Por que o novo é novo?
Uma ou outra vez na história, ao serem tomadas por pulgas, submergem pouco a pouco na água para concentrar todas as suas pulgas nos seus focinhos e; com um rápido mergulho, livrarem-se delas. Assim, devemos diminuir nossa estranheza de que de tempos em tempos tenhamos que sacudir nossa própria cultura e ficarmos desnudos dela. (Ortega Y Gasset).
Gilson Lima. Doctor en Sociología por la Universidad Federal
de Rio Grande do Sul. MEMBERSHIP e Representante
Regional - Brasil do Comitê de pesquisa RC46 CLINICAL SOCIOLOGY da ISA -
International Sociological Association. Pesquisador do CNPq www.cnpq.br/
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - "National
Counsel of Technological and Scientific Development" - con actividades
experimentales en la área de la interface entre cuerpo-cerebro-miente-máquina
visando generar nuevos productos y procesos de políticas de rehabilitación y
neuro aprendizaje envolviendo situaciones críticas de déficits y lesiones. Pesquisador
e Sócio Proprietário da NITAS LTDA: inovação e tecnologia – com atividades na
área da interface entre corpo-cérebro-mente-máquina.
Fragmento do Livro: Nômades de pedra. Autor:
©Gilson Lima, 2005.
Capa e projeto gráfico Bureau
Escritos
Revisão: Lúcia Regina Lucas da
Rosa
Revisão Final: Iara Linei
Romero
Dados Internacionais
de Catalogação na Publicação (CIP)
L832n
Lima, Gilson Luiz de
Oliveira
Nômades de pedra: teoria da simbiogênese
contada em
forma de prosas /
Gilson Lima ; Prefácio: Domênico De Masi. Tradutora do prefácio Flávia
Movizzo Smith. ¾ Porto Alegre: Escritos, 2005
306 p. ; il.
ISBN: 85-98-33422-4
1. Sociologia Contemporânea. 2. Prosa Sociológica. 3. Estu-
dos
de Tecnologia e Sociedade. 4.
Sociologia das Ciências.
5.
Cultura e Sociologia. 6. Literatura e Sociologia. I. Smith,
Flávia Movizzo. II. Título.
CDD 301
301.2
|
Bibliotecária
Responsável: Ginamara Lima Jacques Pinto
CRB 10/1204
Todos os direitos desta edição
reservados ao autor: Gilson Lima.
Escritos editora
Porto Alegre –RS
Brasil/2005
É de
Nietzsche a ideia de que o esquecimento é uma habilidade importantíssima para a
vida. A faculdade e o direito a ele são vitais e indispensáveis ao prazer
humano; praticamente uma condição da vida. A história não pode transformar
nossas vidas em um pesado fardo que nos transforma em funestos coveiros do
presente. É necessária a atrofia da história para a imersão vital no presente e
para o surgimento do novo e sua conversão em futuro.
Vamos
dar um exemplo. Imaginemos um programador de computador. Nesse sentido, ele
deve esquecer quase tudo que lhe ensinaram
nas disciplinadas universidades industriais sobre como fazer um software, não
sobre programação e suas fórmulas algorítmicas, mas sobre o disciplinado
espírito de engajamento meramente perital e funcional a um projeto de opacidade
e vazia de conteúdo estético e de envolvimento emocional.
Se Miguelangelo estivesse vivo,
certamente, estaria pintando pixels em telas eletrônicas integradas em
múltiplas técnicas de produzir imagens e sons, numa atenção sensível aos
detalhes. Pois, um artista sabe, se não há detalhes, não há projeto artístico.
Como clichê, ouvimos várias vezes que uma imagem vale mais que mil palavras, e
a computação reflete isso na quantidade de bits necessários para produzir uma
imagem. Pois, um arquivo de imagem é, coincidentemente, cerca de mil vezes
maior do que um arquivo de texto.
Os projetos de softwares devem ser
entendidos como quadros de uma obra de arte e seus projetistas como potenciais
renascentistas. Considerar a estratégia técnica é um imperativo categórico para
um programador de software. Porém, integrar estratégias criativas em simbiose
com elas, implicaria levar em consideração a exploração de representações
visuais, espaciais, de textura, de áudio, além de evitar a abstração exagerada
de valores e procedimentos funcionais. Implica, também, em acolhermos
ambigüidades possibilitando as expressões de múltiplos significados. Assim, um
artista do software será além de um grande perito funcional, alguém capaz de
potencializar ao máximo suas intuições e sua capacidade imaginativa.
Nada disso será válido, se os
informaticistas não romperem com certa prepotência natural que historicamente
pairou e foi reforçada em sua formação lógica autofágica; tendo clareza de que
nada valeria a pena se do outro lado do software não estivéssemos vendo um
usuário que, a seu modo, é também um legítimo ser criante da mesma obra
mutante.
Assim, um projeto criativo de software sempre permitirá disparos de
motivações e facilitará a inclusão de novos artistas estranhos e amadores que
compartilharão de uma obra de arte que também funciona e, muitas vezes, opera
tão sutilmente bem, que nós nos sentimos, simbioticamente, dentro da tela,
mexendo nas tinturas dos pixels, como se estivéssemos dentro de uma generosa
oficina de um velho e sábio inventor da arte de imaginar o mundo, imaginando a
si mesmo, nele.
Se o
exemplo de uma “aparente” área dura do conhecimento, programação de software já
nos serve de referência para a lição nietzschiana, imagine o que nos reserva os
outros campos do conhecimento complexo, que a simbiose com a sociologia da
simbiogênese, nos permitiria.
É bom lembrarmos que Nietzsche, ao que nos parece,
não está defendendo um elogio simplório do esquecimento, mas de uma crítica da
relação moderna de submissão da vida à história, aos fatos, ao cronos e ao
técno-poder sistêmico empobrecido. Uma crítica da relação a um passado com
potência colonizadora sobre o presente e que castra e impede a criação do
futuro.
Para
criarmos um futuro novo no agora, temos que ignorar muita coisa do presente,
que o impede de emergir e, sobretudo, de sermos injustos com o nosso passado.
A vida é sempre interessada. Escolhemos
sempre as circunstâncias que julgamos interessar-nos num determinado momento. É da injustiça da vida em relação ao nosso
passado, a nossa história, que produzimos e criamos o novo.
A justiça do
presente é a que ignora o instante como algo ainda não domado e de
potencialidade e indeterminação sobre o futuro. É a que não permite que o homem
se realize como um experimentar de si mesmo, como afirmou Nietzsche.
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ENTENDENDO O TEXTO PAGUS
1) Em primeiro lugar, ele é escrito
em páginas estáticas que são as demarcações físicas de um plano reto, do tipo
tábua.
2) Tem um ciclo próprio, ou seja, um
início, um desenvolvimento e um fim, portanto, é uma unidade isolada, ou seja,
um livro é uno, uma unidade em si mesma. Mesmo uma coleção ou enciclopédia de
livros é um conjunto seqüencial de unidades isoladas que formam o conjunto de uma unidade maior, a
enciclopédia.
3) A organização da sua
narrativa, do que está escrito é linear,
como se seguíssemos uma linha, como se cada vez mais acumulássemos conhecimento
progressivamente enquanto caminhamos na linha imaginante da leitura. Alguns
cientistas pensavam que nós transferíamos com a leitura direta ou até indireta
através de alguém que pudesse ler em voz alta um texto, um estoque de
informações que estavam impressas nos documentos que eram lidos e que se
deslocavam para o cérebro. Achavam que Assim que nos tornávamos inteligentes.
Hoje sabemos que esta é uma maneira muito primitiva da inteligência, conhecida
como memória primária.____________________________________________________________________
Síntese: Fatos x acontecimentos
Os fatos são ordenados no tempo, dispostos em seqüência como uma fila; agrupam-se apertados, pisam nos calcanhares uns dos
outros. Suas almas serão marcadas sempre
pela continuidade e sucessão. Cada fato tem uma passagem, tem seu lugar
reservado para sua viagem no trem da história. como todos bem sabem, para
manter o trem da história no trilho é necessária uma meticulosa assistência de
disciplina, um apurado e detalhado controle. Privado desta assistência
controladora, o tempo fica propenso totalmente a transgressões, travessuras
irresponsáveis, palhaçadas amorfas. Ao não exercermos vigilância no trem, ele
descarrila, vira turbulência, cria suas travessuras.
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É através do peso do passado que selecionamos as circunstâncias do presente. Para emergir o novo na vida precisamos, como defendeu Nietzsche, de certo esquecimento, de certa não-história, de liberação do fardo da história, possibilitando o surgimento de uma atmosfera potencializadora e liberadora do desejo de imaginar e de criar, que se efetiva no fragmento do instante, onde encontramos mais profundamente a fonte de criação que permite a emersão do novo, da novidade, sem a qual, apenas reproduziremos o curso natural colonizado por cartografias de pesadas lembranças acumuladas por um excesso de memória.
Temos, assim, na emergência do novo a importância de na topografia do tempo, de modo muito destacado, o papel do instante. Apenas quando o homem é forte o suficiente para dobrar o passado em benefício da vida é que pode inaugurar e tornar o novo vivo, onde, pela emergência do novo, o nosso velho “tudo” consolidado se desfaz.
Para isso, precisamos ser injustos com nossas histórias. Quem consegue viver numa atmosfera de nuvens de esquecimento, estará vivo para o novo e apto a tornar o novo vivo.A modernidade congelou o instante e o presente ficou submetido ao trajeto unidirecional de uma flecha originária de um passado, de um acúmulo de encadeamentos factuais que progride em uma mono-direção ao futuro.
A
valorização do arrebatamento do umbral do instante é a valorização do nosso
estado vital mais limitado e cego aos perigos.
Talvez por isso pode até ser um
ato muito ingrato com o passado, mas o instante não apenas engendra contra as
ações justas do passado, mas engendra também todos os seus atos de injustiça e
é esse mesmo instante, esse fragmento turbinado de vida que nos tornam vivos.
É
nele que a vida acontece e, sem os instantes, nenhum artista teria realizado ou
realizará suas grandes obras, nenhum imperador teria conquistado seus impérios.
As
grandes criações, as ações extraordinárias, as grandes invenções são exemplos
cabais de instantes envolvidos pelas nuvens de esquecimento, uma gama de
fragmentos extraordinários de traições e de injustiça diante da história.
O instante são fragmentos de vida
que se desprenderam do círculo vicioso da memória do qual pode aflorar o
surgimento do novo, sobretudo a partir de suas traições e injustiças sobre as
crenças e fatos do passado,
do rompimento com o ordinário e da
realização do extraordinário na vida. O direito ao novo, que deve nascer da
criação do que pode vir, nos impele à traição ao passado, para que possamos ser
justos com nosso futuro.
A
racionalização moderna ergueu suas cercas visando a transformação absoluta da
quase infinita potência da escuta sensível da imaginação humana enclausurá-la
num oceano já mensurado e congelado. É vital para uma dobra criativa que
converta o instante em um novo futuro.
Trata-se
de enfrentarmos radicalmente a ideia que conhecemos de fatalismo,
o qual implica, nada mais nada menos, em um respeito incondicional à
potência dos fatos, à crença determinante neles, nos seus encadeamentos históricos tal como a história nos
inscreve. O respeito a essa potência factual é também o respeito aos interesses
dos mandarins desses fatos. Trata-se de uma concepção que aborta o novo, o que
está em vias de nascer. O novo quase sempre ofende o que existe, porque em
geral ele é, inevitavelmente, impiedoso e injusto também com o passado.
Síntese: Fatos x acontecimentos
Os acontecimentos são múltiplos fragmentos que chegaram atrasados à estação da vida e
perderam o trem da história. Eles chegaram na estação quando já tinha sido
realizada a distribuição das passagens, por isso, não possuem lugar no trem.
Ficam vagueando e ziguezagueando sem rumo definido pela vida.
Os acontecimentos também não são contrabandos que encontram lugares
clandestinos nos vagões. Na verdade, eles não cabem no trem, pairam
errantemente e sem lar, suspensos no ar. O tempo regular, cronológico é estreito demais para abriga-los.
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A
potência criadora acontece na crença, na paixão desmedida e no gosto pela
ilusão da particularidade e não na fria mensuração dos fatos, na sua pobre
datação e nominação petrificante.
A
imaginação criativa acontece numa perspectiva amante pela emergência do novo,
na paixão que arremata e contempla o instante na sua plena realização viva, no
jorro de sua novidade, que não pede passagem, apenas passa.
Assim,
os seres vivos e potencialmente criativos necessitam estarem envoltos num véu
de mistério, de vitalidade, de força, de garra, da ilusão necessária para enfrentarem
as cegueiras, as parcialidades desconsideradas, desfazendo o pesado fardo que o
passado impõe sobre o presente e o
futuro.
O
presente não é o instante; ele é o que é e não dá direitos ao que está vindo
expressar-se na sua potencialidade inovadora. Apenas é o que é, ou seja, o
presente. O instante se relaciona muito mais com o futuro; só esse pode habitar
a novidade do instante. É para ele que o instante impõe suas forças, visando
dobrá-lo em direção a um dever ser gerador de um habitat que possibilite
acolhê-lo no que de mais potente ele possui: a novidade criante.
A
história está apenas acostumada a traduzir o novo como acúmulo e sucessão. A
novidade precisa ser domada, explicada, decomposta, fazendo tudo para que o
novo possa emergir como uma obra que tenha pouco efeito inventante. A novidade
é assim, neutralizada, traduz o novo como uma reinauguração do velho, uma
continuidade melhorada.
A
história factual mensuradora, do mecanismo cogmnitivista da logica computavel, não só esvazia o novo e sua potência inventiva da
vida, mas ainda reduz as novidades, “as linhas de fuga” presas em seqüências de
uma cadeia de causas históricas, como que se reencaixasse as intempestividades
descarrilantes retornando sempre para o seguro trilho do trem da história.
É o moderno desejo cientificista que
pretende dar conta de tudo, deixando quase tudo de fora como se fosse apenas um
nada que nada tenha. Os velhos sábios hindus há muito tempo e a física
quântica mais recentemente, nos diz:
Prestem bem atenção! Há algo no nada,
há algo nos zeros formais criados pelos árabes, há algo impalpável, imaterial e
não é apenas um diminuto da solidez objetiva da matéria.
O mais estranho de
tudo isso é que estamos também ali naquilo que antes era nada, estamos em
profunda simbiose e ali estamos nós, mesmo estando também aqui simultaneamente.