segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Algumas observações a respeito das ciências contemporâneas para os Sociólogos – Palestra de 2005

 

 

Gilson Lima

PALESTRA APRESENTADA NO XII Congresso Brasileiro de Sociologia, realizado em Belo Horizonte MG, em junho de 2005.

 

 



É um prazer estar aqui nessa cidade onde nasci e ao mesmo tempo onde nunca morei.  Aqui, nessa cidade - desde o meu nascimento, ficou claro que seria nômade. Nasci aqui e nunca morei aqui. Na verdade, isso foi em 1960. Porém, acabei tornando-me um sedentário desorientado. Mas a tensão entre ficar e querer me mover, me perseguiu durante muito tempo. Resolvi, então, assim: movia-me sempre, mas o mais rápido que podia corria para meu cantinho, meu lugar, meu ninho. Assim foi minha formação nômade e minha carreira de cientista nômade.

Então sociólogos e cientistas do humano. Quando a ciência cartesiana alcança de modo decisivo o mundo do oculto, do não-visual, da informação computável, da comunicação eletromagnética e do infogênese, ela macroparadigmaticamente entra em crise e se deteriora. O próprio Einstein afirmou que o chão escorregou de nossos pés. Então, como testar o conhecimento e fazer ciência sobre o que não se vê? Como testar o conhecimento e fazer ciência sobre o que não se vê? Esse julgamento fica muito visível quando se trabalha a lógica binária computacional deslocando a questão para a maneira como a "linguagem" computável cria relações entre o visível e o invisível.

Assim, em uma sociedade complexa na qual o conhecimento é o fator mais significativo de geração de riqueza, o estudante deve ser remunerado - e bem remunerado também para estudar. Não se trata de política assistencialista, mas de investimento. Investir em conhecimento é o que de mais significativo se pode fazer em uma sociedade complexa.

Aqui acredita-se que se tem um problema significativo. Tomando-se apenas um as¬pecto dessa crise que percorreu todos os campos do conhecimento moderno e conforme foi destacado ao se afirmar que Einstein colocou isso de uma maneira bem clara - e ele entrou em pânico com o problema que tudo está saindo dos olhos, ou seja, tem-se de produzir conhecimento sobre coisas que não se pode mais ver e que o chão escorregou dos pés. A matéria não é mais o lugar onde se pisa. Deve-se reinventar a produção do próprio conhecimento e o modo como se o produz.

Por exemplo: um dia desses, o distribuidor de livros de minha editora deu-me uma carona. Estávamos passando por uma região da cidade de Belo Horizonte que ele denominou de crackolândia (onde se vende e se consome crack), tido como um lugar perigoso e violento. De imediato, ele fechou os vidros do carro. Logo a seguir toca seu telefone celular. Eu lhe disse:

"Ou você não atende ao telefone ou abre um pouco os vidros a fim de que tais espectros eletromagnéticos possam sair e não fiquem incomodando nossas sinapses mentais; não estou a fim de desorganizar minhas interações celulares que já são complexas sozinhas, tentando manter minha identidade de vida e que serão ainda mais perturbadas por esse monte de elétrons que vão incomodá-las com seu receptor de satélite de ondas de alta frequência"

E claro que ainda não se sabe ao certo a efetiva implicação geral do imenso espectro eletromagnético sobre a organização celular, sabe da dança vibracional que ela implica.  É certo que também as grandes empresas não estão interessadas em testes, que são longos e caros, e devem ser feitos em microescala e não na macroescala física. É certo que muitos dos políticos e da justiça pública nem sabem que isso é um problema. Em todo caso, é uma questão a ser discutida em um mundo onde cada vez mais poluição não é apenas o absurdo do veneno que sai dos canos de descarga dos automóveis, dos ônibus, dos caminhões..., mas também, e cada vez mais, poluição eletromagnética.

 Este exemplo traz a questão que muito clara:

qual é o papel de um sociólogo no sentido de construir uma janela onde o senso comum se enxerga em uma nova complexidade do próprio senso comum. Como trazer os múltiplos planos dimensionais da realidade provenientes principalmente do mundo microfísico e nanofísico, para uma escala social que é também múltipla, mas visível no plano macrofísico do tecido social da sociedade simples.

Por exemplo, a nanociência e a nanotecnologia contemplam o universo nanométrico, no qual a dimensão física é representada por uma unidade equivalente a um bilionésimo do metro. Não se trata mais das partículas do universo microfísico, ou seja, do mícron com um milhão de partes iguais de um metro. Trata-se agora do nanômetro, de uma nanopartícula do tamanho de um bilhão de partes iguais de um metro.

Quase tudo que se acha pequeno e invisível que é utilizado pela microeletrônica, inclusive a microeletrônica computacional, opera na escala do mícron, e não do nanômetro, mas, mesmo assim, a emergência da informação computacional tem desafiado todos a enfrentarem dilemas complexos que deixam as pessoas meio atordoadas com suas implicações no mundo organizacional em nossas sociedades.

 Se a microinformação desafia para novas microquestões sociais e para uma efetiva microdemocracia em interconexão complexa com a nossa frágil macrodemocracia, a nanoinformação impele o sujeito a, além disso, enfrentar a nanodemocracia e o impacto de novos acessos à renda não pelos velhos trabalhos industriais, mas pelo próprio conhecimento do conhecimento.

O desafio de uma sociologia que enfrente a complexidade informacional dos diferentes planos dimensionais da realidade é imenso. Por exemplo, tem-se de discutir com os nanobiotecnólogos que os testes da nanopartículas devem ser realizados também, e com muito cuidado, na escala nano. Um elemento químico na escala macrofísica não age da mesma forma na escala nano. O alumínio, por exemplo, que os dentistas utilizam na escala macrofísica para consertar os dentes de seus pacientes, na escala nano, é um explosivo. Assim, as nanopartículas soltas no meio ambiente devem ser testadas e verificados seus riscos também na escala nano.

Igualmente os sociólogos devem disputar a sua participação nos projetos de nanotecnologia desde sua origem. Não se trata de lembrar dos sociólogos apenas depois que os produtos estiverem prontos e chamá-los para convencer a sociedade de que eles não provocam riscos sociais e ambientais. Como afirmou Boaventura, todos os cientistas são sociais e todos os projetos físicos também são projetos sociais, assim como todos os projetos sociais são também físicos.

Não é o que se está verificando nos editais do CNPq, que têm uma verba para projetos-produtos sem a presença, desde a origem, de sociólogos e que têm uma nanoverba para a percepção da nanotecnologia com sociólogos e cientistas sociais de modo muito fragmentado.

A complexidade chegou para revolucionar as concepções de espaço e de tempo. Não havendo simultaneidade universal, o sólido tempo absoluto e o espaço absoluto de Newton deixam de existir. Zygmunt Baumann em consonância com a física quântica fala da modernidade líquida, de uma sociedade sólida que está derretendo e, assim, distribuindo seus sólidos poderes funcionais. É um grande acontecimento, um derretimento das instituições sólidas que envolvem novas conexões e uma nova transubstancialização do poder. Vive-se também uma sociedade cada vez mais simbiogênica que borra suas sólidas fronteiras.

A produção do conhecimento sociológico hoje está permeada, por todos os cantos e de modo intenso por acontecimentos que querem que nos desassosseguemos do sossego funcional dos fatos. Não é a sociologia em si que se desassossega, mas nós, um sociólogo efetivo, um cientista com endereço, um pensador ou um professor com nome e sobrenome. Eu e você que orquestramos também um nós. É cada um que, desassossegando-se de si mesmo, desassossega a sociologia para que eu, você, nós e a sociologia possamos mais intensamente acontecer no mundo.

Pensa-se, por exemplo, que o que aconteceu com os transgênicos é uma experiência que deve ser muito estudada para se para aprender, principalmente, como não fazer essa passagem da relação entre a complexidade e o senso comum e se estar atento também, além dos visíveis interesses mercantis do conhecimento tecnológico, ao papel conservador dos pré-conceitos cientifóbicos. A gente aprende fazendo isso errando, assim como a gente aprende fazendo ciência errando nos experimentos dos laboratórios também.

Então, quer-se chamar atenção para uma questão:

A sociologia que estamos produzindo, também a formação de novos sociólogos está adequada para dar conta de uma tradução e de uma construção, de uma formação e de um diálogo complexo efetivo de facilitação, cooperação e problematização com toda essa emergência que se está construindo, sobretudo a partir da aceleração tecnológica da Segunda Guerra Mundial? Responderia: NÃO!

Vamos enfrentar isso quando pararmos de fazer apenas alguns papers e livros e começarmos a mexer em nossa cultura de ensino-aprendizagem do que se está atualmente trabalhando com o que é ser sociólogo nas atuais sociedades complexas e na estrutura institucional do poder disciplinar em nossas sociedades.

A mesa-redonda que originou este ensaio é uma demonstração de uma aula de sociologia do presente. Isso não significa que se deva desconsiderar nossa tradição, o nosso património clássico e não negociar com a importância do conhecimento reflexivo e enfrentar, não de modo dogmático, os interesses que querem apenas transformar nossas universidades, sobretudo as privadas, em fábricas de procedimentos peritais, que impedem que as pessoas continuem pensando de modo também complexo o mundo social, político e cultural.

Na fase atual de transição paradigmática em que nos encontramos, são já visíveis fortes sinais de um processo de fusão de estilos, de interpenetrações entre cânones e a necessidade de revisitarmos os velhos cânones, verificarmos o que está oculto sob a óptica de novas percepções em emergência. É assim que é possível então dotarmos os velhos clássicos e fundacionistas das ciências sociais de importância.

Apenas um pequeno exemplo do potencial dessa revisitação de nossa tradição clássica sobre o olhar da complexidade. Durkheim, inclusive, integrou a emergente sociologia moderna em uma modesta incursão precoce com a termodinâmica, a bioquímica e a eletricidade, na sua visão de teoria social e de sociedade, que era muito interessante. É o que se vê quando nos deparamos com seu conceito de anomia nas esferas orgânicas e críticas.

Já nascemos, claro, com todos os problemas implicados no positivismo e somos críticos, mas surgimos como área do conhecimento moderno destinada a dialogar com o mundo físico e o mundo social. O primeiro pensador a se destacar neste esforço foi Saint-Simon, muito conhecido por ter fundado a vertente do socialismo utópico de perfil mais tecnocrático. Ele cria a ideia de um novo saber chamado de fisiologia social. Entretanto, é seu discípulo, Augusto Comte (1798-1857), que, após romper com seu mestre, em 1824, pode, de fato, ser considerado o mais importante pioneiro da sociologia. Foi esse homem que inventou a palavra "sociologia". No entanto, Auguste Comte cunhou primeiramente essa recém-criada ciência interessantemente com o nome de "física social".

Outro importante autor pioneiro das ciências sociais que também dialogou com a física e, muito mais precisamente, com o mecanicismo biológico, foi Herbert Spencer (1820-1903). Ele foi o criador de um pensamento social que muito influenciou a sociologia, conhecido como organicismo. Para Spencer, a sociedade assemelha-se a um organismo biológico. Ele desenvolve uma lei geral que diz que as sociedades passam ou passarão por um estado primitivo, caracterizado pela simplicidade e pela estrutura homogénea, para um estado de complexidade crescente, caracterizado pela heterogeneidade progressiva das partes como novos modos de integração. Suas obras mais importantes são: Estudo da sociedade (1873) e Princípios de sociologia (1876).

Também Karl Marx e Emile Durkheim, dois dos mais importantes fundacionistas das ciências sociais, igualmente viajaram com Newton na esteira da física clássica e esperavam descobrir os axiomas e princípios básicos da vida social. O universal maquinismo de relógio converteu-se em modelo, a partir do qual se comparava o Estado com um mecanismo preciso, sujeito a leis, e se retratavam os seres humanos qual máquinas viventes com conexões funcionais de peritagens ou força de trabalho. As leis deterministas da história, de Marx, a teoria da evolução de Darwin, ainda que muito mecânicas e reducionistas diante da cooperação, assim como o modelo "científico" de Freud, que apresentava o ego como um sistema hidráulico, provêm da mesma fonte. Também entre os pioneiros da sociologia moderna encontra-se Vilfredo Pareto que se apoiou abertamente em metáforas mecânicas e térmicas para descrever a dinâmica da sociedade.

Quando Durkheim foi estudar uma sociologia do conhecimento e em suas pesquisas de campo deparou-se com o simbolismo dos totens das tribos australianas apoiou sua explicação do conhecimento na sinergia festiva dessas tribos com a revolução dos elétrons (baseada em concentração e dispersão das festas coletivas, em sua obra Formas elementares da vida religiosa), que é uma ideia central do paradigma da complexidade. A crise da anomia pode ser entendida, então, como a preponderância da dispersão sobre a capacidade de auto-organização, que mais tarde demonstrou Prigogine com sua teoria das estruturas dissipativas.

No entanto, hoje, diferentemente de Durkheim, já se aprende com a complexidade de que o mundo não tem mais uma estrutura implícita. É uma estruturação sem estrutura. É organizado, mas não é dado como organizado.

Outro dos principais fundadores das ciências sociais, Weber, desconfiava explicitamente do trilho mecanicista da velha física. Max Weber teve uma formação académica muito ampla, concentrada em estudos de direito e com profundas incursões pela história, economia, filosofia e mesmo teologia. O que mais nos importa aqui é a ideia de que, para Weber, era necessário descobrir um método que permitisse estabelecer com referência aos fenómenos das atividades humanas, o que o método experimental permitia realizar em relação aos fenómenos da natureza.

Weber defendeu que, em lugar do método experimental, que teria escassa aplicação nos conhecimentos baseados na percepção sensorial, os cientistas sociais, ao lidarem mais claramente com fenómenos subjetivos e da compreensão, tinham necessidade de um novo tipo metódico de mensuração e construção teórica. Weber criou o método que permite lidar com fenómenos de sentido, o método de compreensão, realizado por meio do tipo ideal.

Analisando-se hoje o método compreensivo weberiano, encontra-se uma grande sintonia em Weber, integrada com as preocupações atuais da física quântica que esboça uma reinvenção e uma ênfase numa nova e profunda espiritualidade. Weber estudou também fenómenos como erotismo, teologia e expressou reflexões que oferecem um amplo signi-ficado aos valores. Integrou na ciência preocupações espirituais de modo complexo. Deixou suas lições em seus estudos orientais de que a dimensão espiritual na sociedade não precisa e não deveria se identificar com nenhum grupo particular ou organização particular, tinha que ser pluralista e que os ocidentais deveriam aprender a conviver com multiplici-dade de expressões culturais e espirituais.

Muito próximo das atuais teses do novo paradigma científico defendido pela física quântica, o próprio Weber assinalou que o "motivo" é uma conexão de sentido, que se apresenta como o "fundamento" de uma conduta para o ator ou para o observador. A "causa" é explicada nos seguintes termos: de acordo com uma determinada regra de probabilidade - qualquer que seja o modo de calculá-la e só em casos raros e ideais ela pode ser traduzida segundo absolutos dados mensuráveis, pois a cada um determinado processo (interno ou externo) observado segue-se outro processo determinado (ou aparece junto com ele).

Weber instaura, na sociologia e nas ciências sociais, uma efetiva ruptura com o naturalismo determinista. Para ele, os fenómenos sociais e as atividades humanas são relações sociais, e não coisas; são produtos de sentido e conhecimentos baseados na internalização da percepção sensorial, ou seja, são fundamentalmente fenómenos subjetivos a serem compreendidos.

Não é apenas a física que nos fornece analogias, nós também oferecemos muitas anologias para as ciências ditas "naturais", "duras" ou chamadas equivocadamente de "exatas", como se a exatidão apenas se relacionasse a um monopólio de saber específico (racional) ou há algum tipo de área de conhecimento. A exatidão é um compromisso para qualquer tipo de conhecimento complexo, inclusive humano ou não-humano. Hoje, a própria física aplica muito do que Weber postulou para as ciências sociais como método específico. A intervenção estrutural do sujeito na observação (o encapsulamento entre a dualidade onda e partícula, por exemplo), a questão da indeterminação diante da totalidade sistémica, a complexidade entre o sujeito e o objeto, a busca de uma nova e complexa espiritualidade para além da espiritualidade racionalista e instrumental ocidental... No entanto, para se levar adiante muitas das proposições weberianas será preciso romper com a sua determinação de que na realidade existe um lado, existe um mundo físico, natural com suas leis e, de outro, o mundo cultural, das ciências do espírito com suas complexidades e especificidades. Tem-se que realizar o que Boaventura sintetizou de modo muito preciso como a ideia de que, na complexidade, todas as ciências são sociais. Diria todas as ciências agora são físicas e sociais em similitudes complexas.

Enfim, na sociologia moderna, encontra-se essa ligação mais ou menos explícita desde o pioneiro Augusto Comte e sua intrigante física social, em Herbert Spencer, em Durkheim que, inclusive, integrou a emergente sociologia moderna em uma modesta incursão precoce com a termodinâmica, a bioquímica e a eletricidade e, até mesmo, em Karl Marx. Mesmo em nossa tradição sociológica, o conhecimento físico e o social não estão tão separados como muitas vezes se imagina.

Assim, o que se tem de começar a fazer primeiro é experimentar essa experiência didática de humildade no diálogo. A primeira coisa que um sociólogo que deseja uma sociologia contemporânea do presente tem a fazer é uma sociologia da escuta, do saber ouvir e saber ouvir o outro como outro. Não aquela velha prática do "quando vou conversar com o outro" (aqui uma outra área de conhecimento) tenho apenas que transformar o outro em um pequeno sociólogo, que ele primeiro tem que entender Marx, Durkheim e Weber e, a partir daí, pode-se estabelecer o contato e o diálogo. Nós, sociólogos, temos que aprender a ouvir e a dialogar como pares. Essa questão enfrenta hábitos muito fortes na tradição sociológica. Por exemplo, o sonho de Augusto Comte de que somos a mãe de todas as ciências, o topo da pirâmide do conhecimento. Assim, não dialogamos com a física e nem citamos os físicos em nossas pesquisas por que eles também consideram a sua área de saber como a mãe de todas as ciências. Assim também como os físicos que nos citam são desconsiderados como físicos. Um conflito de édipos.

Isso implica também se começar a ler coisas a que não se está habituado. Entender coisas que não se está habituado a entender. Enfrentar problemas que nos tiram de nossos cómodos sofás de conceitos estabelecidos, os quais, às vezes, estamos desfrutando há mais de 20 anos de comodidade estática.

Por exemplo, uma experiência muito interessante sobre a nanotecnologia foi a do professor Henrique Toma, ele que é um dos maiores e reconhecidos especialistas em nanotecnologia, fez um esforço imenso para traduzir a nanotecnologia na série, inventando o futuro da editora Oficina de Textos.  Por exemplo, um dos problemas principais de comunicação, mesmo binária, entre os softwares é o protocolo. O protocolo é fundamental porque é o modo no qual todos passam a compartilhar o mesmo significado, mesmo sendo diferentes e tendo cada um dos softwares seus protocolos específicos. Imagine-se quantas e quantas as versões desse livrinho chamado O mundo nanométrico foram necessários para o professor Toma traduzir todos os avanços tecnológicos e metodológicos para um protocolo em que se possa entendê-las também na escala macrossocial.

Parece-me que esse é um dos mais significativos papéis da sociologia imersa na complexidade do conhecimento nas sociedades contemporâneas. Não em busca de um protocolo superior, mas como um nódulo complexo que permeia em similitudes as fronteiras, de modo que possamos novamente nos entender diante da surdez da hiperespecialização do saber moderno. Por exemplo, para um sociólogo entender os meandros da nanotecnologia, ele terá de entender e estudar também muito biologia. Para entendermos de informática não precisamos saber programar códigos e instruções binárias, mas temos de saber o que é um algoritmo, como posso transformar em algoritmo um problema social e quais são os potenciais e os limites de uma lógica discreta traduzida em algoritmos ante os fenómenos sociais.

Em Nômades de Pedra: teoria da sociedade simbiogênica[1], meu principal livro, defendo a proposta de uma mova dobra complexa da teoria social envolvida numa sociedade simbiótica, ou seja, preciso um conhecimento teórico e empírico que ligue de modo complexo teorias e empirias, no qual o conceito de simbiogênese constitua-se, sempre, como um transdutor do pensamento e da ação, que converta em symbíon (um fazer e viver junto, sempre), tanto nosso pensar e nosso agir no ecomundo e na complexa vida social. A palavra transdutor define literalmente qualquer dispositivo capaz de converter um tipo de sinal em outro, transformando uma forma de energia em outra. Aqui a ideia de interfaces transdutoras refere-se a essa capacidade de transmudação por meio de mediações.

Encerra-se este artigo com a ideia de que nunca o conhecimento precisou tanto da sociologia e nunca a sociologia foi tão necessária. Físicos não são únicos ao solicitar a presença dos sociólogos na complexidade. Às vezes os físicos têm que fazer o esforço da teoria social e produzir sociologia na ausência contempor^~anea da socielogia presa nas grades da baixa complexidade do Século XIX e no vácuo da complexidade, fazem o quie se tem que fazer sociologia também e isso é também positivo.

A sociologia desempenha um papel fundamental hoje, não para querer novamente ser a mãe de todas as ciências, como Comte e alguns sociólogos ainda pretendem, mas ser um espaço fundamental de um caldo de uma sopa de muitos e diferentes ingredientes, uma sopa de ingredientes muito complexos. Tem-se que aprender com os pré-modernos onde todo o conhecimento tendia a se aproximar em similitudes. Aproximar, cooperar e conflitar, mas dentro de um princípio de similitude.

A sociologia tem condições históricas e acúmulo reflexivo para desempenhar seu papel na complexidade. Talvez diminuir um pouco o peso estrutural da teoria e visitarmos mais experimentos, os laboratórios científicos e termos também nossos pequenos laboratórios de experimentações, pois, como Weber ensinou, é muito complexa a construção dessa tarefa de um redutor da complexidade que não simplifique a complexidade.

Já devíamos estar fazendo muito mais do que estamos fazendo. Porém, já existem também muitos sociólogos e pensadores sociais tanto no Brasil quanto em outros países fazendo isso e com qualidade. Para não cometer injustiça, deixa-se de mencionar algum sociólogo ou cientista social brasileiro, mas, por exemplo, destaca-se o esforço na produção de alguns pensadores sociais e sociólogos que estão dialogando com os mais diferentes campos da ciência, tais como Edgar Morin, que já produziu uma extensa obra, produto de um frutífero diálogo com cientistas de vários saberes; Ulrich Beck, que está permitindo o renascimento renovado de uma sociologia na Europa, com o seu diálogo profundo com a teoria do caos; Zygmunt Bauman que, em diálogo com a física quântica, demonstrou que nossa modernidade é cada vez menos sólida e cada vez mais líquida, além de vários outros autores e sociólogos tanto em nosso país quanto em outros que estão fazendo esse esforço.

Para concluir, uma historinha narrada pelo cientista Otto Neurath que conto em meu livro aqui já citado, adaptada em uma metáfora.

Imaginemo-nos marinheiros em alto mar, viajando nessa embarcação, todos estamos razoavelmente incomodados com nossas cómodas disciplinas e todos sabendo que está acontecendo um processo de aproximação de um enorme maremoto, o qual vai realmente impedir que continuemos nossos cursos de forma tranquila. Nossa engenharia de navegação, da forma como ela foi construída, não dá conta de nos manter seguros. O que temos que fazer. Primeiro não temos agora nessa situação capacidade de ir a algum porto seguro ou terra firme e nos escondermos do tsunami, estamos sozinhos e em alto mar. Nessa situação vamos ter de sentar todos os marinheiros e arrumar uma maneira com os nossos mesmos materiais, com nossas mesmas madeiras, com nosso mesmo barco mudar o próprio barco para enfrentarmos o tsunami.

Essa não é uma missão fácil, mas essa é a missão dos sociólogos e, diria, de todos os cientistas hoje.



[1] LIMA, Gilson. Nómades de pedra: teoria da sociedade simbiogênica contada em prosas. Porto Alegre: Escritos, 2005.


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