sábado, 31 de outubro de 2020

A TELEVISÃO PROVOCA VIOLÊNCIA: Cérebro, aprendizagem e violência na televisão?




 Saiu um artigo meu na Revista Sociologia  Número 73 nas Bancas. Título: A Televisão provoca violência?


“Saiba mais sobre o poder de 18 mil horas de TV em crianças e adolescentes"...; implicações nas modulações cerebrais. Começamos afirmando que as respostas não são assim tão fáceis. O cérebro está sempre aprendendo, também aprende no cinema, na televisão, na tela do computador, do celular e smartphone.
Desde os primórdios da tecnologia da comunicação humana foram criados que existem também expressões de violência neles. Encontramos expressões desde as primitivas pinturas dos humanódies nas cavernas hexâmetro à xilogravura, nas primeiras expressões pictográficas da escrita, na Bíblia, até ao vídeo e à expressão gráfica da Internet a www (World Wide Web). No entanto, gostaria de responder sobre qual a relação entre representação de violência em filmes ou televisão e a aprendizagem?”
http://www.escala.com.br/sociologia-ciencia---vida-ed--73/p
Gilson Lima




Gilson Lima

Desde que os meios de comunicação social existem, que existe também representações de violência neles. Em Homero e Shakespeare há representação de violência da mesma forma que na Bíblia ou em pinturas antigas desde o hexâmetro à xilogravura, até ao vídeo e à www (World Wide Web). No entanto, gostaria de responder sobre qual a relação entre representação de violência em filmes ou televisão (e re­centemente no computador) e a aprendizagem?
Infelizmente, as respostas não são assim tão fáceis. O cérebro está sempre a aprender, também aprende no cinema, na televisão e na tela do computador.
Concentrarei, sobretudo, num meio, a televisão, devido à sua ampla distribuição e sua grande abrangência e significado social.

Os dados abaixo publicados sobre violência na televisão utilizam, essencialmente, os dados dos EUA já consolidados e amplamente difundidos. Vejamos:  os estudantes americanos gastam, até final da escola secundária (ou seja, 12 anos escolares), aproximadamente 13 000 horas na escola e 25 000 horas em frente de um televisor. Calcula-se que, desse total, 18 000 horas podem ser designadas como «aprendizagem visual dominada pela violência» (Barry, 1997, p. 301).
A Associação Médica Americana calculou que uma criança, até final da escola básica, já viu mais de 8000 homicídios e mais de 100 000 cenas de violência. Foi também calculado que as crianças que vivem em casas com televisão por cabo, até aos 18 anos já viram 32 000 assassinatos e 40 000 tentativas de assassinato e que estes cálculos ainda são mais elevados para determinados grupos sociais nos grandes centros citadinos (Barry, 1997, p. 301).
Com este conjunto de dados, existem pesquisas pormenorizadas relativa­mente aos conteúdos mostrados na televisão. Assim, num dia típico da semana (quinta-feira, 2 de Abril, 1992), em Washington, foi escolhido o programa dos dez canais de televisão com mais audiência, das seis horas da manhã até à meia-noite e foi analisado o seu conteúdo. O total das 180 horas de televisão incluíram 1846 atos de violência explícita, dos quais 751 com situações de ameaça de morte e 175 com desfecho de morte.
Não só as próprias cenas de violência como também o seu contexto deve ser classificado como maximamente desfavorável para o desenvolvimento das crianças. Uma avaliação de cenas de violência num conjunto de 2500 horas de programas de televisão evidenciou que o culpado não foi punido em 73% dos casos (Wilson e col, 1997, p. 141). Mais de metade (58%) de todos os atos de violência foram apresentados sem qualquer consequência negativa relativa­mente a danos. Apenas em 4% dos casos, foram mostradas alternati­vas de resolução do problema sem recurso à violência (Wilson e col., p. 128).
O comportamento das crianças também foi avaliado de muitas formas, em grupos de controle, tanto por meio de observação em situações naturais de jogo como também por meio de perguntas aos professores, crianças e jovens. Verificou-se que nesse período de dois anos, nas comunidades em que tinha sido introduzida a televisão, de acordo com observa­ções e questionários, o nível de agressão aumentou: a agressividade verbal duplicou, a agressividade física quase que triplicou (um resultado altamente significativo). Isto verificou-se tanto em rapazes como em raparigas, em todas os níveis etários. Verificou-se uma relação entre o tempo que as crianças e os jovens tinham passado a ver televisão e a disposição para a violência. Pelo contrário, o nível de violência em ambas as comunidades de controlo ficou igual (Joy e col., 1986).
Também existem consequências, a longo prazo, da violência na televisão. Os dados mais importantes resultam das pesquisas de Eron e Huesmann (1986), que orientaram um estudo prospectivo, a longo prazo, em 875 jovens num período total de 22 anos (!), desde 1960 até 1981.
Os referidos jovens, que na primeira pesquisa, aos 8 anos, viam muitas cenas de violência na televisão, foram catalogados pelos seus professores como tendo maior probabilidade de serem cruéis e agressivos. Estes mesmos jovens, aos 19 anos, tinham maior probabilidade de ter situações de conflito e, aos 30 anos, tinham também maior probabilidade de serem julgados por atos criminosos violentos ou exerciam violência contra cônjuges e filhos.
O estudo mostrou claramente que a quantidade de cenas de violência que as crianças de 8 anos tinham visto na televisão permitiam predizer a violência destas crianças quando adultas. Mostrou também o seu efeito nas gerações seguintes, no sentido em que os jovens que aos 8 anos já tinham visto mais violência na televisão tinham maior probabilidade de agredirem mais tarde os seus filhos.
Os resultados destes estudos são importantes. Contudo, a questão sobre se a violência na televisão conduz a mais violência na vida real não é possível de responder com os referidos estudos, porque podem sempre ser incluídos, a nível puramente teórico, outros fatores, que talvez tenham uma influência que não foram controlados. Contudo, estas pesquisas muito bem orientadas metodologicamente permitem estabelecer esta relação com segurança. Este é particularmente o caso, quando consultamos os resultados de estudos, que foram orientados com outros pressupostos metodológicos de fundamentação. Estas novas metodologias de pesquisa do conhecimento são, por um lado, experiências de laboratório e, por outro lado, os chamados estudos de campo. Apresentamos em seguida exemplos dos dois tipos de
Centerwall (1989a,b) pesquisou a relação entre a introdução da televisão e a frequência de homicídios na população branca dos EUA, no conjunto da população do Canadá (97% branca) e na população branca da África do Sul. Depois de se ter introduzido a televisão nos EUA e no Canadá, na década de 1950, verificou-se uma duplicação dos homicídios num período de 10-15 anos. Durante o mesmo período de tempo, o número de homicídios na África do Sul diminuiu em 7%. Depois da introdução da televisão neste país, no ano de 1975, os homicídios aumentaram, até 1987, 130%. O autor comenta:

«Se a televisão nunca tivesse sido introduzida, existiriam atualmente, nos EUA, anualmente, menos 10 000 homicídios, menos 70 000 violações e menos 700 000 delitos com ferimentos noutras pessoas.» (Centerwall, 1992, p. 3061, tradução do autor.)
Outro autor compara a fixação da mente no ecrã com uma meditação budista, cujo alvo fosse esvaziar o espírito e libertar as preocupações terrenas:

«Um texto [budista] diz-nos que... devemos meditar por meio da concentração num arco-íris. Os acontecimentos entre o acordar e o [à noite] tempo de televisão são as nossas preocupações terrenas. A televisão é o nosso arco-íris. A televisão induz em nós um estado que se parece muito com a qualidade da meditação. Por isso vemos muita televisão.» (Fowles, 1992, p. 244; tradução do autor.)

A citação torna claro que, apesar dos resultados contraditórios de abuso de violência resultantes da investigação empírica, até hoje é argumentado, de forma ainda não contestada, que há um efeito positivo da televisão no potencial de violência.

Dessensibilização

Quando os organismos estão permanentemente expostos a um determinado estímulo ou a uma determinada classe de estímulos, a reação a estes estímulos vai sempre diminuindo. Falamos de dessensibilização. Trata-se também de uma forma de aprendizagem. O fenômeno existe em diferentes espécies e é relativo a diferentes classes de estímulos, entre outros, também, para a pessoa e a vio­lência.
As investigações mostraram, respectivamente, que quem vê sempre filmes de violência reage menos fortemente às cenas de violência nesse filmes (Cline e col, 1973). O comportamento é generalizado do filme para a realidade (Thomas e col., 1977). A observação permanente da violência na televisão leva a que as formas de comportamento violento no espectador subam mais do que o normal. Não só a experiência e as reacções vegetativas mas também o comportamento da pessoa mudam de forma correspondente, tal como, em 1992, a Associação Americana de Psicologia (American Psychological Association, APA) colocou a questão. Em resumo: a observação de violência leva a comportamentos de embotamento e de indiferença face à violência.

Crianças em frente da televisão
Afirma-se muitas vezes que as crianças podem distinguir muito bem entre a realidade virtual e a real. Talvez possamos afirmar isto em relação às crianças mais velhas, mas não relativamente às mais pequenas, até aos 8 anos, que têm muitas dificuldades em distinguir a realidade da fantasia. Pesquisas americanas e canadianas, em crianças em idade escolar mostraram efeitos da aprendizagem tornam-se crônicos e permanecem até à idade adulta (Centerwall, 1992). Também as crianças mais velhas e, não menos importante, os adultos, podem aprender com as imagens televisivas como aprendem por meio de imagens reais.
A observação da violência é para nós um exercício de aprendizagem, tal como olhar borboletas ou folhas: quem já viu milhares delas, de fato já não as distingue, porque já conhece o processo. Para falar de violência na televisão, sejamos breves e pragmáticos: quem vê filmes de terror e de violência aprende horror e violência. A longo prazo, ele cruza-se, passo a passo, com o horror e a violência. Ainda mais: o aprendido influenciará o seu comportamento e, assim, a vida social na sociedade em geral.
Quem refere que as crianças e os jovens podem separar bem a televisão do mundo real, deve lembrar-se que também alguns adultos se transformam em atores, para responderem às questões da vida, não como espectadores, mas desempenhando na vida real os papéis que vêem na televisão - pai, médico, conselheiro - ou seja, personificando os papéis.

Conclusão: violência como poluição ambiente

É surpreendente que até hoje a relação entre violência na televisão e violência nas crianças seja contestada, cada vez mais, pelos jovens e mais tarde pelos adultos. Apesar da enorme controvérsia na discussão deste tema sensível, a reflexão dos métodos de investigação utilizados (e assim a fiabilidade dos resultados dos próprios estudos) é de grande significado. Podemos considerar, na perspectiva do design dos estudos, em princípio, três tipos de pesquisas diferentes: experiências de laboratório, estudos de campo e estudos em condi­ções naturais. Todos têm as suas vantagens e desvantagens.

Nas experiências de laboratório, em que um grupo via vídeos de violência entre crianças e o outro via vídeos sem violência, foi observado um claro efeito de aprendizagem de violência. Estas experiências apontam para razões-efeitos-relações entre a televisão e a violência, de forma clara. A desvantagem das experiências de laboratório são a «artificialidade» do setting, o que essencial­mente deveria conduzir a uma subavaliação do efeito real da televisão, pois em casa vê-se mais televisão do que no laboratório e no laboratório não são identificáveis os efeitos a longo prazo da televisão.

Nos estudos em condições naturais, foram pesquisados, por exemplo, os efeitos da introdução da televisão numa comunidade ou num país. Às vantagens das condições de um estudo em ambiente natural e prováveis grandes números de casos, opõe-se a desvantagem de não controlo de muitas condições de pesquisa.
Entre as experiências de laboratório e os estudos em ambiente natural, ficam os estudos de campo. Através de uma divisão aleatória de grupos, eles possuem uma melhor significância (através da eliminação de uma influência de seleção disjuntiva), do que os estudos em ambiente natural e, pela obser­vação no mundo real (vê-se televisão ou não; o comportamento é observado e avaliado nas condições normais de vida), a artificialidade do laboratório é evitada. Contudo, também os estudos de campo têm as suas desvantagens, pelo que todos se devem complementar reciprocamente. O método de labora­tório permite a precisão, olhar o comportamento ao microscópio; contrariamente aos estudos de campo e aos estudos em condições naturais, há uma correspondência entre os dados obtidos no laboratório e o mundo real.
Os resultados obtidos com os referidos métodos são claros: há uma relação manifesta entre a observação de violência na televisão e a violência no mundo real. O que é perverso nesta relação - à semelhança da relação entre o fumar e as doenças pulmonares - é o atraso de pelo menos um ano. Se a violência aumentar, já será muito tarde.
Na perspectiva neurobiológica, a violência fala de procedimentos instintivos de dedicação da atenção, embora as crianças não possam mostrar mais nada além destes conteúdos que deveriam ser eliminados. A neuroplasticidade do cérebro, fortemente impregnada na idade infantil, causa portanto a construção de representações correspondentes nos mapas corticais portadores de sentido a nível superior nos adolescentes, que precisamente desta forma ficam instala­dos para operar efetivamente nos comportamentos futuros.
Também é muito significativo que nos organismos em que estão instalados de forma permanente um determinado estímulo ou uma determinada classe de estímulos, a reacção emocional a esses estímulos vai decrescendo cada vez mais. Falamos de dessensibilização. O fenômeno é válido para diversas espécies e em diversas classes de estímulos, entre os quais também as pessoas e a violência. Os estudos empíricos podem mostrar: 1) quem vê continuamente filmes de violência reage menos às cenas de violência apresentadas nos filmes; 2) o com­portamento generaliza-se do filme para a realidade; 3) a permanente observação de violência na televisão leva a que as formas de comportamento violentas aumentem no observador mais do que o normal; 4) o comportamento da pessoa muda no mesmo sentido. Em resumo: a violência na televisão leva a uma funda­mentação da nossa disposição neurobiológica para mais violência no mundo.
O que se segue? Virá o tempo em que nós vamos ouvir negar sistematica­mente estas relações. Devemos compreender que a violência na televisão tem o mesmo valor na nossa sociedade, que, por exemplo, a poluição: se os compor­tamentos de produção abandonarem o mercado livre, sobrevive quem produzir mais barato, o que significa o mesmo que produzir da forma mais suja. Ninguém quer um ambiente poluído, mas sem vontades políticas de todos e sem regras adequadas, só sobreviverão no mercado aqueles que produzirem mais barato na opinião mundial. O mesmo se passará com o comportamento com os negócios de televisão, que vivem de contributos mundiais e são avaliados por quotas de audiência. A violência mostrada capta uma quota elevada de audiên­cias, o que leva a que, a longo prazo, só sobrevivam no mercado aqueles que chamam a atenção do espectador com esses meios.
Os países ocidentais industrializados tomaram conhecimento de que devem ser tomadas medidas sobre aspectos do meio ambiente - poluição ambiente, micropoeiras ou DDT - que têm efeitos complexos e a longo prazo, mas que podem controlar o nosso meio ambiente e, em última análise, a nossa vida. A continuidade da violência nos meios de comunicação, nos nossos mapas corticais não é - como acima indicado - menos dramática. Haverá tempo que nós teremos de refletir numa perspectiva de austeridade de alimentação visual-mental das nossas crianças, de uma forma séria. Não devemos minimizar o assunto.
E ainda o seguinte: quem, como reação aos 16 mortos de Erfurt em 26 de Abril de 2002, continua a utilizar armas, está errado. Facas de cozinha, navalhas ou aviões de passageiros não podem ser proibidos, e no entanto também podem ser utilizados, letalmente, como acontece com as pistolas e outras armas. De facto e de forma duradoura podemos lutar contra a violência quando oferecer­mos às pessoas uma perspectiva mais alargada de possibilidades de resolução de conflitos, certamente um material de aprendizagem muito melhor do que aquele que é fornecido pelos meios de comunicação.
A indústria (Hollywood, proprietários de redes televisivas, realizadores de programas, etc.) fala de autocontrole voluntário, da responsabilidade dos pais e afirma defender o direito de liberdade de opinião. Os próprios meios de comunicação disfarçam as circunstâncias e minimizam a miséria. Poucas semanas antes dos acontecimentos em Erfurt, a Focus (n.° 12; 18 de Março de 2002) publicou um artigo sob o tema: «As crianças devem ver televisão». Nele argumentava-se que as crianças que não veem televisão podem ser marginali­zadas nos grupos. Mas quando, como a academia pediátrica americana referiu, as crianças até aos 18 anos, nos EUA, já viram 200 000 atos de violência, só na televisão, talvez fosse melhor que todos nós fôssemos marginalizados!

Pos scriptum: jogos de computador - aprender pela ação

Há cerca de 25 anos, surgiram os videojogos como uma coisa inofensiva; jogávamos amigavelmente pingue pongue, Tetris ou Pacman. Isto alterou-se num período de apenas 10 anos, com o desenvolvimento sempre crescente do computador. Em 1993, durante a época do Natal, a festa da paz e do amor, apareceu à venda nas lojas um videojogo de violência muito realista, que foi um êxito de vendas. O herói não disparava apenas contra discos voadores virtuais; não, ele decapitava os seus inimigos e arrancava-lhes o coração do corpo. Em jogos como Mortal Kombat, a morte do inimigo é claramente o alvo. Como uma análise comparativa de 33 videojogos Nintendo e Sega evidenciou, temos conteúdos de aproximadamente 80% de violência e agressão, sendo 20% de conteúdos explícitos de violência contra mulheres (Dietz, 1998).
Ao contrário do número enorme de estudos empíricos relativos ao efeito de apresentação de violência na televisão, a literatura científica sobre jogos de computador e de vídeo ainda é muito vaga. Também aqui, na perspectiva dos jogos de computador é sempre alegado que - contrariamente ao que é verificado claramente sobre a televisão - «os jogos de vídeo podem ser úteis e podem ajudar a que as energias agressivas sejam reprimidas» (Emes, 1997, p. 413; tradução do autor).
Neste preciso cenário de fundo, a pesquisa descrita a seguir, de Anderson e Dill (2000), tem grande significado, pois ela mostra como uma das mais significativas formas de ocupação de tempos livres da nova geração funciona sobre o seu pensamento, sentimentos e comportamentos. Os autores referem que jogos repetidos de violência levam, a longo prazo, à aprendizagem de emoções, pensamentos e disposição para comportamentos correspondentes. Eles descrevem-nos como segue:
«Os efeitos a longo prazo da violência nos meios de comunicação são o resultado do desenvolvimento, da sobre aprendizagem e do fortalecimento de estruturas de conhecimento dos que exercem a agressão. [...] De cada vez que as pessoas jogam jogos de vídeo violentos, repetem programas de comporta­mento agressivo, que ensinam e intensificam a atenção contra o inimigo, no sentido de uma mudança perceptiva. Por vezes, aquilo que foi aprendido e intensificado transforma-se em ações agressivas contra os outros, expectativas de que outros actos agressivos sejam realizados e que a resolução de conflitos com recurso à violência seja significativa e eficaz. A exposição repetida a situações visuais de violência conduz em direção a um embotamento face à violência. A criação e automatização de estruturas de identificação com o agressor, tal como a dessensibilização, levam por fim a uma mudança de personalidade.» (Anderson e Dill, 2000, p. 774, tradução do autor.)
Os autores orientaram duas pesquisas com metodologias complementares diferentes. Numa primeira pesquisa, foi avaliada a relação entre violência e não violência no jogo de vídeo e uma série de variáveis - como irritabilidade, agressividade, delinquência, opinião subjetiva sobre criminalidade e segurança pessoal - numa sequência de estudo em 227 colegas estudantes (78 homens, 149 mulheres), com idades médias de 18,5 anos.
Verificou-se que 207 estudantes (91%) no momento da pesquisa jogavam videojogos no seu tempo livre, num tempo médio semanal de 2,14 horas. Este tempo foi menor do que durante a fase escolar, para os sujeitos a quem foi pedido o mesmo: eles jogavam 5,45 horas, durante a escola secundária: 3,69 horas no início e 2,68 horas no seu final. Entre os 20 não jogadores, estavam 18 mulheres. Os jogos classificados pêlos estudantes foram, aproximadamen­te, um quinto com violência expressa e um quinto com violência acentuada. O jogo com videojogos de violência foi correlacionado de forma significativa­mente positiva com a delinquência agressiva (r = 0,46) e com a delinquência não agressiva (r = 0,31), tal como com o traço de personalidade agressiva (r = = 0,22).
Também mostrou que o jogo com jogos de vídeo violentos se correlaciona de forma baixa e significativamente negativa com a produtividade no estudo (r = - 0,08) e que o tempo gasto com videojogos tem uma correlação negativa significativa (r = - 0,2). Tal como os estudos acima referidos sobre a violência na televisão, as correlações nada dizem sobre a causas. Pode acontecer que os delinquentes tendam para videojogos violentos (e não, pelo contrário, estes jogos induzam comportamentos delinquentes). Para pesquisar as ligações causais é preciso, como acima discutimos, estudos experimentais adequados.
Assim, os autores conduziram, em 210 estudantes do ensino superior (104 mulheres e 106 homens), a seguinte experiência. Homens e mulheres jogavam um videojogo violento (Wolfenstein 3D) ou um não violento (Myst). Foi tam­bém pesquisado em todos os sujeitos o seu fator de personalidade irritabilidade (alta versus baixa), tal como a existência anterior de comportamentos agressivos e ideias e sentimentos agressivos. O comportamento agressivo foi assim pesqui­sado em laboratório e os sujeitos jogadores podiam ajustar a duração e a intensi­dade de som de alarme na sala do jogador supostamente adversário, quando este tivesse supostamente perdido. Sob determinadas circunstâncias, este tempo aumentava sobretudo mais nos jogadores de jogos violentos. O pensamento agressivo foi medido com uma experiência de leitura de palavras, na qual foi medido o tempo de reação na leitura de um conjunto de 192 palavras de conteúdo neutro ou agressivo. Verificou-se uma diminuição altamente signifi­cativa do tempo de reação em palavras com conteúdo agressivo depois de jogar com jogos agressivos no sentido de um efeito de via de abertura. Nos estudos experimentais, verificamos assim efeitos de comportamento e cogni­tivos, que falam claramente sobre um efeito de exigência de videojogos agressivos para que surja uma disposição dos jogadores para a violência.
Há boas razões para aceitar que os videojogos têm efeitos sobre a disposição para a violência; que, no caso da televisão, são ainda mais claros. Assim, Stickgold e colaboradores (2000) descobriram que nos episódios de sono, depois de um jogo de vídeo prolongado (foi jogado o jogo Tetris, não agressivo), aumentavam as componentes pictóricas do jogo. Curiosamente, isto diz respeito não aos aspectos triviais do jogo, como, por exemplo, o ecrã de computador ou o teclado, mas sim às características visuais dos estímulos que eram relevantes para o jogo. Discutimos anteriormente as relações entre os episódios para as ocorrências de aprendizagem, para reativar o aprendido e para consolidar os vestígios de lembranças. Destas descobertas experimentais, devemos assumir que também os conteúdos dos videojogos «são trabalhados durante» o sono e assim são consolidados.
Quem ainda duvida que os videojogos podem ter consequências devastadoras, traduzi para eles o seguinte excerto do trabalho de Anderson e Dill (2000, p. 772), que talvez mostre, mais claramente do que as estatísticas, para onde pode conduzir a violência nos videojogos:


«Em 20 de Abril de 1999, Eric Harris e Dylan Klebold desencadearam um ataque de terror na Escola Columbus, em Littleton, Colorado: assassinaram 13 colegas e feriram 23, antes de apontar as armas a si próprios. Apesar de não ser possível termos a certeza do que levou estes adolescentes a atacar o seu profes­sor e os seus colegas de escola, há certamente vários factores envolvidos. Um desses factores são os videojogos violentos. Harris e Klebold gostavam muito de jogar o sangrento Doom, um jogo que foi licenciado e introduzido pêlos militares dos EUA para instruir os soldados para matarem os inimigos. Nos arquivos do centro Simon-Wiesenthal, uma instituição que tem como alvo os indícios de ódio e violência na Internet, foi encontrada uma cópia, no website de Harris, que continha uma versão formatada personalizada do jogo Doom. Nesta versão, havia dois soldados, carregados com armas extra e com um número ilimitado de munições, e inimigos que estavam indefesos. Como trabalho de projecto no âmbito do ensino, Harris e Klebold tinham produzido essa versão personalizada do Doom. Neste vídeo, Harris e Klebold usam gabardinas, estão armados e assassinam, colegas de escola. Menos de um ano depois, actualizaram na vida real esta simulação de vídeo. Como o investigador do Centro Wiesenthal disse, Harris e Klebold "jogaram o seu jogo na modalidade Deus".»

terça-feira, 27 de outubro de 2020

EVOLUÇÃO SIMBIOGÊNICA => O corpo humano não é perfeito

 

Gilson Lima

 



 

Uma significativa implicação da ideia de evolução é a da ruptura de que nosso corpo humano não é perfeito. Assim, como produtos históricos de interação entre natureza e recursos disponibilizados onde acontecemos, também não fomos projetados,  a priori, para funcionar durante muito tempo e agora estamos obrigando nosso corpo a continuar em atividade muito depois de expirada a sua data de validade.

O corpo humano tem grande beleza artística, mas, do ponto de vista da engenharia, é uma rede complexa de ossos, músculos, tendões, válvulas e articulações que tem uma analogia direta com as polias, bombas, alavancas e dobradiças das máquinas,... (todas  falíveis).

Uma das mais complicadas façanhas da evolução é o nossa conquista ontogenética de ficarmos sobre os dois pés. Nos tornamos imperiais no Planeta. Somos uma espécie única com tamanha complexidade e adaptabilidade fisiológica. Até hoje, um dos momentos mais significativos da aprendizagem de uma criança humana é quando ela, deixa de engatinhar e entre tentativas e erros aprende a ficar  sobre os dois pés: torna-se um bípede.

No entanto, ser bípede, mesmo para os modernos humanos (cerca de 200.000 anos atrás), não é da nossa natureza filogenética. É uma conquista ontogenética da nossa adaptação à natureza onde acontecemos, mas é também um problema.

Os humanos ficaram de pé e adaptaram a postura bípede ereta num projeto corporal complexo e somos os únicos entre os mamíferos (mesmo entre os primatas). Não há dúvida de que, ao ficarmos de pé sobre as patas traseiras, promovemos o uso de novos instrumentos, aumentando significativamente a nossa inteligência.

Porém, os complexos processos fisiológicos da caminhada bípede geram também uma série de problemas. Por exemplo, o andar humano.

Embora a gravidade ajude, uma rede intrincada de tendões nos ajuda a conectar os órgãos à coluna vertebral, impedindo-os de cair e de imprensar uns aos outros. Nossa coluna vertebral teve que sofrer algumas adaptações: as vértebras inferiores ficaram maiores para suportar a maior pressão vertical, e nossa coluna curvou-se um pouco para nos impedir de cair para a frente. No decorrer de um único dia, os discos da parte inferior das costas são submetidos a pressões equivalentes a várias toneladas por centímetro quadrado. Ao longo da vida, toda essa pressão cobra o seu tributo.

Muitas das enfermidades debilitantes e até fatais do envelhecimento decorrem em parte de nossa locomoção bípede e da postura ereta. Cada passo que damos coloca uma pressão extraordinária em nossos pés, tornozelos, joelhos e costas – as estruturas que sustentam o peso de todo o corpo acima delas.

No decorrer de um único dia, os discos da parte inferior das costas são submetidos a pressões equivalentes a várias toneladas por centímetro quadrado. Ao longo da vida, toda essa pressão cobra o seu tributo, assim como o uso repetitivo de nossas articulações e o esforço constante que a gravidade impõe a nossos tecidos.

Quando jovens, nem sentimos suas imperfeições e, com o tempo, desgastamo-nos e de alguma outra forma os problemas de saúde se tornam mais comuns. A questão é como não ter tantos defeitos que nos deixarão ou nos deixam relativamente incapazes em nossos últimos anos. Nossa espécie está envelhecendo a passos rápidos e colocando novos desafios conquistados pelo conhecimento da própria teia da vida.

Com a conquista do envelhecimento, as doenças não podem ser evitadas apenas com pequenas orientações de comportamento, mas precisamos, então, de um novo design de cooperação corporal. Nossos corpos não foram projetados para durarem muito mais do que algumas poucas décadas. A vida é um sistema aberto e que acontece num ambiente adequado a receber e manter a vida, mas um rearranjo simples pode resolver problemas, mas criar outros.

Na verdade, muitos fornecedores de juventude em receitas gostariam de nos fazer acreditar que os problemas médicos associados ao envelhecimento são culpa nossa, decorrentes principalmente de nosso modo de vida decadente.

É claro que qualquer pessoa pode diminuir a duração de sua vida por comportamentos sedentários, má alimentação, fumo,..., mas isso por si não é suficiente.

Nenhuma intervenção simples compensaria as inúmeras imperfeições espalhadas por toda a nossa anatomia. As ciências da vida, ao alterarem suas concepções não simbióticas da natureza vital, vão conquistar rapidamente avanços incríveis que vão compensar muitos dos defeitos de concepção contidos em todos nós.

Pensemos no olho e no ouvido. A versão humana da visão é uma maravilha evolutiva. Com a idade, nossa visão diminui à medida que o líquido protetor da córnea vai perdendo a transparência, os músculos que controlam a abertura da íris e a focalização das lentes atrofiam-se, a lente engrossa e amarela, reduz nossa precisão visual e a percepção das cores.

Algumas modificações anatômicas podem ajudar muito, e podemos manter com alterações tecnológicas a preservação da audição dos idosos. Podemos também criar sistemas mais precisos de visão e de audição que dos humanos médios.

Se os seres humanos tivessem sido feitos para durar mais, seríamos diferentes.
Para vivermos mais tempo, estamos cofabricando um corpo simbiótico distinto dos que a natureza nos desenhou com seus discos abaulados, ossos frágeis, quadris fraturados, ligamentos rompidos, veias varicosas, catarata, perda da audição, hérnias e hemorroidas: a lista das mazelas corporais que nos afligem à medida que envelhecemos é longa e muito familiar.

Estamos nos dirigindo para a emergência de uma nova espécie simbiótica altamente duradoura com partículas minúsculas dedicadas totalmente aos bilhões de esforços jeitosos e cooperativos necessários para nos manter intactos e que nos farão experimentar um estranhamento sobre o que conhecemos como existência ou sobre o que é o real movido pela nossa atual singularidade humana.

Se informação não é conhecimento, e se conhecimento não é sinônimo de sabedoria, não é preciso lembrar que essas conquistas geram riscos, desafios éticos e sociais imensos que julgamos não estarmos, ainda, à altura de enfrentá-los.

Temos, cada vez mais uma compreensão da importância da simbiogênese, não apenas a demonstrada nas nossas interações com os micro organismos (Margulis,xxx),  mas um borramento amplo de fronteiras entre o mundo físico, social e biológico, que, há décadas, Michel Foucault demonstrou com a emergência do biopoder, da transubstancialização do poder-corpo para o poder-vida.

Nossa hipótese da simbiogênêse social é que estamos – como espécie -  borrando uma passagem evolutiva da era simbiótica e não parabiótica.  Meus projetos de pesquisa acadêmicos ou industriais que coordenei com equipes interdisciplinares operados sempre em simbiose com as redes sociais são experimentais e demonstrativos e integram também o esforço de sistematização da Teoria Biossocial da Simbiogênese com as tecnologias assistivas e de assistência à vida[1].  

No lugar de transformar o mundo nós vamos agora mudar o próprio ser em evolução. Como disse antes: não somos humanos, estamos ainda apenas humanos, mas o futuro duradouro é do simbiótico e estamos a caminhos acelerados nessa direção. Caminhamos aceleradamente, com a manipulação molecular, para a saída da era neolítica, em que logramos a tarefa de dominar nosso ambiente, para uma nova era da programação simbiótica. As nossas próximas tarefas serão o domínio de nosso próprio corpo e dos organismos vivos em geral.

Nessa nova era de uma evolução borrada entre os recursos orgânicos e os inorgânicos em cooperação com a vida estaremos transferindo para as criaturas vivas e para as máquinas ou para matérias inorgânicas parte das suas propriedades singulares, um borramento de uma nova ecologia simbiótica. Isso já está demonstrado. Por exemplo, o marca-passo tem sido utilizado com sucesso na medicina desde 1958. Hoje, a taxa anual é da ordem de 400.000 implantes. Hoje, a taxa anual é da ordem de 400.000 implantes (KEMPF, 1998).[2]

Outros dispositivos, já foram demonstrados em diferentes experimentos e estão sendo também implantados no corpo humano ao largo dos últimos anos. Por exemplo, eletrodos para fazer conexão elétrica à espinha dorsal, de modo a estimular órgãos paralisados (utilizado em Larry Flynt, o famoso editor da revista pornográfica Hustler, para recuperar sua virilidade, após uma tentativa de assassinato que o deixou paraplégico) e o incrível implante de olhos artificiais (na verdade, câmeras CCD ligadas a processadores de imagens) para os cegos, projeto desenvolvido pelos oftalmologistas norte-americanos John Wyatt e Joseph Rizzo. (LIMA, 2005)[3]

A vida tecnologicamente inteligente está constituindo uma potente beta natureza (seca, inorgânica) e gerando um novo recurso simbiótico com a alfa natureza (úmida e orgânica). São exatamente os recursos da ciência e da tecnologia modelados por uma sociedade do conhecimento que estão nos impelindo para entrar numa nova era da evolução. Estamos iniciando a embarcação de uma nova era simbiótica. (LIMA, 2005)[4]

Nossa indicação final é que não vivemos apenas uma nova convergência neurodigital ou uma nova emergência do pós-humano, ou pós-evolutiva, ao contrário, estamos deixando para trás o humano demasiadamente humano e emergindo novos seres simbióticos modelados por uma aceleração envolta de uma evolução simbiótica, uma evolução geradora de seres bióticos mais duradouros numa nova ecologia simbiótica, mais recursiva, ou seja, com novos e potentes recursos e sentidos parabióticos.

Nos últimos anos, artistas como Stelarc [5] se dedicaram à discussão cultural e política da possibilidade de ultrapassar o humano através de radicais intervenções cirúrgicas, de interfaces entre a carne e a eletrônica, ou ainda de próteses robóticas para complementar ou expandir as potencialidades do corpo biológico. Mais que apenas antecipar profundas mudanças em nossa percepção, em nossa concepção de mundo e na reorganização de nossos sistemas sociopolíticos, esses pioneiros anteciparam transformações fundamentais em nossa própria espécie. Essas transformações poderão inclusive alterar nosso código genético e reorientar o processo darwiniano de evolução.

[1] Para saber, alguns dos projetos mais conhecidos: 1. Redescoberta da Mente na Educação (Pós graduação em reabilitação e inclusão); 2) Projeto de Pesquisa Simbiogênese aplicada em processo de reabilitação. reabilitação sócio-educacional interdisciplinar. Coordenadores: Dr. Gilson Lima, 2009, 3) Projeto CNPQ – Processo Número: 400750/2009. Coordenador: Dr. Gilson Lima. 4) Relatório projeto 400750 A broad interdisciplinary convergence of knowledge for rehabilitation and inclusive education: a case study, 2011; 5) Coordenação do experimento de Exoesqueleto Muscular – não robótico: Demonstração do record de caminhada plana e com apoio de andador por um paraplégico acoplado num exoesqueleto muscular (Tutor Argo 1979) em Porto Alegre, 2009. Foram quinhentos e doze passos sequenciais. Vide: http://glolima.blogspot.com.br/2011/07/exoesqueleto-para-alem-da-cadeira-de.html 3)Produção e exposição em Feira Hospitalar de um KIT de inclusão digital integrado à uma cadeira postural para usuários tetraplégicos com lesão neural severa com programas gratuitos e livres distribuídos pela rede e – alguns com mais dezenas de milhares de downloads pelo mundo inteiro (São Paulo, 2012, 2013).

[2] KEMPF, Hervé. La Révolution Biolithique: Humains Artificiels et Machines Animées. Paris: Albin Michel, 1998. 

[3] LIMA, Gilson. Nômades de pedra: teoria da sociedade simbiogênica contada em prosas. Porto Alegre: Escritos, 2005.

[4] LIMA, Gilson. Nômades de pedra: teoria da sociedade simbiogênica contada em prosas. Porto Alegre: Escritos, 2005.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Algumas observações a respeito das ciências contemporâneas para os Sociólogos – Palestra de 2005

 

 

Gilson Lima

PALESTRA APRESENTADA NO XII Congresso Brasileiro de Sociologia, realizado em Belo Horizonte MG, em junho de 2005.

 

 



É um prazer estar aqui nessa cidade onde nasci e ao mesmo tempo onde nunca morei.  Aqui, nessa cidade - desde o meu nascimento, ficou claro que seria nômade. Nasci aqui e nunca morei aqui. Na verdade, isso foi em 1960. Porém, acabei tornando-me um sedentário desorientado. Mas a tensão entre ficar e querer me mover, me perseguiu durante muito tempo. Resolvi, então, assim: movia-me sempre, mas o mais rápido que podia corria para meu cantinho, meu lugar, meu ninho. Assim foi minha formação nômade e minha carreira de cientista nômade.

Então sociólogos e cientistas do humano. Quando a ciência cartesiana alcança de modo decisivo o mundo do oculto, do não-visual, da informação computável, da comunicação eletromagnética e do infogênese, ela macroparadigmaticamente entra em crise e se deteriora. O próprio Einstein afirmou que o chão escorregou de nossos pés. Então, como testar o conhecimento e fazer ciência sobre o que não se vê? Como testar o conhecimento e fazer ciência sobre o que não se vê? Esse julgamento fica muito visível quando se trabalha a lógica binária computacional deslocando a questão para a maneira como a "linguagem" computável cria relações entre o visível e o invisível.

Assim, em uma sociedade complexa na qual o conhecimento é o fator mais significativo de geração de riqueza, o estudante deve ser remunerado - e bem remunerado também para estudar. Não se trata de política assistencialista, mas de investimento. Investir em conhecimento é o que de mais significativo se pode fazer em uma sociedade complexa.

Aqui acredita-se que se tem um problema significativo. Tomando-se apenas um as¬pecto dessa crise que percorreu todos os campos do conhecimento moderno e conforme foi destacado ao se afirmar que Einstein colocou isso de uma maneira bem clara - e ele entrou em pânico com o problema que tudo está saindo dos olhos, ou seja, tem-se de produzir conhecimento sobre coisas que não se pode mais ver e que o chão escorregou dos pés. A matéria não é mais o lugar onde se pisa. Deve-se reinventar a produção do próprio conhecimento e o modo como se o produz.

Por exemplo: um dia desses, o distribuidor de livros de minha editora deu-me uma carona. Estávamos passando por uma região da cidade de Belo Horizonte que ele denominou de crackolândia (onde se vende e se consome crack), tido como um lugar perigoso e violento. De imediato, ele fechou os vidros do carro. Logo a seguir toca seu telefone celular. Eu lhe disse:

"Ou você não atende ao telefone ou abre um pouco os vidros a fim de que tais espectros eletromagnéticos possam sair e não fiquem incomodando nossas sinapses mentais; não estou a fim de desorganizar minhas interações celulares que já são complexas sozinhas, tentando manter minha identidade de vida e que serão ainda mais perturbadas por esse monte de elétrons que vão incomodá-las com seu receptor de satélite de ondas de alta frequência"

E claro que ainda não se sabe ao certo a efetiva implicação geral do imenso espectro eletromagnético sobre a organização celular, sabe da dança vibracional que ela implica.  É certo que também as grandes empresas não estão interessadas em testes, que são longos e caros, e devem ser feitos em microescala e não na macroescala física. É certo que muitos dos políticos e da justiça pública nem sabem que isso é um problema. Em todo caso, é uma questão a ser discutida em um mundo onde cada vez mais poluição não é apenas o absurdo do veneno que sai dos canos de descarga dos automóveis, dos ônibus, dos caminhões..., mas também, e cada vez mais, poluição eletromagnética.

 Este exemplo traz a questão que muito clara:

qual é o papel de um sociólogo no sentido de construir uma janela onde o senso comum se enxerga em uma nova complexidade do próprio senso comum. Como trazer os múltiplos planos dimensionais da realidade provenientes principalmente do mundo microfísico e nanofísico, para uma escala social que é também múltipla, mas visível no plano macrofísico do tecido social da sociedade simples.

Por exemplo, a nanociência e a nanotecnologia contemplam o universo nanométrico, no qual a dimensão física é representada por uma unidade equivalente a um bilionésimo do metro. Não se trata mais das partículas do universo microfísico, ou seja, do mícron com um milhão de partes iguais de um metro. Trata-se agora do nanômetro, de uma nanopartícula do tamanho de um bilhão de partes iguais de um metro.

Quase tudo que se acha pequeno e invisível que é utilizado pela microeletrônica, inclusive a microeletrônica computacional, opera na escala do mícron, e não do nanômetro, mas, mesmo assim, a emergência da informação computacional tem desafiado todos a enfrentarem dilemas complexos que deixam as pessoas meio atordoadas com suas implicações no mundo organizacional em nossas sociedades.

 Se a microinformação desafia para novas microquestões sociais e para uma efetiva microdemocracia em interconexão complexa com a nossa frágil macrodemocracia, a nanoinformação impele o sujeito a, além disso, enfrentar a nanodemocracia e o impacto de novos acessos à renda não pelos velhos trabalhos industriais, mas pelo próprio conhecimento do conhecimento.

O desafio de uma sociologia que enfrente a complexidade informacional dos diferentes planos dimensionais da realidade é imenso. Por exemplo, tem-se de discutir com os nanobiotecnólogos que os testes da nanopartículas devem ser realizados também, e com muito cuidado, na escala nano. Um elemento químico na escala macrofísica não age da mesma forma na escala nano. O alumínio, por exemplo, que os dentistas utilizam na escala macrofísica para consertar os dentes de seus pacientes, na escala nano, é um explosivo. Assim, as nanopartículas soltas no meio ambiente devem ser testadas e verificados seus riscos também na escala nano.

Igualmente os sociólogos devem disputar a sua participação nos projetos de nanotecnologia desde sua origem. Não se trata de lembrar dos sociólogos apenas depois que os produtos estiverem prontos e chamá-los para convencer a sociedade de que eles não provocam riscos sociais e ambientais. Como afirmou Boaventura, todos os cientistas são sociais e todos os projetos físicos também são projetos sociais, assim como todos os projetos sociais são também físicos.

Não é o que se está verificando nos editais do CNPq, que têm uma verba para projetos-produtos sem a presença, desde a origem, de sociólogos e que têm uma nanoverba para a percepção da nanotecnologia com sociólogos e cientistas sociais de modo muito fragmentado.

A complexidade chegou para revolucionar as concepções de espaço e de tempo. Não havendo simultaneidade universal, o sólido tempo absoluto e o espaço absoluto de Newton deixam de existir. Zygmunt Baumann em consonância com a física quântica fala da modernidade líquida, de uma sociedade sólida que está derretendo e, assim, distribuindo seus sólidos poderes funcionais. É um grande acontecimento, um derretimento das instituições sólidas que envolvem novas conexões e uma nova transubstancialização do poder. Vive-se também uma sociedade cada vez mais simbiogênica que borra suas sólidas fronteiras.

A produção do conhecimento sociológico hoje está permeada, por todos os cantos e de modo intenso por acontecimentos que querem que nos desassosseguemos do sossego funcional dos fatos. Não é a sociologia em si que se desassossega, mas nós, um sociólogo efetivo, um cientista com endereço, um pensador ou um professor com nome e sobrenome. Eu e você que orquestramos também um nós. É cada um que, desassossegando-se de si mesmo, desassossega a sociologia para que eu, você, nós e a sociologia possamos mais intensamente acontecer no mundo.

Pensa-se, por exemplo, que o que aconteceu com os transgênicos é uma experiência que deve ser muito estudada para se para aprender, principalmente, como não fazer essa passagem da relação entre a complexidade e o senso comum e se estar atento também, além dos visíveis interesses mercantis do conhecimento tecnológico, ao papel conservador dos pré-conceitos cientifóbicos. A gente aprende fazendo isso errando, assim como a gente aprende fazendo ciência errando nos experimentos dos laboratórios também.

Então, quer-se chamar atenção para uma questão:

A sociologia que estamos produzindo, também a formação de novos sociólogos está adequada para dar conta de uma tradução e de uma construção, de uma formação e de um diálogo complexo efetivo de facilitação, cooperação e problematização com toda essa emergência que se está construindo, sobretudo a partir da aceleração tecnológica da Segunda Guerra Mundial? Responderia: NÃO!

Vamos enfrentar isso quando pararmos de fazer apenas alguns papers e livros e começarmos a mexer em nossa cultura de ensino-aprendizagem do que se está atualmente trabalhando com o que é ser sociólogo nas atuais sociedades complexas e na estrutura institucional do poder disciplinar em nossas sociedades.

A mesa-redonda que originou este ensaio é uma demonstração de uma aula de sociologia do presente. Isso não significa que se deva desconsiderar nossa tradição, o nosso património clássico e não negociar com a importância do conhecimento reflexivo e enfrentar, não de modo dogmático, os interesses que querem apenas transformar nossas universidades, sobretudo as privadas, em fábricas de procedimentos peritais, que impedem que as pessoas continuem pensando de modo também complexo o mundo social, político e cultural.

Na fase atual de transição paradigmática em que nos encontramos, são já visíveis fortes sinais de um processo de fusão de estilos, de interpenetrações entre cânones e a necessidade de revisitarmos os velhos cânones, verificarmos o que está oculto sob a óptica de novas percepções em emergência. É assim que é possível então dotarmos os velhos clássicos e fundacionistas das ciências sociais de importância.

Apenas um pequeno exemplo do potencial dessa revisitação de nossa tradição clássica sobre o olhar da complexidade. Durkheim, inclusive, integrou a emergente sociologia moderna em uma modesta incursão precoce com a termodinâmica, a bioquímica e a eletricidade, na sua visão de teoria social e de sociedade, que era muito interessante. É o que se vê quando nos deparamos com seu conceito de anomia nas esferas orgânicas e críticas.

Já nascemos, claro, com todos os problemas implicados no positivismo e somos críticos, mas surgimos como área do conhecimento moderno destinada a dialogar com o mundo físico e o mundo social. O primeiro pensador a se destacar neste esforço foi Saint-Simon, muito conhecido por ter fundado a vertente do socialismo utópico de perfil mais tecnocrático. Ele cria a ideia de um novo saber chamado de fisiologia social. Entretanto, é seu discípulo, Augusto Comte (1798-1857), que, após romper com seu mestre, em 1824, pode, de fato, ser considerado o mais importante pioneiro da sociologia. Foi esse homem que inventou a palavra "sociologia". No entanto, Auguste Comte cunhou primeiramente essa recém-criada ciência interessantemente com o nome de "física social".

Outro importante autor pioneiro das ciências sociais que também dialogou com a física e, muito mais precisamente, com o mecanicismo biológico, foi Herbert Spencer (1820-1903). Ele foi o criador de um pensamento social que muito influenciou a sociologia, conhecido como organicismo. Para Spencer, a sociedade assemelha-se a um organismo biológico. Ele desenvolve uma lei geral que diz que as sociedades passam ou passarão por um estado primitivo, caracterizado pela simplicidade e pela estrutura homogénea, para um estado de complexidade crescente, caracterizado pela heterogeneidade progressiva das partes como novos modos de integração. Suas obras mais importantes são: Estudo da sociedade (1873) e Princípios de sociologia (1876).

Também Karl Marx e Emile Durkheim, dois dos mais importantes fundacionistas das ciências sociais, igualmente viajaram com Newton na esteira da física clássica e esperavam descobrir os axiomas e princípios básicos da vida social. O universal maquinismo de relógio converteu-se em modelo, a partir do qual se comparava o Estado com um mecanismo preciso, sujeito a leis, e se retratavam os seres humanos qual máquinas viventes com conexões funcionais de peritagens ou força de trabalho. As leis deterministas da história, de Marx, a teoria da evolução de Darwin, ainda que muito mecânicas e reducionistas diante da cooperação, assim como o modelo "científico" de Freud, que apresentava o ego como um sistema hidráulico, provêm da mesma fonte. Também entre os pioneiros da sociologia moderna encontra-se Vilfredo Pareto que se apoiou abertamente em metáforas mecânicas e térmicas para descrever a dinâmica da sociedade.

Quando Durkheim foi estudar uma sociologia do conhecimento e em suas pesquisas de campo deparou-se com o simbolismo dos totens das tribos australianas apoiou sua explicação do conhecimento na sinergia festiva dessas tribos com a revolução dos elétrons (baseada em concentração e dispersão das festas coletivas, em sua obra Formas elementares da vida religiosa), que é uma ideia central do paradigma da complexidade. A crise da anomia pode ser entendida, então, como a preponderância da dispersão sobre a capacidade de auto-organização, que mais tarde demonstrou Prigogine com sua teoria das estruturas dissipativas.

No entanto, hoje, diferentemente de Durkheim, já se aprende com a complexidade de que o mundo não tem mais uma estrutura implícita. É uma estruturação sem estrutura. É organizado, mas não é dado como organizado.

Outro dos principais fundadores das ciências sociais, Weber, desconfiava explicitamente do trilho mecanicista da velha física. Max Weber teve uma formação académica muito ampla, concentrada em estudos de direito e com profundas incursões pela história, economia, filosofia e mesmo teologia. O que mais nos importa aqui é a ideia de que, para Weber, era necessário descobrir um método que permitisse estabelecer com referência aos fenómenos das atividades humanas, o que o método experimental permitia realizar em relação aos fenómenos da natureza.

Weber defendeu que, em lugar do método experimental, que teria escassa aplicação nos conhecimentos baseados na percepção sensorial, os cientistas sociais, ao lidarem mais claramente com fenómenos subjetivos e da compreensão, tinham necessidade de um novo tipo metódico de mensuração e construção teórica. Weber criou o método que permite lidar com fenómenos de sentido, o método de compreensão, realizado por meio do tipo ideal.

Analisando-se hoje o método compreensivo weberiano, encontra-se uma grande sintonia em Weber, integrada com as preocupações atuais da física quântica que esboça uma reinvenção e uma ênfase numa nova e profunda espiritualidade. Weber estudou também fenómenos como erotismo, teologia e expressou reflexões que oferecem um amplo signi-ficado aos valores. Integrou na ciência preocupações espirituais de modo complexo. Deixou suas lições em seus estudos orientais de que a dimensão espiritual na sociedade não precisa e não deveria se identificar com nenhum grupo particular ou organização particular, tinha que ser pluralista e que os ocidentais deveriam aprender a conviver com multiplici-dade de expressões culturais e espirituais.

Muito próximo das atuais teses do novo paradigma científico defendido pela física quântica, o próprio Weber assinalou que o "motivo" é uma conexão de sentido, que se apresenta como o "fundamento" de uma conduta para o ator ou para o observador. A "causa" é explicada nos seguintes termos: de acordo com uma determinada regra de probabilidade - qualquer que seja o modo de calculá-la e só em casos raros e ideais ela pode ser traduzida segundo absolutos dados mensuráveis, pois a cada um determinado processo (interno ou externo) observado segue-se outro processo determinado (ou aparece junto com ele).

Weber instaura, na sociologia e nas ciências sociais, uma efetiva ruptura com o naturalismo determinista. Para ele, os fenómenos sociais e as atividades humanas são relações sociais, e não coisas; são produtos de sentido e conhecimentos baseados na internalização da percepção sensorial, ou seja, são fundamentalmente fenómenos subjetivos a serem compreendidos.

Não é apenas a física que nos fornece analogias, nós também oferecemos muitas anologias para as ciências ditas "naturais", "duras" ou chamadas equivocadamente de "exatas", como se a exatidão apenas se relacionasse a um monopólio de saber específico (racional) ou há algum tipo de área de conhecimento. A exatidão é um compromisso para qualquer tipo de conhecimento complexo, inclusive humano ou não-humano. Hoje, a própria física aplica muito do que Weber postulou para as ciências sociais como método específico. A intervenção estrutural do sujeito na observação (o encapsulamento entre a dualidade onda e partícula, por exemplo), a questão da indeterminação diante da totalidade sistémica, a complexidade entre o sujeito e o objeto, a busca de uma nova e complexa espiritualidade para além da espiritualidade racionalista e instrumental ocidental... No entanto, para se levar adiante muitas das proposições weberianas será preciso romper com a sua determinação de que na realidade existe um lado, existe um mundo físico, natural com suas leis e, de outro, o mundo cultural, das ciências do espírito com suas complexidades e especificidades. Tem-se que realizar o que Boaventura sintetizou de modo muito preciso como a ideia de que, na complexidade, todas as ciências são sociais. Diria todas as ciências agora são físicas e sociais em similitudes complexas.

Enfim, na sociologia moderna, encontra-se essa ligação mais ou menos explícita desde o pioneiro Augusto Comte e sua intrigante física social, em Herbert Spencer, em Durkheim que, inclusive, integrou a emergente sociologia moderna em uma modesta incursão precoce com a termodinâmica, a bioquímica e a eletricidade e, até mesmo, em Karl Marx. Mesmo em nossa tradição sociológica, o conhecimento físico e o social não estão tão separados como muitas vezes se imagina.

Assim, o que se tem de começar a fazer primeiro é experimentar essa experiência didática de humildade no diálogo. A primeira coisa que um sociólogo que deseja uma sociologia contemporânea do presente tem a fazer é uma sociologia da escuta, do saber ouvir e saber ouvir o outro como outro. Não aquela velha prática do "quando vou conversar com o outro" (aqui uma outra área de conhecimento) tenho apenas que transformar o outro em um pequeno sociólogo, que ele primeiro tem que entender Marx, Durkheim e Weber e, a partir daí, pode-se estabelecer o contato e o diálogo. Nós, sociólogos, temos que aprender a ouvir e a dialogar como pares. Essa questão enfrenta hábitos muito fortes na tradição sociológica. Por exemplo, o sonho de Augusto Comte de que somos a mãe de todas as ciências, o topo da pirâmide do conhecimento. Assim, não dialogamos com a física e nem citamos os físicos em nossas pesquisas por que eles também consideram a sua área de saber como a mãe de todas as ciências. Assim também como os físicos que nos citam são desconsiderados como físicos. Um conflito de édipos.

Isso implica também se começar a ler coisas a que não se está habituado. Entender coisas que não se está habituado a entender. Enfrentar problemas que nos tiram de nossos cómodos sofás de conceitos estabelecidos, os quais, às vezes, estamos desfrutando há mais de 20 anos de comodidade estática.

Por exemplo, uma experiência muito interessante sobre a nanotecnologia foi a do professor Henrique Toma, ele que é um dos maiores e reconhecidos especialistas em nanotecnologia, fez um esforço imenso para traduzir a nanotecnologia na série, inventando o futuro da editora Oficina de Textos.  Por exemplo, um dos problemas principais de comunicação, mesmo binária, entre os softwares é o protocolo. O protocolo é fundamental porque é o modo no qual todos passam a compartilhar o mesmo significado, mesmo sendo diferentes e tendo cada um dos softwares seus protocolos específicos. Imagine-se quantas e quantas as versões desse livrinho chamado O mundo nanométrico foram necessários para o professor Toma traduzir todos os avanços tecnológicos e metodológicos para um protocolo em que se possa entendê-las também na escala macrossocial.

Parece-me que esse é um dos mais significativos papéis da sociologia imersa na complexidade do conhecimento nas sociedades contemporâneas. Não em busca de um protocolo superior, mas como um nódulo complexo que permeia em similitudes as fronteiras, de modo que possamos novamente nos entender diante da surdez da hiperespecialização do saber moderno. Por exemplo, para um sociólogo entender os meandros da nanotecnologia, ele terá de entender e estudar também muito biologia. Para entendermos de informática não precisamos saber programar códigos e instruções binárias, mas temos de saber o que é um algoritmo, como posso transformar em algoritmo um problema social e quais são os potenciais e os limites de uma lógica discreta traduzida em algoritmos ante os fenómenos sociais.

Em Nômades de Pedra: teoria da sociedade simbiogênica[1], meu principal livro, defendo a proposta de uma mova dobra complexa da teoria social envolvida numa sociedade simbiótica, ou seja, preciso um conhecimento teórico e empírico que ligue de modo complexo teorias e empirias, no qual o conceito de simbiogênese constitua-se, sempre, como um transdutor do pensamento e da ação, que converta em symbíon (um fazer e viver junto, sempre), tanto nosso pensar e nosso agir no ecomundo e na complexa vida social. A palavra transdutor define literalmente qualquer dispositivo capaz de converter um tipo de sinal em outro, transformando uma forma de energia em outra. Aqui a ideia de interfaces transdutoras refere-se a essa capacidade de transmudação por meio de mediações.

Encerra-se este artigo com a ideia de que nunca o conhecimento precisou tanto da sociologia e nunca a sociologia foi tão necessária. Físicos não são únicos ao solicitar a presença dos sociólogos na complexidade. Às vezes os físicos têm que fazer o esforço da teoria social e produzir sociologia na ausência contempor^~anea da socielogia presa nas grades da baixa complexidade do Século XIX e no vácuo da complexidade, fazem o quie se tem que fazer sociologia também e isso é também positivo.

A sociologia desempenha um papel fundamental hoje, não para querer novamente ser a mãe de todas as ciências, como Comte e alguns sociólogos ainda pretendem, mas ser um espaço fundamental de um caldo de uma sopa de muitos e diferentes ingredientes, uma sopa de ingredientes muito complexos. Tem-se que aprender com os pré-modernos onde todo o conhecimento tendia a se aproximar em similitudes. Aproximar, cooperar e conflitar, mas dentro de um princípio de similitude.

A sociologia tem condições históricas e acúmulo reflexivo para desempenhar seu papel na complexidade. Talvez diminuir um pouco o peso estrutural da teoria e visitarmos mais experimentos, os laboratórios científicos e termos também nossos pequenos laboratórios de experimentações, pois, como Weber ensinou, é muito complexa a construção dessa tarefa de um redutor da complexidade que não simplifique a complexidade.

Já devíamos estar fazendo muito mais do que estamos fazendo. Porém, já existem também muitos sociólogos e pensadores sociais tanto no Brasil quanto em outros países fazendo isso e com qualidade. Para não cometer injustiça, deixa-se de mencionar algum sociólogo ou cientista social brasileiro, mas, por exemplo, destaca-se o esforço na produção de alguns pensadores sociais e sociólogos que estão dialogando com os mais diferentes campos da ciência, tais como Edgar Morin, que já produziu uma extensa obra, produto de um frutífero diálogo com cientistas de vários saberes; Ulrich Beck, que está permitindo o renascimento renovado de uma sociologia na Europa, com o seu diálogo profundo com a teoria do caos; Zygmunt Bauman que, em diálogo com a física quântica, demonstrou que nossa modernidade é cada vez menos sólida e cada vez mais líquida, além de vários outros autores e sociólogos tanto em nosso país quanto em outros que estão fazendo esse esforço.

Para concluir, uma historinha narrada pelo cientista Otto Neurath que conto em meu livro aqui já citado, adaptada em uma metáfora.

Imaginemo-nos marinheiros em alto mar, viajando nessa embarcação, todos estamos razoavelmente incomodados com nossas cómodas disciplinas e todos sabendo que está acontecendo um processo de aproximação de um enorme maremoto, o qual vai realmente impedir que continuemos nossos cursos de forma tranquila. Nossa engenharia de navegação, da forma como ela foi construída, não dá conta de nos manter seguros. O que temos que fazer. Primeiro não temos agora nessa situação capacidade de ir a algum porto seguro ou terra firme e nos escondermos do tsunami, estamos sozinhos e em alto mar. Nessa situação vamos ter de sentar todos os marinheiros e arrumar uma maneira com os nossos mesmos materiais, com nossas mesmas madeiras, com nosso mesmo barco mudar o próprio barco para enfrentarmos o tsunami.

Essa não é uma missão fácil, mas essa é a missão dos sociólogos e, diria, de todos os cientistas hoje.



[1] LIMA, Gilson. Nómades de pedra: teoria da sociedade simbiogênica contada em prosas. Porto Alegre: Escritos, 2005.


sábado, 10 de outubro de 2020

SIMBIOGÊNESE E A COVID-19: Estamos errados 2 - Transcrição de uma transmissão on line

 

Gilson Lima

TRANSCRIÇÃO  de um fragmento do que está rolando do debate que estou provocando sobre a simbiogênese e a Pandemia da COVID-19.

 


G
ILSON LIMA: Então – Como vimos (demonstrei ados) o problema está no próprio organismo de 12% dos humanos que por algum modo não vivem bem obrigado com o SARS-Cov-2. Mudar o foco desse enfrentamento é essencial até para novas e futuras pandemias.

Não existe mundo sem vírus. São cerca de dez nonilhões de vírus (10 elevado a 31) em nosso planeta. Já a partir de 300 metros das rochas vulcânicas eles já estão lá. Estão nas nuvens, na água do banho, na água que bebemos. Os vírus são as partículas orgânicas mais frequentes nas águas dos oceanos. No nosso corpo tem muito mais vírus e bactérias do que células humanas.

A pergunta chave deveria ser: o acontece com o sistema imune inato que não permite ele se adaptar a regra do equilíbrio em algumas pessoas?

Minha percepção de mundo mudou totalmente quando desde o final dos anos 90, como cientista e, mais recentemente como músico, tenho realizado esforços para difundir e aprimorar uma teoria social da simbiogênese com suas implicações aos múltiplos campos da vida.

Em meu doutorado, a hipótese principal está concentrada em algo que me incomodava muito: a inadequação da visão do cérebro humano pelos cientistas fundadores da informática (fundacionistas). Para mim, esse equívoco levava a uma série de vieses que teriam muitas consequências em todo processo de popularização e industrialização do aceso de massa às máquinas computáveis por empresas, instituições e escolas.

Mergulhei, intensamente, nessa problemática, buscando entender como era reproduzido, pelos primeiros cientistas da computação, a sua ideia de estarem construindo uma máquina que era um: “modelo reduzido do cérebro humano”.

Depois que abandonei a carreira política e assessoria estratégica em políticas públicas, me voltei para a academia e, depois, mais especificamente, para a ciência de bancada.

Entre metodologias informacionais, de um lado, e pesquisa sobre a vida, de outro, me deparei com uma cientista evolucionista norte-americana maravilhosa, Lynn Margulis, uma micro bióloga, que, para mim, é quem mais avançou em decifrar o que é vida na ciência. Diga-se de passagem, a ciência conhece muito pouco sobre a vida. Sabemos muito mais sobre quando a vida se interrompe a morte e como tentar impedi-la em alguns momentos e ou alongá-la para além de sua programação natural, mas sobre vida em si essa energia misteriosa que apossou de um tipo específico de matéria orgânica (molhada) , sabemos muito pouco.

A simbiogênese propõe que a evolução da vida no Planeta acontece em cooperação de longo agora. Quando mais e melhor cooperarem as espécies, mais evoluída elas se tornam.

Resumidamente essa é a gênese da noção dominante das causas das doenças, ou seja, etiologia específica para cada doença. Uma visão militar onde temos um “exército ativo para defesa em atuação constante” e quando eles precisam de ajuda desenvolvemos armas poderosas contra esses invasores inimigos. Claro que as vacinas e os antibióticos são importante, mas o problema é o modelo. Atiramos bombas e matamos aglomerações imensas de amigas (bactérias) e vírus que se aglomeraram na nossa rede biótica para evoluímos junto num longo agora.

PERGUNTA E RÉPLICA: A contribuição de Pasteur para a Saúde humana e animal foi sem precedentes na história. Enquanto os médicos da época ignoravam a existência do mundo vivo microscópico e sua patogenia, e zombavam de Pasteur quanto à recomendação de lavar as mãos, ele não se deixava abater e produzia os primeiros métodos de esterilização que salvava mulheres no parto e pacientes submetidos às cirurgias. A comunidade científicas médica se negava a aceitar (negacionismo), como seres tão pequenos e inferiores aos seres humanos, criados à imagem e semelhança de Deus, poderiam causar algum mal? Mas estes microrganismos, ditos patogênicos, ceifaram inúmeras vidas ao longo da história pré- ciência moderna. 

GILSON LIMA: Sim. Sangrias, explicações mágicas sobre a doença, bruxarias... agora esse é apenas um lado da história.... Em Paris do Século IX a Teoria dos Germes sofreu mesmo forte oposição dessa teoria era Claude Benard era a referência e cheio de discípulos. Ele defendia que o que nos conservava vivo era a harmonia, o equilíbrio, a saúde. Isso era o entendimento dos pré-modernos (dezenas de séculos antes), Está presente e constitui o Corpus hippocraticum (Hipócrates). Para eles a vida se integrava em harmonia com a natureza: as aves se encaixam no ar, os peixes na água, A ideia de imunidade específica da teoria dos vermes de Pasteur onde existe uma causa especifica do adoecimento é contraditória com a ideia de harmonia. Ouvi dizer que Pasteur minoritário escolheu estrategicamente 1878 como data para publicar a Teoria do Germes. Foi o ano da morte de Claude Bernard. Esperou o ele morrer para diminuir a resistência e publicar para não ter uma barreira intransponível para a circulação de sua teoria. Bernard era muito influente e sues discípulos reagiram a tal maneira que alguns chegaram a beber cultura de embrião colhido de casos mortais de cólera para mostrar que não era a bactéria que causava a doença e que se a harmonia do meio interno estivesse preservada você não adoecia.

As coisas são complicadas. Uma pouco mais do que esse dualismo, mas a visão de guerra e do mundo ameaçador cercado de seres invisíveis prontos para nos destruir imperou, sobretudo, quando os alemães isolaram os anticorpos os soros de vacas infectadas por vírus que cometiam a desarmonia do sistema imunológico. As vacinas induzem a criação de anticorpos específicos.  

Ora, sabemos que nem de um lado nem de outro a realidade acontece dessa forma linear e dicotômica. O tema que aqui tratamos revela-nos facetas muito mais complexas da realidade. A visão popular da etiologia das doenças não é monolítica. Ao contrário, sabemos que a vida só é vida por ser simbiogênica, pluralística em evolução cooperativa integrada em causações naturais, emocionais, sobrenaturais e ecológica...

Agora hoje o que está acontecendo com o Corona vírus é que 82% dos que entram em contato com o vírus conserva sua harmonia, são portadores do vírus e chamados de assintomáticos. Grande problema para os epidemiologistas que mesmo sadios continuam a contaminar e irradiar o vírus para os 18% que possuem em desequilíbrio de seu sistema imune com esse agente exógeno, por várias razões – e uma das principais é a genética, mas não só.

PERGUNTA E RÉPLICA: Hoje vejo que a ideia de que os microrganismos atuam em várias das nossas funções, desde o nosso humor, sistema imune, etc., de maneira simbiótica

GILSON LIMA: Hoje a comunidade médica resiste a aceitar a simbiogênese....

PERGUNTA E RÉPLICA: Já foi pior. Os paradigmas vão mudando.

GILSON LIMA:  Foi pior sim, mas mudou muito pouco. Ainda é muito ruim. Muito pouco. Veja o mutirão científico do planeta quase todos os cérebros estão envolvidos e focados no vírus, vacina, etc... A ciência da vida e dos fármacos é antibiótica em essência. Não simbióticas. Na politica publica saúde é doença (hospitais, etc..). O Ministério da Saúde seria o da Agricultura, da indústria de alimentos, de atividades físicas. Tá de cabeça para baixo.

PERGUNTA E RÉPLICA: Só que a natureza é repleta de exemplos de corrida armamentista (termo do militarismo mesmo, queria analogia melhor para a linguagem humana, mas não acho). Podemos focar nas flores, mas não negar os espinhos. E podemos, por meio da nossa consciência, não permitir que esses mecanismos naturais reagem nossas sociedades.

GILSON LIMA: Para a simbiogenese não. Como disse nosso sistema imune e nosso organismo é uma maravilhosa máquina da paz. Os humanos com um sistema imune inato evoluído que convivem em paz com esse vírus 82% são chamados de assintomáticos. Não estão estudando muito o porque os outros se desequilibram. Quem mata não é o vírus é o próprio sistema imune desequilibrado. Isso está demonstrado desde 2002  nos COVID-19 na China. Mas o paradigma não permite ver isso. Só o vírus como agente inimigo.

PERGUNTA E RÉPLICA: Antibióticos e vacinas salvam vidas. A lógica de que se deve ser simbiótico ou antibiótico é a lógica binária de 1 bit. Dualismo? A Física nos abre para a possibilidade da lógica do terceiro incluído, a computação também. Espero que você não seja contra antibióticos de um dia precisar. Por desejar seu bem.

GILSON LIMA: Como último recurso. 0,0002% das bactérias são mortais. Algumas ficam piores por causa dos próprios antibióticos. As piores estão concentradas em hospitais (saúde ???). Vão até lá  por dores de cabeça em emergência.

PERGUNTA E RÉPLICA: Tem muita gente estudando os assintomáticos. Tem gente virando dia e noite, trabalhando de domingo a domingo, amigos meus inclusive, buscando entender a resposta imune de uns, porque não essa doença ainda "misteriosa" é totalmente dependente do indivíduo, como ele responde.

GILSON LIMA: Infelizmente ainda com o mesmo paradigma dominante. Tenho acompanhado muito a produção. Está tudo alI. Só não enxergam. A tempestade de citicinas que mata. Hoje quando um caso grave entra no Hospital  já se pode saber - se souberem mensurar exames -    quem vai lá adiante precisar de respirador e quem não vai.  Mas é um diálogo com surdos nas UTIs.

PERGUNTA E DEBATE: A natureza não está ligando para os termos que queremos dar a ela, se a resposta é de paz ou de guerra, pois guerra e paz só faz sentido para nós, nossa cultura, nossa história. Antropomorfizamos a natureza, como se eles gostasse de Dostoiévski, ou a chamamos de bela, quando a beleza é um atributo do qualia neurofisiológico humano. Acho essa ideia fora de proporção. Como um Cosmos deste tamanho estaria centrado na Terra? Acho fora de proporção.

GILSON LIMA: Não existe uma ordem dada na natureza e nem um caos determinístico. Ilya Prigogine. A ordem está dentro da desordem e a desordem está dentro da ordem. É processo permanente de auto-organização e a evolução - de longo agora - está demonstrado - é cooperação, paz. Quando - na exceção da guerra a vida,  uma rede biótica complexa como a nossa é  atacada por um agente da morte - "vence"  quem coopera mais em evolução. Muitos retrovírus são incorporados e viram fragmentos de DNA, a maioria deles são incorporados na rede biótica para uma cooperação de longo agora.  Retorna o equilíbrio.A

PERGUNTA E RÉPLICA: Nelson tem um trabalho profundo sobre o que Gilson vem trazendo na imunologia. Acho que leciona hoje senão me engano em cadeira na UFMG.

GILSON LIMA: Recém me apresentaram. Fazem duas semanas  ele. que me apresentaram ele. Queria ter conhecido antes. Ele - mesmo não explicitando - é simbiogênico... OS HEREGES SE CONECTAM. Acho que como eu já está aposentado da academia. Mas incrível além de Maturana alguém da biologia e da imunidade pensar assim. E ele mudou não pela teoria, mas por verificação de bancada. Tive acesso a uma material do Nelson Vaz de 2008, dois anos antes de minha palestra no Seminário Internacional de Nanotecnologia na Fio Cruz que apresentei pela primeira  vez a simbiogênese em minhas pesquisas de neuroreabilitação. No material dele vi que até os exemplos do contexto do surgimento da teria dos vermes e alguns outros exemplos são praticamente os mesmos. Nunca tinha ouvido falar dele. Uma pena que não o conheci antes. Mas antes tarde do que nunca. É engraçado como os hereges se conectam em momentos de transição paradigmática.




RÉPLICA E PERGUNTA: Vale conferir o conceito de o conceito de autopoiesis de Maturana acho que é que traz mais luz no assunto.

GILSON LIMA: Aqui começo a divergência. Nesse caso - sobre a vida - o Humberto Maturana e o Nelson Vaz entraram numa canoa furada. Os sistemistas como Niklas Luhmann e sua teoria dos sistemas (autopoiéticos) para a sociedade pioraram ainda mais e afundaram o barco de vez.

GILSON LIMA: Tenho que terminar. Estou finalizando um capítulo longo que conta minha história com a simbiogenese de onde vim e onde cheguei.... Meu sonho é que ela ganhe o mundo, as ciências da vida, da sociedade, etc...  Sou otimista. O vírus atual dessa pandemia está nos ajudando. Assim que puder disponibilizo a todos.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

DENGUE =》 QUEM DISSE QUE O MOSQUITO É O PROBLEMA? Viva a simbiogênese


Gilson Lima

Uma notícia ótima. Está dando certo. Fiz uma palestra numa Conferência Internacional de nanotecnologia coordenado pela Fio Cruz e realizado no Hotel Sofitel - RJ em novembro de 2010. O título de minha palestra em defesa da simbiogênese era: Reinventando o Universo do Humano com a Ciência em Ação. Parte dessa palestra está disponpível aqui no link http://glolima.blogspot.com/2010/11/encontro-com-daniel-dennet-reinventando_28.html 

Tinha muitos estrangeiros - lá céticos com o tema que trouxe, mas encontrei uma turma de herege lá na própria Fundação que adotou a ideia.

A boa notícia é que a simbiogenese vive lá. Essa turma tem os hereges que produziram um experimento anti-vacina para a Zica e que está sendo muito bom. Utilizam o método Método Wolbachia em Yogyakarta, Indonésia. Colocam uma bactéria num mosquito e eles ficam inofensivos para nós. Pensei até em colocar no grupo da complexidade do watts (acho que estamos todos lá né?). Consiste na liberação de Aedes aegypti com Wolbachia (bactéria) para que se reproduzam com os Aedes aegypti locais e estabelecer uma nova população destes mosquitos. A Wolbachia é um microrganismo intracelular presente em 60% dos insetos da natureza, mas que não estava presente no Aedes aegypti. Quando presente nestes mosquitos, ela impede que os vírus da dengue, zika, chikungunya e febre amarela se desenvolvam dentro do mosquito, contribuindo para redução destas doenças. Uma vez que os mosquitos com Wolbachia são liberados no ambiente, eles se reproduzem com mosquitos de campo e ajudam a criar uma nova geração de mosquitos com Wolbachia..

domingo, 4 de outubro de 2020

ESTAMOS ERRADOS: a chave do problema da COVID-19 é o sistema imune

Gilson Lima 1

Gostaria de compartilhar com vocês uma questão que julgo ser chave para o enfrentamento da pandemia. Pediria mais especificamente a ajuda no debate com os bioquímicos, microbiologistas e especialistas em sistema imune humano e, se possível, o contato com os cientistas das principais bancadas de enfrentamento ao SAR-COV-2.


Isso aconteceu depois de alguns meses pesquisando sobre artigos científicos envolvendo a família dos corona vírus que conhecemos mais detidamente a partir de 2002 (estudos chineses). 

Verificando estudos sobre óbitos e situações de agravamento dos simtomas da COVID-19 me inclinei fortemente a considerar que nossos esforços – desse mutirão científico planetário jamais visto nessa em escala - estão concentrados  no vírus e fora do centro de atividade principal da doença.

Estar focado no vírus –  é bom – vacinas , etc., mas não creio que o vírus deva ser o centro de atividade de nossos esforços mais imediatos respostas aos casos graves e os óbitos.

 O centro de Atividade da COVID-19 não é o vírus. O segredo da derrota da doença está em nós mesmos. A Chave é o sistema imune. O que está matando os humanos hoje é nosso próprio sistema imunológico, não tanto o vírus em si

O vírus produz um determinado quadro, que impõe, para alguns de nós, um sttess ao sistema imunológico um stress.  Uma super reação desorganizada. O sistema imunológico, ao super reagir, está causando as mortes.

Isso não pareceria uma grande novidade se lêssemos com outros olhos muitas das pesquisas realizadas. Está presente de modo fragmentado em muitas delas. Falta é ligar o problema como centro da atividade. O que não se encontra presente é esse olhar de que o centro do problema vital pode estar no nosso sistema imunológico. 

Não se sabe ainda por certo o porquê a passagem  em alguns casos dos sintomas leves para os graves e que podem gerar até óbitos. Sabe-se que morremos por uma reação exagerada de nossas defesas que pode acontecer em algumas pessoas.

Para entender como os indivíduos adquirem imunidade a um agente viral é preciso compreender o processo de resposta imune aos patógenos. A partir de estratégias de reconhecimento, o organismo identifica tais agentes por estruturas que são compartilhadas por vários deles, conhecidos por padrões moleculares associados aos patógenos, PMAPs (no inglês PAMPs: Pathogens-Associated Molecular Pattern), e, por conseguinte deflagra respostas a fim de conter aquele contato inoportuno, o qual pode quebrar seu equilíbrio (homeostase). Assim, diz-se que o sistema imune foi ativado.

A primeira estratégia de resposta aos agentes infecciosos é a imunidade inata. Como se trata de um vírus novo, nosso sistema imunológico não tem memória para combate-lo vai depender totalmente de nosso sistema inato que é composto por barreiras físicas corporais, substâncias químicas com ação inibitória e células especializadas capazes de identificar e neutralizar potenciais agentes de infecções, de forma generalizada e não específico.

Uma questão que parece certa é que explica as oscilações de contágio é a quantidade de vírus com a qual o nosso organismo tem contato: a carga viral. Quando menor a quantidade, mais fácil será se livrar dele no início. A insistência de entrada do vírus, gerando cada vez uma maior quantidade deles – permite que ele ultrapasse a fronteira inicial. 

A nossa resposta inata (primeira linha de defesa do organismo) já atacaria o vírus facilmente.  Quando recebemos uma alta carga viral, o que acontece principalmente para os profissionais de saúde, já seria mais difícil de conter.

A genética

Uma outra questão importante é o DNA que difere normalmente de indivíduo para indivíduo. Se seu código genético for "premiado" com uma alteração que facilite a entrada dos vírus nas células, as chances de desenvolver um quadro grave da covid-19 seria bem maior.

Estudando detalhadamente o porquê de jovens saudáveis morrerem, verificaram-se muitas novidades. Uma delas é que o gene e imunidade podem ajudar a explicar que o vírus pode estar matando as pessoas muito mais pela reação do nosso próprio sistema imunológico do que pela sua letalidade.

Viu-se em algumas pesquisas que as alterações no metabolismo causadas pelas doenças indicadas como grupo de risco verificou-se o desencadeamento de uma série de eventos bioquímicos que levam a um aumento na expressão do gene ACE-2, responsável por codificar uma proteína à qual o vírus se conecta para infectar as células. O gene ACE-2, funciona como um receptor molecular tem sido a porta de entrada do vírus que também indica uma explicação de por que ocorrem casos graves.

Quando o vírus é internalizado na célula — o que pode ocorrer com maior facilidade para quem tem a alteração no gene — consegue se reproduzir rapidamente e infectar outras células.

Isso explica muita coisa. Quando várias células já estão infectadas, nosso próprio sistema imunológico, que serve para  nos proteger contra vírus e bactérias, pode oferecer risco. O novo coronavírus (SARS-CoV-2) pode infectar algumas das células de defesa e fazer com que elas entrem uma luta desproporcional no organismo. Confusos com a infecção do vírus, neutrófilos e linfócitos T citotóxicos, importantes células de defesa, podem entrar em atividade exaltada, combatendo tanto o inimigo quanto outras células saudáveis — prejudicando a defesa e causando danos a tecidos saudáveis.

Segundo alguns estudos essa análise pode ser detectada verificando um conjunto de apenas 13 genes envolvidos na imunidade à interferon, uma proteína produzida por leucócitos e fibroblastos para impedir a replicação de vírus. Com a presença da infecção viral no organismo, a proteína alerta o sistema imunológico, que combate a doença.

Isso pode mudar tudo, inclusive o esforço de combate ao vírus pelas vacinas. A boa notícia é que bloquear a atuação destrutiva do sistema imunológico pode ser mais fácil, mais rápido e bem mais barato.

Bloquear a entrada do vírus e mantê-lo encapsulado apenas na circulação sanguínea, permitirá que o sistema imunológico consiga reconhecê-lo e combatê-lo tranquilamente, sem desencadear o estresse e uma reação exagerada do sistema imunológico . Essa seria a chave do enfrentamento para evitarmos os casos graves enquanto lutamos para encontrar uma vacina adequada.


1. Gilson Lima. É cientista aposentado depois de décadas de atuação independente sobre múltiplos campos da vida e da tecnologia na complexidade. Criou a teoria não natural da simbiogênese cooperativa na evolução cérebro, máquinas, corpos e sociedade. Foi por vários anos pesquisador acadêmico e industrial coordenando bancadas de pesquisas de ciência de ponta, tecnologia e protocolos de neuroreabilitação em diferentes cidades e diferentes países principalmente, europeus.

Tem formação original humanística e foi voltando seus estudos e pesquisas desde o início dos anos 90 para a abordagem da complexidade nas metodologias informacionais, depois na nanotecnologia e nos últimos 15 anos de carreira focou na neuroaprendizagem e reabilitação envolvendo a simbiogênese e interfaces colaborativas entre cérebro, corpos e displays.

Inventor de várias tecnologias, softwares e protocolos clínicos.

Escritor. Muitas de suas atividades e textos estão disponíveis no blog: http://glolima.blogspot.com

Atualmente retomou sua atividade como músico compositor, cantor que atuava na adolescência produzindo atualmente suas canções e coordenando a Banda Seu Kowalsky e os Nômades de Pedra. Suas músicas e shows vídeos podem ser acessadas no canal do youtube. https://www.youtube.com/c/seukowalskyeosnomadesdepedra