TRAGÉDIA ANUNCIADA DA ENCHENTE DE 24 EM PORTO ALEGRE
Gilson Lima[1]
Muitos acreditam que as coisas do mundo são de tal maneira dirigidas pela sorte e por Deus, que os homens não podem com sua prudência corrigi-las... Essa opinião tem sido mais aceita em nossos tempos [...] Pensando nisso, eu, algumas vezes, e em certos casos, tenho-me inclinado a aceitar tal opinião. Não obstante [...] [um aceite quase certo movido por uma necessidade estratégica] comparo-a a um rio desastroso que, quando se enfurece, inunda as planícies, destrói as árvores e edifícios, carrega terra de um ponto ao outro, e diante do qual todos fogem e a cujo ímpeto cedem, sem poder coisa alguma intentar para contê-lo. Mas, apesar desta sua natureza, não é impossível aos homens, quando esse rio estiver em calma, tomar medidas preventivas, construindo barragens e diques, de maneira que, avolumando-se ele depois, ou correrá por um canal ou o seu ímpeto não será tão violento nem tão danoso. (Nicolau Maquiavel: O Príncipe)[2]
Porto Alegre, maio de 1941
Entre os dias 10 de abril e 25 de maio de 1941, ocorreu, na área central do Rio Grande do Sul, o maior evento de chuva de longa duração já registrado na região até aquele momento. O evento foi considerado um desastre natural, podendo ser explicado como a interação entre um fenômeno natural e a população, cuja ocorrência resultou em danos substanciais.
O acontecimento registrado constatou, em média, 660 mm de chuva em cerca de 20 dias; em alguns lugares, como Cruz Alta e Santa Maria, a precipitação atingiu 900 mm. A intensa chuva desabrigou cerca de 70 mil habitantes, mais de 600 empresas suspenderam suas atividades, e cidades ficaram isoladas, sem abastecimento alimentício, energia elétrica e água potável. Além disso, dados históricos afirmam que, em Porto Alegre, o nível do Guaíba atingiu aproximadamente 4,8 m (imagens abaixo), 4 metros acima da cota média definida na época, de 0,80 m.
O nível mais alto de registro que o Guaíba já havia atingido foi na enchente histórica de 1941, quando a água ficou entre 4,75 e 4,76 metros. Mas isso foi antes da enchente de 2024.
Foto da região do Cais Mauá durante o evento de cheia de 1941, em Porto Alegre. Acervo do Museu Joaquim José Felizardo.
Porto Alegre, maio de 2024
No dia 2 de maio, com as chuvas intensas, o nível do Guaíba começou a subir rapidamente, ultrapassando os 3 metros às 13h15min. No dia 5 de maio, a régua marcou 5,35 metros, estabelecendo o novo marco histórico de registro do nível de inundação do Guaíba em Porto Alegre.
"Uma sucessão de falhas nos sistemas de proteção contra inundações na capital permitiu que o centro histórico e dez bairros fossem diretamente atingidos, afetando mais de 150 mil pessoas e diversos equipamentos públicos, como praças, vias públicas, escolas e serviços de saúde".
A Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes envolta por água em Porto Alegre
O nível de alerta do Guaíba é de 2,5 metros. A inundação ocorre quando o nível chega a 3 metros, que é oficialmente a cota de inundação.
1. No dia 2 de maio, o nível do Guaíba passou dos 3 metros às 13h15min, ultrapassando a cota de inundação.
2. No dia 3 de maio, a marca já era de 4 metros.
3. Em 4 de maio, o nível já havia passado dos 5 metros.
4. Em 5 de maio, um domingo, atingimos o nível máximo. Foi o dia em que a consciência da tragédia iminente aumentou. O Guaíba chegou na madrugada desse dia a 5,35 metros — um recorde histórico[3]. Na manhã deste domingo, às 8h, o nível baixou 2 centímetros, indo para 5,33 metros, segundo a medição oficial da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema). A essa altura, cada centímetro contava muito, e às 7h, a medição, segundo a Prefeitura, estava em 5,30 metros.
5. No dia 6 de maio, o nível seguiu baixando lentamente. Às 9h da manhã dessa segunda-feira, marcou 5,27 metros, um alívio de 7 centímetros da marca histórica, indicando uma tendência de queda, mesmo que provisória.
6. Em 7 de maio, o Guaíba oscilou bastante, com momentos de elevação. A medição das 16h15min mostrava 5,25 metros. O maior registro desta terça-feira foi de 5,31 metros durante a madrugada, e o nível mais baixo foi de 5,22 metros na metade da tarde.
7. No dia 8 de maio, o nível do Guaíba desceu para 5,08 metros às 10h15min, mas ainda seguia 2 metros acima da cota de inundação de 3 metros.
8. No dia 9 de maio, o nível voltou a ficar abaixo dos 5 metros, marcando 4,90 metros às 15h15min, segundo medição da Sema e da ANA (Agência Nacional de Águas).
9. No dia 10 de maio, o nível do Guaíba caiu para 4,7 metros conforme medição feita na tarde desta sexta-feira pela ANA no Cais Mauá. Importante referência é que ficou novamente alguns centímetros abaixo da marca da enchente histórica de 1941, que foi de 4,76 metros.
10. No dia 11 de maio, o nível voltou a subir, ultrapassando os 5 metros mais uma vez. No dia 12 de maio, continuou a subir, atingindo 4,64 metros na madrugada deste domingo devido à chuva intensa em Porto Alegre, conforme medição da ANA.
11. No dia 13 de maio, o nível do Guaíba voltou a superar o da cheia histórica de 1941 pela segunda vez. Subiu rapidamente, atingindo 4,91 metros na manhã desta segunda-feira às 11h15min. O nível continuou a subir, chegando a 5,03 metros às 18h, segundo dados do boletim da Defesa Civil, com medição realizada pela Sema e pelo Serviço Geológico do Brasil.
12. No dia 14 de maio, Porto Alegre teve um dia sem chuva, mas com frio recorde, o mais frio do ano. O nível do Guaíba voltou a superar os 5 metros, chegando a 5,23 metros no final da tarde dessa segunda-feira. Segundo o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS, o Guaíba atingiu o nível máximo de 5,25 metros nessa fria terça-feira. Conforme a ANA, logo depois de atingir 5,25 metros às 20h15min, a medição variou entre 5,23 e 5,20 metros ao longo de 12 horas.
13. No dia 15 de maio, às 8h15min de uma quarta-feira, o Guaíba estava em 5,19 metros, segundo a ANA.
14. Na sequência, dia 16 de maio, a água passou a recuar novamente, voltando a ficar abaixo dos 5 metros e seguindo a tendência de estabilidade, indicando uma tendência de baixa do nível do Guaíba em Porto Alegre. Conforme medições realizadas pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestruturas (Sema) e pela Agência Nacional de Águas (ANA), às 5h15, a cota era de 4,98 metros. Foi o que aconteceu.
15. O nível do Guaíba, em Porto Alegre, atingiu 4,65 metros às 15h na sexta-feira, dia 17 de maio, sendo a menor marca desde domingo, dia 12 de maio. No dia 18 de maio, o nível era de 4,55 metros. No dia 19 de maio, o nível continuou baixando e atingiu 4,31 metros às 16h. Na segunda-feira, dia 20 de maio, com previsão de mais chuva, o Guaíba começou o dia a 4,31 metros.
Na noite de terça-feira, dia 21 de maio, pela primeira vez, desde 3 de maio, o nível saiu dos 4 metros , indicando o fim do ciclo da desse enchente diante das águas do Rio.
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Essa
longa análise é uma contribuição da minha experiência dentro das estruturas de
elite da Prefeitura de Porto Alegre no final dos anos 80 e início dos anos 90.
Também utilizei documentos e publicações técnicas para obter maior precisão
sobre tudo que aconteceu e poderia não ter acontecido.
Publicar
uma longa análise: alguns vão perguntar, isso ajuda em quê? Poucos ainda levam a
sério a reflexão intelectual neste país. Ainda assim, aqui está a minha em
esperança de que alguém ainda tenha discernimento para leituras que não sejam imagens,
leitor de vídeos ou links esquemáticos da Rede.
Claro que cada um contribui com suas habilidades adquiridas ou inatas. No meu caso, desejo também contribuir, como cientista, nesse desastre anunciado, publicando essa longa e responsável análise em busca de, pelo menos dessa vez, aprendermos com os erros do presente.
Porto Alegre foi a cidade que me acolheu. Eu, que nasci em Minas Gerais, na cidade de Belo Horizonte, uma cidade onde nunca morei, só nasci. O que não é pouco para um vivente e sobrevivente de um parto difícil.
Foi em Porto Alegre que fiz minha vida desde a adolescência, quando aqui cheguei. Aqui constituí minha família, estudei, fiz descobertas e realizações, algumas bem importantes e muitas vezes negligenciadas, como são as descobertas da inteligência nativa. Foi aqui também que a maioria dos meus erros foram cometidos, uns mais tolerados que outros. Aqui realizei ações e é onde vivo.
Como cientista, também compartilho da tristeza e dor de todos nós que aqui sofremos essa tragédia. Todos perdemos. Uns muito mais que outros. Mas ninguém pode ser feliz na dor, exceto bárbaros primitivos e covardes, que aproveitam a fragilidade do momento para assaltar, depredar e saquear. Mas eles são poucos, isso ficou claro. Deveriam ser identificados, ter seus nomes e fotos publicadas para que saibam que sabemos quem são. São a exceção da antisolidariedade.
Não quis publicar antes um texto assim, analisando os erros, as negligências e a incapacidade de se pensar no futuro. Dediquei à poeira e à água que sujamos, que é bem fedida, a baixar. Agora, a incapacidade de pensar no futuro, de não ter a capacidade de pensar no futuro, foi o principal combustível que gerou a tragédia da enchente de 24.
Não estou atrás das bruxas e bruxos culpados. Apesar de eles existirem. Uns mais culpados que outros, mas eles existem. Tem nome e CPF. Fazem parte da elite de gestão desta cidade. Governam, influenciam, financiam e aproveitam-se de suas influências. Faz parte. Uma elite ignorante só é possível com um povo ignorante. Uma elite evoluída só é possível com um povo evoluído. Uma elite violenta e de guerra só é possível se a sociedade é moldada para o conflito e todos se alimentam dele.
A qualidade da elite depende sempre da qualidade de seu povo, mas, como bem lembrou Maquiavel, as elites existem e existirão, e são fundamentais para uma sociedade complexa. Sejam elas as que buscam o poder de como as coisas são ou de como deveriam ser. Como as coisas devem se transformar ou se conservar, mas sempre teremos uma elite em sociedades complexas. Não sejamos ingênuos.
Meu intuito aqui é participar e ajudar nos esforços dos técnicos para uma maior conscientização dos erros cometidos, para aprendermos com eles, pois precisamos nos preparar para que isso não aconteça mais, nem daqui a alguns meses, alguns anos ou um século.
A melhor aprendizagem consolidada é a de estudar e aprender com os erros. Aprendendo ao errar, consolidamos a aprendizagem no erro para não precisar errar mais. Quem sabe agora, depois dessa tragédia que devastou grande parte do Estado e da cidade de Porto Alegre, fique mais claro para os governantes, empresários e líderes políticos que sai infinitamente mais caro reconstruir um Estado, uma cidade, do que gastar na sua manutenção e na realização de projetos de qualidade, fazer as manutenções e atualizações devidas desses projetos de qualidade.
Quanto custa atualizar as casas de bomba? Quanto custa atualizar a tecnologia de prevenção de enchentes? Quanto custa fazer manutenções adequadas? Quanto custa mandar água limpa de volta para o rio que nos fornece a água para viver? Certamente muito menos do que reconstruir as cidades, estradas, pontes, casas, fazendas, sítios, indústrias, serviços e comércio.
O Estado precisa de recursos e inteligência, se possível mais inteligências inatas do que as encefálicas cognitivas. Não se faz isso degradando o próprio Estado. Empresários não gostam de pagar impostos. OK. Mas muito porque eles não são vistos e cobrados como investimento que a sociedade faz para ela mesma. Está certo quem diz que alguns servidores se acham donos do Estado, mas ele é público, do público, e isso quer dizer, é de todos.
Porém, para isso, temos que tratar bem os servidores que se dispuseram a doar muito de sua vida para a gestão e atividades desse Estado. Pagar bem esses servidores, protegê-los, respeitá-los e, assim, atrair inteligência para seu interior, de modo que permita a vida acontecer com qualidade e mais segurança para todos.
Não foram poucos, e faz décadas, os servidores que nos alertam sobre os riscos de inundação na cidade e que não foram ouvidos ou muito pouco considerados.
É fácil ser profeta do acontecido, mas não é o caso. No meio técnico, essas negligências são conhecidas, debatidas e ensurdecidas há décadas.
Porém, o caso da capital gaúcha é emblemático. Uma sucessão de falhas nos sistemas de proteção contra inundações na capital permitiu que o centro histórico e dez bairros fossem diretamente atingidos, afetando mais de 150 mil pessoas e diversos equipamentos públicos, como praças, vias públicas, escolas e serviços de saúde.
Mas mesmo assim, o frágil e antigo sistema de defesa contra cheias, que foi concebido por técnicos alemães muito capacitados na época, com tecnologias da época e com pouca qualidade de dados e informações no início dos anos 60, foi implementado de modo parcial e não completo até o início dos anos 70.
O sistema está defasado e sem manutenção adequada, e sem os investimentos necessários há décadas, mas sem ele o estrago teria sido muito, muito mais trágico.
Mesmo remendado, sem manutenção adequada, o muro e vários diques seguraram a cota limite do sistema, que é de 6 metros. Os alemães, tendo por referência a enchente de 41, simularam que por um século a cota máxima de defesa seria de 6 metros. Quase bateu, mas ainda não se passou um século e foi por poucos centímetros que a cota máxima calculada não foi atingida. Ainda assim, ficamos dentro da cota máxima simulada de 6 metros.
Funcionou e funcionaria muito mais se se não fosse um dos portões do muro, a comporta 14, não ter rompido por falta de manutenção.
REPITO => Funcionaria muito melhor se um dos portões do muro, a comporta 14, não tivesse rompido por falta de manutenção. Veja o mulro ainda abaixo da cota 6 segurou a água do guaída. Fez sua função. Mas abrindo uma torneira do tamanho da compota 14 muita, mas muita água ia entrar e entrou.
Como não sabiam disse e nãoi consertaram reforçando essa compota depois do que aconteceu em sertembro?
INEXPLICÁVEL!
NOTA - SEXTA-FEIRA, 3 DE MAIO: O Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) informa o rompimento da comporta de número 14, localizada na avenida João Antônio Maciel, próxima do acesso à avenida Sertório, na manhã desta sexta-feira (3). A água está indo em direção à avenida Voluntários da Pátria e ao Centro Histórico da cidade.
O sistema de proteção às cheias de Porto Alegre sofreu um rompimento na sexta-feira, dia 3 de maio. O diretor-geral do DMAE, Mauricio Loss, alertou para a possibilidade também de rompimento das comportas 11 e 12 do sistema. Ambas ficam mais próximas da região da ponte do Guaíba, no encontro da Voluntários da Pátria com a Avenida Sertório.
A
imagem de um local comum a muitos gaúchos que já visitaram a capital do Estado
está circulando nas redes sociais nesta sexta-feira, dia 3 de maio: a
Rodoviária de Porto Alegre e seu entorno submersos. Ainda pela manhã desse
mesmo dia, a elevação do nível do Guaíba rompeu parcialmente a comporta da zona
norte, na Avenida Sertório, enquanto tanques do Exército chegavam para reforçar
a estrutura.
Aquela imensa quantidade de água que surgiu no Humaitá e seguiu em direção ao Centro Histórico também pressionou o capenga dique de contenção do Bairro Sarandi, na Zona Norte, que não suportou e deixou a água extravasar.
Além disso, a inundação foi resultado da incapacidade das bombas, mal instaladas há décadas. Estas, posicionadas abaixo da cota máxima de contenção, frequentemente paralisam com chuvas simples e comuns que nos afligem. Somam-se a isso os equívocos na instalação elétrica, sem proteção para condução de eletricidade na água e para controle de equipamentos à distância.
A incapacidade dessas bombas de devolver ao fluxo do rio a água utilizada, consumida e canalizada pelas chuvas, que deveria ser apenas esgoto pluvial, foi a principal causa do extravasamento. Portanto, é importante esclarecer: excluindo o problema do portão e a fragilidade do dique de contenção do Sarandi, a maioria da água que nos afligiu não foi do Guaíba. Nosso maior problema fomos nós mesmos, ao inundarmos nossa própria cidade com água suja, podre, fedorenta e contaminada.
Na verdade, o estuário do Guaíba deveria receber essa água por um sistema pluvial, ou seja, não de esgoto cloacal. No entanto, grande parte da água proveniente do esgoto pluvial é contaminada por resíduos de consumo e toneladas de dejetos por minuto, que não deveriam estar ali, mas sim canalizados em um sistema de esgoto cloacal separado, devidamente tratado antes de ser devolvido ao Guaíba, que é nossa fonte de água para a vida.
Nunca esquecerei o que disse um Cacique indígena do norte, dando um conceito simples do que ele definia como um homem branco que invadiu o que viria a ser os Estados Unidos: “homem branco é aquele que suja a água que bebe”.
Aqui em Porto Alegre, somos alertados sobre o problema dessas casas de bombeamento desde os anos 90, mas ninguém ouve. Até a população desejava retirar o muro de proteção do local por considerá-lo feio e desnecessário. No entanto, sem esse muro, não conseguimos evitar danos no Centro da Cidade. As pessoas só percebem a tragédia quando ela ocorre.
Para visualizar o futuro, há uma área nobre do cérebro, a mais recente em termos de evolução (o córtex frontal), que fica completamente desenvolvida apenas aos 21 anos. Os adolescentes ainda não têm uma visão plenamente consolidada do futuro, e todos os pais sabem disso. Quando conseguimos visualizar um futuro que ainda não existe, podemos ter uma consciência real dos riscos que nos esperam. Sem essa visão, o futuro simplesmente não existe.
Maquiavel, o grande mestre da estratégia, nos lembrou em sua pouco compreendida obra "O Príncipe" de que o futuro não é apenas destino ou sorte.
“Muitos acreditam que as coisas do mundo são de tal maneira dirigidas pela sorte e por Deus, que os homens não podem com sua prudência corrigi-las... Essa opinião tem sido mais aceita em nossos tempos [...] Pensando nisso, eu, algumas vezes, e em certos casos, tenho-me inclinado a aceitar tal opinião. Não obstante [...] [um aceite quase certo movido por uma necessidade estratégica] comparo-a a um rio desastroso que, quando se enfurece, inunda as planícies, destrói as árvores e edifícios, carrega terra de um ponto ao outro, e diante do qual todos fogem e a cujo ímpeto cedem, sem poder coisa alguma intentar para contê-lo. Mas, apesar desta sua natureza, não é impossível aos homens, quando esse rio estiver em calma, tomar medidas preventivas, construindo barragens e diques, de maneira que, avolumando-se ele depois, ou correrá por um canal ou o seu ímpeto não será tão violento nem tão danoso”.
Por meio de um exemplo muito simples, mas perspicaz, Maquiavel indica a importância da virtude do pensamento por simulação, capaz de antecipar, no presente, o futuro, bem como aponta a relação desse pensamento com a sorte e o destino. Por meio de uma metáfora, o autor sugere a necessidade de diminuirmos a influência do governo do destino traçado sobre o reino da vida (o conhecido mistério inacessível traduzido também no dito popular religioso: “Deus quis”). Para um camponês medieval, o destino da vida e da morte era absolutamente dependente do governo de Deus. Era responsabilidade do destino não só a vida e a morte, mas também o clima e quase tudo que dizia respeito à natureza.
Para que essa área nobre, que permite enxergarmos um futuro que ainda não existe, seja ativada de modo pleno e para que o futuro possa existir, é necessário muita escolaridade e muito treinamento antinatural. Basta medir o tempo médio de escolarização, a escolaridade, a reflexibilidade disciplinada dos brasileiros e até mesmo de sua elite para termos uma ideia do grau de consciência sobre o futuro. É um futuro que, em geral, não existe; se existe, é em fragmentos soltos.
Não adianta pedir para eles enxergarem esse futuro no presente, para eles, esse futuro não bate, não existe. Aliás, só uma aposta em um futuro que pode 'prender' um aluno dentro de uma sala de aula sem muito sentido no presente para um cachorro ou outro mamífero sem um córtex frontal evoluído e vindo de fábrica, do nascimento, chama-se filogenético, vem lá da fábrica, do útero. A simples presença na escola já é um exercício. Sempre digo que é preferível uma escola ruim do que não ter acesso a nenhuma escola."
Agora, podemos continuar com os fatos recentes?
1. SETEMBRO de 2023
Chuvas intensas deixaram mais de 2 mil pessoas desabrigadas, afetando cerca de 50 mil pessoas devido a enchentes, inundações e alagamentos. Nada mudou no padrão de enfrentamento disso, para um futuro cada vez mais presente.
2. NOVEMBRO do mesmo ano (2023), apenas 2 meses após, o volume de precipitação ultrapassou 300 milímetros, impactando mais de 600 mil pessoas e quase metade dos municípios no estado.
Alertas foram dados. O Instituto Nacional de Meteorologia, no mesmo mês, alertou para chuvas intensas devido ao forte fenômeno El Niño em atuação na região, mas nada de proposições concretas e de mudança no padrão de enfrentamento disso, para um futuro cada vez mais presente.
3. Alguns meses depois.
ABRIL de 2024.
Um novo boletim alertava para a maior probabilidade de chuvas acima da média, orientando o monitoramento constante de riscos para a população. Duas semanas após as intensas chuvas que elevaram o nível do rio Jacuí, ocasionando o pior evento climático já registrado no Rio Grande do Sul, novos eventos meteorológicos adversos preocupam, com o aumento das inundações no lago Guaíba, que ultrapassou a cota de 5 metros em Porto Alegre, mas nada de proposições concretas e de mudança no padrão de enfrentamento disso, para um futuro cada vez mais presente.
Precisa de mais para evitar uma tragédia que se avizinha. Quando o corpo sofre, conversa conosco através da dor. O Planeta também conversa, avisa, com febres e tormentas que deveriam nos chamar à ação.
SUCESSÃO DE FALHAS
MAIO DE 2024. Após uma sucessão de falhas nos sistemas de proteção contra inundações na capital, o centro histórico e dez bairros foram diretamente atingidos, afetando mais de 150 mil pessoas e diversos equipamentos públicos, como praças, vias públicas, escolas e serviços de saúde.
Vamos deixar mais claras as falhas.
1. Começa com o sistema de proteção, que conta com um conjunto de diques projetado para conter até seis metros de água, entre eles o muro da Avenida Mauá.
No entanto, não foi o que aconteceu plenamente. Os portões das comportas mostraram o que sempre mostraram nos últimos anos: eram uma peneira. Ainda bem que o material do muro, cimento e suas composições, não precisa de manutenção como qualquer outro muro, devido à sua estrutura física robusta, felizmente. Contudo, as águas começaram a invadir o centro da cidade abaixo da cota máxima, na cota de 4,5 metros, devido a essas brechas entre o muro e as portas, bem como ao mau funcionamento e à ausência dos motores das comportas. Isso levou à queda de um dos portões, já em estado de peneira, que tinha sido demonstrado para quem quisesse ver nas inundações de setembro do ano anterior.
2. A ausência dos motores das comportas e os equívocos de instalação e manutenção das casas de bombas precisam de destaque. Aliás, além disso, as casas de bombas abaixo do nível de inundação e sem proteção do sistema de condução de energia elétrica pela água são falhas que já haviam sido identificadas há décadas e, mais recentemente, foram muito visíveis nas inundações de setembro do ano anterior, para quem quisesse ver também. A insuficiência do sistema de proteção contra cheias já era apontada antes mesmo do Plano Municipal de Saneamento de 2015, publicado para todos os agentes públicos e privados. Nesse documento, foi assinalada a falta de capacidade hidráulica instalada, com capacidade de vazão de água 70% abaixo do necessário, e o mau estado geral das instalações, incluindo os sistemas mecânicos e elétricos dessas bombas.
3. Compondo este complexo, temos o sistema de drenagem urbana. Trata-se de um componente fundamental dos serviços de saneamento básico, responsável pela coleta e condução das águas pluviais para evitar alagamentos e inundações. No entanto, decorridas duas semanas desde o início das inundações na cidade em Mio de 24, apenas 8 das 23 estações de bombeamento estavam em funcionamento, demonstrando novamente a total incapacidade do sistema em lidar eficazmente com o desastre.
4. O diagnóstico há décadas apontava para as precárias condições operacionais das casas de bombas, algumas atuando em níveis operacionais abaixo dos 50%. Dentre elas, as bombas das Estações de Bombeamento de Águas Pluviais (EBAP) 17 e 18, que retiram água do centro da capital, a região mais afetada.
Água saindo pelos bueiros: das 23 casas de bombas de Porto Alegre, apenas quatro estão funcionando.
Em 2020, a Prefeitura procedeu à substituição dos motores em diversas EBAPs e realizou a automação das respectivas estações. Na EBAP 17, que apresentava falhas operacionais pelo menos desde 2018, o motor, que anteriormente era acionado por meio de "botões e manivelas", foi substituído. Deve ter sido considerado satisfatório.
No entanto, durante as inundações ocorridas em 2023, a referida estação voltou a apresentar defeitos operacionais.
A reincidência de falhas durante os eventos de 2023 indica que tais medidas não foram completamente eficazes, levantando questões sobre a manutenção e a capacidade do sistema em lidar com eventos extremos.
Além disso, o diagnóstico apontava para as precárias condições operacionais das casas de bombas, algumas atuando em níveis operacionais abaixo dos 50%. Dentre elas, as bombas das Estações de Bombeamento de Águas Pluviais (EBAP) 17 e 18, que retiram água do centro da capital, a região mais afetada.
Casa de bomba da avenida Mauá. A estação de bombeamento está devolvendo água para a Avenida Mauá. A estrutura, na esquina com a Rua Chaves Barcellos, perto da sede do Tribunal de Contas do Estado, Centro Histórico de Porto Alegre, transbordou no fim da madrugada na sexta-feira, dia 3 de maio.
Em 2020, a Prefeitura procedeu à substituição dos motores em diversas EBAPs e realizou a automação das respectivas estações. Na EBAP 17, que apresentava falhas operacionais pelo menos desde 2018, o motor, que anteriormente era acionado por meio de "botões e manivelas", foi substituído. No entanto, durante as inundações ocorridas em 2023, a referida estação voltou a apresentar defeitos operacionais. A reincidência de falhas durante os eventos de 2023 indica que tais medidas não foram completamente eficazes, levantando questões sobre a manutenção e a capacidade do sistema em lidar com eventos extremos.
Porto Alegre chegou a ficar no final do dia 3 de maio de 2024 com apenas 4 das 23 casas de bomba de água da chuva ativas.
=================================================Casa de Bombas na rótula das Cuias no Menino Deus foi desligada na segunda-feira, dia 6 de maio. Em minutos, a água tomou o bairro.
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Por conta da medida tomada pela prefeitura de Porto Alegre, a água subiu muito rapidamente nos bairros Cidade Baixa e Menino Deus. Na manhã desta terça-feira, dia 7 de maio, ela se encontrava na altura da cintura em alguns pontos das avenidas Getúlio Vargas e Érico Veríssimo, no Menino Deus.
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NOTA: Uma parte importante do sistema de proteção contra cheias em Porto Alegre, as casas de bombas, está espalhada por diversos pontos da cidade. No dia 15 de maio, apenas nove das 23 Estações de Bombeamento de Água Pluvial (EBAPs) estavam funcionando. As casas de bombas funcionam com motores que são capazes de movimentar milhares de litros de água por segundo, possibilitando a drenagem da água acumulada em pontos da capital, segundo o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE). Esse maquinário permite que a água da chuva que passa pelas redes de drenagem e canais seja escoada para o Guaíba. Originalmente, cada casa de bombas é responsável por proteger determinada área da cidade por meio da drenagem via galerias e tubulações. No entanto, quando a água fica acumulada sobre a superfície, a operação de algumas EBAPs acaba ficando interligada. Por exemplo, em caso de inundação dos bairros Menino Deus e Cidade Baixa, as casas de bombas das duas regiões podem funcionar de forma integrada em algumas áreas.
Casas de bombas em operação
Até às 17h desta quarta-feira, dia 15 de maio, nove das 23 casas de bombas da capital seguiam em operação. Problemas diversos, como falta de gerador quando ainda era possível gerar energia e, quando se conseguia gerador, havia falta de combustível. Tudo muito primário.
Em Porto Alegre, desde 2019, a drenagem urbana é de responsabilidade do Departamento Municipal de Águas e Esgotos, o DMAE.
Neste período, a Prefeitura da capital contratou o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento) para a realização do estudo para a privatização da companhia. Na mesma época, uma inspeção especial do Tribunal de Contas do Estado apontou a interferência direta da Prefeitura na autonomia da companhia ao dificultar deliberadamente a contratação de pessoal, enquanto o setor privado não se apresentava, causando ainda mais perdas no faturamento e transtornos à população devido à falta de água.
A tragédia estava realmente anunciada diante do colapso do sistema de tratamento da água e de defesa de enchentes.
Políticos de vários partidos foram eleitos durante todos esses avisos de técnicos e do próprio Planeta, só encontravam surdos, incompetentes e imprudentes, refletindo a tal mediocridade que expressa toda a atual mediocridade da inteligência social presa no espelhamento egocêntrico que as redes sociais transformaram os eleitores. A política não tem culpa em si. Reflete o que a sociedade precarizada tem de inteligência social e que capacidade de reflexividade que nos transformamos. Com as redes sociais, todos sabem sobre tudo e, se não sabem, perguntam ao Google, que sabe, e anestesia nossa imbecilidade.
O lado positivo foi que a solidariedade venceu a desordem. O número de mortos teria sido muito maior se a desordem e a criminalidade, com assaltos e saques em meio ao sofrimento de tantos, tivessem prevalecido.
Essa rede espontânea de solidariedade abandonou as redes de likes e flashs e foi a campo e mostrou que ainda podemos ter esperança no futuro.
Que assim seja!
[1] Gilson Lima. Cientista, inventor de várias tecnologias, softwares e protocolos clínicos, escritor, músico.
Desde o início dos anos 90, quando concluiu sua tese de mestrado, envolveu em sociobiologia que permitiu a elaboração da sua Teoria Social da Simbiogênese, tendo por referência de base as pesquisas em micro biologia celular de Lynn Margulis.
Ao mesmo tempo em que foi criando e processando a sua teoria simbiótica, realizou múltiplas pesquisas de bancadas com invenções de produtos e processos.
Iniciou suas pesquisas na complexidade em metodologias informacionais e criticando a abordagem cognitivista computacional do cérebro e mente, foi migrando para coordenar por quase duas décadas pesquisas clínicas de pacientes com lesões neurais severas envolvendo interfaces simbióticas entre micro ritmos corporais e displays (terapia magnética).
Na perspectiva da Teoria Social da Simbiogênese, a sociedade é vista como um sistema complexo e dinâmico de interdependências, onde os “indivíduos” e grupos estão constantemente se influenciando e transformando uns aos outros.
A Teoria Social da Simbiogênese propõe ainda uma visão mais integradora das diversas ciências sociais, incluindo a sociologia, a antropologia, a psicologia e a biologia,... Segundo Lima, cada uma das diferentes disciplinas tem uma perspectiva única e importante para compreender as relações sociais, mas é necessário integrar essas perspectivas para ter uma compreensão mais complexa do paradigma e mais abrangente da sociedade.
A teoria da simbiogênese sugere que a evolução dos seres vivos não ocorre apenas por meio da seleção natural, mas também pela integração de novos elementos em suas redes bióticas. A partir da incorporação de novas bactérias que se beneficiam mutuamente, os simbióticos podem evoluir e se adaptar às suas condições de vida de forma mais eficiente.
A teoria da simbiogênese pressupõe que as espécies em um ecossistema são interdependentes e se beneficiam mutuamente em uma relação simbiótica. Essa interdependência não se limita apenas aos organismos vivos, mas também inclui o meio ambiente físico. Nesse contexto, a integração de novas bactérias na rede biótica pode levar a uma nova espécie em evolução: os simbióticos.
Os seres humanos são exemplos mais de simbióticos evoluídos na rede celular, pois contêm em seus corpos uma grande quantidade de bactérias que desempenham funções vitais em seu organismo, como a digestão e a produção de vitaminas, retardo do envelhecimento, etc. Essa relação simbiótica entre os seres humanos e as bactérias que os habitam é fundamental para a saúde e o bem-estar de toda a rede simbiótica.
Em seu último livro: Inteligência Inata, defendeu que a partir da ampla incorporação evolutiva de novas bactérias na sua rede biótica de longo agora que se beneficiam mutuamente, os novos simbióticos podem ainda evoluir e se adaptar às suas condições de vida de forma mais eficiente e mais longeva.
Para Lima, a emergência dos simbióticos altamente evoluídos e de amplo potencial de inteligência inata, ocorreu muito mais aceleradamente com os humanos nas últimas décadas, ainda que a evolução de sua rede simbiótica em dinâmica cooperativa e fractal com a inteligência inata encontra-se ainda em transição dominada pela velha consciência sináptica humanista não cooperativa, racionalizadora, linear, centralista e ainda dominante predadora com o ambiente onde os simbióticos evoluídos acontecem no mundo.
Atualmente retomou sua atividade como músico compositor, cantor que atuava na adolescência produzindo atualmente suas canções e coordenando a Banda Seu Kowalsky e os Nômades de Pedra. Suas músicas, shows, vídeos podem ser acessados no canal do youtube.
https://www.youtube.com/c/seukowalskyeosnomadesdepedra
Webpage: http://www.seukowalsly.com.br
Último Livro:
LIMA, Gilson. Inteligência inata: o caminho da inteligência no futuro não é artificial. Na simbiogênese, inteligência, só viva. Editora: Autografia, Rio de Janeiro, 2021. https://www.google.com.br/books/edition/Intelig%C3%AAncia_inata_o_caminho_da_intelig/RwZhEAAAQBAJ?hl=pt-BR&gbpv=1&printsec=frontcover
LIMA, Gilson. Inteligência inata: o caminho da inteligência no futuro não é artificial. Na simbiogênese, inteligência, só viva. Editora: Autografia, Rio de Janeiro, 2021. https://www.amazon.com.br/Intelig%C3%AAncia-inata-intelig%C3%AAncia-artificial-simbiog%C3%AAnese-ebook/dp/B09TC9YJF5
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[2] MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo: Cultrix, 1984. p. 143.
[3] https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2024/05/nivel-do-guaiba-fica-abaixo-de-4-metros-pela-primeira-vez-desde-3-de-maio-clwgbm9sh00hf014xmvsoj2fs.html última visita 22/05/2024