terça-feira, 24 de abril de 2012

ESTUDANTES EM SALAS DE AULA E A METÁFORA DAS CHITAS


Dr. Gilson Luiz Lima

É bem verdade que, ao longo da história, nas filosofias dualistas e mecanicistas, já relegamos ao segundo plano o corpo humano. O corpo é a prisão da alma em Platão; um relógio em Descartes, uma tábua rasa em Locke.


Foram os antigos gregos os primeiros a praticar exercícios físicos e a ginástica como atividade esportiva e não apenas como forma de treinamento militar.

Platão criou a Academia. Do termo grego akademía (escola de ensino superior; corporação de sábios, artistas, nobres, reis, literatos).

Tinha por objetivo educativo-social e obter benefícios estéticos e corretivos posturais.

No império romano e durante toda a idade média, os exercícios físicos ficaram restritos à função militar aí incluído a caça e os torneios (justas). Na concepção de Platão e Galeno como também de Aristóteles – a alma - espírito – integra atributos de coragem e bravura.

Há diversas referências na antiga filosofia grega do coração como sede da bravura ou fortaleza responsável por nutrir o comportamento de Preceptos Moraes (preceitos morais) ou que gera preceitos ou regras de procecer a coragem, como não ser um mortal temeroso a morte. Encontramos essa idéia na clássica literatura como nos Lusíadas onde o termo coração é, no poema, por vezes utilizado para designar a própria coragem e, por vezes, aparece como sede desta.

Na Grécia antiga também exercitar o corpo em disciplina do coração pela ginástica e exercícios de luta nas Academias era fundamental para obter um corpo adulto, cuja força e vitalidade fossem a prova do sucesso higiênico, denotando, desde a antiguidade uma forte vinculação "ideológica entre o movimento do corpo e a higienização”.

No interior das escolas, o processo higiênico iniciava pelo ordenamento do espaço e do tempo para agir, centralmente, no controle dos corpos infantis, conferindo a tudo uma dimensão utilitarista: evitar a ociosidade era fundamental nesse tempo.

Também era fundamental a separação por idade e por sexo, especialmente durante a prática de exercícios físicos, para extrair de cada um o máximo de seu rendimento.

Os gregos se distinguiram em ciência pura, com acentuado menosprezo pelas aplicações práticas. Tinham desdém pela técnica ou esforço manual, como aristocratas ou artistas, mesmo assim, fizeram importantes descobertas e inventos de ferramentas, utensílios, aparelhos que aprimoraram a arte da guerra, como aprimoraram a arte da navegação.

O desinteresse pela “modernização” econômica nos gregos era proporcional aos interesses dos cidadãos livres pela manutenção da escravidão, que dispensava a máquina. Não lhes faltando mão-de-obra, o trabalho era incumbido ao escravo, ficando assim estigmatizado todo esforço manual.


A metáfora abaixo sobre a Chita é uma adaptação de um fragmento de Stephanie S. Tolan:
"É uma chita? © 1996 - Stephanie S. Tolan

 
Uma metáfora que pode nos ajudar muito sobre o atual déficit do uso corporal nas escolas de ensino disciplinares, fordistas e tecnocráticas é a metáfora da Chita. Quando pensamos em Chitas, o que primeiramente nos vem à mente é sua velocidade. A chita é o animal mais rápido do planeta. É impressionante e única. E isso torna a sua identificação incrivelmente fácil. Uma vez que as chitas são os únicos animais capazes de correr a uma velocidade de 70 metros por segundo - mph ou de 115 km/h, se virmos um animal correndo a essa velocidade, é uma chita. Só que as chitas não estão sempre correndo.

Mas as chitas não estão sempre correndo, na verdade, elas só conseguem manter essa velocidade por um limitado período de tempo. Após esse tempo, elas precisam de um período considerável de descanso. Assim as chitas são os mais velozes corredores dentro dos mamíferos, mas não suportam uma longa perseguição: assim se não conseguem apanhar a presa após 400 - 600 metros abandonam a caçada.

Não é difícil identificar uma chita quando ela não está correndo, considerando que temos conhecimento de suas outras características. Ela é amarelo-dourada, com pontos pretos, parecida com o leopardo, mas apresentando único marco na forma de lágrimas, abaixo de seus olhos. Sua cabeça é pequena, seu corpo esguio, suas pernas extraordinariamente longas – todas as características de exímios corredores.

Além disso, a chita é o único membro da família dos felinos que apresenta garras que não se alongam. Outros felinos alongam suas garras para tornarem-nas afiadas, como lanças pontiagudas. As garras das chitas não foram criadas para cortar, mas sim para tração. Esse é um animal criado biologicamente pra correr!

Seu alimento principal é o antílope, ele mesmo um corredor prodigioso. O antílope não é grande, tampouco pesado, assim a chita não precisa de muita força para agarrá-lo. Somente velocidade. Nas planícies de seu habitat natural, a chita é capaz de capturar um antílope simplesmente deitando-o.

Enquanto a natureza biológica de seu ser é utilitária, ela também cria um poder interno de movimento, de direção. Uma chita necessita correr! Desse modo, a fim de alcançar seus famosos 115 km/h fazem-se necessárias certas condições. Ela precisa estar saudável, em boa forma física e descansada. Necessita de muito espaço para correr. Além disso, sua motivação principal para correr deve ser a fome e um antílope para perseguir. Se confinada a uma gaiola de 10 x 12 metros, ela pode insistentemente jogar seu corpo entre as grades em uma frustração interminável. Ela não correrá a 115 km/h.

Ela ainda é uma chita?

Se ela apenas encontrar coelhos que correm a 35 km/h, ela não correrá a 115 km/h para caçar. Se assim o fizer, ela deixará para trás sua caça e continuará faminta. Embora ela corra não tão velozmente quando deseja somente se exercitar, brincar ou preencher seu tempo, quando são dados a ela somente coelhos para comer, a chita só correrá o suficiente para caçar sua presa.

Ela ainda é uma chita?

Se ela for confinada em um espaço zoológico, ela não correrá. Ela ainda será uma chita? Se ela estiver doente ou suas pernas forem quebradas, nem mesmo andará. Ela ainda será uma chita? E, finalmente, se a chita tiver apenas seis meses de idade, ela ainda não será capaz de correr a 115 km/h (ou 70 metros por segundo – mph). Ela será ainda uma chita em potencial!

Essa metáfora ilustra de uma maneira bastante simples, nossa limitação e responsabilidade dos educadores em atender crianças e os estudantes com suas altas habilidades junto ao atual sistema educacional.

Desde o final do século XIX a educação foi marcada pela dinâmica industrialista. O Século XX teve o intuito de formar nas sociedades modernas burocratas racionais de mentes cognitivas e mecânicas para um desempenho ordinário, uma conseqüência indireta do ensino industrial de massas.

Isso se explicava – com uma gama de tolerância - quando não tínhamos tecnologia suficiente no mundo do trabalho, então transformar a complexa vida humana em modestas máquinas de corpos e mentes cognitivas disciplinadas para o trabalho envolvido na racionalidade de baixa ou quase nula reflexividade da informação. Hoje, ainda encontramos, um neo-taylorismo nos serviços e sua inconsequente criação de uma geração de escritório tomada por processos racionais regulados por um monitoramento dualístico: competência instrumental e execução atreladas em disciplina de grandes sequências de tarefas causais com baixa reflexividade. No entanto, isso, é, no mínimo, uma esquizofrenia econômica e social.

No entanto, no ensino das elites fica claro que se foi o tempo das grandes infantarias e das grandes e inúmeras hierarquias de conventos, seminários ou de instituições escolares que fabricavam exércitos de máquinas cognitivas para o mundo do trabalho, cuja estrutura matriz era a de prover vidas de baixa reflexividade para as organizações econômicas e sociais vinculadas à ideia de hierarquia.

Isso explica o porquê de o pensamento mecanicista moderno tinha sido tão valorizado nas instituições de ensino-aprendizagem da sociedade industrial de massa (repetição, concentração objetiva, racionalização).

As instituições de ensino-aprendizagem voltaram-se para um disciplinar treinamento, tanto do corpo como da mente, entendida como máquina cognitiva, altamente capaz de uma “excelente” fixação na memória cerebral, de um estoque ou fragmentos relevantes de estoques de informações produzidas pela civilização moderna e que deveriam ser acumulados. Isso implicou, na modernidade industrial, que o processo de ensino-aprendizagem supervalorizassem o domínio mecânico de fixação desses fragmentos relevantes de “matéria” de conhecimento instrumental estocado, resultando numa relação mais direta entre saber e trabalho.

Quem ainda acredita que nascemos para sermos máquinas musculares para o trabalho ou que possuímos geneticamente uma memória computável e cognitiva que pode se tornar, pela aprendizagem disciplinada, uma excelente habilidade humana a ser também treinada no mundo do trabalho?

O impacto na vida social contemporânea da reflexividade informacional sobre o modo de conhecer é profundo, implicando na eliminação de múltiplos processos da atividade humana na guarda e, até mesmo, na recuperação primária do conhecimento civilizatório acumulado. Podemos já apontar entre outras as seguintes rupturas:

 A ruptura com a ideia do mestre informador e totalmente responsável pela transmissão da informação bruta, de baixa reflexividade, no processo de aprendizagem;

 A ruptura com o monopólio da transmissão do conhecimento em salas de aulas, dispostas em séries lineares e não em redes heterogêneas, onde os estudantes são obrigados a sentarem-se em classes devidamente ordenadas por fileiras verticais modulando “eternas matérias” segmentadas por duráveis disciplinas, onde os estudantes são submetidos a prisões de grades curriculares. Isso, não resultará na eliminação do aprendizado presencial, mas, certamente, esse tipo de aprendizado deixará de ser o único processo de conhecimento reconhecido como legítimo, bem como, o processo de conhecimento complexo, será uma mescla de momentos de aprendizagem presenciais com momentos de aprendizagem não presenciais, mesclados por novos processos contemporâneos de subjetividades.

 A ruptura com um ensino linear e fixo de disciplinas que visam possibilitar aos estudantes dominar, de modo quase físico e estático, uma determinada matéria específica presa em territórios de um fazer quase imutável, rompendo padrões onde a matéria deveria ser assimilada, modelada e, até mesmo, em alguns casos, ser produzida. Estava sempre implícito que o conhecimento a ser assimilado, modelado ou produzido era um conhecimento manufaturado, enfim, talhado e esculpido pela moderna racionalidade de aço. A rígida setorização da ciência e dos saberes modernos cederá, cada vez mais, a uma abordagem de campos múltiplos.

 A ruptura, por fim, com os ciclos desgastantes e neuróticos de processos avaliativos que visam meramente medir a fixação na memória humana de curto prazo de determinadas informações brutas selecionadas.

Quando uma Chita está encasulada não pode correr a 70 mph não é particularmente uma chita plena. Ela não é forte o suficiente para derrubar um gnu; suas garras não retrácteis não podem ser mantidas afiadas o suficiente para rasgar a pele grossa de gnus. Apesar de todo o esforço o que ela está fazendo não difere nada do que qualquer outro gato pode fazer. Encasulada a Chita está se comportando normalmente como apenas um gato doméstico. Os gatos domésticos que digam de passagem passam a maior parte do tempo dormindo ao sol. Poderíamos rotular a Chita livre como hiperativa, mas ela é apenas uma chita exercendo o pleno estado livre de suas potencialidades de Chita.
                                               Foto: GNU
                       ABAIXO VÍDEO DA CHITA EM AÇÃO!

VEJA FILME EDITADO SOBRE A CHITA


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