Gilson Lima
PALESTRA APRESENTADA NO XII Congresso
Brasileiro de Sociologia, realizado
em Belo Horizonte MG, em junho de 2005.
É um prazer
estar aqui nessa cidade onde nasci e ao mesmo tempo onde nunca morei. Aqui, nessa cidade - desde o meu nascimento, ficou claro que
seria nômade. Nasci aqui e nunca morei aqui. Na verdade, isso foi em 1960. Porém, acabei tornando-me um
sedentário desorientado. Mas a tensão entre ficar e querer me mover, me
perseguiu durante muito tempo. Resolvi, então, assim: movia-me sempre, mas o
mais rápido que podia corria para meu cantinho, meu lugar, meu ninho. Assim foi
minha formação nômade e minha carreira de cientista nômade.
Então sociólogos e cientistas do
humano. Quando a ciência cartesiana alcança de modo decisivo o mundo do oculto,
do não-visual, da informação computável, da comunicação eletromagnética e do
infogênese, ela macroparadigmaticamente entra em crise e se deteriora. O
próprio Einstein afirmou que o chão escorregou de nossos pés. Então, como
testar o conhecimento e fazer ciência sobre o que não se vê? Como testar o
conhecimento e fazer ciência sobre o que não se vê? Esse julgamento fica muito
visível quando se trabalha a lógica binária computacional deslocando a questão
para a maneira como a "linguagem" computável cria relações entre o
visível e o invisível.
Assim, em uma sociedade complexa
na qual o conhecimento é o fator mais significativo de geração de riqueza, o
estudante deve ser remunerado - e bem remunerado também para estudar. Não se
trata de política assistencialista, mas de investimento. Investir em
conhecimento é o que de mais significativo se pode fazer em uma sociedade
complexa.
Aqui acredita-se que se tem um
problema significativo. Tomando-se apenas um as¬pecto dessa crise que percorreu
todos os campos do conhecimento moderno e conforme foi destacado ao se afirmar
que Einstein colocou isso de uma maneira bem clara - e ele entrou em pânico com
o problema que tudo está saindo dos olhos, ou seja, tem-se de produzir
conhecimento sobre coisas que não se pode mais ver e que o chão escorregou dos
pés. A matéria não é mais o lugar onde se pisa. Deve-se reinventar a produção
do próprio conhecimento e o modo como se o produz.
Por exemplo: um dia desses, o
distribuidor de livros de minha editora deu-me uma carona. Estávamos passando
por uma região da cidade de Belo Horizonte que ele denominou de crackolândia
(onde se vende e se consome crack), tido como um lugar perigoso e violento. De
imediato, ele fechou os vidros do carro. Logo a seguir toca seu telefone celular.
Eu lhe disse:
"Ou você não
atende ao telefone ou abre um pouco os vidros a fim de que tais espectros
eletromagnéticos possam sair e não fiquem incomodando nossas sinapses mentais;
não estou a fim de desorganizar minhas interações celulares que já são
complexas sozinhas, tentando manter minha identidade de vida e que serão ainda
mais perturbadas por esse monte de elétrons que vão incomodá-las com seu
receptor de satélite de ondas de alta frequência"
E claro que
ainda não se sabe ao certo a efetiva implicação geral do imenso espectro
eletromagnético sobre a organização celular, sabe da dança vibracional que ela
implica. É certo que também as grandes
empresas não estão interessadas em testes, que são longos e caros, e devem ser
feitos em microescala e não na macroescala física. É certo que muitos dos
políticos e da justiça pública nem sabem que isso é um problema. Em todo caso,
é uma questão a ser discutida em um mundo onde cada vez mais poluição não é
apenas o absurdo do veneno que sai dos canos de descarga dos automóveis, dos ônibus,
dos caminhões..., mas também, e cada vez mais, poluição eletromagnética.
Este exemplo traz a questão que muito
clara:
qual é o papel de um sociólogo no sentido de
construir uma janela onde o senso comum se enxerga em uma nova complexidade do
próprio senso comum. Como trazer os múltiplos planos dimensionais da realidade
provenientes principalmente do mundo microfísico e nanofísico, para uma escala
social que é também múltipla, mas visível no plano macrofísico do tecido social
da sociedade simples.
Por exemplo, a nanociência e a
nanotecnologia contemplam o universo nanométrico, no qual a dimensão física é
representada por uma unidade equivalente a um bilionésimo do metro. Não se
trata mais das partículas do universo microfísico, ou seja, do mícron com um
milhão de partes iguais de um metro. Trata-se agora do nanômetro, de uma
nanopartícula do tamanho de um bilhão de partes iguais de um metro.
Quase tudo que se acha pequeno e
invisível que é utilizado pela microeletrônica, inclusive a microeletrônica
computacional, opera na escala do mícron, e não do nanômetro, mas, mesmo assim,
a emergência da informação computacional tem desafiado todos a enfrentarem
dilemas complexos que deixam as pessoas meio atordoadas com suas implicações no
mundo organizacional em nossas sociedades.
Se a microinformação desafia para novas
microquestões sociais e para uma efetiva microdemocracia em interconexão
complexa com a nossa frágil macrodemocracia, a nanoinformação impele o sujeito
a, além disso, enfrentar a nanodemocracia e o impacto de novos acessos à renda
não pelos velhos trabalhos industriais, mas pelo próprio conhecimento do conhecimento.
O desafio de uma sociologia que
enfrente a complexidade informacional dos diferentes planos dimensionais da
realidade é imenso. Por exemplo, tem-se de discutir com os nanobiotecnólogos
que os testes da nanopartículas devem ser realizados também, e com muito cuidado,
na escala nano. Um elemento químico na escala macrofísica não age da mesma
forma na escala nano. O alumínio, por exemplo, que os dentistas utilizam na
escala macrofísica para consertar os dentes de seus pacientes, na escala nano,
é um explosivo. Assim, as nanopartículas soltas no meio ambiente devem ser
testadas e verificados seus riscos também na escala nano.
Igualmente os sociólogos devem
disputar a sua participação nos projetos de nanotecnologia desde sua origem.
Não se trata de lembrar dos sociólogos apenas depois que os produtos estiverem
prontos e chamá-los para convencer a sociedade de que eles não provocam riscos
sociais e ambientais. Como afirmou Boaventura, todos os cientistas são sociais
e todos os projetos físicos também são projetos sociais, assim como todos os
projetos sociais são também físicos.
Não é o que se está verificando
nos editais do CNPq, que têm uma verba para projetos-produtos sem a presença,
desde a origem, de sociólogos e que têm uma nanoverba para a percepção da
nanotecnologia com sociólogos e cientistas sociais de modo muito fragmentado.
A complexidade chegou para
revolucionar as concepções de espaço e de tempo. Não havendo simultaneidade
universal, o sólido tempo absoluto e o espaço absoluto de Newton deixam de
existir. Zygmunt Baumann em consonância com a física quântica fala da
modernidade líquida, de uma sociedade sólida que está derretendo e, assim,
distribuindo seus sólidos poderes funcionais. É um grande acontecimento, um
derretimento das instituições sólidas que envolvem novas conexões e uma nova
transubstancialização do poder. Vive-se também uma sociedade cada vez mais
simbiogênica que borra suas sólidas fronteiras.
A produção do conhecimento
sociológico hoje está permeada, por todos os cantos e de modo intenso por
acontecimentos que querem que nos desassosseguemos do sossego funcional dos
fatos. Não é a sociologia em si que se desassossega, mas nós, um sociólogo
efetivo, um cientista com endereço, um pensador ou um professor com nome e
sobrenome. Eu e você que orquestramos também um nós. É cada um que,
desassossegando-se de si mesmo, desassossega a sociologia para que eu, você,
nós e a sociologia possamos mais intensamente acontecer no mundo.
Pensa-se, por exemplo, que o que
aconteceu com os transgênicos é uma experiência que deve ser muito estudada
para se para aprender, principalmente, como não fazer essa passagem da relação
entre a complexidade e o senso comum e se estar atento também, além dos
visíveis interesses mercantis do conhecimento tecnológico, ao papel conservador
dos pré-conceitos cientifóbicos. A gente aprende fazendo isso errando, assim
como a gente aprende fazendo ciência errando nos experimentos dos laboratórios
também.
Então, quer-se chamar atenção
para uma questão:
A sociologia que estamos produzindo,
também a formação de novos sociólogos está adequada para dar conta de uma
tradução e de uma construção, de uma formação e de um diálogo complexo efetivo
de facilitação, cooperação e problematização com toda essa emergência que se
está construindo, sobretudo a partir da aceleração tecnológica da Segunda
Guerra Mundial? Responderia: NÃO!
Vamos enfrentar isso quando
pararmos de fazer apenas alguns papers e livros e começarmos a mexer em nossa
cultura de ensino-aprendizagem do que se está atualmente trabalhando com o que
é ser sociólogo nas atuais sociedades complexas e na estrutura institucional do
poder disciplinar em nossas sociedades.
A mesa-redonda que originou este
ensaio é uma demonstração de uma aula de sociologia do presente. Isso não
significa que se deva desconsiderar nossa tradição, o nosso património clássico
e não negociar com a importância do conhecimento reflexivo e enfrentar, não de
modo dogmático, os interesses que querem apenas transformar nossas
universidades, sobretudo as privadas, em fábricas de procedimentos peritais,
que impedem que as pessoas continuem pensando de modo também complexo o mundo
social, político e cultural.
Na fase atual de transição
paradigmática em que nos encontramos, são já visíveis fortes sinais de um
processo de fusão de estilos, de interpenetrações entre cânones e a necessidade
de revisitarmos os velhos cânones, verificarmos o que está oculto sob a óptica
de novas percepções em emergência. É assim que é possível então dotarmos os
velhos clássicos e fundacionistas das ciências sociais de importância.
Apenas um pequeno exemplo do
potencial dessa revisitação de nossa tradição clássica sobre o olhar da
complexidade. Durkheim, inclusive, integrou a emergente sociologia moderna em
uma modesta incursão precoce com a termodinâmica, a bioquímica e a eletricidade,
na sua visão de teoria social e de sociedade, que era muito interessante. É o
que se vê quando nos deparamos com seu conceito de anomia nas esferas orgânicas
e críticas.
Já nascemos, claro, com todos os
problemas implicados no positivismo e somos críticos, mas surgimos como área do
conhecimento moderno destinada a dialogar com o mundo físico e o mundo social.
O primeiro pensador a se destacar neste esforço foi Saint-Simon, muito
conhecido por ter fundado a vertente do socialismo utópico de perfil mais
tecnocrático. Ele cria a ideia de um novo saber chamado de fisiologia social.
Entretanto, é seu discípulo, Augusto Comte (1798-1857), que, após romper com
seu mestre, em 1824, pode, de fato, ser considerado o mais importante pioneiro
da sociologia. Foi esse homem que inventou a palavra "sociologia". No
entanto, Auguste Comte cunhou primeiramente essa recém-criada ciência interessantemente
com o nome de "física social".
Outro importante autor pioneiro
das ciências sociais que também dialogou com a física e, muito mais
precisamente, com o mecanicismo biológico, foi Herbert Spencer (1820-1903). Ele
foi o criador de um pensamento social que muito influenciou a sociologia, conhecido
como organicismo. Para Spencer, a sociedade assemelha-se a um organismo biológico.
Ele desenvolve uma lei geral que diz que as sociedades passam ou passarão por
um estado primitivo, caracterizado pela simplicidade e pela estrutura
homogénea, para um estado de complexidade crescente, caracterizado pela
heterogeneidade progressiva das partes como novos modos de integração. Suas
obras mais importantes são: Estudo da sociedade (1873) e Princípios de
sociologia (1876).
Também Karl Marx e Emile
Durkheim, dois dos mais importantes fundacionistas das ciências sociais,
igualmente viajaram com Newton na esteira da física clássica e esperavam
descobrir os axiomas e princípios básicos da vida social. O universal
maquinismo de relógio converteu-se em modelo, a partir do qual se comparava o
Estado com um mecanismo preciso, sujeito a leis, e se retratavam os seres
humanos qual máquinas viventes com conexões funcionais de peritagens ou força
de trabalho. As leis deterministas da história, de Marx, a teoria da evolução
de Darwin, ainda que muito mecânicas e reducionistas diante da cooperação,
assim como o modelo "científico" de Freud, que apresentava o ego como
um sistema hidráulico, provêm da mesma fonte. Também entre os pioneiros da
sociologia moderna encontra-se Vilfredo Pareto que se apoiou abertamente em
metáforas mecânicas e térmicas para descrever a dinâmica da sociedade.
Quando Durkheim foi estudar uma
sociologia do conhecimento e em suas pesquisas de campo deparou-se com o
simbolismo dos totens das tribos australianas apoiou sua explicação do
conhecimento na sinergia festiva dessas tribos com a revolução dos elétrons (baseada
em concentração e dispersão das festas coletivas, em sua obra Formas elementares
da vida religiosa), que é uma ideia central do paradigma da complexidade. A
crise da anomia pode ser entendida, então, como a preponderância da dispersão
sobre a capacidade de auto-organização, que mais tarde demonstrou Prigogine com
sua teoria das estruturas dissipativas.
No entanto, hoje, diferentemente
de Durkheim, já se aprende com a complexidade de que o mundo não tem mais uma
estrutura implícita. É uma estruturação sem estrutura. É organizado, mas não é
dado como organizado.
Outro dos principais fundadores
das ciências sociais, Weber, desconfiava explicitamente do trilho mecanicista
da velha física. Max Weber teve uma formação académica muito ampla, concentrada
em estudos de direito e com profundas incursões pela história, economia,
filosofia e mesmo teologia. O que mais nos importa aqui é a ideia de que, para
Weber, era necessário descobrir um método que permitisse estabelecer com
referência aos fenómenos das atividades humanas, o que o método experimental
permitia realizar em relação aos fenómenos da natureza.
Weber defendeu que, em lugar do
método experimental, que teria escassa aplicação nos conhecimentos baseados na
percepção sensorial, os cientistas sociais, ao lidarem mais claramente com
fenómenos subjetivos e da compreensão, tinham necessidade de um novo tipo
metódico de mensuração e construção teórica. Weber criou o método que permite
lidar com fenómenos de sentido, o método de compreensão, realizado por meio do
tipo ideal.
Analisando-se hoje o método
compreensivo weberiano, encontra-se uma grande sintonia em Weber, integrada com
as preocupações atuais da física quântica que esboça uma reinvenção e uma
ênfase numa nova e profunda espiritualidade. Weber estudou também fenómenos
como erotismo, teologia e expressou reflexões que oferecem um amplo
signi-ficado aos valores. Integrou na ciência preocupações espirituais de modo
complexo. Deixou suas lições em seus estudos orientais de que a dimensão
espiritual na sociedade não precisa e não deveria se identificar com nenhum
grupo particular ou organização particular, tinha que ser pluralista e que os
ocidentais deveriam aprender a conviver com multiplici-dade de expressões
culturais e espirituais.
Muito próximo das atuais teses do
novo paradigma científico defendido pela física quântica, o próprio Weber
assinalou que o "motivo" é uma conexão de sentido, que se apresenta
como o "fundamento" de uma conduta para o ator ou para o observador.
A "causa" é explicada nos seguintes termos: de acordo com uma
determinada regra de probabilidade - qualquer que seja o modo de calculá-la e
só em casos raros e ideais ela pode ser traduzida segundo absolutos dados
mensuráveis, pois a cada um determinado processo (interno ou externo) observado
segue-se outro processo determinado (ou aparece junto com ele).
Weber instaura, na sociologia e
nas ciências sociais, uma efetiva ruptura com o naturalismo determinista. Para
ele, os fenómenos sociais e as atividades humanas são relações sociais, e não
coisas; são produtos de sentido e conhecimentos baseados na internalização da
percepção sensorial, ou seja, são fundamentalmente fenómenos subjetivos a serem
compreendidos.
Não é apenas a física que nos
fornece analogias, nós também oferecemos muitas anologias para as ciências
ditas "naturais", "duras" ou chamadas equivocadamente de
"exatas", como se a exatidão apenas se relacionasse a um monopólio de
saber específico (racional) ou há algum tipo de área de conhecimento. A
exatidão é um compromisso para qualquer tipo de conhecimento complexo,
inclusive humano ou não-humano. Hoje, a própria física aplica muito do que
Weber postulou para as ciências sociais como método específico. A intervenção
estrutural do sujeito na observação (o encapsulamento entre a dualidade onda e
partícula, por exemplo), a questão da indeterminação diante da totalidade
sistémica, a complexidade entre o sujeito e o objeto, a busca de uma nova e
complexa espiritualidade para além da espiritualidade racionalista e instrumental
ocidental... No entanto, para se levar adiante muitas das proposições
weberianas será preciso romper com a sua determinação de que na realidade existe
um lado, existe um mundo físico, natural com suas leis e, de outro, o mundo
cultural, das ciências do espírito com suas complexidades e especificidades.
Tem-se que realizar o que Boaventura sintetizou de modo muito preciso como a
ideia de que, na complexidade, todas as ciências são sociais. Diria todas as
ciências agora são físicas e sociais em similitudes complexas.
Enfim, na sociologia moderna,
encontra-se essa ligação mais ou menos explícita desde o pioneiro Augusto Comte
e sua intrigante física social, em Herbert Spencer, em Durkheim que, inclusive,
integrou a emergente sociologia moderna em uma modesta incursão precoce com a
termodinâmica, a bioquímica e a eletricidade e, até mesmo, em Karl Marx. Mesmo
em nossa tradição sociológica, o conhecimento físico e o social não estão tão
separados como muitas vezes se imagina.
Assim, o que se tem de começar a
fazer primeiro é experimentar essa experiência didática de humildade no
diálogo. A primeira coisa que um sociólogo que deseja uma sociologia contemporânea
do presente tem a fazer é uma sociologia da escuta, do saber ouvir e saber
ouvir o outro como outro. Não aquela velha prática do "quando vou
conversar com o outro" (aqui uma outra área de conhecimento) tenho apenas
que transformar o outro em um pequeno sociólogo, que ele primeiro tem que
entender Marx, Durkheim e Weber e, a partir daí, pode-se estabelecer o contato
e o diálogo. Nós, sociólogos, temos que aprender a ouvir e a dialogar como
pares. Essa questão enfrenta hábitos muito fortes na tradição sociológica. Por
exemplo, o sonho de Augusto Comte de que somos a mãe de todas as ciências, o
topo da pirâmide do conhecimento. Assim, não dialogamos com a física e nem
citamos os físicos em nossas pesquisas por que eles também consideram a sua
área de saber como a mãe de todas as ciências. Assim também como os físicos que
nos citam são desconsiderados como físicos. Um conflito de édipos.
Isso implica também se começar a
ler coisas a que não se está habituado. Entender coisas que não se está
habituado a entender. Enfrentar problemas que nos tiram de nossos cómodos sofás
de conceitos estabelecidos, os quais, às vezes, estamos desfrutando há mais de
20 anos de comodidade estática.
Por exemplo, uma experiência
muito interessante sobre a nanotecnologia foi a do professor Henrique Toma, ele
que é um dos maiores e reconhecidos especialistas em nanotecnologia, fez um
esforço imenso para traduzir a nanotecnologia na série, inventando o futuro da
editora Oficina de Textos. Por exemplo,
um dos problemas principais de comunicação, mesmo binária, entre os softwares é
o protocolo. O protocolo é fundamental porque é o modo no qual todos passam a
compartilhar o mesmo significado, mesmo sendo diferentes e tendo cada um dos
softwares seus protocolos específicos. Imagine-se quantas e quantas as versões
desse livrinho chamado O mundo nanométrico foram necessários para o professor
Toma traduzir todos os avanços tecnológicos e metodológicos para um protocolo
em que se possa entendê-las também na escala macrossocial.
Parece-me que esse é um dos mais
significativos papéis da sociologia imersa na complexidade do conhecimento nas
sociedades contemporâneas. Não em busca de um protocolo superior, mas como um
nódulo complexo que permeia em similitudes as fronteiras, de modo que possamos
novamente nos entender diante da surdez da hiperespecialização do saber
moderno. Por exemplo, para um sociólogo entender os meandros da nanotecnologia,
ele terá de entender e estudar também muito biologia. Para entendermos de
informática não precisamos saber programar códigos e instruções binárias, mas
temos de saber o que é um algoritmo, como posso transformar em algoritmo um
problema social e quais são os potenciais e os limites de uma lógica discreta
traduzida em algoritmos ante os fenómenos sociais.
Em Nômades de Pedra: teoria da
sociedade simbiogênica,
meu principal livro, defendo a proposta de uma mova dobra complexa da teoria
social envolvida numa sociedade simbiótica, ou seja, preciso um conhecimento
teórico e empírico que ligue de modo complexo teorias e empirias, no qual o
conceito de simbiogênese constitua-se, sempre, como um transdutor do pensamento
e da ação, que converta em symbíon (um fazer e viver junto, sempre), tanto
nosso pensar e nosso agir no ecomundo e na complexa vida social. A palavra
transdutor define literalmente qualquer dispositivo capaz de converter um tipo
de sinal em outro, transformando uma forma de energia em outra. Aqui a ideia de
interfaces transdutoras refere-se a essa capacidade de transmudação por meio de
mediações.
Encerra-se este artigo com a
ideia de que nunca o conhecimento precisou tanto da sociologia e nunca a
sociologia foi tão necessária. Físicos não são únicos ao solicitar a presença
dos sociólogos na complexidade. Às vezes os físicos têm que fazer o esforço da teoria
social e produzir sociologia na ausência contempor^~anea da socielogia presa
nas grades da baixa complexidade do Século XIX e no vácuo da complexidade, fazem
o quie se tem que fazer sociologia também e isso é também positivo.
A sociologia desempenha um papel
fundamental hoje, não para querer novamente ser a mãe de todas as ciências,
como Comte e alguns sociólogos ainda pretendem, mas ser um espaço fundamental
de um caldo de uma sopa de muitos e diferentes ingredientes, uma sopa de
ingredientes muito complexos. Tem-se que aprender com os pré-modernos onde todo
o conhecimento tendia a se aproximar em similitudes. Aproximar, cooperar e
conflitar, mas dentro de um princípio de similitude.
A sociologia tem condições
históricas e acúmulo reflexivo para desempenhar seu papel na complexidade.
Talvez diminuir um pouco o peso estrutural da teoria e visitarmos mais
experimentos, os laboratórios científicos e termos também nossos pequenos
laboratórios de experimentações, pois, como Weber ensinou, é muito complexa a
construção dessa tarefa de um redutor da complexidade que não simplifique a
complexidade.
Já devíamos estar fazendo muito
mais do que estamos fazendo. Porém, já existem também muitos sociólogos e
pensadores sociais tanto no Brasil quanto em outros países fazendo isso e com
qualidade. Para não cometer injustiça, deixa-se de mencionar algum sociólogo ou
cientista social brasileiro, mas, por exemplo, destaca-se o esforço na produção
de alguns pensadores sociais e sociólogos que estão dialogando com os mais
diferentes campos da ciência, tais como Edgar Morin, que já produziu uma
extensa obra, produto de um frutífero diálogo com cientistas de vários saberes;
Ulrich Beck, que está permitindo o renascimento renovado de uma sociologia na
Europa, com o seu diálogo profundo com a teoria do caos; Zygmunt Bauman que, em
diálogo com a física quântica, demonstrou que nossa modernidade é cada vez
menos sólida e cada vez mais líquida, além de vários outros autores e
sociólogos tanto em nosso país quanto em outros que estão fazendo esse esforço.
Para concluir, uma historinha
narrada pelo cientista Otto Neurath que conto em meu livro aqui já citado,
adaptada em uma metáfora.
Imaginemo-nos marinheiros em alto mar, viajando nessa
embarcação, todos estamos razoavelmente incomodados com nossas cómodas
disciplinas e todos sabendo que está acontecendo um processo de aproximação de
um enorme maremoto, o qual vai realmente impedir que continuemos nossos cursos
de forma tranquila. Nossa engenharia de navegação, da forma como ela foi
construída, não dá conta de nos manter seguros. O que temos que fazer. Primeiro
não temos agora nessa situação capacidade de ir a algum porto seguro ou terra
firme e nos escondermos do tsunami, estamos sozinhos e em alto mar. Nessa
situação vamos ter de sentar todos os marinheiros e arrumar uma maneira com os
nossos mesmos materiais, com nossas mesmas madeiras, com nosso mesmo barco
mudar o próprio barco para enfrentarmos o tsunami.
Essa não é uma missão fácil, mas
essa é a missão dos sociólogos e, diria, de todos os cientistas hoje.