ANA PAULA. Ontem tive o prazer de conhecer a maravilhosa menina
dos olhos carta que escreveu com os olhos e a ajuda da mãe contando sua
história de drama e de superação. É emocionante.
GILSON LIMA. Cientista em reabilitação, pesquisador da interface: cérebro, corpo e máquina e professor. "O que em mim sente está pensando".
E-mail: gilima@gmail.com
Segue a carta que ela escreveu e colocou em seu Blog.
Meu nome é Ana Paula Soares de
Almeida. Tenho 21 anos. Escrevo esta carta para contar um pouco da minha
história…
Hoje faz 8 meses e meio que
estou sem conseguir falar e movimentar pernas e braços, sendo totalmente
dependente para me comunicar, mexer, deslocar, alimentar, vestir, calçar,
higienizar… Uso sonda nasal para a alimentação e para a administração dos
medicamentos, mas já consigo comer e beber algumas coisas pela boca.
Comunico-me através do alfabeto ESARIN, que é um quadro que minha fonoaudióloga
montou com as letras organizadas na ordem de uso mais frequente na nossa
língua. Eu olho para a letra, alguém a aponta, eu confirmo com uma piscada ou
com o movimento afirmativo de cabeça e assim vou seguindo até formar a palavra
ou a frase que quero dizer. É desta forma, com a ajuda da minha mãe, que estou
escrevendo esta carta. Já tenho controle cefálico (de cabeça) e um fraco
controle do tronco e movimento levemente os ombros e alguns dedos das mãos.
Compreendo, sinto e lembro tudo. Minha vida se resume a um quarto, da cama para
a cadeira de rodas e vice-versa. Passo meu tempo assistindo à televisão, lendo,
recebendo visitas e fazendo os tratamentos e os exercícios que minhas
terapeutas indicam. Faço tratamento fisioterápico, fonoaudiológico e
psicológico em casa e semanalmente vou ao Centro de Reabilitação de Giruá, uma
cidade que dista cerca de 50 km da minha cidade, Três de Maio, também para
estes mesmos tratamentos, além de acompanhamento nutricional e terapêutico
ocupacional. Realizo, ainda, acompanhamento neurológico regular. Alguns destes
tratamentos são gratuitos, ou seja, fornecidos via Secretaria de Saúde, e
outros são particulares, custeados pela minha família, com auxílio de doações
que recebemos por meio de rifas ou outras formas de arrecadação promovidas por
amigos, comunidades, clubes de serviço, empresas…
Tudo isso começou com uma dor
de cabeça muito forte e acompanhada de tontura e náusea. Entre a noite do dia
31 de agosto de 2012 e o final da tarde do dia primeiro de setembro, fui 3
vezes ao plantão do hospital. Meus pais contam que eu mal conseguia caminhar,
eles praticamente me carregavam, eu estava com dificuldade de coordenação
motora, minha fala não era conclusiva, eu ria muito e sem motivo e até perdi o
controle de esfíncteres. Nas 3 vezes fui atendida por médicos diferentes, que
sabiam, obviamente, que eu já havia estado ali. Era medicada e mandada de volta
para casa. Diagnosticavam-me, entre outras coisas, com crise de ansiedade,
labirintite e mal estar decorrente de algum alimento que pudesse não ter me
feito bem. Na terceira vez, antes de sair do hospital, convulsionei e fui parar
na UTI. Fiquei dois dias em coma, fui entubada e fiz traqueostomia. Foram 35
dias na UTI e mais 14 em leito comum. Passei muito mal, mas, ao contrário
do que muitos pensavam e até diziam, talvez imaginando que eu não entendesse,
melhorei e pude vir para casa. Meu provável diagnóstico é Romboencefalite
Criptogênica. Segundo os médicos que já me avaliaram é uma doença bastante rara
e pouco conhecida. Como eu gostaria de ter um diagnóstico mais preciso, uma
certeza… Existe algum tratamento diferente para eu me recuperar? Onde? Quando?
Como? Pra mim é bem difícil estar passando por isso. Há dias em que estou até
bem, só que em outros eu choro muito.
Sempre fui falante,
comunicativa, determinada e, segundo os que me conhecem, prestativa. Já superei
outros problemas de saúde, dentre os quais meningite viral aos 3 meses, fratura
de braço aos 11 anos e gripe A aos 17. E este também quero superar. Sou
Companheira Leo (Leo Clube) desde 2009 e adoro este clube de serviço. Gosto de
ler, de escrever (pretendo escrever um livro para contar minha história em
detalhes), de assistir filmes, de internet e da cor verde. Hahaha (risos)!
Tenho um blog em que estou contando minha história, que se chama A Vida Numa
Cadeira. Cursei um semestre de Sistemas de Informação na faculdade aqui da
minha cidade. Fiz a prova do ENEM e, com ela, consegui vaga para a graduação em
Comércio Exterior, porém não pude iniciar as aulas por causa da doença.
Trabalhei em um mercado no setor de frios e ultimamente era atendente em uma
empresa do ramo de computadores.
Meus pais se chamam Marli e
Aldair. Tenho dois irmãos: Maikel, de 27 anos, e Cristian, de 24. O Cristian
mora com a companheira e o filhinho deles, que nasceu em março deste ano. É meu
afilhado. Meu irmão Maikel é especial. Ele tem uma lesão cerebral congênita chamada
paralisia cerebral ou encefalopatia estática. Por esta razão, ele apresenta
epilepsia, deficiência intelectual, comprometimentos motores, distúrbios de
fala e alterações comportamentais, exigindo supervisão constante. Ele já
iniciou seus tratamentos logo após o nascimento e desde os 8 anos,
aproximadamente, frequenta a APAE. Minha mãe já enfrentou grandes dificuldades
para suprir as necessidades do Maikel. Ela chegou a vender suas próprias roupas
para pagar consultas e medicamentos. Quando ele tinha quase 3 anos de idade,
minha mãe e meu pai começaram seu relacionamento. A história dos meus pais está
fortemente ligada a alimentos. Explicando… Eles inicialmente foram
proprietários de uma churrascaria, que infelizmente faliu. Da venda da
churrascaria sobraram em torno de R$ 100,00, que foram investidos na compra de
mercadorias para a produção de pizzas, por sugestão de uma amiga da família.
Minha mãe sempre foi boa na cozinha e meu pai nas vendas. Ela chegou até a ser
professora de cursos profissionalizantes de culinária do SENAC. E eu, sua
assistente. O cardápio de pratos congelados foi ampliado aos poucos, até ser
substituído unicamente pela produção de salgadinhos. Mas foi em 2003 que os
salgados deram lugar aos doces. E esta é até hoje a fonte de renda da minha
família. Os doces da minha mãe são maravilhosos! Meu pai auxilia na compra dos
ingredientes e materiais, na embalagem e na distribuição dos doces. Eu atuava
na embalagem e na degustação. Hahaha (risos)! Com a minha doença, a produção
precisou diminuir muito, pois meus pais dispensam a maior parte do tempo aos
cuidados comigo e, claro, ao Maikel, à casa e a todas as demais necessidades
comuns que já existiam anteriormente. Eles fazem isso com muito amor e carinho.
São maravilhosos e guerreiros. Já passaram por vários momentos complicados. Já
tiveram um Natal com R$ 3,00 na carteira, já moraram por 6 meses em um quarto
comigo e meus irmãos, já nos fizeram uma “festa” de dia das crianças com uma
lata de leite condensado, já superaram um infarto do meu pai…
Nós moramos no 2º andar de um
prédio inacabado. Este prédio começou a ser construído pela minha avó paterna,
dona Marina, já falecida, e apresenta pendências de inventário. Ela tinha a
intenção de que no 1º andar funcionasse a churrascaria e no 2º houvesse dois
apartamentos. Meus pais, com muito esforço, finalizaram um dos apartamentos
para se tornar o nosso lar. O acesso ao apartamento é bem difícil. É feito por
uma estreita calçada lateral de tijolos e sem cobertura ou por dentro do 1º
andar, onde há pedras soltas no chão. Em seguida há uma escada, também sem
cobertura, bem inclinada e mal construída, com 17 degraus de alturas e larguras
diferentes. Com a cadeira de rodas é um sacrifício! Meus pais sempre precisam
pedir ajuda a algum vizinho, amigo ou mesmo funcionário do mercado em frente ao
prédio quando precisam sair comigo.
Esta é basicamente a minha
vida no momento. Escrevo para divulgar a história no intuito de buscar ajuda,
seja em relação a novidades no tratamento ou a qualquer outro aspecto que possa
facilitar a nossa rotina. Gostaria que meus pais pudessem voltar a trabalhar e
que eu recuperasse minhas habilidades perdidas.
Sou grata desde já pela
atenção.
Três de Maio/RS, 16 de maio de
2013.
Um comentário:
Guerreira! Não precisamos de asas para voar... sonhar... viver... Irmãzinha, continue lutando para viver melhor, reduzindo as limitações e lapidando as qualidades. Busque manter sua chama mental acesa, pois assim você estará iluminando a vida de muitos. Até! William Tavares
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