terça-feira, 10 de novembro de 2020

A sociedade Simbiótica chegou => Quem ainda fala em retomada da ECONOMIA não entendeu nada. Parte 01

 

Gilson Lima

A Civilização moderna foi resetada. 

O VÍRUS ACELEROU e O FUTURO NOS ESPERA EM 2022.

ESSE texto aqui ainda se encontra em revisão ortográfica formal - não de conteúdo.

O VÍRUS MUDOU A ECONOMIA, resetou. Adeus aos sistemas de algoritmos inquebrantáveis dos velhos nerdsdos robôs musicais de péssimo gosto e da programação de papagaios de repetição de procedimentos pautados por listagens de tela sem vida dos tele atendentes.

O surto pandêmico é vertiginoso de transformações e não apenas abala nossa percepção do tempo, mas também obscurece as referências do espaço. Precisamos decifrá-lo com a profundidade que ele merece.

Heidegger escreveu que os conhecimentos tecnológicos e científicos implicavam uma técnica de se fazer explícito o que seria implícito, interno, escondido, e que caberia à ciência e à filosofia trazer para fora o que estivesse encoberto, descobrindo - no sentido de trazer à luz os processos ocultos da natureza dessa esfinge - sua força e sua fraqueza. Essa não seria uma tarefa primordial para o pensamento complexo?

A situação parece crítica, mas quiçá segure firme na trava da vagoneta dessa montanha russa e tente se concentrar. Afinal, uma das vantagens de se estar suspenso no loop é que o sangue desce à cabeça, o que é ótimo para se pensar. Imagine que você é o Homem (ou a Mulher) Morcego, repousando e restaurando as energias, pendurado no teto da caverna, pronto para lutar contra as injustiças em meio às trevas da noite. Ou que “encontrou a luz” em uma sessão de ioga, meditando de ponta-cabeça.

Quem ainda fala em retomada da ECONOMIA não entendeu o que aconteceu. Ressetamos o mundo, agora não temos como retomá-lo. Na simbiogênese chamo isso de um salto quântico. Estou falando sobre isso há décadas para meus alunos. Que venham os simbióticos. Os simbióticos não serão programadores que querem adaptar a interface do cérebro aos seus sistemas lógicos inflexíveis, hierárquicos e com algoritmos gravados como se fossem uma pata de elefante que atolou em um drive.

O setor mais importante das empresas será o que era chamado de Recursos Humanos, que será, na verdade, o da reciclagem humana (esses processos tão desprezados pela tecnologia nerd). Serão os agentes principais por permitirem a dinâmica da velocidade analógica na tecnologia até ontem dominada pela dinâmica da computabilidade cognitivista.

Ser veloz logicamente é fácil, mas ser capaz  rápido e preciso analogicamente - de mudar, desprogramar e reprogramar o algorítimo em tempo real no próprio fluxo de navegação, isso é ser um simbiótico. 

O que chamam de inteligência artificial é um retrocesso. É voltar para o fordismo acelerado nas telas. Os nerds da inteligência artificial são assimbióticos, primários. Eles são capazes de acelerar o velho mundo e deixar todos estressados como se fôssemos uma carroça correndo com cavalo atrás de um carro de fórmula 1.

Isso não é inteligência. Inteligência é sempre simbiótica. Saber fazer sistemas eficazes analogicamente. Viver para um simbiótico é improvisar. Sempre a favor da vida e não da velocidade do silício. Quando na vida consolidamos um aprendizado é porque mudamos naquela hora e em tempo real. Aprendemos quando mudamos e não quando nos automatizamos. Criamos quando alteramos o que fazia antes e não o repetimos.  Melhorar o que está parado exige disciplina, mas não é nada tão complicado assim. Podemos melhorar  o que fazemos. Quando mudo o que sabia antes eu crio em mim o novo. Não mudo quando consulto um algoritmo gravado morto num fluxo estático. Assim funciona a cabeça da logicidade do velho nerd programando. Os simbióticos não programam assim.

Seus sistemas buscam fluxos ágeis de interfaces analógicas, com alta capacidade de resiliência, flexibilidade, criatividade, onde cada novo tráfego é singular na sua navegabilidade específica, no seu próprio fluxo. Como é difícil para um velho nerd entender isso.

Não se trata aqui do velho dualismo ação individual x ação coletiva, mas uma modelagem complexa. Um pensar relacional. Síntese => retrodução《=》síntese (eventos e evidências como entidades processuais relacionais). Veremos isso mais adiante. Mais abaixo trataremos mais especificamente do princípio da retrodução. 

O que importa aqui é que viemos de uma sociedade fordista que está sendo desmantelada.

O genial Henry Ford - apesar de massificar o motor de combustão - foi um dos últimos industriais a pensar em um modelo de sociedade além dos muros de suas próprias fábricas.

Quando a Ford, em 1908, conseguiu criar um automóvel para um consumo ampliado, o Ford T, ele foi produzido em uma velocidade espantosa pela incipiente linha racional de trabalho rolante idealizada por ele.

 Ford T Modelo - 1908

“Você pode escolher qualquer cor do Ford T, contanto que seja preta”. HENRY FORD.

PRINCÍPIO BÁSICO DA LINHA DE PRODUÇÃO DO SISTEMA FORDISTA: "Portare l'utente al sistema di lavoro" (Moldar o usuário para o sistema de trabalho).


Retrodução =>  "Portare il sistema a lavorare per gli utenti" (Moldar o sistema de trabalho para os usuários).

Há poucas décadas atrás, nas manifestações estudantis, viam-se 100.000 jovens todos vestidos iguais, com as mesmas calças jeans, gritando as mesmas palavras de ordem: “Povo unido jamais será vencido".

Era a realização da máxima fordista, da padronizante sociedade industrial. O fordismo é praticamente um paradigma da sociedade industrial moderna. Aliás, o horário comercial padrão; os deslocamentos de picos nas grandes cidades; as grandes cidades que têm um terço do seu espaço dedicado ao automóvel; a civilização que desloca bilhões de indivíduos cuspindo fogo e envenenando com seus motores de combustão o ar para a vida no planeta em febre: Isso, meus caros, foi o fordismo!

A micro informática – diferente dos velhos sistemas centralizados nos processamentos de especialistas  produziu o usuário amador e inverteu de algum modo as inferências fordistas. Ela fez aqueles mesmos 100.000 jovens vestidos iguais se aglutinarem, só que agora se vestem de formas diferentes, diversificados e com diferentes tribos que se fragmentam e gritam múltiplas e heterogêneas palavras de ordem ao som de variados gêneros musicais nas manifestações de rede.

Deu-se início ao processo de singularização. Uma caminhada a passos largos na direção de um consumo mais personalizado, que exige da produção uma criatividade contínua.

    No entanto, os sistemas de informática e de gestão do mundo do trabalho continuam velhos, fordistas pendurados na eletrônica da automação sistemista e cognitivista.

Os seres humanos se complexificaram, mas de um modo a construir uma sociedade de indivíduos inaptos para resolverem os problemas coletivos complexos que eles mesmos criam. Diferentemente das formigas, que, como fordistas, se comportam como geniais agentes coletivos e profundas idiotas individuais, os humanos informatizados estão se transformando em geniais agentes individualizados e cada vez mais um profundo imbecil coletivo.

A interface simbiótica mudará isso. Uma modelagem simbiótica rompe com esse dualismo. É como no Jazz em que cada aprofundamento de agenciamento singular e improvisado do artista com seu instrumento particular gera ao mesmo tempo mais individuação e mais cooperação coletiva e vice-versa. Quanto mais agimos coletivamente, mais possibilitamos a complexificação da singularidade, e quanto mais singularidade,  maior é a cooperação da ação coletiva. Essa é a base da interface simbiogênica.

Assim que a vida evoluiu. Assim que as células co-operam.

O Covid-19 está provocando muitas mudanças na sociedade. Nunca se parou o planeta como dessa vez. Reativá-lo no pós-pandemia será uma experiência única, pela qual nunca passamos.

Como será a economia que está sendo resetada?  

  1. Adeus à dependência das cadeias globais de suprimento e a excessiva dependência da China. Isso provocará mudança na bússola do fornecimento e programação múltipla de parceria de fornecimentos com ênfases regionalizadas e de produção local. A maneira como as cadeias de suprimentos globais operam criou esta vulnerabilidade insólita. As empresas ficaram vulneráveis.

Dilema.

Mas, para produzir localmente, as fábricas aqui vão precisar ser rápidas no giro do reset, para responder ao novo ritmo da cadeia de produção chinesa, e isso deve levar a um aumento do uso da tecnologia, criatividade e automação no país.

A literatura empresarial chama de indústria 4.0, mas, falando de modo mais complexo,  as empresas terão que desmaterializar seus sistemas duros, vaporizá-los em fluxos simbióticos inteligentes, sistemas com interfaces mais resilientes, com capacidade de recuperar após um revés ou de superar situações de crise, adversidade ou infortúnio, mais flexíveis e ao mesmo tempo menos fragmentados. 

Esses departamentos  mecanicistas serão decapitados funcionalmente. Tudo será muito menos hierárquico, muito mais  ágil, muito mais adaptável e elástico, vaporizado.

Falo aqui de uma sociedade simbiótica, de uma organização simbiótica que é muito mais complexa,  quântica, multidensional, multidinâmica. Fazer um fluxo de vapor se tornar laminar numa torneira exige uma grande complexidade de detalhes. Agora, imagine esse fluxo recebendo micro furo. Isso gera uma dispersão que muda completamente o tráfego. Quando Zygmunt Bauman descreveu a sociedade líquida, eu disse que ele estava incorreto, e quase ninguém me ouviu. Eu demonstrei que o que estava vindo era mais radical,   a era a energência simbiótica, uma evaporação da modernidade. Está publicado. (LIMA, Gilson: O Dilema de vivermos numa época que agoniza. UFRGS, 1999).

Isso é a emergência do novo: a interface simbiótica. Vejam o que escrevi na época:

A EVAPORAÇÃO DA MODERNIDADE


Salvador Dali: Criança

..."Imaginemos marinheiros que, em alto mar, estejam modificando sua embarcação rudimentar, de forma w não podem colocar a embarcação no seco para reconstruí-la desde o princípio. Durante seu trabalho permanecem no velho barco e lutam contra violentas tormentas e ondas tempestuosas... (Otto Neurath, Anti-Spengler)

Esse é o nosso novo destino. Com minhas próprias palavras, na época, 21 anos atrás:

... O desmanche, o sentimento de evaporação de nossas crenças em nossa sociedade moderna, é cada vez mais visível. A crise em que nos encontramos não é, como pensam alguns, uma crise interna da sociedade industrial, ou uma crise de regime, em que alguns são a favor dele e outros são contra, em que alguns são de direita e outros de esquerda. A crise que vivemos é maior do que a implantação de diferentes regimes modernos. Trata-se de uma crise civilizatória nunca antes enfrentada pela humanidade. Nossa principal crença: a razão moderna, nossa armadura societal durante muito tempo, está se desmanchando em algoritmos gravados, implantados em máquinas lógicas; está se evaporando, se diluindo pelos ralos invisíveis de uma sociedade ao mesmo tempo planetária, que se move por invisíveis ondas moleculares. Depois da explosão da primeira bomba atômica e dos efeitos de sua capacidade destrutiva, inauguramos um novo tempo, o tempo da desmaterialização. Vejamos rapidamente a expressão societal dessa desmaterialização em quatro importantes processos distintos: da vida, da economia, da informação e, por último, da política.

 Para cada um  desses vetores demonstrei o que estava acontecendo;

1. A desmaterialização da vida humana

2. A desmaterialização da economia

3. A desmaterialização da informação e do ensino a economia

4. A desmaterialização do poder e da política

Poucos entenderam.

Isso é algo que precisa estar na mente dos construtores dos velhos algoritmos. O nerd é, nesse sentido, um conservador. Ele é rápido em produzir a lógica, mas, quando o processo é analógico e complexo, ele não sai do chão.

Falava-se muito em transformação digital, mas, na prática, pouco se fazia de concreto. Porque o importante é a cultura da nova interface. Os chamados sistemas da terceira informática mantiveram algoritmos inflexíveis, com desconsideração sobre a agilidade do usuário. 

A grande revolução será na vitalização dos sistemas, que serão muito mais que humanos, serão simbióticos. Os humanos são modernos demais para serem simbióticos.

Mesmo a automação deverá se moldar mais pela flexibilização, menos gravames e mais fluxos de nós mutantes em redes. Os algoritmos serão compostos como uma dança e não como linhas e colunas estáticas de organogramas geômetras rígidos.

Os velhos nerds terão muitas dificuldades para sobreviver no mundo, quando mudar um programa for a regra sempre que ele estiver sendo operado - um sistema que esteja pronto para esquecer, assim como o cérebro humano. Será uma mudança de arquitetura mental dos nerds.

Como programar um programa cuja regra é estar sempre se desprogramando e reprogramando a si mesmo em tempo real?

Um princípio de produzir inferência para a programação simbiótica é baseado na traição do cérebro lógico acostumado a pensar racionalmente, seja por indução, seja por dedução. É o princípio da ABDUÇÃO: uma técnica de apoio a adivinhação ainda não verificável, mas com alta gama de fundamento de possibilidade. Temos a máxima de Alfred North: “Qual será o absurdo de agora que será a verdade de amanhã”. 

Abduções se apresentam diante de situações inusitadas, a mente só pode concluir oferecendo hipóteses gerais. Uma abdução é um método de formar uma predição geral sem nenhuma certeza positiva que ela se verificará. O melhor meio de operar a ABDUÇÃO é pensar para trás, é o que chamo de RETRODUÇÃO.

 Por que é tão difícil a retrodução?

O nosso cérebro é bombardeado em cada segundo com inúmeros estímulos PARA pensar para a frente. Principalmente os seres mais escolarizados, racionais. O que já sabemos é que, no nosso dia a dia, o nosso cérebro sempre calcula, continuamente, o que irá vir a seguir-se (predição) e, como é o caso na maioria das vezes, acontece o que foi previsto (o que é quase sempre o caso). Assim, o sucedido é registrado como pouco importante e não continua a ser processado. É o PENSAR SEMPRE PARA A FRENTE. Executar a passagem do pensamento através de um conceito específico, sem mudança de informação e às vezes apenas com acréscimo descendente ou de passagem reversa, ascendente. A base é a verificabilidade do que foi assim e assim deverá ser.

Nós temos o conhecimento implícito correspondente no cérebro (fica disponível para ser utilizado). O cérebro não pode, sozinho, ocupar-se de todos os processos de filtragem, ou seja, através do processamento de informação, que funciona «de baixo para cima» (bottom-up-processes), não consegue reagir adequadamente a estes estímulos. Também precisa gerir processos «de cima para baixo» (top-down processes), para estruturar a afluência do material, para selecionar e processar apenas o mais importante.

Então, pensar por Abdução ou Retrodução, no fim das contas, não é senão conjectura, e, para contribuir com o incremento de abduções, devemos assumir que a nossa mente quer e deseja inferir e imaginar teorias corretas com hipóteses admissíveis, isso é fundamental para nos dotar de capacidade de realizar abduções. Esse processo chamo de RUMINAÇÃO.

Observamos isso também com uma criança aprendendo a ficar de pé. É divertido. Ela vai se segurando na mesa e cai. Depois faz a mesma coisa e cai novamente. Vai  depois de novo e noutro dia de novo, segura errado na mesa, calcula mal e novamente cai de modo quase igual como caiu ontem. 

A criança vai aprendendo, fazendo e errando, errando muito. Aprender algo complexo implica estar disposto a errar bastante e aprender com os erros. Nas escolas nos ensinaram a acertar, não a aprender errando, que é o modo como aprendemos as coisas mais difíceis.

Enquanto a indução e a dedução são inferências utilizadas para explorar ou demonstrar hipóteses provisórias, visando obter a compreensão "exata" do assunto, as inferências abdutivas tratam-se mais diretamente da descoberta de conhecimento novo.

Apesar de nossa hábil habilidade abdutiva e analógica, nosso cérebro moderno, racional, escolarizado pelo treino da inferência racional indutiva e dedutiva, está continuamente ocupado a fazer predições para nos orientar de forma antecipada para a frente. É o princípio da PREDIÇÃO que nosso cérebro faz com muita velocidade e habilidade.

 COMO É QUE ISSO ACONTECE?


Imagine que você vá pegar um objeto. Algo bem simples. Uma xícara de café, por exemplo.

Quando eu pego em uma alça de uma xícara de café, o meu cérebro já antecipou a percepção do contato, talvez até o aroma do café e, possivelmente, o seu gosto. Quando tudo acontece como previsto, beber um gole de café e pousar a mão na alça do café, antes da execução, toda a sequência de comportamentos já foi prevista antes. Qual a força, que pressão terei para dar sustentabilidade à xícara na mão etc.

Embora você possa conscientemente decidir pegar um objeto, sua mão assume a postura apropriada para isso sem que sua consciência tenha ordenado. 

A caneca é dividida em duas representações distintas, uma tem apenas forma e outra tem apenas cor. A representação de cor terá apenas um padrão indistinto, enquanto a representação de forma possui apenas sombras em cinza. 

Essas representações procuram reproduzir o tipo de análise que ocorre em duas regiões diferentes do cérebro durante a análise da caneca. Na verdade, a caneca não existe em nosso cérebro do modo como a percebemos.

Ela tem um formato e uma cor. No entanto, não tem consciência de cada um desses atributos separadamente, como mostrado na figura acima. 

Em vez disso, você percebe a caneca como um objeto único. Você pode assim se surpreender ao saber que seu cérebro produz essa percepção unificada após analisar separadamente a cor e a forma, cada uma em uma localização diferente. Consequentemente, é possível que um dano cerebral permita que uma pessoa veja a cor de um objeto, mas não tenha ideia de que objeto é, porque sua forma é indecifrável. Por outro lado, uma pessoa com outro dano cerebral pode ver claramente a forma de um objeto, mas não ter ideia de sua cor. O cérebro disseca o objeto, analisando suas várias partes separadamente e, em seguida, produzindo uma espécie de sensação unificada do todo. 

No entanto, não há um "retrato" do objeto todo em nenhuma parte do cérebro. Sendo assim, como é que percebemos um único objeto se temos apenas visões múltiplas dele com que trabalhar? O cérebro imagina. Pensamos por predições de imagens.

A inferência abdutiva implica em programar cada algoritmo extraindo a carga simbólica de PREDIÇÃO dele antes de consolidarmos a sua gravação definitiva. Antes de gravarmos devemos pensar também nas possibilidades de sua desprogramação implícita. Como seria se fosse diferente? Como isso operaria de cabeça para baixo? De trás para frente? Isso implica em ruminarmos inferências retrodutivas.

A habilidade de treinar a retrodução é que vai nos tornar aptos para o que a logicidade chama de adivinhar. A habilidade de predizer o que não acontece quando se está acontecendo ou como aconteceria se acontecesse diferente ou ao contrário. Isso é modelar uma interface simbiótica.

Quer aprender a fazer isso? Observe a você mesmo fazendo isso o tempo todo. Adivinhar é uma possibilidade, mas não é necessariamente só sorte. Podemos treinar essa habilidade e nosso cérebro faz isso o tempo todo.

Quando lemos um texto, nosso cérebro não lê letra por letra, não lê palavras, não lê sentenças. Isso ele passa longe.  O que ele faz é adivinhar o sentido do que está por vir naqueles movimentos de sinais e fótons. 

Nosso cérebro armazena muito bem nexos regulares que estão atrás das letras, dos acasos. Por isso, para fazer uma correção detalhada de um texto, precisamos voltar para trás e talvez ler palavra por palavra e, mesmo assim, nós passamos por cima de erros se tivermos motivados apenas a fazer uma leitura de fluxos prescritivos.

Muitos executivos com os quais converso demonstram claramente que sabiam que, ao longo dos anos, suas empresas acabariam se acomodando. Agora eles têm certeza que se mantiverem aferrados a esse ritmo de mudanças graduais, suas organizações se tornarão irrelevantes em pouco tempo.

Entendem que é preciso mudar os sistemas, e isso implica na própria sobrevivência do negócio do varejo, por exemplo. O que está em jogo, mesmo para empresas poderosas como a Renner, C&A, Zara, Magazine Luiza, Colombo e tantas outras...

A revolução simbiótica implicará em mudanças evolucionárias significativas e não apenas adequações ou retomadas melhoradas de velhas práticas. 

Na prática, não foram os CEOs que começaram essa revolução de transformação, mas o próprio vírus.

Queremos resgatar a abdução valorizando a imaginação criativa, a produção de insights, indicando procedimentos para sua legitimidade enquanto modalidade de pensamento válido para a gestão.

A razão moderna, em geral, não deu a devida atenção à criatividade, mesmo quando dela dependeu para suas conquistas. Destacava seus originais pensadores e inventores como pessoas dotadas de uma áurea de extraordinariedade ou até mesmo de loucura. Assim, a criatividade era uma expressão reservada a algumas poucas mentes diferenciadas, e não se tratava de procedimentos que poderiam ser generalizados, aplicados e aprendidos para a produção do conhecimento complexo. VAMOS ENFRENTAR ISSO: Comecem a inferir abduções!

2.      O crescimento do on-line para todas as nossas atividades vai incentivar o que tem equivocadamente sido chamado de “contactless economy” (economia sem contato).

O que os simbióticos mais farão, ao contrário,  é produzir interfases simbióticas atentas às singularidades do contato sempre e em tempo real. Para os simbióticos, não existe um virtual que não seja real. Não existe uma inteligência que possa ser artificial (assimbiótica). Sem vida não há inteligência. Não existe também um meio ambiente. O ambiente é inteiro e os simbióticos estão lá, dentro dele. Para isso tenho um conceito bem preciso: o Symbios (fazendo a cooperação agora e juntos sempre). 

Quando o symbios acontece, a cooperação encapsula e evolui. Nos tornamos melhores, e o mundo em que acontecemos melhora junto em simbiose. É a base da simbiótica, da simbiogênese.

Se olharmos para 2003 veremos que a epidemia SARS-COV-1 alavancou o comércio eletrônico na China, transformando o país e criando potências comerciais como Alibaba e outras empresas.

O artigo “The SARS epidemic threatened Alibaba’s survival in 2003—here’s how it made it through to become a $470 billion company” mostra como isso aconteceu.

Permitir que o que cada um quer esteja ali e seja bem orientado, permitir dúvidas tiradas não por listas parametrizadas, mas por processos analógicos e de improvisação atentos à singularidade daquele apedido e do agente em questão. Desde a exposição dos produtos. Especificações. Demonstrações. Domínio de especificações técnicas e de interfaces de atendimentos abertas. Isso é que se exigirá das interfaces simbióticas.

Os transportes serão monitorados em tempo real. Saberemos onde estão e o que no momento que quisermos saber. O fluxo logístico será aberto. Será flexível em trajetos, com entregas monitoradas – podendo seu comprador acompanhar passo a passo os movimentos por onde anda seu pedido. Podendo até mesmo alterá-lo, tudo em tempo real. Uma logística que a serialização fordista jamais entenderia. Isso permitirá flexibilidades para soluções logísticas de prazos imediatos e soluções de problemas. Nada de feriados e programações quinzenais de entrega. No comércio, a parceria da logística será tão ou mais importante do que a do fornecimento do produto.

Hoje, está se tornando possível imaginar um mundo de negócios – do chão de fábrica ao consumidor – com agenciamento da individuação. Fábricas inteiras programadas para cooperar com as singularidades. O contato físico será minimizado ao extremo nas regiões e atividades repetitivas, que desgastam o corpo e a mente e são inadequadas ao improviso complexo da vida quando ela acontece. Já existiam empresas que trabalhavam 100% remoto sem apoio físico de atividades musculares e cognitivas de baixa complexidade. Mas elas deixarão de ser vistas como curiosidades excêntricas.

Com a quarentena, verificou-se que muitos hábitos adotados eram desnecessários e poderíamos fazer tudo on-line. Nos acostumamos com o delivery de alimentação, com as compras on-line, com as transações financeiras via apps, com telemedicina, aulas on-line, fazemos videoconferências e trabalhamos em casa.

Muitas empresas deixarão de ter um escritório central. Em vez disso, elas contratarão funcionários de vários locais e pedirão que trabalhem em casa ou em espaços de trabalho compartilhados perto de onde moram.

Isso exigirá que elas forneçam conexões mais rápidas com a internet para seus colaboradores, equipamentos, ajuda de custo para contas e despesas domiciliares que envolvam o labor da empresa, fornecimento de aplicativos e suportes rápidos em tempo real, com vídeo chamada e visitas a domicílio. Com a presença de softwares de colaboração e monitoramento em tempo real. Isso permitirá que algumas empresas eliminem grande parte dos seus processos em seus próprios escritórios e transferirá seus custos para o apoio ao colaborador simbiótico.

Os trabalhadores terão que aprender a manter o foco ao trabalhar em casa, e as empresar a permitir que os trabalhadores tenham jornadas mais flexíveis para que vivam suas atividades do labor que não sejam da empresa.

Uma nova cultura para a interação off-line e on-line será necessária. A regra sempre é symbios (fazer a cooperação sempre juntos e agora quando ela acontece).

Nem todos os fluxos podem ser consolidados em interação on-line, mas o symbios está ali presente rompendo a dualidade. Os sistemas devem permitir a integração dos processos on-line e off-line para facilitar a cooperação entre os fluxos e sua consolidação. Ter que sair do sistema on-line para produzir uma atividade off-line necessária no momento não pode ser uma descontinuidade forçada, deve ser cooperada. 

Uma das coisas a deixar para trás é o papel da comunicação empresarial fazer tudo por e-mail. Além de ser uma ferramenta off-line, ela se descontextualiza nos fluxos, quase sempre envolve um conflito entre armazenar e consolidar processos de consolidação e sua recuperação totalmente descontextualizada.

Os e-mails serão apenas para processos mais duradouros e lembrarão os velhos correios com entrega de cartas que precisavam ser postadas e depois seriam transportadas por outros e entregues por outros em seu destino. Hoje, a maioria dos trabalhadores de escritório vivem o dilema de como lidar com a sobrecarga "virtual" dos e-mails. Pessoas estão adoecendo por causa disso.

Executivos reclamam que tem 7.000 e-mails em sua caixa de entrada. Para alguns, isso pode não parecer até muito pouco. Como se pode responder com qualidade a 250 e-mails por dia? Você passa mais tempo escolhendo o que será relevante responder do que respondendo. Não é apenas algo ineficiente, mas também prejudicial à saúde. Não existe salvação para isso além de desconsiderar o papel que o e-mail exerce nas gestão dos escritórios e empresas. A produtividade não será medida nem quantitativamente e muito menos por e-mail. Passou o tempo de sua relevância. Os drives de longo prazo off-line  deverão ter um tipo de gerenciamento próprio e totalmente alterado de significância para a gestão do curto agora.

O longo agora é muito importante para ser enquadrado na modelagem de e-mail. Ele precisa ser tratado como uma joia rara. O futuro e a longevidade  são uma instância própria para a organização e os atos do nosso dia a dia. Sermos consumidos no curto agora transforma nosso futuro em um nada além de hoje.

E-mail é uma maneira de enviar dados e não manter contatos. E ponto.

Ter como meta a caixa de entrada zerada de seu e-mail pode ser a coisa mais estúpida que um gestor pode estar fazendo agora. Programas cooperativos devem resolver 90% dos problemas se eles forem simbióticos e não meramente tarefeiros. Além de manipularem suas agendas e tarefas, os suportes de apoio simbióticos auxiliam na integração entre o curto agora e o longo agora.

A evolução simbiótica depende sempre do longo agora. O curto agora é como centelha, pode arder, mas sequer saberemos o que nos queimou no dia seguinte. São como notícias de jornal, são importantes no momento, mas depois vão para o lixo do longo agora.

Não prestar atenção nisso é deixar os e-mails decidirem para onde caminha a evolução da empresa, e isso é um desastre. Se estamos dependendo dos e-mails para isso é porque já tem algo muito errado acontecendo agora.

Mas isso não significa que o contato humano será eliminado. Somos seres sociáveis por natureza.

Um exemplo está aqui neste artigo: “The firm with 900 staff and no office”.

Muitas pessoas voltarão a entrar novamente nas lojas e supermercados. Os encontros presenciais continuarão a existir.  Pacientes com necessidades complexas ainda irão pessoalmente consultar seus médicos, muitos tipos de trabalhos não são automatizáveis. No entanto, as tendências provavelmente são irreversíveis.

A partir de agora teremos mais opções. Não será obrigatório estar no escritório sempre, as empresas serão híbridas, com tarefas operacionais de execução que poderão ser perfeitamente executadas remotamente.

As demandas por criatividade, inovação e colaboração continuarão a ser presenciais.

Referência: Artigo “The impact of the ‘open’ workspace on human collaboration” (O impacto do espaço de trabalho 'aberto' na colaboração humana).

3.      As regulações provavelmente serão revistas. A crise provocou a necessidade de mudanças em muitos aspectos regulatórios, como aqui no Brasil com o uso da telemedicina. O PL 696/2020 é um exemplo mais efetivo disso.

A telemedicina é o exercício da medicina mediado por tecnologias para assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde. Enfim, suas limitações exigirão atividades presenciais, mas o grosso dos processos clínicos serão redesenhados com a evolução rápida das tecnologias wearables e dispositivos que facilitem exames, veremos uma abrangência maior no seu uso.

Até a maioria de exames e coletas de sangue poderão ser realizados de modo doméstico.

A educação também será revista. A desmaterialização da educação moderna, escolástica  necessita de um texto à parte, dada sua importância.

Um recente relatório do World Economic Forum, “Schools of the Future”, mostrou que o Brasil está muito atrasado e despreparado para competir no novo mundo que se desenha.

Por fim, mais adiante publicarei a Parte 2 com próximos temas, a saber:

4.        O novo mundo pós-Covid vai nos obrigar a repensar muitos dos atuais paradigmas e valores que adotamos na vida empresarial, profissional e pessoal.

5.        Setores por completo serão transformados.

6.        Algumas tendências tecnológicas que já estavam sinalizadas antes da pandemia e vieram a tona em velocidade exponencial. Tendências de tecnologia que podem ajudar a construir uma sociedade resiliente e simbiótica.

O certo é que com a emergência da civilização simbiótica não teremos um novo normal. A civilização foi ressetada e emerge um novo modus operandi diferente do que estamos habituados, com novas habilidades e capacitações para este novo mundo. Será cada vez mais simbiótica, profunda, incerta e resiliente. Demandará, inclusive, uma mudança radical na educação.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

UM POUCO DE HISTÓRIA: para entender a crise do moderno paradigma da ciência

Gilson Lima


 

Para entender a transição atual do paradigma da ciência na complexidade é preciso compreender o  paradigma astrológico (pré-moderno) para o moderno paradigma cartesiano-newtoniano e a emergência da complexidade


Quando um paradigma termina? Qual o legado que ele deixa (continuidade)? Com o que ele rompe? Quais são as novas opções e os novos caminhos? O que, da sua narrativa, organização, princípios, são obsoletos e deixados para trás?

Se o termo moderno é muito amplo para ter um significado, imaginemos, então, a longa duração do paradigma pré-moderno que, aqui, chamaremos de astrológico. Quanto tempo pode durar um paradigma?

Até quando transitará o moderno paradigma? Até quando teremos que conviver na proliferação desconstrutiva dos prefixos pós (pós-moderno, pós-modernismo, pós-industrial, pós-humano...), que experimentamos desde a década de 60, ainda no século anterior? E, ainda: quando religaremos o conhecimento às novas e complexas construções simbióticas (de symbíon, de fazer junto)?

Muito já se escreveu sobre o novo paradigma da complexidade, assim vamos, por questões de tempo e precisão, concentrarei apenas em registrar algumas descrições históricas e didáticas da emergência da complexidade. Para isso, vamos voltar um pouco no tempo, e verificar de onde viemos, do ponto de vista paradigmático, ou seja, o paradigma astrológico pré-moderno e, em que consistiu a ruptura paradigmática moderna.

Para nossos fins, vamos ater-nos neste artigo, a explicitar dois grandes princípios básicos, que conduziram toda a história do paradigma astrológico pré-moderno numa mesma concepção paradigmática de mundo e vamos estabelecer relações, diálogos com as devidas rupturas e escolhas operadas no macroparadigma da modernidade simples, em detrimento do paradigma astrológico. Ao mesmo tempo, sempre que possível, vamos introduzir diálogos nessa comparação, de modo também transversal, com as rupturas e ressignificações atuais encontradas no macroparadigma da complexidade.

Vejamos os dois grandes princípios básicos que conduziram toda a história do paradigma astrológico (pré-moderno):

1) O princípio da similitude



Produzir conhecimento, para os pré-modernos, era como manusear um caldeirão de sopa, com diferentes ingredientes, de modo não fragmentário e não disciplinar no qual tudo se aproximava, e em que se buscava uma aproximação.

O princípio da similitude revela uma maneira muito própria de os pré-modernos produzirem e manusearem o conhecimento. Michel Foucault já tinha afirmado a ideia de que o saber, no Século XVI, deixava (para trás) uma lembrança de um conhecimento misturado e sem regra, em que todas as coisas do mundo podiam aproximar-se ao acaso das experiências, das tradições ou das credulidades. (FOUCAULT, 1987).

============================================

UM EXEMPLO 

A mensuração  de Erasthóstenes foi, sem dúvida, o experimento científico mais extraordinário da Antiguidade.

Em si, ele é de uma notável engenhosidade, mas demonstra principalmente o alto grau de inventividade e de inovação do gênio que viveu no século III a.C. Na verdade, a operação efetuada por Erastóstenes no Egito ptolomaico pressupõe duas aquisições maiores. Uma é intelectual: a noção de esfericidade da Terra; a outra é técnica: um instrumento adequado para medir o comprimento do meridiano.

 Erastóstenes partiu de três postulados:

 A) Escolheu uma cidade Siena (a atual Assuan) para medir a sua distância, pois para ele Alexandria e Siena estavam ambas situadas sob o mesmo meridiano. Assim, o Sol culminava todos os dias no mesmo momento, e logo era meio-dia se daria no mesmo momento, nos dois lugares[1];

B) A distância que separava as duas cidades foi definida como de 5.000 estádios[2];

C) Os raios provenientes de diferentes pontos do Sol tocavam os diferentes pontos da Terra segundo linhas paralelas.

 Obs.  [1] Na verdade, o primeiro postulado era inexato. Siena estava situada 3º mais a leste do que Alexandria e lá meio-dia é 12 minutos mais tarde.

[2] Quanto ao segundo postulado, tudo dependeria da precisão do valor atribuído ao estádio. Alguns historiadores afirmam que Erastóstenes contratou um homem para medir a pé a distância entre Alexandria a Siena (a qual sabemos hoje é localizada a 800 km de distância da antiga Alexandria – o que seria uma caminhada e tanto). Segundo esses mesmos  historiadores a distância foi medida com passos para realizar os cálculos de sua experiência. O valor foi após convertido por Erastóstenes em medida muito utilizada na época, ou seja, a medida de um estádio. O valor atribuído a um estádio na época pode variar de 147 a 192 metros. Ao que parece, 

Erastóstenes definiu-se por um valor intermediário entre os dois chegou ao que poderíamos converter hoje como 40.000 Km da esfera e é muito próximo da precisão dos sofisticados satélites de hoje. Fez isso com: Paus, sombras, pé e o cérebro há mais de 300 anos A.C.

=======================================


Os pré-modernos manejavam um sistema de similitudes que consistia em aproximar as coisas entre si, em buscar tudo o que pudesse revelar-se nelas como um parentesco. Entretanto, com a imposição moderna de pensar, este processo se alterou profundamente.



Os modernos, ao contrário, em vez de aproximar, buscaram discernir as coisas, isto é, separá-las e estabelecer diferenças, classificá-las para depois rearranjá-las num mecanismo totalizante, numa nova totalidade pensada racionalmente, diferenciando a arte da ciência; o sujeito, do objeto; a objetividade, da subjetividade; a natureza da cultura; a emoção, da razão e a mente do corpo. Os modernos almejam a fragmentação especializada do saber para disciplinar o corpo, o olho, a objetiva em face da observação metódica, a fim de conquistar pela simplicidade a objetividade cartesiana:

"Essas longas cadeias de razões, tão simples e fáceis, de que os geômetras costumam servir-se para chegar às suas mais difíceis demonstrações, levaram-me a imaginar que todas as coisas que podem cair sob o conhecimento dos homens encadeiam-se da mesma maneira e, que, com a única condição de nos abstermos de aceitar por verdadeira alguma que não o seja, e de observarmos sempre a ordem necessária para deduzi-las uma das outras, não pode haver nenhuma tão afastada, que não acabemos por chegar a ela, e nem tão escondida que não a descubramos" (Descartes, 1989: 27-28 - Grifos nossos).

Aqui está o "canto do galo" do racionalismo moderno. A emoção da alvorada de toda uma idade que se iniciou e que chamamos de Idade Moderna. A petulância cartesiana. A ruptura moderna reinou absoluta, em termos de ciência, até o final do século XIX e reinou de modo menos soberano até o final do Século XX. A crença de Descartes imperou como se, ao conhecermos apenas uma verdade de cada coisa, quem quer que a encontrasse saberia tudo sobre o que dela se poderia saber.



Enfim, o homem vai saber a verdade sobre tudo. Na complexidade, sabemos que a verdade de uma coisa não é tão simples de encontrar como a tamanha certeza reducionista de Descartes. A máxima cartesiana impôs a redução da complexidade, a expressão da razão com 'r' minúsculo (racionalização), como descreveu Edgar Morin (MORIN, 2000a:112). Outra questão que Descartes propõe com seu Método é a de que devemos sempre simplificar:

"Começar pelas racionalizações mais simples e mais fáceis de conhecer; e, considerando que, entre todos aqueles que até agora procuraram a verdade nas ciências, só os matemáticos puderam encontrar... e enfrentar com esse novo espírito com o alimento das verdades e a não se contentar com falsas razões" (Ibid., id.)


 As clássicas ciências modernas geraram uma brutal ruptura entre observador (agente conhecedor) e a realidade (objeto a ser conhecido). Por outro lado, hoje sabemos que a matéria se expande em auto-organização de modo não linear e, sim, caótico, integrado a duas realidades simultâneas: ordem e desordem.

O paradigma cartesiano-newtoniano se desdobrou em duas grandes derivações: o positivismo e o racionalismo.

O positivismo às vezes é chamado de cientificismo realista, naturalista ou, ainda, visto como uma simples transposição da ciência da mecânica para todos os fenômenos psicológicos que possam ser entendidos como comportamentos que poderiam ser decompostos em porções irredutíveis ou até mesmo "átomos" de ação, tomado por uma abstração visual, simétrica, que praticamente via a tarefa da ciência como a de produzir um conhecimento fotográfico da realidade: observar ? medir ? expressar uma lei. O conhecimento emergiria pelo raciocínio matemático (mais aritmético) que permitiria romper com o senso comum, negando-o ou qualificando-o.

Até mesmo para o racionalismo de Bachelard e de Einstein, a ordem no universo e na natureza era dada como organizada. Einstein, apesar de todas suas intuições e contribuições, não colocava em questão a ordem implícita do mundo moderno, da natureza e a concepção mecanicista do Cosmos. O que Einstein afirmava era que a ciência apenas estava mudando de concentração, do mundo visível, para o mundo do oculto. Porém, as próprias descobertas de Einstein, sobretudo aquelas sobre a relatividade e suas novas explicações sobre tempo e espaço, foram decisivas para ajudar a corroer o sólido edifício do macroparadigma cartesiano-newtoniano.

Quando a ciência cartesiana alcançou, de modo decisivo, o mundo do oculto, não visual, é que emergiram, também com força racionalista, novos pensadores como: Niels Bohr, Planck, Poincaré e Werner Heinsenberg, entre outros. Por isso, pensadores da ciência como: Gaston Bachelard (BACHELARD, 1996), na França e Karl Popper (POPPER, 1975) na Áustria, despertaram para querer identificar algo que estava mudando na produção do conhecimento científico e tentaram entender como esses homens estavam produzindo a nova ciência. O racionalismo é uma expressão mais complexa do paradigma moderno, mas também concebe a natureza, a ordem do universo dada como organizada.

Popper, que não era apenas um positivista lógico como tanto se afirmou, demonstrou que a ciência visual da indução falsifica seus axiomas com simplificações. O exemplo dos Cisnes Brancos que ele apresenta é básico neste sentido. Dizia Popper que um indutivista descobre mais de duzentos cisnes brancos e quanto mais procura cisnes, ele só encontra cisnes brancos. Assim, ele cria o axioma: "todo cisne é branco". Isso será verdadeiro até que ele encontre um cisne preto que destruirá e colocará abaixo toda a sua verdade. Popper insistiu sobre a provisoriedade das descobertas científicas, especialmente as operadas por inferência indutiva. Sua solução ao problema da indução é a de que, para ele, a ciência não é mais do que um conhecimento conjetural. Em vez de indução, Popper propõe que se fale em conjecturas, probabilidades e, em vez de verificação, em falsificabilidade (POPPER, 1975: 13-40).

Também verificou-se que estes novos cientistas, em geral, estão produzindo conhecimento sobre um mundo oculto. O próprio Einstein afirmou que o chão escorregou de nossos pés. Como testar o conhecimento e fazer ciência sobre o que não veem? Na ciência do visível, muitas vezes, apenas com raciocínios lógicos poder-se-iam validar conhecimentos, cuja construção de hipóteses, seria mais facilmente produzida e testada. Foi assim que surgiu uma outra modalidade de expressão do macroparadigma cartesiano-newtoniano: o racionalismo.

Não se trata aqui, apenas do debate entre materialismo e idealismo, mas, muitas vezes, para estes novos racionalistas, as longas cadeias de hipóteses e modelos padrões restringiam-se apenas a experimentos de suas canetas, os quais eles escreviam no papel. O racionalismo levou ao extremo o poder da lógica e da racionalização moderna, e seus seguidores apostavam muito mais na capacidade do raciocínio do que na experimentação controlada.

No entanto o racionalismo foi muito importante para os novos cientistas e pensadores da complexidade emergente, como Einstein, por exemplo. A complexidade tem uma grande identidade com os racionalistas, mas a complexidade reequilibra, de modo mais cooperado e, muitas vezes simultâneo, a indução com a reflexividade e também a dedução, com intuição e abdução também em cooperação com as ressonâncias sensórias, simultaneamente. A reflexibilidade de modo complexo encontra-se e se religa com o saber perital das aplicações no processo do conhecimento.

Há uma grande possibilidade de complementaridade entre as abordagens analíticas e sistêmicas. A primeira continua necessária para extrairmos da realidade os elementos que nos possibilitam fundar teorias, e a segunda nos permite obter uma visão mais global dos sistemas, tornando viável a eficácia da ação. Tratamos de modelização sistêmica complexa, o que a retórica helênica e latina denominavam inventio como definiu Jean-Louis Le Moigne. Trata-se de romper e descartar "pureza" das práticas, das técnicas peritais dos subsistemas e de estarmos sempre acompanhados, de modo também reflexivo, de um desassossegamento constante das nossas ações, de perguntarmos sempre o que estamos fazendo, a que se refere nossa própria ação, o que ela está produzindo, no que se ela está transformando, de estarmos presente, juntos, na ação contextualizada (MORIN, 2004: 545).

Em página após página dos quatro tomos de seu Método, Edgar Morin chamou nossa atenção para essa problemática. É preciso urgentemente reencontrar os procedimentos da contextualização e aprender a construir, para nós mesmos, ricas representações do que fazemos, do que ouvimos em profundas ressonâncias sensíveis e significantes.

Na ciência do oculto, o processo de investigação e de análise fica mais complexo e minucioso, exige muito trabalho descritivo e procedimental. Quase todos os cientistas da complexidade forjaram complexas teorias mescladas em novas aplicações e modalidades qualitativas de produzir conhecimento complexo. Suas buscas de explicações diversas sobre fenômenos novos foram contribuindo para negar muitos das velhas certezas comuns da ciência moderna.

Assim, podemos entender melhor a afirmação de que, a subjetividade constrói o experimento, como demonstrou Heinsenberg. Mas os avanços não se resumiram apenas a um outro modo de pensar o mundo, a natureza, o Cosmos e, sobretudo, nosso novo lugar nesse mundo. Os avanços nas aplicações tecnológicas aceleraram-se tanto após a segunda Grande Guerra Mundial que tecnologia e ciência integraram-se na complexidade de modo ainda mais intenso, principalmente a partir da emergência da consciência dos efeitos quânticos e dos múltiplos planos da realidade, ao mesmo tempo específicos e simultâneos, em convergência com a macrorrealidade física e social.




O paradigma moderno tem uma dimensão materialista essencial, mesmo no sentido e na compreensão da própria razão. O positivismo fortaleceu muito o componente materialista do paradigma moderno. O materialismo poderia, assim, emancipar a sociedade da sua condição historicamente atribuída à religião ou à filosofia especulativa. Descrições matemáticas herméticas do cosmos não faltavam ao ingrediente moderno, volumetria e velocidade dos átomos reduzidos, como a menoridade possível da matéria, que em força e velocidade vagavam pelo vazio imaterial.

A complexidade implica uma nova e mais complexa espiritualidade que herdamos da modernidade simples. Weber demonstrou que somos seres com vontade de ser mais, e que a própria modernidade laica ocidental criou para si, uma espiritualidade específica, mais operante, das suas ambições (WEBER, 1983). A falência e a crise nas promessas emancipadoras da razão moderna e seu diálogo surdo, instrumentalizador e colonizador do pensamento mágico têm levado multidões de mentes à busca de "escapes esotéricos" desconciliados da complexidade, podendo, inclusive, colocar em risco o próprio pensar complexo, ante a emergência de novos fundamentalismos e crenças autoritárias e personalistas. Se quisermos experimentar uma satisfação profunda e complexa em nossa vida social, precisamos ser capazes de encarar a sociedade em um contexto mais amplo de significado e valor. Em um contexto que transcenda o materialismo (ou consumismo reducionista) quanto ao próprio interesse limitador da vida no mundo.

O questionamento do princípio da separabilidade, proposto na regra cartesiana, é um dos elementos essenciais do paradigma da complexidade. O edifício moderno se encontra em crise pela hiperespecialização do saber desligado na macrorrealidade social, gerando uma entropia informacional. Isso nos faz lembrar Eliot, quando indagou, mais ou menos assim: "onde está o conhecimento que perdemos na informação e onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento informacional?" ( MORIN, 2000c: 16).

Nossa visão social necessita ter uma dimensão espiritual plural e também complexa, isto é, devemos ser capazes de responder perguntas como: para que existe a sociedade? Qual seu significado? (ZOHAR, 2000: 30-31). Em que dimensões da realidade subjacente encontramos suas raízes, seus dilemas Éticos (com E maiúsculo)? Em última instância trata-se de questões espirituais. Têm a ver com a compreensão do sentido mais profundo e a sanção de nossos atos (limites) e com o respeito profundo à legitimidade múltipla de expressões de espiritualidades e crenças tão diversas da nossa civilização planetária, de nossa pátria Terra.

O espectro dos limites da redução lógica e o enfrentamento intrínseco da contradição em seus domínios apareceram também no mais elevado pensamento matemático, com o teorema de Gödel, que anuncia que, em um sistema formalizado complexo que comporta a aritmética, sempre existe uma proposição que não pode ser decidida e que, até mesmo a não-contradição do referido sistema não pode ser decidida. O paradoxo encontra-se também na vida social em sua escala macrofísica. Quando olhamos um indivíduo, a espécie desaparece, passa a ser uma abstração, mas, quando o olhamos no tempo, o indivíduo desaparece, desfalece é a espécie que permanece. O princípio da lógica dedutivo-indentitária deixou de ser absoluto, e é preciso saber transgredi-lo (MORIN, 2004: 565).

O paradigma da complexidade integra natureza e cultura que não podem mais ser vistos separadamente (inseparabilidade: tecnologia, homem, cultura e natureza), é como um sistema auto-organizativo com entropia – dispersão, mas impossível de separarmos e isolarmos como pretendia o cartesianismo. Não há variáveis isoladas na complexidade. Como ilustra Wigner em seu exemplo: "a medição da curvatura do espaço causada por uma partícula não pode ser levada a cabo sem criar novos campos que são bilhões de vezes maiores que o campo sob investigação". (WIGNER, 1970: 7).


O segundo princípio do paradigma astrológico, com o qual a modernidade simples rompeu de modo fulminante, foi o postulado da separação entre a esfera cósmica (celeste) de a esfera terrestre, que se manifesta na concepção de mundo geocêntrica que se harmonizou com a interpretação da Bíblia e foi reinterpretada pela teologia medieval principalmente por Tomás de Aquino.

 2) O princípio da separação do mundo físico do metafísico

Assim como para o mundo terrestre e físico temos as Leis da Física, para o mundo Celeste, Astrológico, o Céu, o Cosmos temos a quinta essência aristotélica. Ou seja, temos outras leis não físicas do extraordinário, do divino, do celestial, um lugar onde as leis da física não operam.

Veremos, a seguir, que Galileu substituiu, a partir da experiência, a ideia de espaço cósmico qualitativamente diferenciado, pelo espaço homogêneo e abstrato da geometria euclidiana. O ponto central para a derrubada do edifício aristotélico iniciado por Galileu e consolidado por Isaac Newton, consistiu na unificação entre o céu e a terra, ou seja, as leis que governavam os fenômenos terrestres governavam também os fenômenos celestes. Aristóteles com a ideia de quinta essência considerava o "céu" como uma substância perfeita e imutável, isto é, só na Terra poderia haver mudanças químicas e físicas como: água, ar e fogo.



A primeira grande ruptura produzida nessa concepção foi através da navalha precisa do raciocínio de Maquiavel, que demonstrou de modo realista a legitimação humana do poder. A segunda começou com Copérnico e Giordano Bruno e foi completada pelo moderno Galileu.

Concordamos, porém, com Ortega y Gasset de que o novo homem de ciência, começa a ser "moderno", quando se torna um homem novo, quando renasce (Ortega y Gasset,1989). Segundo Ortega y Gasset, o homem renasce após Galileu Galilei (1554-1642) e René Descartes (1596-1650).

Da crença numa terra plana, transitamos, graças aos modernos, para uma terra redonda, da terra imóvel localizada no centro de um universo finito, segundo Aristóteles, para uma terra que se movimenta como um peão, num cosmo infinito, do qual a terra é um simples satélite que gira em torno de uma estrela periférica localizada num pequeno sistema solar, presente no final da cauda da Via Láctea, numa modesta galáxia.

A modernidade simples nos fez habitantes de um mundo externo ao sujeito, ordenado, estável, com determinismo causal e, sobretudo, sem tempo, que tem uma estrutura implícita. Um mundo em que o sujeito exógeno observa, descreve, decifra e compreende os segredos intrínsecos dessa estrutura mecânica, através da mensuração metódica e objetiva.

Galileu, entre 1600 - 1609 desenvolveu as suas concepções que o levaram à geometrização da ciência do movimento e, segundo ele próprio, a criar duas novas ciências: 1) O Estudo geométrico da resistência dos sólidos e 2) O tratado sobre o Movimento. Em 1604, Galileu demonstrou a sua lei da queda dos corpos.


Assim a teoria matemática foi erigida dentro de um rigor passível de ser remodelada mais tarde pelos gênios modernos de Galileu que usou a matemática para representar a natureza, Kepler que usou ostensivamente a geometria em suas leis da mecânica celeste e Isaac Newton que foi o pai da física matemática que com ajuda isolada de Leibniz, que na verdade foi quem de fato quem criou os símbolos da integral e diferencial, Newton materializou posteriormente suas séries numéricas que fundamentou o cálculo variacional e a aplicação da teoria das equações diferenciais. Para isso, no entanto, os modernos precisaram que o conhecimento clássico pudesse ter sido conversado nos mosteiros através dos cuidados dos monges medievais. 


Uma de suas mais significativas contribuições à ciência não está numa descoberta particular, mas no fato de ter reabilitado em novas bases o método experimental, que andava esquecido desde os tempos de Arquimedes. Galileu, no Século XVI, deu início à ciência moderna e forneceu o suporte para a proposta newtoniana que ocorreria no século seguinte. O método "galileano" da verificação experimental permitia, inclusive, contrariar toda evidência não controlada, não laboratorial - a conjectura torna-se verdadeira se o experimento concordar com ela.

O método foi tão revolucionário que transformou a ciência em algo radicalmente novo. Antes dele, era praticamente evidente que a Terra estava parada e que ocupava um lugar privilegiado no Cosmos. Tudo o que ele tentou demonstrar contrariava a evidência. Deveria, portanto, ser falso. No entanto ele tinha razão. Era uma razão nova que se instituíra no mundo fazendo surgir uma nova forma de obtenção da verdade.


A divisão primordial da separabilidade, em que se assenta toda a ciência moderna, opera-se na distinção entre "condições iniciais" e "leis da natureza". As "condições iniciais" são um reino de complicações, de acidentes, no qual se faz necessário selecionar as condições relevantes dos fatos a serem observados. E as "leis da natureza" são um reino de simplicidades e de regularidades, onde é possível observar-se e medir-se com rigor. Essas distinções, concretamente, nada têm de "natural". Elas são completamente arbitrárias, conforme descreveu Eugene Wigner (Wigner, 1970: 3). Todavia é nelas que se assenta toda a ciência moderna.

Precisamos, pois, promover e realizar uma nova transdisciplinaridade, transitar de um paradigma que permite distinguir, separar, opor e, portanto, dividir relativamente os domínios científicos para outro, de modo que possamos fazê-los se comunicarem, sem que operemos a redução da simplicidade. O paradigma da modernidade simples é mutilante e insuficiente. É necessário um paradigma da complexidade que, ao mesmo tempo, separe e associe, que conceba níveis de emergência da realidade sem reduzi-los a unidades elementares e às leis gerais (Morin, 2000: 128).

Referências:

LIMA, Gilson. A Síndrome de Frankenstein: mitos e magias da moderna informação numérica. In: Revista de Educação, Ciência e Cultura.(1999: 79-86). Canoas; Centro Universitário Lasalle, v. 4, nº 1, Outubro de 1999.         [ Links ]

___. Nômades de Pedra: Teoria da sociedade simbiogênica contada em prosas. Porto Alegre: Escritos, 2005.         [ Links ]

MORIN, Edgar. O método 3: O conhecimento do conhecimento. Portugal: Publicações Europa-América, LDA, 1986.         [ Links ]

___.& KERN, Anne Brigitte. Terra Pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995.         [ Links ]

___. Ciência com Consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000 (a).         [ Links ]

___. LE MOIGNE, Jean Luis Le. A inteligência da complexidade. São Paulo. Editora Fundação Petrópolis, 2000b.         [ Links ]

___. A cabeça bem feita: repensar a reforma ó reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2000c.        [ Links ]

MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento ComplexoLisboa: Instituto Piaget, 2003.         [ Links ]

___. (org.) A Religação dos Saberes: o desafio do Século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.         [ Links ]

ORTEGA Y GASSET. Em Torno a Galileu. Petrópolis: Vozes, 1989.         [ Links ]

WIGNER, Eugene. Symmetries and Reflections: Scientific EssaysCambridge: Cambridge University Press, 1970         [ Links ]