Saiu um artigo meu na Revista Sociologia Número 73 nas Bancas. Título: A Televisão provoca violência?
“Saiba mais sobre o poder de 18 mil horas de TV em crianças e adolescentes"...; implicações nas modulações cerebrais. Começamos afirmando que as respostas não são assim tão fáceis. O cérebro está sempre aprendendo, também aprende no cinema, na televisão, na tela do computador, do celular e smartphone.
Desde os primórdios da tecnologia da comunicação humana foram criados que existem também expressões de violência neles. Encontramos expressões desde as primitivas pinturas dos humanódies nas cavernas hexâmetro à xilogravura, nas primeiras expressões pictográficas da escrita, na Bíblia, até ao vídeo e à expressão gráfica da Internet a www (World Wide Web). No entanto, gostaria de responder sobre qual a relação entre representação de violência em filmes ou televisão e a aprendizagem?”
http://www.escala.com.br/sociologia-ciencia---vida-ed--73/p
Gilson Lima
“Saiba mais sobre o poder de 18 mil horas de TV em crianças e adolescentes"...; implicações nas modulações cerebrais. Começamos afirmando que as respostas não são assim tão fáceis. O cérebro está sempre aprendendo, também aprende no cinema, na televisão, na tela do computador, do celular e smartphone.
Desde os primórdios da tecnologia da comunicação humana foram criados que existem também expressões de violência neles. Encontramos expressões desde as primitivas pinturas dos humanódies nas cavernas hexâmetro à xilogravura, nas primeiras expressões pictográficas da escrita, na Bíblia, até ao vídeo e à expressão gráfica da Internet a www (World Wide Web). No entanto, gostaria de responder sobre qual a relação entre representação de violência em filmes ou televisão e a aprendizagem?”
http://www.escala.com.br/sociologia-ciencia---vida-ed--73/p
Gilson Lima
Gilson Lima
Desde que os meios de comunicação social existem, que existe também representações de violência neles. Em Homero e
Shakespeare há representação de violência da mesma forma que na
Bíblia ou em pinturas antigas desde o hexâmetro à xilogravura, até ao vídeo e à
www (World Wide Web). No entanto, gostaria de responder sobre qual a relação
entre representação de violência em filmes ou televisão (e recentemente no
computador) e a aprendizagem?
Infelizmente, as respostas não são assim tão fáceis. O cérebro está sempre a aprender, também aprende
no cinema, na televisão e na tela do computador.
Concentrarei, sobretudo, num meio, a televisão,
devido à sua ampla distribuição e sua grande abrangência
e significado social.
Os dados abaixo
publicados sobre violência na televisão utilizam, essencialmente, os dados dos
EUA já consolidados e amplamente difundidos. Vejamos: os estudantes americanos gastam, até final da
escola secundária (ou seja, 12 anos escolares), aproximadamente 13 000 horas na escola e 25 000
horas em frente de um televisor. Calcula-se que, desse total, 18 000
horas podem ser designadas como «aprendizagem
visual dominada pela violência» (Barry, 1997, p. 301).
A Associação
Médica Americana calculou que uma
criança, até final da escola básica, já
viu mais de 8000 homicídios e mais de 100 000 cenas de violência. Foi também
calculado que as crianças que vivem
em casas com televisão por cabo, até aos 18 anos já viram 32 000 assassinatos e
40 000 tentativas de assassinato e que estes cálculos ainda são mais elevados
para determinados grupos sociais nos grandes centros citadinos (Barry, 1997, p.
301).
Com este conjunto de dados, existem
pesquisas pormenorizadas relativamente aos
conteúdos mostrados na televisão. Assim, num dia típico da semana (quinta-feira, 2 de Abril, 1992), em Washington, foi escolhido o
programa dos dez canais de
televisão com mais audiência, das seis horas da manhã até à meia-noite e foi
analisado o seu conteúdo. O
total das 180 horas de televisão incluíram 1846 atos de violência explícita,
dos quais 751 com situações de ameaça de morte e 175 com desfecho de morte.
Não só as próprias cenas de violência
como também o seu contexto deve ser classificado como maximamente desfavorável
para o desenvolvimento das crianças. Uma avaliação de cenas de violência num
conjunto de 2500 horas de programas
de televisão evidenciou que o culpado não foi punido em 73% dos casos (Wilson e col, 1997, p. 141). Mais de metade (58%) de todos os atos de
violência foram apresentados sem qualquer consequência negativa relativamente a danos. Apenas em 4% dos casos, foram
mostradas alternativas de resolução do problema sem recurso à violência (Wilson e col., p. 128).
O comportamento
das crianças também foi avaliado de muitas formas, em grupos de controle, tanto
por meio de observação em situações naturais de jogo como também por meio de
perguntas aos professores, crianças e jovens. Verificou-se que nesse período de dois
anos, nas comunidades em que tinha sido introduzida a televisão, de acordo com
observações e questionários, o nível de agressão aumentou: a agressividade verbal duplicou,
a agressividade física quase que triplicou (um resultado altamente significativo).
Isto verificou-se tanto em rapazes como em raparigas, em todas os níveis etários. Verificou-se
uma relação entre o tempo que as crianças e os jovens tinham passado a ver
televisão e a disposição para a violência. Pelo contrário, o nível de violência
em ambas as comunidades de controlo ficou igual (Joy e col., 1986).
Também existem consequências,
a longo prazo, da violência na televisão. Os dados mais importantes resultam das pesquisas de Eron e Huesmann (1986), que orientaram um estudo prospectivo,
a longo prazo, em 875 jovens num período total de 22 anos (!), desde 1960 até
1981.
Os referidos jovens, que na primeira
pesquisa, aos 8 anos, viam muitas cenas de violência na televisão, foram catalogados
pelos seus professores como tendo maior probabilidade de serem cruéis e
agressivos. Estes mesmos jovens, aos
19 anos, tinham maior probabilidade de ter situações de conflito e, aos 30
anos, tinham também maior probabilidade de serem julgados por atos criminosos
violentos ou exerciam violência contra cônjuges e filhos.
O estudo mostrou
claramente que a quantidade de cenas de violência que as crianças de 8 anos tinham visto na
televisão permitiam predizer a violência destas crianças quando adultas.
Mostrou também o seu efeito nas gerações seguintes, no sentido em que os jovens
que aos 8 anos já tinham visto mais violência na televisão tinham maior probabilidade
de agredirem mais tarde os seus filhos.
Os resultados
destes estudos são importantes. Contudo, a questão sobre se a violência na
televisão conduz a mais violência na vida real não é possível de responder com os referidos estudos,
porque podem sempre ser incluídos, a nível puramente teórico, outros fatores,
que talvez tenham uma influência que não foram controlados. Contudo, estas
pesquisas muito bem orientadas metodologicamente permitem estabelecer esta
relação com segurança. Este é particularmente
o caso, quando consultamos os resultados de estudos, que foram orientados com outros pressupostos
metodológicos de fundamentação. Estas novas metodologias de pesquisa do
conhecimento são, por um lado, experiências de laboratório e, por outro lado,
os chamados estudos de campo. Apresentamos em seguida exemplos dos dois tipos
de
Centerwall
(1989a,b) pesquisou a relação entre a introdução da televisão e a frequência de homicídios na
população branca dos EUA, no conjunto da população do Canadá (97% branca) e na
população branca da África do Sul. Depois de se ter introduzido a televisão nos
EUA e no Canadá, na década de 1950, verificou-se uma duplicação dos homicídios
num período de 10-15 anos. Durante o mesmo período de tempo, o número de
homicídios na África do Sul diminuiu
em 7%. Depois da introdução da televisão neste país, no ano de 1975, os
homicídios aumentaram, até 1987, 130%. O autor comenta:
«Se a televisão nunca tivesse sido introduzida, existiriam atualmente, nos EUA,
anualmente, menos 10 000 homicídios, menos 70 000 violações e menos 700 000 delitos com ferimentos noutras pessoas.» (Centerwall, 1992, p.
3061, tradução do autor.)
Outro autor compara a fixação da mente
no ecrã com uma meditação budista, cujo alvo fosse esvaziar o espírito e
libertar as preocupações terrenas:
«Um texto [budista] diz-nos que... devemos meditar
por meio da concentração num arco-íris.
Os acontecimentos entre o acordar e o [à noite] tempo de televisão
são as nossas preocupações terrenas. A televisão é o nosso arco-íris. A televisão induz em nós um estado que se parece muito com a qualidade
da meditação. Por isso vemos muita televisão.» (Fowles, 1992, p. 244;
tradução do autor.)
A citação torna claro que, apesar dos
resultados contraditórios de abuso de violência resultantes da investigação
empírica, até hoje é argumentado, de
forma ainda não contestada, que há um efeito positivo da televisão no potencial
de violência.
Dessensibilização
Quando os
organismos estão permanentemente expostos a um determinado estímulo ou a uma
determinada classe de estímulos, a reação a estes estímulos vai sempre
diminuindo. Falamos de dessensibilização. Trata-se também de uma forma de aprendizagem. O fenômeno
existe em diferentes espécies e é relativo a diferentes classes de estímulos,
entre outros, também, para a pessoa e a violência.
As investigações mostraram,
respectivamente, que quem vê sempre filmes de violência reage menos fortemente às cenas de
violência nesse filmes (Cline e col, 1973). O comportamento é generalizado do
filme para a realidade (Thomas e
col., 1977). A observação permanente da violência na televisão leva a que as formas
de comportamento violento no espectador subam mais do que o normal. Não só a experiência e as reacções vegetativas mas também o
comportamento da pessoa
mudam de forma correspondente, tal como, em 1992, a Associação Americana
de Psicologia (American Psychological Association, APA) colocou a questão. Em resumo: a
observação de violência leva a comportamentos de embotamento
e de indiferença face à violência.
Crianças em frente da televisão
Afirma-se muitas vezes que as crianças podem distinguir muito bem entre a realidade virtual e a real. Talvez
possamos afirmar isto em relação às crianças mais velhas, mas não relativamente
às mais pequenas, até aos 8 anos, que têm muitas dificuldades em distinguir a
realidade da fantasia. Pesquisas americanas e canadianas, em crianças em idade
escolar mostraram efeitos da aprendizagem
tornam-se crônicos e permanecem até à idade adulta (Centerwall, 1992). Também as crianças mais velhas e, não menos
importante, os adultos,
podem aprender com as imagens televisivas como aprendem por meio
de imagens reais.
A observação da violência é para nós
um exercício de aprendizagem, tal como olhar borboletas ou folhas: quem já viu
milhares delas, de fato já não as distingue, porque já conhece o processo. Para
falar de violência na televisão, sejamos breves e pragmáticos: quem vê filmes
de terror e de violência aprende horror e violência. A longo
prazo, ele cruza-se, passo a passo, com o horror e a violência. Ainda mais: o
aprendido influenciará o seu comportamento e, assim, a vida social na sociedade em geral.
Quem refere que
as crianças e os jovens podem separar bem a televisão do mundo real, deve lembrar-se que também
alguns adultos se transformam em atores, para responderem às questões da vida,
não como espectadores, mas desempenhando na vida real os papéis que vêem na
televisão - pai, médico, conselheiro - ou seja, personificando os papéis.
Conclusão: violência como poluição ambiente
É surpreendente
que até hoje a relação entre violência na televisão e violência nas crianças seja contestada, cada vez
mais, pelos jovens e mais tarde pelos adultos. Apesar da enorme controvérsia na
discussão deste tema sensível, a reflexão dos métodos de investigação utilizados (e assim a fiabilidade dos resultados dos
próprios estudos) é de grande significado. Podemos considerar, na perspectiva do design dos estudos, em princípio, três
tipos de pesquisas diferentes: experiências de laboratório, estudos de campo e estudos em
condições naturais. Todos têm as suas vantagens e
desvantagens.
Nas experiências de laboratório, em que um grupo via vídeos de violência entre crianças e o outro via vídeos sem violência, foi observado um claro
efeito de aprendizagem de violência. Estas experiências apontam para razões-efeitos-relações entre a televisão e a violência, de forma clara. A desvantagem das experiências de
laboratório são a «artificialidade» do setting,
o que essencialmente deveria conduzir a uma subavaliação do efeito real da televisão, pois
em casa vê-se mais televisão do que no laboratório e no laboratório não são identificáveis
os efeitos a longo prazo da televisão.
Nos estudos em condições naturais, foram pesquisados, por exemplo, os efeitos da introdução da televisão numa comunidade ou num país. Às
vantagens das condições de um estudo em ambiente natural e prováveis grandes números de casos, opõe-se
a desvantagem de não controlo de muitas condições de pesquisa.
Entre as
experiências de laboratório e os estudos em ambiente natural, ficam os estudos
de campo. Através de uma divisão aleatória de grupos, eles possuem uma melhor
significância (através da eliminação de uma influência de seleção
disjuntiva), do que os estudos em ambiente natural e, pela observação no mundo real (vê-se televisão ou não; o comportamento é observado e avaliado nas
condições normais de vida), a artificialidade do laboratório é evitada. Contudo,
também os estudos de campo têm as suas desvantagens, pelo que todos
se devem complementar reciprocamente. O método de laboratório permite a
precisão, olhar o comportamento ao microscópio; contrariamente
aos estudos de campo e aos estudos em condições naturais, há uma correspondência entre os dados obtidos no laboratório e o mundo
real.
Os resultados
obtidos com os referidos métodos são claros: há uma relação manifesta entre a
observação de violência na televisão e a violência no mundo real. O que é
perverso nesta relação - à semelhança da relação entre o fumar e as doenças
pulmonares - é o atraso de pelo menos um ano. Se a violência aumentar, já será
muito tarde.
Na perspectiva
neurobiológica, a violência fala de procedimentos instintivos de dedicação da
atenção, embora as crianças não possam mostrar mais nada além destes
conteúdos que deveriam ser eliminados. A neuroplasticidade do cérebro,
fortemente impregnada na idade infantil, causa portanto a construção de representações
correspondentes nos mapas corticais portadores de sentido a nível superior
nos adolescentes, que precisamente desta forma ficam instalados para operar efetivamente nos comportamentos futuros.
Também é muito
significativo que nos organismos em que estão instalados de forma permanente um
determinado estímulo ou uma determinada classe de estímulos, a
reacção emocional a esses estímulos vai decrescendo cada vez mais. Falamos de
dessensibilização. O fenômeno é válido para diversas espécies e em diversas
classes de estímulos, entre os quais também as pessoas e a violência. Os estudos
empíricos podem mostrar: 1) quem vê continuamente filmes de violência reage
menos às cenas de violência apresentadas nos filmes; 2) o comportamento
generaliza-se do filme para a realidade; 3) a permanente observação de violência na
televisão leva a que as formas de comportamento violentas aumentem no
observador mais do que o normal; 4) o comportamento da pessoa muda no mesmo
sentido. Em resumo: a violência na televisão leva a uma fundamentação da nossa disposição neurobiológica para mais violência no mundo.
O que se segue?
Virá o tempo em que nós vamos ouvir negar sistematicamente estas relações. Devemos compreender que a violência na televisão tem
o mesmo valor na nossa sociedade, que, por exemplo, a poluição: se os comportamentos
de produção abandonarem o mercado livre, sobrevive quem produzir mais barato, o
que significa o mesmo que produzir da forma mais suja. Ninguém quer um ambiente
poluído, mas sem vontades políticas de todos e sem regras adequadas, só
sobreviverão no mercado aqueles que produzirem mais barato na opinião mundial. O mesmo se passará
com o comportamento com os negócios de televisão, que vivem de contributos
mundiais e são avaliados por quotas de audiência. A violência mostrada capta
uma quota elevada de audiências, o
que leva a que, a longo prazo, só sobrevivam no mercado aqueles que chamam a atenção do espectador com esses meios.
Os países
ocidentais industrializados tomaram conhecimento de que devem ser tomadas medidas
sobre aspectos do meio ambiente - poluição ambiente, micropoeiras ou
DDT - que têm efeitos complexos e a longo prazo, mas que podem controlar o nosso meio ambiente e, em
última análise, a nossa vida. A continuidade da violência nos meios de
comunicação, nos nossos mapas corticais não é - como acima indicado - menos
dramática. Haverá tempo que nós teremos de refletir numa perspectiva de
austeridade de alimentação visual-mental
das nossas crianças, de uma forma séria. Não devemos minimizar o assunto.
E ainda o
seguinte: quem, como reação aos 16 mortos de Erfurt em 26 de Abril de 2002,
continua a utilizar armas, está errado. Facas de cozinha, navalhas ou aviões de
passageiros não podem ser proibidos, e no entanto também podem ser utilizados, letalmente, como
acontece com as pistolas e outras armas. De facto e de forma duradoura podemos lutar contra a
violência quando oferecermos às
pessoas uma perspectiva mais alargada de possibilidades de resolução de conflitos, certamente um
material de aprendizagem muito melhor do que aquele que é fornecido pelos meios de comunicação.
A indústria
(Hollywood, proprietários de redes televisivas, realizadores de programas,
etc.) fala de autocontrole voluntário, da responsabilidade dos pais e afirma defender o direito de liberdade
de opinião. Os próprios meios de comunicação disfarçam as circunstâncias e
minimizam a miséria. Poucas semanas antes dos acontecimentos em Erfurt, a Focus (n.° 12; 18 de Março de 2002)
publicou um artigo sob o tema: «As crianças devem ver televisão». Nele
argumentava-se que as crianças que não veem televisão podem ser marginalizadas
nos grupos. Mas quando, como a academia pediátrica americana referiu, as crianças até aos 18 anos, nos EUA, já viram 200 000 atos de
violência, só na televisão, talvez fosse melhor que todos nós fôssemos
marginalizados!
Pos scriptum: jogos de computador - aprender
pela ação
Há cerca de 25
anos, surgiram os videojogos como uma coisa inofensiva; jogávamos
amigavelmente pingue pongue, Tetris ou Pacman. Isto alterou-se num período de apenas 10 anos, com o
desenvolvimento sempre crescente do computador. Em 1993, durante a época do Natal, a
festa da paz e do amor, apareceu à venda nas lojas um videojogo de
violência muito realista, que foi um êxito de vendas. O herói não disparava apenas
contra discos voadores virtuais; não, ele decapitava os seus inimigos e
arrancava-lhes o coração do corpo. Em jogos como Mortal
Kombat, a morte do inimigo é
claramente o alvo. Como uma análise comparativa de 33 videojogos Nintendo e Sega evidenciou, temos conteúdos de aproximadamente 80% de violência e agressão, sendo 20% de conteúdos explícitos de violência contra mulheres (Dietz, 1998).
Ao contrário do
número enorme de estudos empíricos relativos ao efeito de apresentação de
violência na televisão, a literatura científica sobre jogos de computador e de
vídeo ainda é muito vaga. Também aqui, na perspectiva dos jogos de
computador é sempre alegado que - contrariamente ao que é verificado claramente sobre
a televisão - «os jogos de vídeo podem ser úteis e podem ajudar a que as energias
agressivas sejam reprimidas» (Emes, 1997, p. 413; tradução do autor).
Neste preciso
cenário de fundo, a pesquisa descrita a seguir, de Anderson e Dill (2000), tem grande significado,
pois ela mostra como uma das mais significativas
formas de ocupação de tempos livres da nova geração funciona sobre o seu
pensamento, sentimentos e comportamentos. Os autores referem que jogos
repetidos de violência levam, a longo prazo, à aprendizagem de emoções,
pensamentos e disposição para comportamentos correspondentes. Eles
descrevem-nos como segue:
«Os efeitos a longo prazo da violência nos meios de
comunicação são o resultado do desenvolvimento, da sobre aprendizagem e do
fortalecimento de estruturas de conhecimento dos que exercem a
agressão. [...] De cada vez que as pessoas jogam jogos de vídeo violentos,
repetem programas de comportamento agressivo, que ensinam e
intensificam a atenção contra o inimigo, no sentido de uma mudança perceptiva.
Por vezes, aquilo que foi aprendido e intensificado transforma-se em ações agressivas
contra os outros, expectativas de que outros actos agressivos sejam realizados e
que a resolução de conflitos com
recurso à violência seja significativa e eficaz. A exposição repetida a
situações visuais de violência conduz em direção a um embotamento face à
violência. A criação e automatização de estruturas de identificação com o
agressor, tal como a dessensibilização, levam por fim a uma mudança de
personalidade.» (Anderson e Dill, 2000, p. 774, tradução do autor.)
Os autores
orientaram duas pesquisas com metodologias complementares diferentes. Numa
primeira pesquisa, foi avaliada a relação entre violência e não violência no
jogo de vídeo e uma série de variáveis - como irritabilidade, agressividade,
delinquência, opinião subjetiva sobre criminalidade e segurança pessoal - numa
sequência de estudo em 227 colegas estudantes (78 homens, 149 mulheres),
com idades médias de 18,5 anos.
Verificou-se que
207 estudantes (91%) no momento da pesquisa jogavam videojogos no seu tempo livre, num tempo médio semanal de 2,14 horas. Este tempo foi menor
do que durante a fase escolar, para os sujeitos a quem foi pedido o mesmo:
eles jogavam 5,45 horas, durante a escola secundária: 3,69 horas no início e
2,68 horas no seu final. Entre os 20 não jogadores, estavam 18 mulheres. Os
jogos classificados pêlos estudantes foram, aproximadamente, um quinto com violência expressa e um quinto com violência acentuada. O jogo com
videojogos de violência foi correlacionado de forma significativamente positiva com a delinquência agressiva (r = 0,46) e com a delinquência não agressiva (r
= 0,31), tal como com o traço de personalidade agressiva (r = = 0,22).
Também mostrou
que o jogo com jogos de vídeo violentos se correlaciona de forma baixa e
significativamente negativa com a produtividade no estudo (r = - 0,08) e
que o tempo gasto com videojogos tem uma correlação negativa significativa (r =
- 0,2). Tal como os estudos acima referidos sobre a violência na televisão, as
correlações nada dizem sobre a causas. Pode acontecer que os delinquentes
tendam para videojogos violentos (e não, pelo contrário, estes jogos induzam comportamentos
delinquentes). Para pesquisar as ligações causais é preciso, como acima discutimos, estudos experimentais adequados.
Assim, os
autores conduziram, em 210 estudantes do ensino superior (104 mulheres e 106
homens), a seguinte experiência. Homens e mulheres jogavam um videojogo
violento (Wolfenstein 3D) ou um não violento (Myst). Foi também pesquisado em todos os sujeitos o seu fator de personalidade
irritabilidade (alta versus baixa), tal como a existência
anterior de comportamentos agressivos e ideias e sentimentos agressivos. O
comportamento agressivo foi assim pesquisado em laboratório e os sujeitos
jogadores podiam ajustar a duração e a intensidade de som de alarme
na sala do jogador supostamente adversário, quando este
tivesse supostamente perdido. Sob determinadas circunstâncias, este tempo aumentava sobretudo mais nos
jogadores de jogos violentos. O pensamento agressivo foi medido com uma
experiência de leitura de palavras, na qual foi medido o tempo de reação na
leitura de um conjunto de 192 palavras de conteúdo neutro ou agressivo. Verificou-se uma
diminuição altamente significativa do tempo de reação em palavras com
conteúdo agressivo depois de jogar com jogos agressivos no sentido de um efeito
de via de abertura. Nos estudos experimentais, verificamos assim efeitos
de comportamento e cognitivos, que falam claramente sobre um efeito de
exigência de videojogos agressivos para que surja uma disposição dos jogadores
para a violência.
Há boas razões
para aceitar que os videojogos têm efeitos sobre a disposição para a violência; que, no caso da
televisão, são ainda mais claros. Assim, Stickgold e colaboradores (2000) descobriram que
nos episódios de sono, depois de
um jogo de vídeo prolongado (foi jogado o jogo Tetris, não agressivo), aumentavam
as componentes pictóricas do jogo. Curiosamente, isto diz respeito não aos aspectos triviais do
jogo, como, por exemplo, o ecrã de computador ou o teclado, mas sim às características visuais
dos estímulos que eram relevantes para
o jogo. Discutimos anteriormente as relações entre os episódios para as
ocorrências de aprendizagem, para reativar o aprendido e para consolidar os vestígios
de lembranças. Destas descobertas experimentais, devemos assumir que também os conteúdos dos videojogos «são trabalhados durante»
o sono e assim são consolidados.
Quem ainda duvida
que os videojogos podem ter consequências devastadoras, traduzi para eles o
seguinte excerto do trabalho de Anderson e Dill (2000, p. 772), que talvez
mostre, mais claramente do que as estatísticas, para onde pode conduzir a violência nos
videojogos:
«Em 20 de Abril de 1999, Eric Harris e Dylan Klebold desencadearam um ataque
de terror na Escola Columbus, em Littleton, Colorado: assassinaram 13 colegas e feriram 23, antes de apontar as armas a si próprios. Apesar de
não ser possível termos a certeza do que levou estes
adolescentes a atacar o seu professor e os seus colegas de escola, há
certamente vários factores envolvidos. Um desses factores são os videojogos violentos.
Harris e Klebold gostavam muito de
jogar o sangrento Doom, um jogo que foi licenciado e
introduzido pêlos militares dos EUA para instruir os soldados para matarem os
inimigos. Nos arquivos do centro Simon-Wiesenthal, uma
instituição que tem como alvo os indícios de ódio e violência na Internet, foi
encontrada uma cópia, no website de Harris, que continha uma
versão formatada personalizada do jogo Doom. Nesta versão, havia dois soldados,
carregados com armas extra e com um número ilimitado de munições, e inimigos que
estavam indefesos. Como trabalho de
projecto no âmbito do ensino, Harris e Klebold tinham produzido essa versão
personalizada do Doom. Neste vídeo, Harris e Klebold usam
gabardinas, estão armados
e assassinam, colegas de escola. Menos de um ano depois, actualizaram na vida
real esta simulação de vídeo. Como o investigador do Centro
Wiesenthal disse, Harris e Klebold "jogaram o seu jogo na modalidade Deus".»
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