sexta-feira, 6 de novembro de 2020

UM POUCO DE HISTÓRIA: para entender a crise do moderno paradigma da ciência

Gilson Lima


 

Para entender a transição atual do paradigma da ciência na complexidade é preciso compreender o  paradigma astrológico (pré-moderno) para o moderno paradigma cartesiano-newtoniano e a emergência da complexidade


Quando um paradigma termina? Qual o legado que ele deixa (continuidade)? Com o que ele rompe? Quais são as novas opções e os novos caminhos? O que, da sua narrativa, organização, princípios, são obsoletos e deixados para trás?

Se o termo moderno é muito amplo para ter um significado, imaginemos, então, a longa duração do paradigma pré-moderno que, aqui, chamaremos de astrológico. Quanto tempo pode durar um paradigma?

Até quando transitará o moderno paradigma? Até quando teremos que conviver na proliferação desconstrutiva dos prefixos pós (pós-moderno, pós-modernismo, pós-industrial, pós-humano...), que experimentamos desde a década de 60, ainda no século anterior? E, ainda: quando religaremos o conhecimento às novas e complexas construções simbióticas (de symbíon, de fazer junto)?

Muito já se escreveu sobre o novo paradigma da complexidade, assim vamos, por questões de tempo e precisão, concentrarei apenas em registrar algumas descrições históricas e didáticas da emergência da complexidade. Para isso, vamos voltar um pouco no tempo, e verificar de onde viemos, do ponto de vista paradigmático, ou seja, o paradigma astrológico pré-moderno e, em que consistiu a ruptura paradigmática moderna.

Para nossos fins, vamos ater-nos neste artigo, a explicitar dois grandes princípios básicos, que conduziram toda a história do paradigma astrológico pré-moderno numa mesma concepção paradigmática de mundo e vamos estabelecer relações, diálogos com as devidas rupturas e escolhas operadas no macroparadigma da modernidade simples, em detrimento do paradigma astrológico. Ao mesmo tempo, sempre que possível, vamos introduzir diálogos nessa comparação, de modo também transversal, com as rupturas e ressignificações atuais encontradas no macroparadigma da complexidade.

Vejamos os dois grandes princípios básicos que conduziram toda a história do paradigma astrológico (pré-moderno):

1) O princípio da similitude



Produzir conhecimento, para os pré-modernos, era como manusear um caldeirão de sopa, com diferentes ingredientes, de modo não fragmentário e não disciplinar no qual tudo se aproximava, e em que se buscava uma aproximação.

O princípio da similitude revela uma maneira muito própria de os pré-modernos produzirem e manusearem o conhecimento. Michel Foucault já tinha afirmado a ideia de que o saber, no Século XVI, deixava (para trás) uma lembrança de um conhecimento misturado e sem regra, em que todas as coisas do mundo podiam aproximar-se ao acaso das experiências, das tradições ou das credulidades. (FOUCAULT, 1987).

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UM EXEMPLO 

A mensuração  de Erasthóstenes foi, sem dúvida, o experimento científico mais extraordinário da Antiguidade.

Em si, ele é de uma notável engenhosidade, mas demonstra principalmente o alto grau de inventividade e de inovação do gênio que viveu no século III a.C. Na verdade, a operação efetuada por Erastóstenes no Egito ptolomaico pressupõe duas aquisições maiores. Uma é intelectual: a noção de esfericidade da Terra; a outra é técnica: um instrumento adequado para medir o comprimento do meridiano.

 Erastóstenes partiu de três postulados:

 A) Escolheu uma cidade Siena (a atual Assuan) para medir a sua distância, pois para ele Alexandria e Siena estavam ambas situadas sob o mesmo meridiano. Assim, o Sol culminava todos os dias no mesmo momento, e logo era meio-dia se daria no mesmo momento, nos dois lugares[1];

B) A distância que separava as duas cidades foi definida como de 5.000 estádios[2];

C) Os raios provenientes de diferentes pontos do Sol tocavam os diferentes pontos da Terra segundo linhas paralelas.

 Obs.  [1] Na verdade, o primeiro postulado era inexato. Siena estava situada 3º mais a leste do que Alexandria e lá meio-dia é 12 minutos mais tarde.

[2] Quanto ao segundo postulado, tudo dependeria da precisão do valor atribuído ao estádio. Alguns historiadores afirmam que Erastóstenes contratou um homem para medir a pé a distância entre Alexandria a Siena (a qual sabemos hoje é localizada a 800 km de distância da antiga Alexandria – o que seria uma caminhada e tanto). Segundo esses mesmos  historiadores a distância foi medida com passos para realizar os cálculos de sua experiência. O valor foi após convertido por Erastóstenes em medida muito utilizada na época, ou seja, a medida de um estádio. O valor atribuído a um estádio na época pode variar de 147 a 192 metros. Ao que parece, 

Erastóstenes definiu-se por um valor intermediário entre os dois chegou ao que poderíamos converter hoje como 40.000 Km da esfera e é muito próximo da precisão dos sofisticados satélites de hoje. Fez isso com: Paus, sombras, pé e o cérebro há mais de 300 anos A.C.

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Os pré-modernos manejavam um sistema de similitudes que consistia em aproximar as coisas entre si, em buscar tudo o que pudesse revelar-se nelas como um parentesco. Entretanto, com a imposição moderna de pensar, este processo se alterou profundamente.



Os modernos, ao contrário, em vez de aproximar, buscaram discernir as coisas, isto é, separá-las e estabelecer diferenças, classificá-las para depois rearranjá-las num mecanismo totalizante, numa nova totalidade pensada racionalmente, diferenciando a arte da ciência; o sujeito, do objeto; a objetividade, da subjetividade; a natureza da cultura; a emoção, da razão e a mente do corpo. Os modernos almejam a fragmentação especializada do saber para disciplinar o corpo, o olho, a objetiva em face da observação metódica, a fim de conquistar pela simplicidade a objetividade cartesiana:

"Essas longas cadeias de razões, tão simples e fáceis, de que os geômetras costumam servir-se para chegar às suas mais difíceis demonstrações, levaram-me a imaginar que todas as coisas que podem cair sob o conhecimento dos homens encadeiam-se da mesma maneira e, que, com a única condição de nos abstermos de aceitar por verdadeira alguma que não o seja, e de observarmos sempre a ordem necessária para deduzi-las uma das outras, não pode haver nenhuma tão afastada, que não acabemos por chegar a ela, e nem tão escondida que não a descubramos" (Descartes, 1989: 27-28 - Grifos nossos).

Aqui está o "canto do galo" do racionalismo moderno. A emoção da alvorada de toda uma idade que se iniciou e que chamamos de Idade Moderna. A petulância cartesiana. A ruptura moderna reinou absoluta, em termos de ciência, até o final do século XIX e reinou de modo menos soberano até o final do Século XX. A crença de Descartes imperou como se, ao conhecermos apenas uma verdade de cada coisa, quem quer que a encontrasse saberia tudo sobre o que dela se poderia saber.



Enfim, o homem vai saber a verdade sobre tudo. Na complexidade, sabemos que a verdade de uma coisa não é tão simples de encontrar como a tamanha certeza reducionista de Descartes. A máxima cartesiana impôs a redução da complexidade, a expressão da razão com 'r' minúsculo (racionalização), como descreveu Edgar Morin (MORIN, 2000a:112). Outra questão que Descartes propõe com seu Método é a de que devemos sempre simplificar:

"Começar pelas racionalizações mais simples e mais fáceis de conhecer; e, considerando que, entre todos aqueles que até agora procuraram a verdade nas ciências, só os matemáticos puderam encontrar... e enfrentar com esse novo espírito com o alimento das verdades e a não se contentar com falsas razões" (Ibid., id.)


 As clássicas ciências modernas geraram uma brutal ruptura entre observador (agente conhecedor) e a realidade (objeto a ser conhecido). Por outro lado, hoje sabemos que a matéria se expande em auto-organização de modo não linear e, sim, caótico, integrado a duas realidades simultâneas: ordem e desordem.

O paradigma cartesiano-newtoniano se desdobrou em duas grandes derivações: o positivismo e o racionalismo.

O positivismo às vezes é chamado de cientificismo realista, naturalista ou, ainda, visto como uma simples transposição da ciência da mecânica para todos os fenômenos psicológicos que possam ser entendidos como comportamentos que poderiam ser decompostos em porções irredutíveis ou até mesmo "átomos" de ação, tomado por uma abstração visual, simétrica, que praticamente via a tarefa da ciência como a de produzir um conhecimento fotográfico da realidade: observar ? medir ? expressar uma lei. O conhecimento emergiria pelo raciocínio matemático (mais aritmético) que permitiria romper com o senso comum, negando-o ou qualificando-o.

Até mesmo para o racionalismo de Bachelard e de Einstein, a ordem no universo e na natureza era dada como organizada. Einstein, apesar de todas suas intuições e contribuições, não colocava em questão a ordem implícita do mundo moderno, da natureza e a concepção mecanicista do Cosmos. O que Einstein afirmava era que a ciência apenas estava mudando de concentração, do mundo visível, para o mundo do oculto. Porém, as próprias descobertas de Einstein, sobretudo aquelas sobre a relatividade e suas novas explicações sobre tempo e espaço, foram decisivas para ajudar a corroer o sólido edifício do macroparadigma cartesiano-newtoniano.

Quando a ciência cartesiana alcançou, de modo decisivo, o mundo do oculto, não visual, é que emergiram, também com força racionalista, novos pensadores como: Niels Bohr, Planck, Poincaré e Werner Heinsenberg, entre outros. Por isso, pensadores da ciência como: Gaston Bachelard (BACHELARD, 1996), na França e Karl Popper (POPPER, 1975) na Áustria, despertaram para querer identificar algo que estava mudando na produção do conhecimento científico e tentaram entender como esses homens estavam produzindo a nova ciência. O racionalismo é uma expressão mais complexa do paradigma moderno, mas também concebe a natureza, a ordem do universo dada como organizada.

Popper, que não era apenas um positivista lógico como tanto se afirmou, demonstrou que a ciência visual da indução falsifica seus axiomas com simplificações. O exemplo dos Cisnes Brancos que ele apresenta é básico neste sentido. Dizia Popper que um indutivista descobre mais de duzentos cisnes brancos e quanto mais procura cisnes, ele só encontra cisnes brancos. Assim, ele cria o axioma: "todo cisne é branco". Isso será verdadeiro até que ele encontre um cisne preto que destruirá e colocará abaixo toda a sua verdade. Popper insistiu sobre a provisoriedade das descobertas científicas, especialmente as operadas por inferência indutiva. Sua solução ao problema da indução é a de que, para ele, a ciência não é mais do que um conhecimento conjetural. Em vez de indução, Popper propõe que se fale em conjecturas, probabilidades e, em vez de verificação, em falsificabilidade (POPPER, 1975: 13-40).

Também verificou-se que estes novos cientistas, em geral, estão produzindo conhecimento sobre um mundo oculto. O próprio Einstein afirmou que o chão escorregou de nossos pés. Como testar o conhecimento e fazer ciência sobre o que não veem? Na ciência do visível, muitas vezes, apenas com raciocínios lógicos poder-se-iam validar conhecimentos, cuja construção de hipóteses, seria mais facilmente produzida e testada. Foi assim que surgiu uma outra modalidade de expressão do macroparadigma cartesiano-newtoniano: o racionalismo.

Não se trata aqui, apenas do debate entre materialismo e idealismo, mas, muitas vezes, para estes novos racionalistas, as longas cadeias de hipóteses e modelos padrões restringiam-se apenas a experimentos de suas canetas, os quais eles escreviam no papel. O racionalismo levou ao extremo o poder da lógica e da racionalização moderna, e seus seguidores apostavam muito mais na capacidade do raciocínio do que na experimentação controlada.

No entanto o racionalismo foi muito importante para os novos cientistas e pensadores da complexidade emergente, como Einstein, por exemplo. A complexidade tem uma grande identidade com os racionalistas, mas a complexidade reequilibra, de modo mais cooperado e, muitas vezes simultâneo, a indução com a reflexividade e também a dedução, com intuição e abdução também em cooperação com as ressonâncias sensórias, simultaneamente. A reflexibilidade de modo complexo encontra-se e se religa com o saber perital das aplicações no processo do conhecimento.

Há uma grande possibilidade de complementaridade entre as abordagens analíticas e sistêmicas. A primeira continua necessária para extrairmos da realidade os elementos que nos possibilitam fundar teorias, e a segunda nos permite obter uma visão mais global dos sistemas, tornando viável a eficácia da ação. Tratamos de modelização sistêmica complexa, o que a retórica helênica e latina denominavam inventio como definiu Jean-Louis Le Moigne. Trata-se de romper e descartar "pureza" das práticas, das técnicas peritais dos subsistemas e de estarmos sempre acompanhados, de modo também reflexivo, de um desassossegamento constante das nossas ações, de perguntarmos sempre o que estamos fazendo, a que se refere nossa própria ação, o que ela está produzindo, no que se ela está transformando, de estarmos presente, juntos, na ação contextualizada (MORIN, 2004: 545).

Em página após página dos quatro tomos de seu Método, Edgar Morin chamou nossa atenção para essa problemática. É preciso urgentemente reencontrar os procedimentos da contextualização e aprender a construir, para nós mesmos, ricas representações do que fazemos, do que ouvimos em profundas ressonâncias sensíveis e significantes.

Na ciência do oculto, o processo de investigação e de análise fica mais complexo e minucioso, exige muito trabalho descritivo e procedimental. Quase todos os cientistas da complexidade forjaram complexas teorias mescladas em novas aplicações e modalidades qualitativas de produzir conhecimento complexo. Suas buscas de explicações diversas sobre fenômenos novos foram contribuindo para negar muitos das velhas certezas comuns da ciência moderna.

Assim, podemos entender melhor a afirmação de que, a subjetividade constrói o experimento, como demonstrou Heinsenberg. Mas os avanços não se resumiram apenas a um outro modo de pensar o mundo, a natureza, o Cosmos e, sobretudo, nosso novo lugar nesse mundo. Os avanços nas aplicações tecnológicas aceleraram-se tanto após a segunda Grande Guerra Mundial que tecnologia e ciência integraram-se na complexidade de modo ainda mais intenso, principalmente a partir da emergência da consciência dos efeitos quânticos e dos múltiplos planos da realidade, ao mesmo tempo específicos e simultâneos, em convergência com a macrorrealidade física e social.




O paradigma moderno tem uma dimensão materialista essencial, mesmo no sentido e na compreensão da própria razão. O positivismo fortaleceu muito o componente materialista do paradigma moderno. O materialismo poderia, assim, emancipar a sociedade da sua condição historicamente atribuída à religião ou à filosofia especulativa. Descrições matemáticas herméticas do cosmos não faltavam ao ingrediente moderno, volumetria e velocidade dos átomos reduzidos, como a menoridade possível da matéria, que em força e velocidade vagavam pelo vazio imaterial.

A complexidade implica uma nova e mais complexa espiritualidade que herdamos da modernidade simples. Weber demonstrou que somos seres com vontade de ser mais, e que a própria modernidade laica ocidental criou para si, uma espiritualidade específica, mais operante, das suas ambições (WEBER, 1983). A falência e a crise nas promessas emancipadoras da razão moderna e seu diálogo surdo, instrumentalizador e colonizador do pensamento mágico têm levado multidões de mentes à busca de "escapes esotéricos" desconciliados da complexidade, podendo, inclusive, colocar em risco o próprio pensar complexo, ante a emergência de novos fundamentalismos e crenças autoritárias e personalistas. Se quisermos experimentar uma satisfação profunda e complexa em nossa vida social, precisamos ser capazes de encarar a sociedade em um contexto mais amplo de significado e valor. Em um contexto que transcenda o materialismo (ou consumismo reducionista) quanto ao próprio interesse limitador da vida no mundo.

O questionamento do princípio da separabilidade, proposto na regra cartesiana, é um dos elementos essenciais do paradigma da complexidade. O edifício moderno se encontra em crise pela hiperespecialização do saber desligado na macrorrealidade social, gerando uma entropia informacional. Isso nos faz lembrar Eliot, quando indagou, mais ou menos assim: "onde está o conhecimento que perdemos na informação e onde está a sabedoria que perdemos no conhecimento informacional?" ( MORIN, 2000c: 16).

Nossa visão social necessita ter uma dimensão espiritual plural e também complexa, isto é, devemos ser capazes de responder perguntas como: para que existe a sociedade? Qual seu significado? (ZOHAR, 2000: 30-31). Em que dimensões da realidade subjacente encontramos suas raízes, seus dilemas Éticos (com E maiúsculo)? Em última instância trata-se de questões espirituais. Têm a ver com a compreensão do sentido mais profundo e a sanção de nossos atos (limites) e com o respeito profundo à legitimidade múltipla de expressões de espiritualidades e crenças tão diversas da nossa civilização planetária, de nossa pátria Terra.

O espectro dos limites da redução lógica e o enfrentamento intrínseco da contradição em seus domínios apareceram também no mais elevado pensamento matemático, com o teorema de Gödel, que anuncia que, em um sistema formalizado complexo que comporta a aritmética, sempre existe uma proposição que não pode ser decidida e que, até mesmo a não-contradição do referido sistema não pode ser decidida. O paradoxo encontra-se também na vida social em sua escala macrofísica. Quando olhamos um indivíduo, a espécie desaparece, passa a ser uma abstração, mas, quando o olhamos no tempo, o indivíduo desaparece, desfalece é a espécie que permanece. O princípio da lógica dedutivo-indentitária deixou de ser absoluto, e é preciso saber transgredi-lo (MORIN, 2004: 565).

O paradigma da complexidade integra natureza e cultura que não podem mais ser vistos separadamente (inseparabilidade: tecnologia, homem, cultura e natureza), é como um sistema auto-organizativo com entropia – dispersão, mas impossível de separarmos e isolarmos como pretendia o cartesianismo. Não há variáveis isoladas na complexidade. Como ilustra Wigner em seu exemplo: "a medição da curvatura do espaço causada por uma partícula não pode ser levada a cabo sem criar novos campos que são bilhões de vezes maiores que o campo sob investigação". (WIGNER, 1970: 7).


O segundo princípio do paradigma astrológico, com o qual a modernidade simples rompeu de modo fulminante, foi o postulado da separação entre a esfera cósmica (celeste) de a esfera terrestre, que se manifesta na concepção de mundo geocêntrica que se harmonizou com a interpretação da Bíblia e foi reinterpretada pela teologia medieval principalmente por Tomás de Aquino.

 2) O princípio da separação do mundo físico do metafísico

Assim como para o mundo terrestre e físico temos as Leis da Física, para o mundo Celeste, Astrológico, o Céu, o Cosmos temos a quinta essência aristotélica. Ou seja, temos outras leis não físicas do extraordinário, do divino, do celestial, um lugar onde as leis da física não operam.

Veremos, a seguir, que Galileu substituiu, a partir da experiência, a ideia de espaço cósmico qualitativamente diferenciado, pelo espaço homogêneo e abstrato da geometria euclidiana. O ponto central para a derrubada do edifício aristotélico iniciado por Galileu e consolidado por Isaac Newton, consistiu na unificação entre o céu e a terra, ou seja, as leis que governavam os fenômenos terrestres governavam também os fenômenos celestes. Aristóteles com a ideia de quinta essência considerava o "céu" como uma substância perfeita e imutável, isto é, só na Terra poderia haver mudanças químicas e físicas como: água, ar e fogo.



A primeira grande ruptura produzida nessa concepção foi através da navalha precisa do raciocínio de Maquiavel, que demonstrou de modo realista a legitimação humana do poder. A segunda começou com Copérnico e Giordano Bruno e foi completada pelo moderno Galileu.

Concordamos, porém, com Ortega y Gasset de que o novo homem de ciência, começa a ser "moderno", quando se torna um homem novo, quando renasce (Ortega y Gasset,1989). Segundo Ortega y Gasset, o homem renasce após Galileu Galilei (1554-1642) e René Descartes (1596-1650).

Da crença numa terra plana, transitamos, graças aos modernos, para uma terra redonda, da terra imóvel localizada no centro de um universo finito, segundo Aristóteles, para uma terra que se movimenta como um peão, num cosmo infinito, do qual a terra é um simples satélite que gira em torno de uma estrela periférica localizada num pequeno sistema solar, presente no final da cauda da Via Láctea, numa modesta galáxia.

A modernidade simples nos fez habitantes de um mundo externo ao sujeito, ordenado, estável, com determinismo causal e, sobretudo, sem tempo, que tem uma estrutura implícita. Um mundo em que o sujeito exógeno observa, descreve, decifra e compreende os segredos intrínsecos dessa estrutura mecânica, através da mensuração metódica e objetiva.

Galileu, entre 1600 - 1609 desenvolveu as suas concepções que o levaram à geometrização da ciência do movimento e, segundo ele próprio, a criar duas novas ciências: 1) O Estudo geométrico da resistência dos sólidos e 2) O tratado sobre o Movimento. Em 1604, Galileu demonstrou a sua lei da queda dos corpos.


Assim a teoria matemática foi erigida dentro de um rigor passível de ser remodelada mais tarde pelos gênios modernos de Galileu que usou a matemática para representar a natureza, Kepler que usou ostensivamente a geometria em suas leis da mecânica celeste e Isaac Newton que foi o pai da física matemática que com ajuda isolada de Leibniz, que na verdade foi quem de fato quem criou os símbolos da integral e diferencial, Newton materializou posteriormente suas séries numéricas que fundamentou o cálculo variacional e a aplicação da teoria das equações diferenciais. Para isso, no entanto, os modernos precisaram que o conhecimento clássico pudesse ter sido conversado nos mosteiros através dos cuidados dos monges medievais. 


Uma de suas mais significativas contribuições à ciência não está numa descoberta particular, mas no fato de ter reabilitado em novas bases o método experimental, que andava esquecido desde os tempos de Arquimedes. Galileu, no Século XVI, deu início à ciência moderna e forneceu o suporte para a proposta newtoniana que ocorreria no século seguinte. O método "galileano" da verificação experimental permitia, inclusive, contrariar toda evidência não controlada, não laboratorial - a conjectura torna-se verdadeira se o experimento concordar com ela.

O método foi tão revolucionário que transformou a ciência em algo radicalmente novo. Antes dele, era praticamente evidente que a Terra estava parada e que ocupava um lugar privilegiado no Cosmos. Tudo o que ele tentou demonstrar contrariava a evidência. Deveria, portanto, ser falso. No entanto ele tinha razão. Era uma razão nova que se instituíra no mundo fazendo surgir uma nova forma de obtenção da verdade.


A divisão primordial da separabilidade, em que se assenta toda a ciência moderna, opera-se na distinção entre "condições iniciais" e "leis da natureza". As "condições iniciais" são um reino de complicações, de acidentes, no qual se faz necessário selecionar as condições relevantes dos fatos a serem observados. E as "leis da natureza" são um reino de simplicidades e de regularidades, onde é possível observar-se e medir-se com rigor. Essas distinções, concretamente, nada têm de "natural". Elas são completamente arbitrárias, conforme descreveu Eugene Wigner (Wigner, 1970: 3). Todavia é nelas que se assenta toda a ciência moderna.

Precisamos, pois, promover e realizar uma nova transdisciplinaridade, transitar de um paradigma que permite distinguir, separar, opor e, portanto, dividir relativamente os domínios científicos para outro, de modo que possamos fazê-los se comunicarem, sem que operemos a redução da simplicidade. O paradigma da modernidade simples é mutilante e insuficiente. É necessário um paradigma da complexidade que, ao mesmo tempo, separe e associe, que conceba níveis de emergência da realidade sem reduzi-los a unidades elementares e às leis gerais (Morin, 2000: 128).

Referências:

LIMA, Gilson. A Síndrome de Frankenstein: mitos e magias da moderna informação numérica. In: Revista de Educação, Ciência e Cultura.(1999: 79-86). Canoas; Centro Universitário Lasalle, v. 4, nº 1, Outubro de 1999.         [ Links ]

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MORIN, Edgar. O método 3: O conhecimento do conhecimento. Portugal: Publicações Europa-América, LDA, 1986.         [ Links ]

___.& KERN, Anne Brigitte. Terra Pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995.         [ Links ]

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___. LE MOIGNE, Jean Luis Le. A inteligência da complexidade. São Paulo. Editora Fundação Petrópolis, 2000b.         [ Links ]

___. A cabeça bem feita: repensar a reforma ó reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2000c.        [ Links ]

MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento ComplexoLisboa: Instituto Piaget, 2003.         [ Links ]

___. (org.) A Religação dos Saberes: o desafio do Século XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.         [ Links ]

ORTEGA Y GASSET. Em Torno a Galileu. Petrópolis: Vozes, 1989.         [ Links ]

WIGNER, Eugene. Symmetries and Reflections: Scientific EssaysCambridge: Cambridge University Press, 1970         [ Links ]


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