RELATO COMENTADO DE ATIVIDADE COM
STEVEN PINKER
Gilson Lima[1]
No dia 23 de março de 2009 estive, juntamente com o Professor Éder Silveira (IPA), em uma atividade muito interessante com Steve Pinker (Professor de Harvard). Ele esteve aqui em Porto Alegre e tivemos o privilégio de poder ouvi-lo expor suas ideias.
MEU COMENTÁRIO INICIAL
Gilson Lima[1]
No dia 23 de março de 2009 estive, juntamente com o Professor Éder Silveira (IPA), em uma atividade muito interessante com Steve Pinker (Professor de Harvard). Ele esteve aqui em Porto Alegre e tivemos o privilégio de poder ouvi-lo expor suas ideias.
MEU COMENTÁRIO INICIAL
STEVEN PINKER é professor de psicologia na Universidade Harvard (EUA). Ele é considerado uma das cem pessoas que mais influenciam hoje o mundo do conhecimento (certo exagero). De qualquer modo, seus três principais e grossos livros são: 1. Como Funciona a Mente (666 p.), 2. Tábula Rasa (684 p.) e 3. Do que é feito o pensamento (561 p.). São três clássicos da ciência cognitiva (da qual sou um modesto crítico). São livros que li e com os quais trabalhei, livros que foram e são fundamentais para minha pesquisa. Também são obras que marcaram e marcam ainda muito da hegemonia cognitivista na ciência e no conhecimento (não só da mente e do cérebro). Pinker também tem traduzido em português O Instinto da Linguagem (Ed. Martins Fontes).
Foi importante vê-lo fazendo pessoalmente a síntese de seus três livros mais importantes. Ele tratou, em síntese, de sua proposição sobre como a mente funciona (engenharia reversa); de como funciona a linguagem, da questão da Natureza humana (contrapondo John Locke e Leibniz, genética e comportamento) e por fim da obra que mais me interessa na pesquisa, a saber, aquela que trata do pensamento (em que ele abre mais espaço para a interação social).
1. Comecemos por sua abordagem de como funciona a mente
Pinker convida a ver o cérebro e a mente do ponto de vista da engenharia (para ele uma engenharia computacional sofisticada).
Ele chama a atenção para o fato de que, apesar do cérebro ser uma obra de engenharia muito complexa (hoje é impossível que um robô replique mesmo tarefas que o cérebro faz de modo muito simples), ele é também um aparelho com defeitos.
Por exemplo, comer minhoca dá nojo, mesmo que seja uma fonte muito razoável de proteína. Por que machos matam uns aos outros por poder? Por que tolos se apaixonam? Pinker então pergunta como funciona esse complexo dispositivo da mente. Para que serve? Como funciona isso? Para que foi feito?
Ele sugere, para entendê-la, que se adote a abordagem de engenharia reversa, ou seja, que se olhe o dispositivo por trás. Como se algum engenheiro da Panasonic pegasse um dispositivo da concorrente Sony e fosse estudá-lo para ver como funciona (de trás para frente, pegar as ferramentas e desmontá-lo, perguntando para que serve isso? Como funciona? Como foi projetado?...).
Pinker utiliza também da Teoria de Darwin (evolucionismo), segundo a qual o complexo dispositivo do cérebro foi se moldando, por exemplo, se tornou muito diferente nos 10.000 anos recentes depois da invenção da agricultura.
Ele dá exemplos.
O do olho humano é um deles. Quando olhamos um homem não portamos um homúnculo, um pequeno homem dentro do cérebro com um pequeno olho. Ele pergunta, então, quem enxergaria o homúnculo. Um homúnculo ainda menor? Segundo Pinker, não é assim que funciona.
Os olhos capturam pedaços de luz (fótons), milhares de fótons fluem em uma “superfície” (retina bidimensional). Quanto menor o ângulo, menos luz, que reflete mais ou menos sombra. O que o cérebro faz é trabalhar o inverso dessa lei. Pelo ângulo das sombras em uma superfície plana se calcula valores dos objetos e pessoas. Para isso o cérebro inicialmente pressupõe um mundo em superfície (sombras refletidas numa superfície plana). Depois o cérebro reconstrói as imagens. Por isso, segundo Pinker, passamos quatro horas olhando um vidro dentro de uma caixa (TV). Por isso as mulheres se maquiam (make-up) e fazem suas sombras. O cérebro adapta-se à superfície simulada como na TV. O cérebro se adaptou.
Outro exemplo é que o cérebro se adaptou ao anticoncepcional, que é um suicídio darwiniano (não procriar). Assim, o sexo, que significava quase automaticamente ter filhos, não significa mais.
Também os impulsos das emoções para comer doces provêm das frutas doces até inventarmos o açúcar. A partir de padrões aleatórios vão se conformando adaptações sobre a linguagem, a produção de sons, o poder de expressão.
Um parêntese: indícios nas cavernas européias e africanas indicam que os humanos tornaram-se mais humanos quando começaram a falar como nós falamos (linguagem abstrata e experiência do eu) há cerca de 35.000 anos. Fósseis também indicam (saliência encontrada perto da têmpera esquerda – área de Broca = linguagem) e o cérebro moderno triplicou de tamanho com o domínio complexo da linguagem (lobo frontal).
Os cérebros dos humanos e dos macacos possuem um mesmo padrão: são divididos em dois hemisférios e têm 4 lobos distintos: frontal, parietal, temporal, occiptal. Nos macacos os lobos occiptais (parte de trás do cérebro) são maiores do que os lobos frontais. Nos humanos esse padrão é invertido, o que implica também em uma diferente organização e criação da mente humana, oposta à mente do macaco.
Para Pinker não há um truque para entender a linguagem, mas dois. O primeiro foi oferecido por Ferdinand de Saussure (nascido em Genebra, em 26 de novembro de 1857). Quando falamos uma palavra memorizada ela vem direto do cérebro, do conceito ao som. Quando falamos pato, sabemos o que significa a palavra pato, assim como nas orações, que são computações de regras (algoritmos) operadas em tempo real. Por exemplo, com verbos regulares já sabemos o tempo do presente, do passado e do futuro pela regra (uma criança de cinco anos também). Uma criança saberia que irei é uma indicação de futuro de ir e de eu fui é uma indicação de passado. As sentenças têm predicados com verbos e adjetivos e mesmo não identificando cada uma das regras já sabemos o que significam.
Os verbos irregulares em inglês são aqueles verbos que não seguem a regra geral de formação do Passado e do Particípio Passado. No caso do inglês, a formação do Past e do Past Participle, de acordo com a regra geral, que se aplica a todos os demais verbos, se dá através do sufixo ed. Portanto, todo verbo em inglês que não seguir este padrão será classificado de irregular.
É por isso, então, que nos verbos irregulares (no caso do inglês Pinker citou o exemplo de verbos como saber [know], querer [mean], ver [see], ir [go]) o problema é mais complicado para a memorização, pois cada um dos verbos é conjugado fora da regra padrão dos verbos regulares. Deve ser memorizada a palavra, o léxico em si e não a regra. Tal é o caso de brought (trazido) ou de went (ido).
Segundo Pinker, em inglês existem 165 verbos irregulares (alguns dicionários variam, podendo-se encontrar 166) que devem ser memorizados como palavras e não através de regras. A memória, então, será a dos verbetes e não a das regras. Os verbos regulares são milhares. Pinker salientou que, embora os verbos irregulares se constituam em uma pequena minoria em relação a todos os verbos existentes na língua, a frequência com que ocorrem é muito alta, o que lhes dá uma importância significativa.
Como a memória de longo prazo funciona mais com a quantidade de uso e evocação da lembrança, quanto mais o verbo for acionado maior será a capacidade de lembrarmos e de acioná-lo novamente. Verbos com alta frequência permanecem irregulares e com baixa frequência transformaram-se em regulares.
Pinker também apresentou a suposição de que as palavras, os verbos, a língua também evoluem. Os conceitos, verbos, palavras são adaptados, recriados ou extintos. Na Idade Média lembrou que o inglês tinha o dobro de verbos irregulares.
2. Tabula Rasa e a natureza humana
Pinker começou sua exposição de síntese desse tema colocando o problema da contraposição entre genes e cultura. Ele nos interrogou e questionou sobre a explicação da ideia de natureza humana presente em John Locke (1632-1704), filósofo inglês. Segundo Pinker, “Locke afirma que não existe nada a priori no intelecto e que Leibniz contrapõe exceto o próprio intelecto”.
Vamos abrir um parêntese. A posição de Locke não é tão simplória assim. Vejamos: Locke criou a noção da visão inicial da mente na aprendizagem como uma “tábula rasa”, ou seja, nossa mente se encontraria vazia no nascimento e somente pela experiência efetiva de acontecermos no mundo é que gravaríamos informações e, assim, produziríamos conhecimento e saberes. Locke expressou essa posição mais precisamente na famosa passagem do Livro II, cap. I, seção 2:
Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel branco, desprovida de todos os caracteres, sem qualquer ideia; como ela será suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e que a ilimitada fantasia do homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde aprende todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra, da experiência.
Todo o nosso conhecimento está nela fundado e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento.
A teoria da tábula rasa é, portanto, uma crítica à doutrina das ideias inatas, formulada por Platão e retomada por Descartes, segundo a qual determinadas ideias, princípios e noções são inerentes ao conhecimento humano e existem independentemente da experiência. Pinker está correto nesse sentido e Locke, mesmo não partindo, realisticamente, do ser (dado como objetivo e natural), se voltou ao pensamento como fenômeno moldado pela experiência, que nos forma o “espírito” (mente) e que é como uma folha em branco, uma tábula rasa. No entanto, a experiência é para Locke dúplice, externa e interna:
1. A primeira realiza-se através da sensação, e nos proporciona a representação dos objetos (chamados) externos: cores, sons, odores, sabores, extensão, forma, movimento, etc. Nas ideias proporcionadas pela sensibilidade externa, Locke distingue as qualidades primárias, absolutamente objetivas, e as qualidades secundárias, subjetivas (objetivas apenas em sua causa).
2. A segunda realiza-se através da reflexão, que nos proporciona a representação das próprias operações exercidas pelo espírito sobre os objetos da sensação, como conhecer, crer, lembrar, duvidar, querer, etc.
Também as ideias ou representações para Locke dividem-se em ideias simples e ideias complexas, que são uma combinação das primeiras.
1. Perante as ideias simples – que constituem o material primitivo e fundamental do conhecimento – o espírito é puramente passivo;
2. Ao contrário, o espírito é ativo na formação das ideias complexas. O espírito é também ativo nas sínteses que são as ideias de relação, e nas análises que são as ideias gerais. Às ideias de relação pertencem as relações temporais e espaciais de ideias simples, os complexos nos quais estão integradas e a universalização da ideia assim isolada, obtendo-se, desse modo, a ideia abstrata (por exemplo, a brancura).
Na verdade Locke é, mais ou menos, nominalista. Para ele existem, propriamente, só indivíduos com uma essência particular e as ideias gerais não passam de nomes, que designam caracteres comuns a muitos indivíduos. Entretanto, os nomes que designam uma ideia abstrata têm um valor e um escopo práticos: auxiliar os homens a se conduzirem na vida.
Dado o nominalismo de Locke, compreende-se que para ele é impossível uma ciência verdadeira da natureza em moldes universais. É impossível também que se considere leis universais e necessárias do conhecimento do próprio conhecimento. Locke julga também inaplicável à natureza a matemática – reconhecendo-lhe, no entanto, o seu papel significativo na ciência. Ele, porém, não acredita na abordagem físico-matemática da natureza, à maneira de Galileu. Para Locke, mesmo que a ciência da natureza não nos desse senão a probabilidade, uma modesta opinião, seria útil enquanto prática.
É importante ressaltar que, mesmo sendo deveras reducionista a abordagem do empirismo na aprendizagem dos sentidos, apenas o fato de Locke afirmar a importância do aprender com o fazer ou a sua visão do próprio aprender como uma experiência é, em si mesmo, muito significativo para uma efetiva pedagogia da experiência.
Enfim, em um mundo ocidental acabamos por constituir duas grandes correntes do pensamento sobre o próprio pensamento: o Racionalismo e o Empirismo. Pinker nos lembrou da crítica de Leibniz e podemos encontrar uma clássica crítica ao Empirismo e de Defesa ao Racionalismo no livro Nouveaux Essais, de Leibniz. Nessa obra Leibniz ataca de forma direta o Empirismo de Locke. Uma das principais críticas dos racionalistas se refere às verdades da matemática e à lógica que se impõem a priori na experiência particular.
A tensão entre racionalismo e empirismo foi muito marcante na filosofia moderna e até a mesmo a filosofia e a ciência contemporânea beberam em suas fontes. Por exemplo, o empirismo e sua lógica foram reconstruídos, trabalhados, estudados e sistematizados pelo Círculo de Viena, cujos pensadores, como Popper e outros, procuraram conciliar os dois campos: a lógica dada imediatamente à razão (inata) e os dados com os quais a razão lógica trabalha, que é, por outro lado, o material obtido através dos “sentidos”. No entanto, essa é uma tensão ainda em aberto.
Voltando a Pinker, ele pergunta: O cérebro humano está programado ou pré-disposto a entender a linguagem? Não é apenas o ambiente que determina; ele lembra, por exemplo, que se colocarmos uma criança e um gato para aprender a falar a criança aprenderá a linguagem o gato não.
Pinker se volta contra os dois argumentos da tabula rasa: 1) Os universais humanos presente em todas as culturas; 2) A hereditariedade da estrutura cerebral e do comportamento.
Ele cita exemplo dos gêmeos idênticos (tipo zigotos com quase todos seus genes idênticos)[2]. No caso de gêmeos idênticos, mesmo colocados em ambientes separados, acabam expressando gostos e comportamentos também idênticos. Segundo o próprio Pinker é um certo exagero considerar que os gêmeos teriam uma mesma probabilidade para divorciarem, de fumarem ou não de usarem a mesma cor de casacos, de gostarem de loiras ou de morenas... De qualquer modo, Pinker afirma que é possível detectar muitos comportamentos comuns mesmo sem eles nunca se conhecerem. Para Pinker, grande parte do controle do cérebro é operado pelos genes. Isso limita a ideia que temos da experiência e da importância e influência do ambiente na formação e na educação das pessoas, ainda que Pinker em vários momentos defenda a educação como um ambiente altamente favorável para o desenvolvimento da linguagem e da inteligência.
Para Pinker, no entanto, mesmo o papel dos pais na educação é muito limitado e a tendência a violência, por exemplo, é parcialmente genética. Conforme Pinke, o ambiente e muitas conversas com os pais não ajudam muito. Mesmo se os pais espancam os filhos, o que fará com que eles se tornem mais violentos, a pergunta é: por que o pai em questão está espancando o filho? Não haveria uma tendência genética e se a resposta é positiva isso não teria implicações hereditárias e não vai de algum modo induzir comportamento violento também no filho? Um filho que não tenha essa tendência não terá uma resposta idêntica de violência, mesmo sendo espancado pelos pais, afirmou Pinker.
Para ele, pais falantes geram filhos com inteligência verbal maior. Os genes mais semelhantes são compartilhados e herdados. Pinker lembra que nossa pré-disposição para a linguagem não provém da cultura. Mesmo que não exista em todas as culturas os três modos clássicos de tempo (presente, passado, futuro) e nem todas as culturas tenham na sua linguagem o tempo verbal de pretérito e o de futuro, todas as culturas sabem quando estão se referindo ao presente ou então há um tempo zero e de algum modo operam uma medição do tempo (do que ocorreu – passado e do que poderá ocorrer – futuro). Mesmo uma criança diferencia tempos verbais e apenas alguns físicos (adultos) não distinguiriam o tempo em uma ordenação do tipo passado, presente e futuro, demonstrando uma outra complexidade física do tempo.
Enfim, a questão entre genes x cultura; programa x acaso, seja com lógica ou afetos, é um dos pilares básicos da abordagem de Pinker, com um forte peso para o sistema nervoso central.
Vamos então a um novo parêntese.
Até a metade do século XX predominava nas pesquisas do conhecimento a ciência do comportamento observável (mensurando pela observação o comportamento visível), que reduzia praticamente toda a aprendizagem ao limite estrito dos métodos públicos de observação que qualquer cientista pudesse aplicar. Mesmos os educadores críticos do behaviorismo não questionavam o postulado comportamental, ao contrário, mostravam ou tentavam demonstrar que os condicionantes do forte componente do cânone behaviorista na crença da supremacia e do poder determinante do meio ambiente não eram adequados. Questionava-se a disciplina e até mesmo as bases biológicas da memória condicionada pelo comportamento. Era interessante que os críticos da aprendizagem behaviorista criticavam a desconsideração dos comportamentalistas em relação à reflexão subjetiva ou à introspecção particular, mas desconsideravam toda e qualquer referência à biologia da aprendizagem. A crítica era também macro-comportamental.
A partir da metade do século XX surgem as ciências cognitivas com abordagens cognitivistas (mais computacionais; coincidentemente, os cognitivistas aparecem junto com o surgimento das máquinas computacionais), ou seja, a ideia de conhecimento se funde com a de cognição como tratamento de informação, conteúdo ou mesmo raciocínio e o processo do determinismo na aprendizagem se fixa ao contrário. Os problemas levantados pela organização da linguagem e da aprendizagem passaram a ser entendidos como referências de atividades cerebrais. Processos motores, sensórios ou até mesmo erros cometidos por indivíduos – por exemplo, lapsos verbais – são agora apenas processos cerebrais que incluem a antecipação e produção de palavras. Desconsidera-se o dogma dos behavioristas de que toda atividade psicológica pode ser adequadamente explicada apenas em termos de comportamento visível. Agora uma gama de comportamentos celulares e moleculares tornam-se referentes também para uma biologia da aprendizagem.
Para os cognitivistas todas as sequências comportamentais têm de ser planejadas e organizadas com antecedência. Assim, por exemplo, no caso da fala, os mais altos nós da hierarquia envolvem a intenção geral que provoca a expressão, enquanto a escolha da sintaxe e a produção real de sons ocupam nós mais baixos da hierarquia. O sistema nervoso contém um plano ou estrutura geral, dentro do qual unidades de resposta individuais têm de ser encaixadas de modo independente do feedback específico em um ambiente.
Para os cientistas cognitivos, ao invés de o comportamento ser consequência de incitações ambientais, processos cerebrais centrais, na verdade, precedem e ditam as maneiras pelas quais um organismo realiza um comportamento complexo.
Os cognitivistas desafiaram a análise comportamental corrente na época questionando dois grandes dogmas da análise neurocomportamental:
1. A crença de que o sistema nervoso encontra-se em um estado de inatividade a maior parte do tempo;
2. A crença de que reflexos isolados são ativados apenas quando surgem formas específicas de estimulação.
Para eles o sistema nervoso era constituído de unidades sempre ativas, hierarquicamente organizadas, com o controle emanando do centro e não de estimulação periférica, questionando assim a ideia de um sistema nervoso estático e afirmando as evidências existentes de um sistema dinâmico, constantemente ativo ou, melhor dizendo, composto de muitos sistemas interativos.[3]
É interessante lembrar também que quando Pinker pertencia ao Instituto Tecnológico de Massachusetts (Massachusetts Institute of Technology, MIT) compartilhava as suas dependências com um outro cognitivista muito conhecido, Noam Chomsky, um dos principais ativistas de esquerda norte-americano e criador da teoria da gramática universal ou transformacional (às vezes também chamada de gerativa ou transformacional-gerativa), que revolucionou os estudos da linguagem.
Noam Chomsky, nascido em 1928 na Filadélfia, é a personalidade viva com mais citações no Índice de Citações de Artes e Humanidades entre 1980 e 1992, além de ser autor de mais de 40 livros e mil artigos. Em seus estudos sobre o fenômeno lingüístico, Chomsky explora as fronteiras filosóficas e epistemológicas da linguagem. Para ele, a linguagem é um fenômeno biológico e pode ser estudada a partir de uma perspectiva internalista, ou seja, como fenômeno psicológico, retirando-se a ênfase em seu estudo como manifestação intersubjetiva e social. Conforme o próprio Pinker, “Chomsky também acredita que muitos significados de palavras são inatos” (Do que é feito o conhecimento, p. 118)
A teoria de Chomsky influenciou muitos cientistas. Um dos mais radicais defensores do inatismo é filósofo e psicólogo Jerry Fodor ,do MIT, que ajudou a lançar as bases da ciência cognitiva e a desenvolver o estudo científico da compreensão das frases. Na sua notória teoria afirma que nascemos com cerca de 50.000 conceitos inatos (uma interessante estimativa convencional do número de palavras do vocabulário de um falante típico do inglês). Pinker não chega a tanto ele propõe que a mente humana contém representações de significados mais básicos (não de palavras, mas de abordagem causal, de identificação de lugar, de identificação de meio ou fato), mas Fodor discorda para ele os significados das palavras são átomos, mas no sentido não quântico, ou seja, no sentido original de coisas que não se dividem. Como lembra o próprio Pinker o significado de matar nesse caso não é fazer morrer, mas matar mesmo e ponto, carregar é carregar e trombone é trombone, mesmo antes deles terem sido inventados.
Recentemente um outro lingüista Dan Everett e sua mulher produziram uma grande polêmica. Estudaram a tribo Pirahã, que vive às margens do rio Maici, em Rondônia, e que falam uma língua que aparentemente não é relacionada a nenhuma outra. Segundo Everett, os Pirahã não demonstram fazer uso de um recurso lingüístico que consiste em inserir uma frase dentro de outra do mesmo tipo, como quando o narrador combina pensamentos ("o homem caminha pela rua", "o homem está usando uma cartola") em uma única sentença ("O homem que está usando uma cartola está caminhando pela rua"). Everett, que já foi discípulo de Chomsky, insiste que não apenas os Pirahã são um "exemplo contrário" à sua teoria de Gramática Universal, mas também que não são um caso isolado.
Os Pirahã usam apenas oito consoantes e três vogais. Por outro lado, seu idioma possui grande variedade de tons, sílabas longas e sílabas fortes. Os índios podem usar estes recursos com vogais e consoantes juntas, cantando, cantarolando baixo ou assobiando conversas inteiras.
Mas os Pirahã não possuem palavras para designar números ou quantidades – termos como "tudo", "cada um", "cada", "muito" ou "pouco" -, algo que era considerado comum a todas as línguas. Os postulados da gramática universal indicam que tais termos são blocos comuns, básicos, do conhecimento humano. Como que uma criança que aprende uma língua já tivesse lugares apropriados para produzir paulatinamente blocos de significados e regras. Trata-se da ideia de que nascemos filogeneticamente programados para a linguagem. De minha parte acredito que afirmar que somos seres filogeneticamente programados para a oralidade é menos arriscado do que afirmar que o somos para a linguagem envolta em regras, causalidades e propensão à significação (recursividade; Interdependências entre elementos distantes; concordância, verbos auxiliares e flexão do verbo, deslocamentos – dissociação entre sítio da interpretação e sítio da pronúncia,...) como propõe os cientistas cognitivos.
Voltando à língua da tribo dos Pirahã, também ela não tem nenhum termo fixo para cores, não tem tempos verbais perfeitos, e os índios não têm tradição em artes ou desenho. Os fonemas (os sons que constróem as palavras) da linguagem dos Pirahã são extremamente difíceis, com sons lamentosos nasais, respirações curtas e precisas e sons feitos com estalos ou simplesmente por bater os lábios.
A natureza tonal do idioma também confunde: o significado das palavras depende de mudanças de volume. Por exemplo: as palavras para "amigo" e "inimigo" diferem apenas no volume de uma única sílaba.
Noam Chomsky criticou a dimensão midiática que "o caso dos pirahãs" teve e aos 78 anos ele disse que existem muitas confusões sobre a gramática universal. Em seu sentido moderno, o termo se refere à teoria correta da faculdade humana da linguagem. Nós todos reconhecemos que existe uma faculdade humana para a linguagem – que existe alguma diferença biológica com relação à linguagem entre uma criança e um gato e um chimpanzé ou um pássaro canoro, por exemplo.
Para ele, se essa faculdade não existe, então a aquisição linguística é um milagre. Se ela existe, por outro lado, não há razão para duvidar de que haja uma teoria correta sobre sua natureza. Chomsky afirmou que não há uma controvérsia sensível sobre a existência da gramática universal, assim como não há sobre a teoria correta do sistema visual.[4] Nos dois casos, como em toda a ciência, existem muitas questões sobre quais são as teorias corretas. Não há nada para ser "desautorizado".
Chomsky afirmou que fez pesquisas de campo no mundo todo e que seu departamento no MIT tem sido um dos grandes centros internacionais de pesquisa, inclusive em pesquisa de campo substancial, sobre uma ampla variedade de línguas do mundo – fatos esses bem conhecidos entre linguistas profissionais. Como um cientista tradicional, Chomsky também afirmou, em recente entrevista sobre essa polêmica, que “os assuntos humanos são complexos demais para que a ciência seja capaz de dizer muito sobre eles. As ciências sociais são úteis, mas não podem penetrar muito fundo” (Folha de São Paulo, 03/05/2007). Para Chomsky, muitas pesquisas de campo têm sido feitas por excelentes linguistas no Brasil e em muitas outras partes do mundo. Para ele parece haver uma confusão sobre esse assunto e suas conclusões sobre a existência de uma gramática universal não deveriam ser confundidas com a existência de uma teoria correta da faculdade lingüística humana. Se a língua pirahã acabou revelando características incomuns (assim como muitas línguas, como o inglês, por exemplo), então a gramática universal teria que ser modificada para acomodá-las, da mesma forma como ela está sendo constantemente modificada para dar conta de novas descobertas sobre outras línguas, inclusive sobre aquelas que são estudadas de modo mais amplo.
Voltando a Pinker e sintetizando, por fim, esse longo parêntese, não devemos nos esquecer da importância do surgimento da expressão dos genes pela equipe de cientistas de um pequeno laboratório – o de cristalografia – do Cavendish Institute de Cambridge (que contava com a intensa colaboração de Francis Crick e James Watson) em 25 de abril de 1953. A publicização da descoberta da estrutura do DNA no final de 1951 já tinha sido anunciada à comunidade científica, em um artigo conciso publicado na revista Nature. Trata-se do epílogo de um acontecimento de suma importância: a estrutura cristalina do ácido desoxirribonucléico e a existência de um possível mecanismo de duplicação do material genético. Isso teve implicações imensas para os cientistas da cognição e, principalmente, já no início da década de 80, a genética se torna uma variável determinante para o programa das ciências cognitivas, complementando ainda mais a opção da abordagem computacional da mente. Agora a abordagem computacional se integra com a informação genética (infogene), fortalecendo de modo muito claro o determinismo do sistema nervoso central contra o determinismo ambiental e cultural antes dominante dos behavioristas. Com a emergência da informação genética, a abordagem cognitivista reforçou-se ainda mais, utilizando-se de recursos de processamento informacional dos genes e da sua integração na programação da informação genética pela estruturação da natureza e do comportamento humano. A relativização histórica da dominância genética se efetiva nas ciências cognitivas também com a perspectiva evolucionista dos próprios genes. Fechado o parêntese.
3. Do que é feito o conhecimento
Nesse ponto Pinker iniciou sua defesa em torno da noção de linguagem indireta, para mostrar nesse seu último livro a importância também de sermos seres sociais. Para Pilker a linguagem é a janela da própria natureza humana.
Uma linguagem indireta, uma ironia, um clichê para uma cantada ou uma comunicação velada envolvem processos não tão explícitos de ameaça, seduções, subornos. Não são apenas os humanos que mentem, esse comportamento pertence à da natureza animal. Há animais que se camuflam para enganar a presa ou um predador. Há ainda a borboleta venenosa que se camufla de borboleta que não é venenosa, etc. E como lembra Pinker, os humanos também são animais, nós também mentimos, camuflamos.
A questão é que uma linguagem indireta dos humanos precisa de um determinado contexto para ser entendida. Pinker deu diversos exemplos em seu livro Do que é feito o comportamento, visando demonstrar isso, como o de que, ao se fazer barulhos ou apenas mover partes do corpo envia-se uma mensagem para alguém que esteja do outro lado da sala; ou a estratégia de locuções mentalmente invertidas como a de Woody Allen no filme Um sonho de sedutor, em que ele próprio entra em numa briga com uns sujeitos de bicicleta e conta aos amigos que bateu com o queixo no punho de um cara e que atingiu outro no joelho com seu nariz.
A linguagem implica, para Pinker:
1) Transferência de conteúdo e negociação de entendimento que envolve o contexto, o tipo de relação social e individual.
2) Dominância. Uma relação com a qual se preocupa.
3) Igualdade.
4) Reciprocidade: um para com o outro. Os biólogo chamam a isso de altruísmo recíproco.
Pinker exemplificou também com um ato de suborno, o de alguém que, para conseguir uma mesa em um restaurante lotado, oferece dinheiro ao Chefe dos Garçons.
No caso o chefe tem a dominância. O dinheiro possibilita a reciprocidade e ambos se tornam novamente iguais. Um Chefe dos Garçons corrupto possibilita a reciprocidade e, se ele não for mesmo corrupto, depois do oferecimento do dinheiro se restabelecerá a relação de dominância do chefe e será preciso, então, aguardar o lugar na fila.
Segundo Pinker, poderia ser oferecida uma propina ambígua: com uma nota de 20 dólares mal disfarçada na mão, se perguntaria se não houve algum cancelamento de reserva de mesa. Se o chefe for corrupto, resolve-se tudo dirigindo-se a uma mesa; se não for, precisaria haver maiores conflitos. O custo e o risco são menores.
Um parêntese. Aqui de algum modo Pinker entra em contradição com sua abordagem computacional e praticamente enfatiza que o conhecimento é feito efetivamente de uma dinâmica de interações sociais em contextos. Precisaríamos verificar, então, até que ponto essa sua abordagem não entraria em conflito com a de suas obras anteriores, que foram e são tão importantes para o programa da ciência cognitiva.
Vejamos, desde os primeiros dias da “Inteligência Artificial” (uma das áreas mais representativas das ciências cognitivas), um dos maiores desafios tem sido o de programar um computador para entender a linguagem humana. Apesar de gerarem múltiplos ganhos para a automação industrial e, sobretudo para a robótica, esses esforços traduziram-se em conquistas muito tímidas, se comparadas às ambições iniciais dos cientistas.
O próprio Pinker diz, em seu livro Do que é feito o pensamento, que “a flexibilidade cognitiva é uma benção, mas quando se trata de descobrir como a linguagem funciona, é mais uma praga” (p. 70). Uma mesma pessoa em um mesmo grupo em diálogo pode depositar um diferente significado sobre uma mesma sentença. Após várias décadas de trabalhos frustrantes sobre esse problema, pesquisadores estão começando a entender que os seus esforços estão fadados a continuar inúteis, pois o computador e a sua arquitetura digital não podem entender a linguagem humana em um sentido muito profundo e significativo. A questão é: a linguagem humana está embutida em uma teia de convenções sociais e culturais, a qual fornece um contexto de significados não-expressos em palavras. Os seres humanos entendem esse contexto, porque faz parte de um “senso comum”, mas um computador digital não pode ser dotado desse “senso comum”. Fechado o parêntese.
Finalizando, Pinker afirmou que a mente é o produto de uma engenharia muito complexa. Não adianta centrarmos nosso conhecimento apenas sobre o cérebro, precisamos também decifrar a mente, entendê-la, verificar sua evolução, a produção da linguagem e as regras da computação. Ele propôs a técnica da engenharia reversa e a aplicou demonstrando como funcionam os verbos regulares e irregulares na linguagem. Ele afirmou também que não podemos entender a natureza humana apenas pela criação e pelo comportamento e que existem pressupostos e programas universais que independem dos ambientes e do comportamento social e da cultura. Destacou, inclusive, que o papel dos pais é muito relativo na formação dos filhos e destacou o papel muito significativo da hereditariedade, da programação genética. Enfatizou também a evolução natural como de grande importância para a compreensão da mente. Por fim, ele afirmou que os seres humanos são sociais e demonstrou isso através da linguagem indireta, na qual o papel do contexto e da interatividade social é relevante para o conhecimento.
Foram dirigidos alguns questionamentos a Pinker. Vejamos.
1. A primeira pergunta foi sobre a neurociência e a psicanálise. Sobre os problemas e conflitos entre as duas áreas.
Pinker reagiu dentro daquilo que se espera de um cientista cognitivo. Reafirmou algumas posições de identidade com a psicanálise e descartou o que geralmente os cientistas cognitivos chamam de folclore científico (ele não usou literalmente essa expressão, mas é comum no meio).
Primeiro precisou que existe dentro da neurociência um campo específico denominado neurociência cognitiva, que se aproxima muito das ciências cognitivas, envolvendo descobertas e pesquisas com mapas de ressonâncias e pesquisas diversas sobre o cérebro, e que têm um nexo grande com a psicologia cognitiva que estuda a mente (eu diria aqui com as ciências cognitivas em geral). Alguns tradicionalmente confundem tudo (neurociências, ciências da mente, psicologia cognitiva,...).
Ele concorda com a psicanálise de que a maior parte do processamento mental é inconsciente. Admite também a importância do papel e do conceito de ego, mas não acredita que todos os meninos queiram fazer sexo com sua mãe ou que odeiem os pais (mito de Édipo).
2. A segunda pergunta foi sobre o papel das emoções e o problema da mentira na linguagem.
Pinker começou a responder a indagação dando como exemplo os palavrões. Um palavrão em uma língua, quando traduzido para outra, pode não significar nada.
Geralmente os palavrões têm relação com uma ofensa religiosa, uma explicitação de sexualidade, um xingamento de sons odiados, de ofensas às minorias, excrementos ironizados que envolvem nojo, temor, sátira, medo ou ódio. Trata-se de forçar o ouvido para a agressividade (um som perturbador). Não se pode fazer nada disso sem contaminação emocional.
Segundo Pinker, a linguagem tem implicações emocionais e gera comportamentos tomados e coloridos pelas emoções.
Um parêntese: as emoções nas ciências cognitivas são igualmente computações. Elas são complexas e geram reações muito difíceis de se replicadas, mas os cientistas cognitivos as entendem como processamentos informacionais também. Aqui temos novamente uma distância em relação aos cognitivistas. Não se pode converter ou transmutar e reduzir todo o processamento mental (e o que denomino de estados de mentitude) em computação. Fechado o parêntese.
Quanto à mentira, como Pinker expressou antes, para ele é natural e os humanos mentem, inclusive, para si mesmos. Mentir melhor exige prática e desempenho. Para Pinker um bom mentiroso deve acreditar que sua mentira é verdade. Nas interações as mentiras são processadas e detectores de mentiras são acionados (suor, nervosismo,...). Os detectores de mentiras e a capacidade de decifrar uma mentira de um bom mentiroso também vão se sofisticando e se desenvolvem sucessivamente.
3. A terceira pergunta foi sobre a violência.
Pinker começou demonstrando que hoje, ao contrário do que pode parecer, somos menos violentos. As taxas de mortes, de guerras entre nações, fenômenos altamente mortais, diminuíram muito. Com algumas exceções, depois da segunda grande guerra mundial não temos grandes guerras entre países. As guerras civis são muito menos violentas. Verificando a Europa, que possui estatística há centenas de anos, a taxa de homicídio caiu para apenas 10% do que era. Pinker afirmou que um inglês tem quase 100 vezes mais probabilidade de viver sem ser assassinado hoje. Nos Estados Unidos, que ainda é muito mais violento do que a maioria dos países europeus, houve também uma significativa queda de homicídios. Mesmo que tal taxa seja maior que a da Inglaterra, ainda é muito menor do que a da Idade Média. As penas de morte estão também sendo reduzidas no mundo. Nos Estados Unidos (um dos poucos países altamente desenvolvido que tem pena de morte) se matava antes por fofoca. Fofoca dava forca, morria-se por roubo de cavalo. Hoje nos Estados Unidos a pena de morte se aplica apenas a assassinato. Pinker afirmou que muito provavelmente não haverá mais pena de morte nos Estados Unidos.
Em síntese, os humanos ficaram menos violentos em relação às mortes. As guerras entre estados são mais obsoletas e as guerras civis são menos mortais.
4. A quarta pergunta foi sobre as pesquisas de Alzheimer.
Trata-se de uma doença de causa desconhecida que provoca a degeneração do sistema nervoso central, nas sinapses (envolve produção de placas de gorduras que rompem com as neurotransmissões). A doença é a causa mais frequente de demência e afeta, sobretudo, a memória. O sintoma mais evidente é a acelerada perda das capacidades intelectuais que naturalmente se encontra com o envelhecimento ou em decorrência de derrames. Ele acredita que até 2015 teremos a cura para o Alzheimer. Para a demência natural ele chamou a atenção do exercício mental. Não se trata de exercícios com pesos para músculos, mas de realizar exercícios constantes tentando sempre fazer melhor e se concentrando no que mais gostamos de fazer, porque também é provavelmente o que sabemos fazer melhor.
5. A quinta pergunta foi sobre a cultura do audiovisual.
Pinker afirmou que realmente temos hoje muito mais acesso a imagens. Lembrou que a escrita é também uma invenção recente, de apenas 5.500 anos apenas. O alfabeto com vogais é mais recente ainda. Hoje com a internet podemos, segundo ele, complementar a leitura de textos com a de imagens. Podemos ler um livro e um jornal no saguão do aeroporto com um audiovox ou um hiphone portátil. Para Pinker a cultura está indo em ambas as direções com imagens, texto e aumento da capacidade de escrever.
6. Houve ainda uma pergunta sobre se é importante colocar cedo uma criança na escola e a relação entre a escola e a leitura.
Pinker, apesar de ter defendido a relativização do ambiente na aprendizagem, enfatizou a importância da criança entrar o mais cedo possível na escola.
A escola vai ajudar a criança a aumentar o seu vocabulário e ampliar sua percepção de mundo. Uma criança com cinco anos já aprendeu seis mil palavras, uma palavra a cada duas horas. Com a escola esse processo se amplia ainda mais (conhecimento e mais percepção do mundo).
As crianças estão mais aptas nesse momento a aprender uma segunda língua. As áreas cerebrais que processam as diferentes línguas serão as mesmas se ela aprender nessa idade. Um adulto terá maiores dificuldades. Como a nova língua é processada em outra áreas, ele sempre acessa primeiro a língua padrão, a palavra mais próxima de sua língua materna. Até ele aprender de modo mais automático a nova língua, as operações são em áreas diferentes. A criança não. O mesmo podemos dizer sobre a música, as artes. Quanto maior a idade menor é a taxa de facilitação da aprendizagem, pois aprender passa a ser também desaprender e reaprender. Para a criança tudo é novo, novas conexões estão se formando.
7. A sétima pergunta foi acerca de sua posição sobre o anarquismo.
Pinker declarou que está longe do anarquismo. Ele se posicionou muito mais próximo de Hobbes. Disse que a anarquia gera violência, pois onde todos podem fazer qualquer coisa: eu tendo a atacar o outro com medo do que ele poderá me fazer. Ataco mesmo não querendo atacar, mas com medo de que ele poderá me atacar. Seria um mundo agressivo. Ele aposta mais na democracia e em governos democráticos de Estados e governos que não matem seus cidadãos.
8. A oitava pergunta foi sobre mente e corpo: existe autonomia entre a mente e o corpo?
Pinker, certamente, como a quase totalidade dos cognitivistas, é monista e não dualista (corpo/mente) e afirmou que as mentes estão ligadas aos corpos. Os antigos não sabiam que quando dormíamos o cérebro (e a mente) continua ativo, mesmo que aparentemente o corpo não estivesse nos sonhos e quando acordávamos tinham a impressão que saíamos do corpo para viajar, mas hoje sabemos que é o cérebro que está produzindo sonhos e reorganizando memórias.
NOTAS
[1] Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professor e pesquisador da Pós-Graduação e do Mestrado de Reabilitação e Inclusão da Rede Metodista de Educação do Sul (IPA), em Porto Alegre – RS. Pesquisador do CEDCIS – Centro de Estudos e Difusão de Conhecimento, inovação e sustentabilidade e pesquisador do LaDCIS – Laboratório de Difusão de Ciência, Tecnologia e Inovação Social. Colaborador do Núcleo de Violência e Cidadania do Programa de Pós-Graduação em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. E-mail: gilima@gmail.com.
[2] Homozigoto é um termo da genética para indicar que os alelos presentes em um locus genético são idênticos. Gene é uma fração de Ácido Desoxirribonuclêico (DNA) que está codificando um determinado peptídeo, como uma proteína. Por exemplo, em uma proteína com 1000 aminoácidos, pode ser que o aminoácido na posição 379 possa variar, sem que se descaracterize a proteína. O gene que indica na posição 379 o aminoácido glicina é um possível. O gene que indica na mesma posição o aminoácido alanina é outro possível. O gene é o mesmo, mas tem dois alelos diferentes. Se um indivíduo herda dos pais genes idênticos, ele é chamado de homozigoto. Neste caso, há dois genes indicando glicina na posição 379 daquela proteína. Se herda o gene da mãe diferente do gene do pai, ele é chamado de heterozigoto. Neste caso, um gene indica alanina e o outro glicina na posição 379 da mesma proteína.
A expressão heterozigoto ou heterozigóticos refere-se a pares de genes que apresentam uma característica diferente do outro, sendo sempre um recessivo (possui menor capacidade manifestar as suas características, apresentando-as apenas em homozigotia) e outro dominante (possui maior capacidade de manifestar as suas características).
Um organismo heterozigótico, apresenta para um determinado carácter, dois alelos diferentes do mesmo gene num mesmo locus em cromossomos homólogos.
[3] Lembramos do psicólogo canadense Donald Hebb, nascido em 1904 e falecido em 1985, que doutorou-se na Universidade de Harvard nos Estados Unidos da América em 1936. A partir de 1947 publicou Organização do comportamento. Segundo vários autores e cientistas importantes esse é um dos livros mais citados e menos lidos da neurociência – é presença quase obrigatória em listas de referências bibliográficas de trabalhos da área, mas as citações se referem sempre a um mesmo parágrafo sobre a “lei do aprendizado”. Mas a contribuição de Hebb foi muito maior. “Ele foi o primeiro a declarar que não existe a ditadura do neurônio único”, conta o renomado cientista Nicolelis. O que existem são circuitos. Como Hebb não tinha provas experimentais de suas teorias, porém, a publicação não teve impacto imediato. “Ele criou uma nova era sem que ninguém percebesse”, afirmou Nicolelis.
Lembro também de Humberto Maturana. Um biólogo (Neurobiologia), filósofo, chileno, crítico do Realismo Matemático e criador da teoria da autopoiese e da Biologia do Conhecer, junto com Francisco Varela, faz parte dos propositores do pensamento sistêmico e do construtivismo radical.
Desafiando o domínio da ciência cognitiva, onde se situa Humberto Maturana? Ele desafia os cognitivistas, pois mesmo concordando, como biólogo, cim a primazia do sistema nervoso para a aprendizagem, discorda veementemente do representacionismo que compartilha da noção de que capturamos através dos sentidos um mundo que é dado de antemão, com relação aos quais nossos esforços devem ser então de descoberta, desvendamento ou revelação do que está oculto.
Maturana fala do sistema nervoso em relação ao conhecimento, mas não meramente em termos de neurônios e impulsos nervosos, mesmo sabendo de sua importância. Ele está interessado em uma dinâmica mais complexa do fenômeno do conhecer. Ele foi um dos que mais contribuiu para a consolidação da ideia de sistema nervoso como um sistema fechado, ou mais precisamente, para a visão do ser vivo como um sistema fechado (autopoiese). Ele defendeu uma conexão complexa entre o sistema nervoso junto ao organismo. Os dois sistemas, organismo e sistema nervoso, para ele são um sistema complexo que opera com conservação da organização, como um sistema fechado, como uma rede de produções de componentes no qual os componentes produzem o sistema circular que os produz. Por isso Maturana afirma que viver é conhecer. No momento em que o organismo não está mais em congruência com sua circunstância, morre — acaba o conhecimento de sua circunstância. Mas a pergunta é: como relacionar o fechamento do sistema nervoso e o fechamento do organismo com o conhecer? Como pode o fechamento desses sistemas gerar o conhecer? O que acontece com a ideia tradicional de sistema nervoso como um sistema aberto que capta informações pelos sentidos e com elas constrói representações internas do mundo exterior?
Humberto Maturana nega a noção de representação no momento em que encara o sistema nervoso como um sistema fechado. A noção de representação se acaba no momento em que para ele a atividade da retina não pode ser correlacionada com as características do estímulo: o que se pode correlacionar com a atividade da retina é o nome dado à cor. Portanto, a cor, a experiência cromática, deixa de ser uma representação do mundo, passa a ser uma configuração do mundo. Segundo o próprio Maturana:
A representação é um comentário do observador sobre a correlação entre organismo e circunstância. Sempre que eu encarar um sistema em congruência com sua circunstância e olhar a correlação entre sistema e circunstância, eu posso falar do operar do sistema como se ele operasse com uma representação de sua circunstância (Maturana, Ontologia da Realidade).
É uma mudança radical na maneira tradicional de ver as coisas. Tradicionalmente concebemos a linguagem como sistemas de signos e regras que os falantes manipulam. Para Maturana antes de signos e regras tem que haver a linguagem para que surjam os signos ou as regras porque as regras, os signos e símbolos são resultados desse operar. E isso completa o círculo (linguagem -> signo e regras -> observação como experimentação do conhecer -> expressão compartilhada do saber).
Experimentar o saber envolve para Maturana uma bioneurologia das emoções. Assim, Maturana, apesar de enfatizar a cognição e os aspectos biológicos da cognição, afasta-se da hegemonia das ciências cognitivas por entender que o processo de conhecer tem uma base biológica mais complexa do que meramente computacional. A complexidade do humano é muito mais ampliada e envolve entrelaçamentos múltiplos de ser com as emoções e a razão. Interagir entre símbolos e regras são processos secundários perante a linguagem e para ele, todo sistema racional se constitui no operar com premissas previamente aceitas, a partir de uma certa emoção.
Hoje, descobertas recentes apontam evidências cada vez maiores que sugerem que o cérebro não é computacional, tal qual pensavam os ciberneticistas da inteligência artificial. Além de todo o processamento químico e emocional, a lentidão dos processos cerebrais e a imensa capacidade de esquecimento são apenas alguns dos fatores mais comuns que diferenciam substancialmente e funcionalmente o cérebro humano de um modelo computacional. Os estados de mentitude não se reduzem a computação. Alguns processos mais primários como os motores podem ser reduzidos a processamentos computacionais e elétricos, mesmo tendo na sua origem hibridizações químicas sofisticadas.
Foi o cognitivismo informacional que acabou por nos levar a privilegiar muuito na pesquisa cérebro-mente o papel do neurônio (essa frágil e complexa célula informacional). No entanto, o cérebro é formado também por células glias, nove vezes mais numerosas que os neurônios no próprio cérebro e no resto do sistema nervoso. Cada vez mais descobrimos que elas desempenham um papel muito mais importante do que se imaginava para os processos mentais.
Um dos mais respeitáveis cientistas que examinaram seções do cérebro de Einstein foi Marian Diamond, da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Diamond não encontrou nada de incomum em relação ao número ou ao tamanho de seus neurônios. Mas, no córtex de associação, responsável pelo conhecimento de alto nível, descobriu um número surpreendentemente grande de células conhecidas como glias - uma concentração muito maior do que a encontrada na média dos Alberts por aí. Mera coincidência? Talvez não. Evidências cada vez maiores sugerem que as células glias desempenham um papel muito mais importante do que se imaginava. Durante décadas, fisiologistas se concentravam nos neurônios como os principais comunicadores do cérebro. Achava-se que as células glias, apesar de superarem os neurônios na proporção de nove para um, tinham somente papel de manutenção: levar nutrientes dos vasos sanguíneos para os neurônios, manter um equilíbrio saudável de íons no cérebro e afugentar patógenos que tivessem escapado do sistema imunológico. Com o apoio das células glias, os neurônios ficavam livres para se comunicar por meio de pequenos pontos de contato chamados sinapses e para estabelecer uma rede de conexões que permite pensar, lembrar e pular de alegria.
Os cientistas e estudiosos da mente ainda estão cautelosos e evitam atribuir importância à glia rápido demais. Apesar disso, estão entusiasmados com a perspectiva de que mais da metade do cérebro permanece inexplorada e pode representar uma mina de ouro em informações sobre o funcionamento da mente.
[4] Para Chomsky a faculdade de linguagem é considerada "um órgão da mente" – the language organ tal como o sistema visual, o aparelho digestivo, o sistema imunológico ou qualquer outro órgão – decorrente, portanto, de uma dotação genética específica e exclusiva da espécie humana. Como todos os demais órgãos, é um sistema internamente complexo, com subsistemas internos distintos (fonologia, sintaxe, semântica, pragmática, ...).