sábado, 7 de maio de 2016

Presos numa rede dentro do vento: Dialogando com Neruda!*

Presos numa rede dentro do vento: Dialogando com Neruda!*
Gilson Lima



Incrível a nossa capacidade criativa. Inventamos uma rede mundial para navegarmos entre portos digitais, ora aqui, ora acolá.
Após um dia exaustivo de navegação, me pergunto: Nenhum beijo, nem um queijo?
Olho para trás em tempo real e observo minha navegação realizada num oceano de bits e pixels mutantes. Nesse momento, apagam-se todas as imagens e sons digitais, e apenas sinto o barulho de minha mão humana a manusear este teclado lógico.
À minha mente, vem de imediato uma imagem de um mar, deserto; onde também estou sozinho numa praia imensa a olhar seus movimentos e a ouvir suas mensagens entre as ondas, que se batem umas às outras.
Nas profundezas desse mar de velozes ondas no qual vagueio, existe vida?
Pablo Neruda uma vez nos perguntou[i]:
– O que uma lagosta tece lá embaixo com seus pés dourados? Por quem a medusa espera em sua veste transparente?
Tempo, sempre o tempo. Apenas o oceano sabe. Aqui, envolto na velocidade da superfície saltitante entre elos de ondas digitais jamais poderei saber.
Para saber, terei que ir em direção ao oceano e ficar a escutá-lo? Escutá-lo? Diriam os cépticos. Sim, escutá-lo, pois, se até o silêncio fala, imaginem o que podemos ouvir do oceano.
Cá estou eu de novo, na minha imagem, agora sentado numa pedra a ouvir o oceano. Através do barulho de suas ondas, sinto-me perguntar:
– O que esperas? Esperas pelo tempo?
– Não! – respondo imediatamente. – Quero saber a quem as algas apertam em seu abraço.
De novo, um silêncio gritante de ondas que se batem. Nada, nenhuma resposta, nada.
Pergunto mais uma vez, agora sobre as plumas do rei-pescador que vibram nas puras primaveras dos mares do sul. E nada; de novo, apenas de novo o silêncio ensurdecedor das ondas que batem. Nada de novo.
Nada me restando a fazer, retiro um livro de poesia do bolso. É Neruda de novo, abro, e lá está escrito algo sobre o que o oceano sabe. Eis que poderei então saber o que o oceano sabe, eis que posso findar o meu choro e meu lamento.
Pacientemente, viro a folha e lá está:
– A vida, meu caro, em seus estojos de jóias, é como a areia incontável, pura; e o tempo, entre uvas cor de sangue, tornou a pedra lisa, encheu a água-viva de luz, desfez o nó de fios musicais de uma teia infinita de madrepérola.
É isto? Mas quem sou eu? Pergunto-me. Sou uma unidade de carbono presa numa rede de silício poluída de nós vazios diante dos olhos? Estamos diante da escuridão, habituados à longitude que apenas pelos meus dedos torna-me um habitante planetário de um imenso mar de ondas eletromagnéticas devidamente represadas num pequeno tubo catódico?
Volto a Neruda e leio:
– Caminho como tu – amigo –, investigando as estrelas sem fim e em minha rede, durante a noite, acordo nu.
Então por que só surfar? Penso. Por que apenas deslizar sobre a superfície rasa das ondas? Por que não dar um mergulho nas profundezas? Por que não mergulhar onde as lagostas tecem seus pés dourados?
Tempo, de novo sempre o tempo. Queremos o tempo real, mas o novo tempo dominante quer apenas habitar ondas na velocidade da luz.
É isto, a velocidade passou a ser minha própria morada, meu espaço existencial.
Olho de novo para trás do oceano de ondas digitais por onde naveguei e sinto-me como Neruda, também nu.
Volto a Neruda e por fim leio:
– Amigo, este é o meu lamento, o lamento de uma esperança que finda.
Buscamos investigar nossa estrela infinita e, quando nos damos conta, somos um peixe preso dentro do vento.
É isto! Só posso ser um peixe dentro do vento. Somos agora nada mais do que um peixe preso numa rede dentro do vento.





*Fragmento de um texto publicado originalmente no livro Nômades de Pedra: teoria da sociedade simbiogênica contada em prosas, Porto Alegre, 2005, p. 217-230.




[i] Ver: Livro das Perguntas de Pablo Neruda, Porto Alegre: L&PM, 2004.

Nenhum comentário: