (realidade fisicalista) e de que isso até se estende para programações infogenéticas (genes), capazes de indicar automaticamente comportamentos e atitudes. Um mundo que nos levou ao beco sem saída onde os homens se tornam programas ou extensões de máquinas computacionais.
As informações são processadas por Trinity e ela, a seguir, entra no helicóptero e com muita maestria passa a pilotá-lo como se tivesse mais de 40.000 horas de voo no aparelho.
Trata-se de uma visão simplificada e equivocada da aprendizagem cerebral. Nosso cérebro não é um imenso cabo de redes telefônicas, formado por sinais elétricos que perpassam sinais de um ponto a outro como ocorre no computador. Um computador limita-se a acessar, trocar, estocar e transportar dados, informações, e isso está muito longe da complexa expansão do nosso aprendizado humano.
Se considerarmos a dinâmica neural (isto é, a maneira como os padrões de atividade do cérebro se modificam ao longo do tempo), a característica especial mais impressionante dos cérebros dos vertebrados superiores é a existência de um processo que denominamos reentradas. Trata-se do constante e recorrente intercâmbio de sinais em paralelo entre áreas reciprocamente interconectadas do cérebro, um intercâmbio que coordena constantemente a atividade dessas áreas, tanto no espaço como no tempo. Uma característica impressionante dessas reentradas é a sincronização ampliada da atividade de diferentes grupos de neurônios, ativos e distribuídos entre as muitas áreas especializadas do cérebro.
O cérebro, com suas SINAPSES, é um sistema aberto que está sempre de modo ou outro se auto-organizando, quando acontecemos no mundo. Quando surgem acontecimentos que apresentam um resultado melhor do que esperávamos, isso chama a nossa atenção, não é um programa, mas uma predisposição também para aprendermos algo novo.
O cérebro é uma máquina de extração de regras. Um cientista do cérebro, Spitzer, conta-nos uma história bem simples para entendermos esse processo. Diz ele que certamente você já viu (ou comeu) milhares de tomates na sua vida; contudo, de forma alguma pode lembrar-se das características específicas de cada um dos tomates isoladamente. Essas características seriam completamente inúteis para o cérebro toda vez que você observasse um novo tomate, pois só iria utilizar o que o leitor soubesse sobre tomates em geral, para poder saber o que fazer com este. Podemos comê-los, cheirá-los, utilizá-los em ketchup, atirá-los, etc.
A aprendizagem de fatos ou acontecimentos isolados não só é na maioria dos casos pouco importante, como inoportuna. Esses conhecimentos de acontecimentos isolados são de pouca ajuda. A informação isolada da experiência é muito limitada.
Nosso cérebro, com exceção do hipocampo, que é especializado em conteúdos isolados, é muito bom com extração geral de regras, pois é especializado na aprendizagem de generalidades.
Tal generalidade, porém, não é adquirida ao aprendermos regras gerais? Não! Ela é aprendida porque construímos exemplos. É a partir desses exemplos e imitações que aprendemos a produzir as próprias regras.
As centenas de milhões de conexões que compõem a estrutura conectiva íntima do cérebro não são conexões exatas. Se indagarmos se as conexões são idênticas em quaisquer dos cérebros de tamanho semelhante, como ocorreria nos computadores de construção similar, a resposta é não. Isso está equivocado.
O mundo não se apresenta ao cérebro como uma fita magnética de computador que contém uma série de sinais claros e inequívocos. Ao contrário, o cérebro é capaz de categorizar e classificar os padrões de uma enorme série de sinais variáveis.
Gilson Lima – Sociólogo da Ciência. Sócio proprietário da NITAS: tecnologia e inovação. Pesquisador do Research Committee Logic & Methodology and at the Research Committee of the Clinical Sociology Association International Sociological (ISA).E-mail: gilima@gmail.com Blog: http://glolima.blogspot.com/
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