quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Dependência de insumos da Índia e China é 'problema estrutural' e é UMA VERGONHA: compramos quase tudo que é insumo simbiótico molecular lá de fora

 

Até quando?

Gilson Lima[1]


Primeiro éramos os mais ricos em terra fértil no Planeta e liquidamos o nordeste com monocultura exportadora.  A Mata Atlântica foi à primeira paisagem que os colonizadores encontraram. Era exuberante e majestosa. Nada nela lembrava as florestas europeias, nas quais as plantas são pouco variadas e se distribuem de modo bem-comportado. Um misto de assombro e fascínio tomou conta dos primeiros exploradores. Estariam diante do Éden? O que fizemos e fizeram com o Jardim do Éden?

Depois descobriram que éramos os mais ricos em outro, diamantes e pedras preciosas. Nossa elite de traficantes permitiu que levassem tudo para fora e enriquecer alguns e em alguns países da Europa.  Aqui sobraram praticamente buracos e destruição quando tudo acabou.

Agora descobrimos que somos os mais ricos em biodiversidade simbiótica no planeta. Podemos ter o futuro da espécie mesclado em um oceano de moléculas de fungos, vírus, e bactérias para curas de doenças que ainda nem existem. A vida simbiótica pode depender de nós. O que fazemos? Além de não reconhecer nossa riqueza da biodiversidade simbiótica molecular natural colocamos fogo nessa riqueza biodiversidade para plantar soja para boi comer aqui e em outros lugares do planeta.

A pandemia deixou ainda mais clara à divisão da economia do conhecimento nos colocou no processo intermediário. Podemos até fabricar algumas vacinas, mas não atuamos no campo do conhecimento molecular para produzir os insumos delas.

O Brasil tem tudo, "SÓ NOS RESTA TRABALHAR COM MOLÉCULAS EXCLUSIVAS, SOB PROTEÇÃO PATENTÁRIA". E infelizmente patentárias.

 

O que é o IFA nas vacinas?

O chamado Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) é o cerne das vacinas, o insumo principal de todo medicamento. No caso da CoronaVac, é o próprio vírus inativado. No caso da vacina de Oxford, é um adenovírus modificado geneticamente para carregar com uma sequência genética do Sars-CoV-2. São eles que vão "enganar" o nosso corpo para produzir os anticorpos, que vão reagir se e quando o corpo for realmente contaminado. Os outros componentes presentes na vacina são chamados excipientes e, apesar de não serem responsáveis pela atividade farmacológica, são importantes para seu perfeito funcionamento até o final do prazo de validade. Nós importamos os insumos patenteáveis e aqui podemos apenas replicá-los.

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Então. A indústria farmoquímica no Brasil foi desmantelada e atrofiada e isso foi provocado pelas políticas de uma determinada globalização dos anos 1990. Se estabeleceu uma certa divisão de trabalho. Alguns pesquisam e atuam no mundo do conhecimento molecular e outros podem depois dar escala industrial a eles pagando pelas patentes. O conhecimento virou uma das mais importantes e caras mercadorias.

Participar ativamente do processo de conhecimento molecular é, inevitavelmente, um processo lento, de longo agora e que requer instalações e tecnologias novas e investimentos em conhecimento e infraestrutura.  

Porém, se nossa elite tupiniquim atrasada e o poder público cego para uma economia moldada no conhecimento simbiótico se empenhou mais na manutenção dos persistentes gargalos de gestão e regulatórios, e não aprofundaram uma Política para a emergência produtiva de um Complexo Industrial de ponta na Saúde, na dinâmica simbiótica. Esse processo poderia ter ganho velocidade e o setor farmoquímico pró vida agregaria valor aos medicamentos produzidos no País e passaria a contribuir, como se espera, para a redução do progressivo déficit da balança comercial brasileira, que tem na área química um lamentável destaque.

O pior é que somos o maior território de biodiversidades em moléculas simbióticas nesse Planeta. As maiores formações florestais que restam da ação do humano predador estão aqui: fungos, bactérias, vírus e moléculas que nos tornam os mais ricos proprietários em insumos bioquímicos naturais; insumos bioquímicos simbióticos orgânicos nesse Planeta vivo. Mas, importamos moléculas patenteáveis. Muitas vezes extraídas originalmente do nosso próprio solo amazônico.

Temos tudo para moldar a indústria antibiótica para uma dinâmica simbiótica. Mas paras isso temos que enfrentar os interesses e gargalos de gestão e da interação do conhecimento com a indústria.

É preciso fazer pesquisas com potenciais produtos biotecnológicos simbióticos para não se ficar dependente unicamente dos biossimilares, que serão trocados por novos produtos. Com o advento da lei da preferência à produção nacional, temos uma vantagem não negligenciável. Todos os países fazem isso quando produzem suas patentes. Se protegem.

O parque industrial farmoquímico brasileiro atualmente é pequeno se comparado à indústria global de IFAs. A dinâmica recente do mercado internacional de IFAs, caracterizada pela concentração da produção em países asiáticos, como China e Índia, tornou a elevada escala de produção um importante fator de competitividade da indústria, contribuindo, em boa medida, para um processo de commoditização do mercado.

Agora produzir no Brasil é caro, muito caro. Esta é uma desvantagem muito grande que a indústria farmoquímica enfrenta. Enfrentar esse processo demandará viabilizar  investimentos. Por que em vez de shopping centers, nossos mega empresários do varejo, da indústria não investem nesse mercado pró-biótico. A VIDA simbiótica conquista morte pelo envelhecimento, se expande e nós temos tudo para ser uma referência no Planeta.

Claro que para isso precisamos também de uma ISONOMIA REGULATÓRIA. A lista de fármacos locais com registro obrigatório na Anvisa ainda é muito restrita, o que favorece importações, e o processo de registro, mesmo em se tratando de produtos prioritários para o sistema público de saúde e criados aqui e portanto destinados a substituir IFAs importados, continua emperrado pela burocracia. A natureza do processo é lenta, e também é lenta a fase de inclusão de fornecedores.

Um processo de criação e regulação no país, incluindo análise de estabilidade e de impurezas do IFA é muito mais lento que em vários locais do mundo. É também uma questão de cultura de gestão de processos.

O volume de fármacos efetivamente produzidos no Brasil é muito pequeno ainda. Evidentemente existem aspectos técnicos que precisam ser analisados em detalhes, mas, poderíamos ter avançado mais rapidamente. Há que se reconhecer que a indústria brasileira de IFAs não cresceu na proporção dos projetos aprovados. Nos tornamos presas fáceis da divisão internacional da economia do conhecimento. Optamos elo caminho mais fácil estamos pagando caro por isso. Pagando em vidas.

Até onde sei a inclusão do fornecedor nacional junto à Anvisa não é responsabilidade da empresa farmoquímica, e sim da empresa farmacêutica compradora do IFA e para incluir um produtor nacional é uma demora tremenda.

Outro gargalo é a área de regulação sanitária. As exigências para empresas sediadas no Brasil são extremamente importantes, mas devem obrigatoriamente atingir todas as empresas que exportam fármacos ou medicamentos para o Brasil. Nós deveríamos ter um processo super rápido, desde que atendesse aos padrões de qualidade do IFA e do medicamento pró-biótico, mas não é o que ocorre na prática. Tem inclusão de fornecedor que leva até dois anos. Evidentemente, que alguns não atendam aos padrões necessários. Mas isso não explica tudo. O Brasil perde com isso. Perde até em divisas, deixa de produzir, e as empresas deixam de ter recursos para investir em novos projetos.

A inovação, seja radical ou incremental, é o melhor caminho para a indústria farmoquímica local, e reivindicamos que as moléculas simbióticas geradas por esse processo tenham tratamento diferenciado por parte dos órgãos financiadores, da Anvisa, da CMED e do MS, sob forma de compras preferenciais.  A indústria poderia retribuir o incentivo através de contratação de mão de obra qualificada - mestres, doutores e especialistas -, geração de impostos, exportações, internacionalização. As Universidades parariam de fazer de conta da ciência com pesquisas tecnológicas e forneceriam essa “mão de obra” qualificada para os laboratórios industriais.

MUDAR A RELAÇÃO E FORMAÇÃO ENTRE ESCOLAS; UNIVERSIDADES E INDÚSTRIAS!

PERDA DE COMPETÊNCIA TÉCNICA

Como incrementar a internalização de novas competências técnicas que possam tornar a indústria de IFAs pró-biótica mais preparada para a criação de insumos simbióticos e produção de entidades moleculares de maior valor agregado, sejam novas moléculas ou variações de moléculas existentes.

A farmoquímica brasileira domina os processos químicos considerados clássicos, mas apresenta fragilidades em tecnologias mais sofisticadas, como por exemplo, nos processos enantiosseletivos ou naqueles que envolvam faixas de temperaturas de trabalho mais extremas. Esses exemplos,    exigem a intervenção em maiores investimentos em inovação por parte das empresas farmacêuticas brasileiras, de maior desafio tecnológico e, consequentemente, de maior valor agregado.

Vivemos um momento de uma boa oportunidade para elevar a indústria farmoquímica brasileira a um novo patamar, de forma sustentável e simbiótica.

A questão da competência técnica é chave. É necessário uma maior divisão de trabalho entre formação universitária e indústria. Hoje isso é uma confusão geral. As Universidades fazem atividades que devem ser das indústrias não investem em instalações e laboratórios para receber esses cientistas industriais. Estamos longe quantidade e qualidade de cientistas industriais que o país precisa.

Precisamos começar pela disponibilidade de escolas com formação científica complexa com laboratórios e ambientes qualificados, que já foram bem grande e hoje é cada dia menor. Atualmente não existem técnicos de nível médio, bem formados, disponíveis para as indústrias. Tem “razão” os empresários de reclamar. Muito menos de cientistas industriais que são absorvidos por carreiras acadêmicas, desviados para pesquisas tecnológicas e não são formados para irem para os laboratórios industriais tecnológicos (ainda que inexistentes praticamente nas indústrias).

Os técnicos em nossa área perderam muito da sua qualificação. Décadas atrás, um técnico químico tinha um nível muito bom de informações teóricas e práticas. Geralmente essas pessoas empregavam-se já no primeiro ano de curso. Um curso técnico era de quatro anos e havia alta demanda para esse tipo de profissional.

As escolas famosas de química industrial, como Mackenzie, Rio Branco, Eduardo Prado e Oswaldo Cruz, entre outras são cada vez mais escassas.  Os químicos formados ou em formação nessas escolas percorriam todos os segmentos dentro da indústria: laboratórios químicos, microbiológicos, áreas de hipodermia, áreas estéreis, embalagem, armazém e distribuição, almoxarifados químicos, fermentações, extrações, purificações, pois a indústria, em sua grande maioria, desenvolvia todas essas atividades.

Com o desmantelamento das indústrias químicas, farmoquímicas e farmacêuticas no Brasil, esse tipo de técnico que conhecia profundamente todas as operações, ou quase todas, já não existe mais. Também é importante os empresários se conscientizarem de que na sociedade do conhecimento, a formação técnica será na indústria. A indústria também produzirá conhecimento e não só produtos e processos. Isso, dado o grau da complexidade da divisão de trabalho do conhecimento social. Se ficarem esperando os cientistas e técnicos prontos para cada tecnologia de ponta que surge a cada ano ou em meses, estarão defasados e voltarão a não ocuparem um lugar de relevância na divisão social do trabalho na economia do conhecimento.

Hoje as indústrias que se estabeleceram na produção de ponta do conhecimento em escala sabem que devem prover à formação tecnológica e que cabe as escolas as formações de base e de abertura dos processos de aprendizado científico e humanísticos mais complexos. Entregar técnicos e cientistas industriais prontos a serem aprendentes de conhecimento tecnológicos para o resto da vida, sempre. Abertos a estarem se formando constantemente e com complexidade.

A Capes, o CNPQ devem entender que uma coisa é ciência outra é tecnologia e pararem de financiar tecnologias nas Universidades. Formarem cientistas e profissionais aprendentes permanentes da complexidade tecnológica.

Reinventar uma indústria realmente não é uma tarefa simples. A farmoquímica foi dizimada no Brasil na década de 1990. Esse período foi muito difícil, porque a indústria ficou totalmente exposta à competição internacional e a maioria das fábricas foram fechadas. Isto resultou não somente na perda de muitas unidades em operação, em construção ou em projeto, como também na perda de muitos profissionais, que saíram do ramo. A indústria não é feita só de dinheiro e fábricas, é feita de gente também. O Brasil já teve plantas de fermentação, já produzimos fármacos complexos no passado.

Se focarmos no caminho próbiótico. Simbiótico seremos uma referência no Planeta. Se não ainda estamos imersos num processo de desindustrialização e desmonte da atividade do conhecimento complexo. E não são professores de universidade que vão recriar a indústria. São empresários, operadores, mecânicos, gente que sabe trabalhar com a tecnologia.  Se olharmos o número de empresas farmoquímicas existentes no País, podemos contá-las nos dedos de uma mão. Não se cria tudo novamente do dia para a noite. É um processo complexo. Tem pouca gente sendo preparadas, poucas cabeças empresariais dispostas a fabricar o futuro, poucas indústrias, poucos profissionais.

Até quando?



[1] Cientista aposentado depois de décadas de atuação independente sobre múltiplos campos da vida e da tecnologia na complexidade. Criou a teoria não natural da simbiogênese cooperativa na evolução cérebro, máquinas, corpos e sociedade. Foi por vários anos pesquisador acadêmico e industrial coordenando bancadas de pesquisas de ciência de ponta, tecnologia e protocolos de neuroreabilitação em diferentes cidades e diferentes países principalmente, europeus.

Tem formação original humanística e foi voltando seus estudos e pesquisas desde o início dos anos 90 para a abordagem da complexidade nas metodologias informacionais, depois na nanotecnologia e nos últimos 15 anos de carreira focou na neuroaprendizagem e reabilitação envolvendo a simbiogênese e interfaces colaborativas entre cérebro, corpos e displays.

Inventor de várias tecnologias, softwares e protocolos clínicos.

Escritor. Muitas de suas atividades e textos estão disponíveis no blog: http://glolima.blogspot.com

Atualmente retomou sua atividade como músico compositor, cantor que atuava na adolescência produzindo atualmente suas canções e coordenando a Banda Seu Kowalsky e os Nômades de Pedra. Suas músicas e shows vídeos podem ser acessadas no canal do youtube. https://www.youtube.com/c/seukowalskyeosnomadesdepedra

 

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