quarta-feira, 24 de abril de 2013

INFORMAÇÃO E PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA: metodologia de mineração e de centros de atividades


Gilson Lima *
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Ps. Fragmento de texto publicado em coletânea do Núcleo de Estudos da prevenção de Violência na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Parte desse texto foi apresentado também em Palestra de neuroaprendizagem na Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul.

1 INTRODUÇÃO: Informação? Qual modalidade? Que abordagem e qual entendimento de informação computacional?

 A invenção do processamento binário cruzou com as necessidades da criptografia, os progressos do automatismo industrial e as invenções da lógica moderna.

Quando pensamos em informações, lembramos de jornais e de notícias emitidas por redes de transmissão de rádio e de TV. Contudo, esse termo possui um percurso muito vago, seguido paralelamente de utilizações pragmáticas em um universo técnico-instrumental. Também vemos quase como natural a existência, em nosso cotidiano, de informações provenientes de uma complexa logística de produção e transmissão de notícias, fatos, imagens e eventos capturados pelo tratamento da mídia contemporânea. No entanto, essas informações possuem sentido e dele são carregadas, logo, jamais são independentes da emissão de sentido. Ainda que alguns processos possam receber um tratamento material e ser tecnicamente despidos de sentido, o ciclo geral de transmissão e de conquistas da visibilidade de audiência no fluxo informacional midiático é, ao contrário, contaminado totalmente por sentidos.
A raiz da palavra informação é latina, informatio, não possuindo etimologia fundada na língua grega. Assim, desde sua origem, o vocábulo está relacionado à idéia de forma, sendo entendido como uma ação de modelar, ou seja, de dar forma. No século XIII, porém, a palavra informação sofreu um acréscimo semântico, quando foi talhada pelo francês arcaico como enformer, que significa instruir. Assim, para um latino de influência francesa, informar passou a significar instruir no sentido de educar, de dar forma ao espírito. Posteriormente, a partir do avanço das teorias contratualistas, o verbo informar passou a ter outro destino, tendo sido fortemente ligado ao universo do judiciário, de onde advém a máxima instruir um processo (BRENTON, 1991, p. 49).
Neste texto, em primeiro lugar, é importante ter-se claro que estamos tratando de uma modalidade da informação numérica de tipo novo, ou seja, da noção de informação digital computada. A informação digital computada não apenas rompe com as características da informação oral e da escrita tradicional, mas amplifica suas potencialidades para processar, estocar e recuperar dados, sons e contexto, no entanto, todo o tratamento de dados com sua lógica recursiva e digital é um tipo específico da expressão informacional.
Não teríamos tempo e nem aqui seria o espaço adequado para um longo tratado sobre as especificidades da informação digital computada, assim, vamos apenas destacar algumas das especificidades que a diferenciam das outras modalidades de tratamento da informação.
Em primeiro lugar, uma de suas rupturas básicas e mais significativas frente aos tratamentos das expressões informacionais orais e da escrita tradicional se dá pela questão de dotar de independência o tratamento da forma diante do sentido que acompanha uma determinada mensagem, um dado, uma imagem, etc. Desse modo, trata de uma modalidade de informação que opera a decomposição da forma de uma mensagem, de uma palavra ou de uma imagem em dados binários, algoritmos de instrução em símbolos binários e sinais instruídos por algoritmos.
Entendemos por sentido de uma mensagem um conjunto de significações interativas e compartilhadas entre emissor e receptor. A forma de uma mensagem, ao contrário, é o conjunto de símbolos e/ou sinais que podem ser processados independentemente de sua significação. Podemos exemplificar através do antigo serviço de comunicação por telegrama (muito antes do surgimento da informação computacional e dos tráficos de fluxos de e-mails que circulam hoje pelas redes digitais). Para o funcionário da empresa de telégrafo, interessa apenas os símbolos para que a mensagem seja transmitida. O que importa é a finalidade de estabelecer um serviço. Esses símbolos serão posteriormente transformados em sinais telegráficos, que podem ser processados e transportados independentemente de sua significação; eles constituem a forma tomada pela mensagem.
A primeira conseqüência dessa singularidade na modalidade de tratamento de informação é a constituição de um campo tecnológico de saber muito específico que domina a critptografia dos símbolos do tráfico entre os sinais que envolvem impulsos eletromagnéticos e processos maquínicos, é o campo singular de domínio dos informaticistas . Esse processo gerou um conhecimento autônomo e singular da moderna informação numérica, transformando-se, paulatinamente, em conhecimento técnico, que inicialmente é dominado por matemáticos e que, depois, ganha um contorno transdisciplinar. Deste pioneirismo, nós herdamos a maior parte das possibilidades modernas de comunicação à distância e de processamento automático da informação existente na atualidade.
A comunicação não oral é uma técnica que há muito tempo vem sendo dominada e aperfeiçoada pelas comunidades de vida. Porém, a teoria moderna da informação, muito mais do que a pura comunicação oral, é uma verdadeira reflexão sobre a economia do sinal, onde, a partir do estudo sobre sinais elétricos, definiu-se um suporte mensurável de precisão lógica.
A segunda é que a independência da forma frente ao sentido implica na ampliação da conquista de um tratamento muito mais complexo (estoque, recuperação e transportes dos dados). É efetivamente a independência da forma sobre o sentido que possibilita dotar os dados (sinais) de um efetivo suporte que permite a mobilidade dos registros e símbolos produzidos.
Definitivamente, com a moderna informação numérica deixamos para trás a época de comunicação à distância com sinais de fumaça, pelo ribombar dos tambores e, até mesmo, a época das mensagens do telégrafo de Chappe. É da articulação entre sinal e símbolo que surgiu a moderna teoria da informação numérica.
A invenção do processamento binário cruzou com as necessidades da criptografia os progressos do automatismo industrial e as invenções da lógica moderna. O inventor do código binário, na verdade, foi o filósofo inglês Francis Bacon, mais conhecido pelos seus estudos sobre a importância da indução no processo de conhecimento. Ele desejava transmitir o pensamento à distância, descobrindo a importância da codificação binária ao cifrar mensagens diplomáticas secretas (LIMA, 2005a, p. 131).
Para entendermos a singularidade da moderna informação numérica, digital e computacional precisamos entender, além dessa ruptura entre forma e sentido de uma mensagem (informação), outra dimensão complexa de sua estruturação, que, em ação, é constituída por quatro camadas singulares e diferentes. Sua complexidade se dá exatamente por essas diferentes camadas operarem e existirem como singulares ao mesmo tempo (isto é, um processo ao mesmo tempo de singularidades e simultaneidade). Essas quatro camadas informacionais são:

a) Primeira camada: a Álgebra boolena;
b) Segunda camada: a informação como expressão binária digital transmutada em impulsos elétricos;
c) Terceira camada: o pensamento e a construção de instruções através de algoritmos;
d) Quarta camada: a cultura da interface.

Para iniciarmos a árdua tarefa de decifração da esfinge informacional é preciso primeiramente afirmar que a informação transmutada em energia digital computada incorpora-se a uma gama de múltiplos saberes envolvidos em simbiose e vinculados a suportes infra-estruturais sofisticados de redes comunicantes e interativas que compartilham essas quatro camadas informacionais. Vejamos rapidamente e de modo mais específico do que trata cada uma dessas quatro camadas:

1.1 A primeira camada: a Álgebra boolena e as suas implicações: uma atenção mais significativa aos procedimentos discretos e lógicos

Devemos os avanços e os limites obtidos pela moderna teoria da informação, entre outras heranças, à invenção de uma álgebra um tanto particular do lógico e matemático autodidata inglês George Boole (1815-1864), que escreveu o livro Investigação das Leis do Pensamento (An Investigation of the Laws of Thought), publicado em 1854 e muito apreciado.
Boole indagava-se se realmente haveria leis que regeriam o pensamento. Em seu livro, o matemático responde a sua própria pergunta, reduzindo a lógica do pensamento humano a operações matemáticas.
George Boole inseriu a sua célebre álgebra lógica com a preocupação de melhorar a compreensão dos mecanismos da linguagem e das bases necessárias para a demonstração das verdades.
Embora Boole não tenha explicado o pensamento humano, ele demonstrou o poder e a generalidade surpreendentes de uns poucos tipos simples de operações lógicas, inventando uma “linguagem” para descrever e manipular proposições lógicas e determinar se elas eram ou não verdadeiras. Essa linguagem, hoje, é chamada de álgebra booleana.
Boole formulou ainda uma série de regras para descrever manipulações de proposições lógicas. Para a lógica booleana, existem números para os quais as equações podem ser definidas como verdadeiras ou não. De fato, essa definição poderia ser expressa exatamente por dois números: 0 e 1. Logo, para se reduzir a lógica a equações, é preciso trabalhar-se apenas com zeros e uns – em outras palavras, é necessário usar o sistema binário (BOOLE, 1962, p. 69).
As funções lógicas da álgebra de Boole são notáveis em simplicidade e elegância. Elas permitem um processamento de todos os símbolos, incluindo os numéricos, o que permite realizar operações aritméticas elementares.

1.2 Segunda camada de base da informação digital computável: a mutação da informação como expressão binária digital integrada em impulsos elétricos

Um outro matemático foi muito importante para a consolidação da moderna informação digital, Claude Shannon, que com sua tese de doutorado em 1929, inaugurou efetivamente a moderna teoria da informação, defendendo a aplicação da álgebra simbólica de Boole aos circuitos de comutação elétrica, em 1948, no seu clássico livro: Uma teoria matemática das comunicações (LIMA, 2005a, p. 130).
Shannon, influenciado por Boole, enfatizou a relação existente entre esses operadores e os circuitos de comutações elétricos. Isto é, as relações possíveis entre o mundo dos símbolos e os dispositivos elétricos de transmissão de sinais. A teoria da informação nos forneceu uma medida de quantidade de dados, cuja unidade é o bit (Bynary Digit, um termo introduzido por Shannon). Para podermos pensar em processamento computável de informações, é necessário pensarmos, também, no seu protocolo (“linguagem”), ou seja, em uma linguagem não humana, que é a base desse processamento. Shannon indicou que essa linguagem de máquina seria numérica, baseada nos números binários: 0 (zero) e 1 (um), onde cada 0 e cada 1 é chamado de bit (LIMA, 2005a, p. 131).
A conexão entre a lógica simbólica booelana e os circuitos elétricos realizada por Shannon iniciou uma nova mutação da memória física estocada da informação, ao dotá-la de uma dimensão significativa para o conhecimento, qual seja, a conversão da memória estática dos registros e armazenamentos dos dados, que agora se movimentam e fluem em torno dos circuitos, ao mesmo tempo em que mantêm a sua integridade informacional.
Um dos aspectos essenciais da teoria da informação consiste agora em codificar, de modo eficaz, as mensagens transmitidas em presença de ruídos e de parasitas, com o objetivo de transmiti-las com a maior rapidez possível e reconstituí-las corretamente, quando chegassem ao seu destino.

1.3 A terceira e semi-reflexiva camada da informação digital computável: o pensamento e a escrita através de algoritmos.

Apesar da teoria da moderna informação numérica estar praticamente pronta até Shannon, faltava uma abordagem funcional e maquínica para seu processamento. O passo mais significativo neste sentido, ainda que inteiramente intelectual, pode ser encontrado na construção de uma máquina lógica, apropriada para a resolução de uma ampla gama de problemas lógicos e matemáticos: a célebre máquina de Turing.
Alan Turing (1912-1954) era um audacioso matemático inglês, proveniente da Universidade de Cambridge. Em 1936, ele escreveu a dissertação intitulada Sobre os Números Computáveis. Ele criou uma hipotética máquina lógica, capaz de resolver problemas algoritmos, abrindo o caminho para a criação posterior do processamento automático das informações.
A máquina de Turing – hipotética – consistia em uma fita de papel e um ponteiro que podia ler, escrever ou apagar um símbolo, deslocar a fita para a direita ou para a esquerda, marcar uma das casas do papel e parar. Essa máquina deveria ser capaz de resolver todos os problemas passíveis de serem formulados em termos de algoritmo. Partia-se da idéia de que a máquina tinha uma memória infinita. O único erro que não se devia cometer consistia em pensar ao realizar as operações. Este é o princípio básico da linguagem operacional das máquinas computacionais. Essa obediência automática é a base fundamental para a realização das instruções que garantirá a boa execução dos processamentos.
A máquina de Turing, máquina teórica, cujos propósitos eram também essencialmente teóricos, reduzia todas as possibilidades encontradas na realidade a cálculos numéricos, traduzindo-os em conjuntos de problemas operacionais. Desse modo, nasceu com ela a noção de cômputo, a idéia de computar a realidade. Em suma, nasceu a era digital.
O que foi incubado com a máquina de Turing não foi apenas a idéia de uma máquina computacional ou uma complicada rede de impulsos elétricos ou um dispositivo por onde circulam estados distintos em um autômato de cálculos finitos, mas um dispositivo que manipula e processa símbolos computáveis. Logo, o computador acabou por ser uma invenção pela qual pretendeu-se imitar e simular os processos mentais até onde a ciência os conhecia, na época .
A máquina de Turing mostrou os limites da lógica. Ou seja, Turing demonstrou a incapacidade de os números formalizados solucionarem alguns problemas reais. Demonstrou, também, que os princípios matemáticos e a lógica universal não abrangiam todas as situações. Entretanto e mesmo assim, Turing ofereceu a prova da força da pesquisa algorítmica. Ainda que sua teoria tivesse suposto uma apenas hipotética máquina de processamento de algoritmo com memória infinita, Turing abriu o caminho para a implementação de uma máquina que realizasse de modo efetivo o processamento automático da informação.
O que Turing nos proporcionou no século passado, ainda antes do final da segunda grande guerra mundial, foi uma efetiva ressignificação da noção de algoritmo para a moderna informação computacional. Seu achado teórico foi crucial para que logo depois da segunda guerra pudéssemos contar com efetivas máquinas computacionais digitais.
O algoritmo tem origem árabe. Pelo que sabemos, teve esse nome originado do matemático persa al-Khowarizm, que escreveu um importante manual de Álgebra no século IX. Na área da Matemática, o algoritmo representa restituição, uma das propriedades da álgebra que consiste em restituir uma igualdade quando se interfere nos termos da equação.
Mais tarde, para os anglo-saxões, o algoritmo transformou-se “num processo efetivo”. Mas é Alan Turing que irá dar-lhe uma forma definitiva: “Um algoritmo poderá ser definido como o conjunto completo das regras integradas a processos discretos (não contínuos) que permitem a resolução de um problema determinado” (BRETON, 1991, p. 59).
Foi o famoso problema conhecido como problema da decisão (Entscheidungsproblen) que permitiu que se desse o passo inicial para a ressignificação moderna de algoritmo. Conhecido como “Problema de Hilbert”, ele consistia em indagar sobre a existência de um procedimento efetivo (mecânico) para determinar se todos os enunciados matemáticos verdadeiros eram demonstráveis, se poderiam ou não ser povoados, ou seja, se poderiam ou não ser deduzidos de um dado conjunto de premissas. Assim, por exemplo, questionava-se se, dada uma fórmula qualquer de cálculo de predicados, existiria um procedimento sistemático, geral, efetivo, que permitisse determinar-se se essa fórmula seria demonstrável ou não. O Problema da Decisão consistia em saber se existiria um procedimento efetivo para a solução de todos os problemas matemáticos pertencentes a suas classes amplas, mas bem definidas.
O primeiro passo dado para se resolver o Problema de Hilbert (ou Problema da Decisão) foi a substituição da idéia intuitiva de procedimento efetivo por uma idéia formal, matemática. O resultado foi a construção de uma idéia matemática da noção de algoritmo modelada a partir da maneira pela qual seres humanos procedem quando efetuam uma computação, ou seja, o procedimento de computar um ou mais dados.
A reunião da lógica binária de codificações complexas deu origem a várias linhagens de máquinas e processos lógicos autônomos. Isso implicou, na verdade, na criação de múltiplas famílias de autômatos, constituindo a emergência das máquinas cognitivas (computacionais) e o fim do monopólio da cognição realizada apenas pelos humanos e a conseqüente e intensiva eliminação humana no mundo do trabalho na sociedade industrial. Esta eliminação ocorre cada vez mais em processos que envolvem simbioses musculares, sensórias, de cognição primária e até mesmo secundária e em uma escala jamais experimentada na história da humanidade. Tudo isso tem implicado na urgente necessidade de inventarmos uma nova sociedade que não necessite de máquinas cognitivas humanas para o mercado de trabalho, de escolas e universidades que apenas fabriquem máquinas humanas cognitivas e, sobretudo, na necessidade de criarmos novos acessos à renda e à vida econômica para além das atividades cognitivas disciplinares do mundo do trabalho industrial.
Enfim, os símbolos podem, agora, ser traduzidos em expressões formais, regradas, e interpretados também por máquinas cognitivas. Turing fez com que o processamento sintático dos símbolos fosse verdadeiramente maquinal, asseverando a universalidade potencial de sistemas simbólicos estritamente definidos. Por sua vez, o conceito de armazenamento de programas para computadores reafirmou a interpretabilidade dos símbolos já implícita na máquina de Turing, por volta de 1956. Todos esses conceitos já estavam disponíveis para que fossem implementados em uma máquina efetiva quando, em pleno final da segunda grande guerra mundial, cientistas e matemáticos criaram o computador.

1.4 A quarta e a mais reflexiva camada da informação digital computável: a cultura da interface com suas múltiplas e meta camadas de mediações e amplificações cognitivas e sensórias

Vimos que devido à computação abstrata, a informação tornou-se cada vez mais reflexiva, sobretudo diante da grande revolução interfacial que a micro-computação promoveu. Cabe lembrar que o computador existe, teoricamente, pelo menos desde 1939 (máquina de Turing), materializando-se ao fim da Segunda Guerra Mundial. A grande revolução computacional ocorreu quando a informática se encontrou com o usuário amador criando uma nova cultura, a cultura de interface. Tal possibilidade marcou o nascimento da cultura para muito além da programação dirigida apenas para a máquina abstrata. Mas, afinal, o que é exatamente uma interface? Entendemos por interface a metaforma – simbiótica – da informação sobre a informação .
Não se trata apenas de uma nova e sutil maneira de entender a representação da informação. A cultura da interface é a fusão da arte com a alta tecnologia de design que, através de zeros e uns (dígitos binários) convertidos graficamente na tela do computador (pixels), propicia uma intensa simbiose de interação orgânica e inorgânica. Em seu sentido mais simples, interface refere-se a softwares que dão forma à interação entre o usuário e o computador. A interface atua como uma espécie de tradutor, mediando as duas partes e tornando uma sensível à outra. Dito de outro modo, a relação governada pela interface é semântica, caracterizada por significado e expressão, não por força física.
Em outras palavras, imaginemos a tela do computador como uma grade de pixels, um espaço bidimensional. Os dados, como espaço-informação, possuem agora uma localização física e uma localização simulada graficamente por elétrons em vaivéns entre o processador e sua imagem espelhada na tela. Esse processamento da informação está envolvido no princípio da manipulação direta pelo usuário.
A ruptura tecnológica e decisiva da emergência da cultura da interface reside menos na idéia maquínica do computador do que na sua capacidade de mediações diante de interações reflexivas simbólicas. Trata-se de uma máquina que lida com representações e sinais e não com mecanismo de causa-e-efeito. Para que a revolução digital ocorresse, o computador teve, antes de tudo, de representar-se a si mesmo ao usuário, e de acordo com um protocolo lógico e simbólico que este compreendesse. O enorme poder do computador digital contemporâneo depende dessa capacidade de auto-representação. Nesse sentido, Steven Johnson relata um episódio que teria sido responsável por uma reviravolta da revolução computacional nos anos seguintes, ou seja, a emergência da informação digital cada vez mais mediada pela cultura da interface (JOHNSON, 2001, p. 15).
Enfim, a moderna informação numérica digital criou desafios sociais e organizacionais consideráveis nas sociedades contemporâneas. A conquista da microinformação digital nos permitiu alcançar de modo decisivo o mundo do oculto, do não-visual, da informação computável na comunicação eletromagnética e, até mesmo, da nfogênese. Esse mundo microfísico não visível opera agora em simultaneidade com o mundo visível do universo macrofísico e somos tomados cada vez mais por novos processos perturbadores, nos quais quase tudo o que achamos pequeno e invisível pode agora ser reduzido à escala da microfísica do poder e ao espectro do poder simbólico.

2 DA ABORDAGEM DE CENTROS DE ATIVIDADES INFORMACIONAIS. As redes têm centros: são centros simbióticos de atividades informacionais

A imobilidade me faz pensar em grandes espaços onde acontecem movimentos que não tem fim. 
Joan Miró


Diante da emergência das grandes redes digitais de informação, sendo a mais fulminante delas a Internet-Web, uma das questões mais importantes que fica para respondermos é: se mesmo sendo a grande maioria dos processos de dados das redes digitais procedimentos de agregações aleatórias, tais processos permitem ou não constituir centros de atividades informacionais que podem fazer uma enorme diferença para a descoberta de conhecimento nas redes?
Pensamos que sim, as redes têm centros, que são centros significativos de atividades informacionais. Encontrá-los pode ser a importante e significativa diferença que faz toda a diferença. Certa vez, o filósofo Gregory Bateson afirmou que informação não é dado, definindo informação como a menor “diferença que faz a diferença” (HILLIS, 2000, p. 12). Perguntaríamos, então, onde residiria a diferença que faz a diferença para a prevenção da violência?
Pensamos em uma nova abordagem da Teoria de redes, em base de grafos que apontam para a constituição, no interior dessas redes, de Centros de Atividades. Vejamos, então, o que seria um centro de atividades em agregações complexas de redes e o recurso metodológico proporcionado pela matemática de grafos.
Grafos são redes que consistem em nós conectados por arestas ou arcos. Em grafos direcionados, as conexões entre nós são direcionais e chamadas de arcos. Em grafos não-direcionais, as conexões chamam-se arestas. Aqui estamos falando, principalmente, de grafos direcionados. Quando criamos algoritmos aplicáveis a grafos, queremos encontrar um caminho entre dois nós, ou melhor, encontrar o caminho mais curto entre dois nós, que nos permita identificar e determinar os ciclos em grafos (um ciclo no grafo é um caminho não vazio de um nó a outro). Logo, busca-se encontrar um caminho que alcance todos os nós. Freqüentemente, os nós ou arcos de um grafo têm pesos ou custos associados a eles e, em geral, estamos interessados em encontrar o caminho mais barato.
Se realizarmos uma simulação em um computador sobre os links da Web, veremos que alguns poucos sites (como Amazon, Yahoo e eBay) funcionam como centros de atividade. Encontraremos milhares de outras páginas da Internet apontando para eles e milhares de pessoas tentando acessar esses sites ao mesmo tempo.
Uma série de estudos sobre fenômenos de redes tem permitido descobrir que as redes têm centros e são centros de atividades que existem governando desde os relacionamentos humanos até a forma como as moléculas do nosso corpo se ligam.
As pesquisas científicas têm constatado que até mesmo a própria natureza segue essas mesmas leis das redes, criadas pelos homens, com conectores, que são nós com um número anomalamente grande de links e que estão presentes em vários sistemas complexos, desde a pequena célula viva até a macro-organização das sociedades humanas (LIMA, 2005b).
Há mais de cinqüenta anos matemáticos estão discutindo se as redes se formam por agregações aleatórias ou se elas se constituem totalmente ao acaso. Existem autores matemáticos que optaram pela visão de existir uma indeterminação absoluta e descentrada nas agregações aleatórias e complexas das redes. Na Matemática, por exemplo, os estudiosos que privilegiaram o acaso na estruturação das redes aleatórias criaram belíssimas fórmulas, pois seus interesses estavam mais voltados à expressão da beleza da Matemática do que à obtenção de uma compreensão profunda das estruturações das redes.
Alguns estudiosos, também no mesmo caminho desses matemáticos, encantados com as agregações aleatórias das redes, estudaram e buscaram suas expressões e manifestações em fenômenos sociais e na natureza. É o que nos aponta Steven Johnson em Emergência: a dinâmica de rede em formigas, cérebros, cidades e softwares (2003). No final de seu livro, Johnson confessa que, de certo modo, a idéia de escrevê-lo começou com um presente que ganhou de aniversário de 30 anos, um atlas de grande formato da cidade de Hamburgo, espantosamente semelhante ao corte de perfil de um cérebro humano.
Johnson segue toda a trajetória do seu livro, encantado com a complexidade do modo aleatório da estruturação emergente das redes complexas que reafirmam a tese da organização emergente, segundo a qual a beleza da auto-organização é produto de uma complexidade tipo botton-up, ou seja, agentes individuais que residem em uma escala baixa começam a produzir comportamentos que irão residir em uma escala acima deles: sejam formigas que criam colônias, sejam cidadãos que criam comunidades e cidades, sejam softwares que criam recursos de apoio cognitivo aos seus usuários.
Atualmente, os estudos de relacionamentos em redes têm demonstrado que diversas delas seguem um fenômeno como se o mundo fosse pequeno. Segundo cálculos de Albert-Lászlo Barabãsi (2002, p. 36), uma página da Web está a somente 19 cliques de qualquer outra, ainda que uma esteja sediada no Japão e a outra em Honduras. A explicação para o fenômeno é simples. Preferimos conectar-nos a quem já é conectado. Páginas da Web com muitos links têm uma chance maior de receberem ainda mais links, pois já são conhecidas.
Barabãsi resume a grande lição que extraímos daí: se até o século XX, vivemos uma era de descobertas, de como entendemos e usamos as propriedades individuais de objetos tão diferentes como moléculas, aviões e sites; o século XXI está revelando que será o que permitirá estudarmos e descobrirmos como as propriedades individuais, de todos esses objetos e fenômenos, se relacionam.
Sobre a utilização de recursos metodológicos proporcionados pela matemática de grafos podemos dizer que essa abordagem só pode ser possível de modo mais complexo por dois motivos: o primeiro é que somente nas últimas décadas surgiram computadores de mesa a preços acessíveis, capazes de fazer a montanha de cálculos necessários para se entender o que se passa dentro das redes. Antes disso, até se sabia que as redes existiam, mas era impossível entendê-las, dada sua complexidade; o segundo, como já dissemos, a necessária utilização dos recursos metodológicos provenientes da Matemática nos auxiliou no entendimento e detecção dos atratores das redes por meio de operações de cálculos relacionais que envolvem a matemática dos grafos.
Já existe uma literatura considerável sobre algoritmos para grafos, que são parte importante da matemática discreta. Grafos também são muito úteis no estudo de algoritmos computacionais, mas isto não nos interessa aqui.
O que realmente nos importa neste momento é dizer que, para uma análise de agregação complexa em redes e para a fixação de estratégias de implantação de políticas de prevenção à violência poderemos criar chaves que nos permitam acelerar um novo cultivo de produção e democratização do conhecimento complexo, chaves que devem abrir e ligar Centros de Atividades constituídos para isso. Centros que, por sua vez, serão aqui os nós do grafo.
Pensamos que encontrar Centros de Atividades, também conhecidos como conectores, pode ser uma diferença que faz a diferença em uma política pública de prevenção à violência.

3 A INFORMAÇÃO COMO PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA: TRÊS RÁPIDOS CASOS DE SIMULAÇÕES

3.1 Introdução à Metodologia da Mineração de Dados, Textos, Imagens e Significados

O campo de pesquisa denominado mineração de dados (Data Mining)  corresponde a um método operado por um programa computacional que possibilita descoberta de conhecimentos através de procedimentos recursivos e relacionais envolvendo grandes volumes de dados numéricos, caracteres ou imagens em alta velocidade de processamento (0,04 segundo em uma conexão banda larga).
Imaginemos um garimpeiro com uma modesta peneira na margem de um rio. Ele mergulha nas margens do rio sua peneira, colhe um volume expressivo de areia e pedras umedecidas na busca por pequenos e insignificantes fragmentos de uma pedra preciosa.
Precisamos então complementar a abordagem da mineração de dados com a de centros de atividades informacionais, conforme veremos a seguir.

3.2 Caso 01: Porto Alegre (Rio Grande do Sul) e o caso dos Joãozinhos fora da escola integral que morrerão no ano que vem. São Joãozinhos e não Mariazinhas? Quantos anos eles têm? Onde moram?  Como será o ciclo de sua fatídica morte?

Porto Alegre no período dessa pesquisa (2004) ocupava a 11ª posição no ranking das cidades brasileiras em qualidade de vida, sendo a primeira entre as cidades com mais de 1 milhão de habitantes. A expectativa de vida na cidade está em 72,6 anos. O índice de alfabetização é de 89,5%. Dos quinze municípios do país com mais de um milhão de habitantes, Porto Alegre é a décima cidade do país em população.
Porto Alegre em 2004, ao contrário, ocupava o lugar da 19ª cidade no ranking do país por mortes por 100,000 habitantes, 41 mil homicídios, 3,63% suicídios por 100,000 habitantes e 13,30% de mortes no trânsito por 100,000 habitantes.
Com dados de 2004 e aplicando a mineração de dados direta e indireta enfocada na abordagem de centro de atividades informacionais pudemos simular um perfil que envolverá a maioria das mortes violentas no Brasil e, no caso, em Porto Alegre.
Trata-se de uma simulação que chamamos de os joãozinhos que morrerão no ano que vem.
A que joãozinhos estamos nos referindo? Quando falamos em joãozinhos nos referimos a jovens de baixa renda, principalmente entre quinze e dezoito anos. Consideramos em nossa pesquisa como pertencentes à baixa renda os jovens provenientes de famílias moradoras de zonas precárias, com renda mensal de até três salários mínimos.
Certos meninos nessa idade são os principais impulsores e vítimas das práticas violentas de acordo com dados das pesquisas nacionais mais recentes (ABRAVOVAY et alii, 2002). Por que ocorre isso nessa faixa de idade? Porque é nessa faixa de idade que esse perfil de jovens precariza suas relações familiares e escolares e se envolve no cenário da violência e mortes, majoritariamente com questões envolvidas de modo direto ou indireto com o tráfico de drogas. Também é nessa faixa de idade, principalmente dos 15 aos 18 anos, que se verifica a base inicial do recrutamento do comércio de varejo pela economia “clandestina” do narcotráfico.
A mortalidade de adolescentes no Brasil é bem mais freqüente nas grandes cidades e regiões metropolitanas, áreas que também concentram os mais altos índices de desigualdades sociais e econômicas. Esses jovens são moradores de zonas precarizadas social e economicamente e, também, de zonas carentes e sem acesso às conquistas da modernidade informacional, um fator que, se não determina, pelo menos condiciona e propicia ainda mais o aumento significativo da violência urbana.
Assim, também sabemos onde moram esses joãozinhos. A grande maioria desses jovens mortos violentamente nas grandes cidades brasileiras são provenientes de famílias de baixa renda, moradores de favelas que denomino aqui de zonas precárias ou assentamentos autoproduzidos e sem planejamento urbano que, nessa pesquisa, serão referidos apenas como zonas precarizadas.
Vejamos segundo a mineração dos dados que joãozinhos  morrerão no ano que vem.

1. QUEM SÃO? Em primeiro lugar, é preciso dizer que são joãozinhos e não mariazinhas, pois a imensa maioria das mortes violentas são de jovens dessa faixa de idade e do sexo masculino e com idade entre 15 a 18 anos e de cor de pele preta e ou mestiça . Interessante é que a maioria de jovens do sexo masculino mortos nessa mesma faixa de idade na década de 80 era vítima de acidentes de trânsito. Essas mortes foram substituídas, na década de 90, por mortes causadas por armas de fogo.

2. ONDE MORAM? Moram nas zonas precárias em algumas das grandes cidades, onde se localizam as habitações rústicas e em assentamentos humanos autoproduzidos e desordenados com carência de serviços públicos e ação do Estado. Esse cenário não é específico de Porto Alegre. Em análise de mapas da violência as cidades de São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro possuem fator de risco e de insegurança no mesmo nível de Tel Aviv ou Jerusalém, cidades de Israel que vivem sob ataques terroristas e muito próximo de indicadores de cidades dominadas pelo tráfico de drogas, como Medelin, na Colômbia, ou em estado de guerra, como Cabul, no Afeganistão.

A impunidade mobilizada principalmente pela ineficácia do judiciário no Brasil é também surrealista. O exemplo da Argentina é eloqüente. Com um fantástico desemprego, Buenos Aires tem seis homicídios por seis mil habitantes. O Rio de Janeiro tem cerca de 60. Temos um código penal, por exemplo, que permite que o assassino vá ao enterro da vítima. Temos uma lei de execução penal que oferece 15 direitos ao presidiário mais cruel e apenas cinco obrigações. Temos um estatuto da criança e do adolescente que assegura que um menor de 18 anos possa assassinar impunemente. O Brasil consegue ao mesmo tempo ser altamente relapso e injusto, altamente negligente com a violência.

A fonte principal dessa violência se situa nos morros onde o Estado se ausenta ou se precariza, dando origem a toda uma rede de economia clandestina (na maioria das vezes ligada ao tráfico de drogas) que se auto-organiza social, política e economicamente em contraste com o vácuo gerado pela esfera pública legal.  

QUAL É O CICLO DA MORTE DOS JOÃOZINHOS? Esses joãozinhos seguirão um ciclo bem definido. Primeiro, a maioria dos joãozinhos que serão mortos tiveram recentemente o pai falecido (em geral envolvido com problemas de conflito com tráfico de drogas). Seus laços familiares vão cada vez mais se precarizando e acabam por abandonar as escolas. Freqüentam cada vez mais intensamente as ruas e os becos de seus locais de moradia e se dirigem à cidade legal em busca de atividades para sobreviver. Querem saber seus nomes? Basta ir às fonte de registros de ocorrências policiais. Elas funcionam como uma espécie de cartório dos pobres, com as informações sobre esses jovens ali disponíveis no registro de pequenos delitos e de abandono da escola.

Podemos assim, então, resumir o ciclo do centro de atividades que envolverá a futura morte “destinada” desses jovens de modo bem previsível:
Situação 01 = Eles abandonam a escola, precisam de renda para sustentar e/ou ajudar no sustento de suas famílias;
Situação 02 = Na rua e nos becos se envolvem com drogas;
Situação 03 = Surgem as dívidas com os traficantes e pequenos delitos penais;
Situação 04 = Eles então começam a vender drogas para pagar as dívidas e obter renda – aumenta aqui a qualidade e intensidade dos delitos penais;
Situação 05 = Envolvem-se em conflitos violentos no tráfico, em roubos ou com a polícia e são mortos.

O ciclo desse recrutamento perverso da juventude já tinha sido identificado por inúmeras pesquisas sociológicas e antropológicas realizadas no país.
A maior parte dos estudos localizaram uma mudança da criminalidade, com aumento generalizado dos roubos e furtos a residências, veículos e transeuntes, um grau maior de organização social do crime, incremento da violência nas ações criminais, aumento acentuado nas taxas de homicídios e de outros crimes violentos e o aparecimento de quadrilhas de assaltantes de bancos e instituições financeiras.
Essas mudanças se consolidariam e se expandiriam nos anos 80, com a generalização do tráfico de drogas, especialmente da cocaína, e com a substituição das armas convencionais por outras, tecnologicamente sofisticadas, com alto poder de destruição (COELHO, 1999; VELHO, 1994, 2000; PAIXÃO, 1991; ZALUAR, 1999, 2004; ADORNO, 1991; MACHADO DA SILVA et alii, 1998; SOARES, 1996 (a) e (b); MISSE, 2000).
O envolvimento com as drogas inicia-se com o vício, passa pelo endividamento, devido à não obtenção de renda para acesso às drogas, e termina com o recrutamento do comércio do tráfico para que esses jovens paguem suas dívidas. Pressionados por traficantes e policiais, passam a integrar, em fileiras crescentes, a rede de delitos criminosos no país, que se expande em escala geométrica, sobretudo após a chegada da cocaína e do tráfico industrial em rede mundializada (CASTELLS, 1999).
Como podemos descobrir o sistema nervoso da violência? No entendimento de que a violência é auto-organizada. Devemos entender seu processo de auto-organização para enfrentarmos efetivamente suas manifestações. O que aconteceu nos anos 90 que alterou o padrão da violência nas grandes cidades? Coincidentemente surge a cocaína e suas drogas derivadas no comércio varejista dos morros e favelas e, com ela, a industrialização do tráfico, a substituição de armas leves por armas pesadas e a emergência da rede mundial do narcotráfico.
A violência é também um problema econômico. Com a chegada das drogas sintéticas, mais complexas, a classe média está abandonando as drogas tradicionais. Ou seja, um mercado sofisticado e novo está incidindo diretamente na economia das drogas tradicionais. Uma resposta triste tem sido a alteração do consumo de drogas e do perfil do usuário massivo de drogas, como o terrível caso do crack. Os usuários do crack, em sua maioria, têm entre 15 e 25 anos de idade e vêm tanto de bairros pobres da periferia como de ricas mansões de bairros nobres.
A chegada do crack nas favelas traz um desafio ainda maior para o enfrentamento da violência. O grau de violência que se encontra em patamares muito altos tende a aumentar ainda mais significativamente. A dependência química no crack age de modo intenso e muito rápido. O crack leva 15 segundos para chegar ao cérebro e já começa a produzir seus efeitos: forte aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da pressão arterial, dilatação das pupilas, suor intenso, tremor muscular e excitação acentuada, sensações de aparente bem-estar, aumento da capacidade física e mental, indiferença à dor e ao cansaço. O crack gera aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da pressão arterial, dilatação das pupilas, suor intenso, tremores, excitação, maior aptidão física e mental. Os efeitos psicológicos são euforia, sensação de poder e aumento da auto-estima.
Como o crack é uma das drogas de mais altos poderes viciantes, a pessoa, só de experimentar, pode tornar-se um viciado. A perda dos estados normais de consciência é imediata, os prazeres físicos e psíquicos chegam rápido com uma pedra de crack, os sintomas da síndrome de abstinência também não demoram a chegar.  Em 15 minutos, surge de novo a necessidade de inalar a fumaça de outra pedra, caso contrário se farão sentir inevitavelmente o desgaste físico, a prostração e a depressão profunda. Esse efeito gera uma intensa irritabilidade. Todo usuário de crack é um candidato à morte, porque tal droga pode provocar lesões cerebrais irreversíveis por causa de sua concentração no sistema nervoso central.
O crack, porém, não está entre as primeiras drogas que alguém experimenta. De um modo geral, o seu usuário já usa outras, principalmente cocaína, e passa a utilizar o crack por curiosidade, para sentir efeitos mais fortes, ou ainda por falta de dinheiro, já que ele é bem mais barato por grama do que a cocaína. Todavia, como o efeito do crack passa muito depressa, e o sofrimento por sua ausência no corpo vem em 15 minutos, o usuário usa-o em maior quantidade, incorrendo em gastos ainda maiores do que já vinha fazendo. Para conseguir, então, sustentar esse vício, as pessoas começam a usar qualquer método para comprar a droga. Submetidas às pressões do traficante e do próprio vício, já não dispõem de tempo para ganhar dinheiro honestamente; partem, portanto, para a ilegalidade: tráfico de drogas, aliciamento de novas pessoas para a droga, roubos, assaltos, etc.
O crack deriva da planta de coca. Obtido por meio da mistura de cocaína, bicarbonato de sódio ou amônia e água destilada, resulta em grãos que são fumados em cachimbos. É bom lembrar que até pouco tempo atrás o material do crack era lixo da cocaína, jogado fora sem uso. Até mesmo pó de bateria pode ser encontrado no crack. A degradação social é ainda mais rápida com o novo usuário do crack. Alguns traficantes estão incluindo até mesmo porções de crack na maconha para aumentar a dependência dos usuários.
Certamente defendemos que uma solução mais geral do problema passa pela discussão social e política a ser realizada na sociedade de modo a romper com o tratamento mais moralizador sobre as drogas, visando assim re-inserir o Estado no mercando clandestino das drogas como política econômica e social integrada em uma política pública de saúde e educação. É preciso re-inserir o Estado efetivamente no controle, priorizando a indução e pena sobre efeitos químicos mais perversos, o combate legalizado e dirigido ao mercado de drogas, ou seja, as políticas endógenas e dirigidas de controle, fiscalização e monitoramento por dentro do sistema de acumulação econômica e do mercado clandestino da droga nas sociedades contemporâneas, bem como a ampliação da compensação de renda integrada ao acesso à escolarização e à educação pela imenso contingente de jovens precarizados ou excluídos de uma efetiva educação de qualidade na complexa sociedade da informação.

Não há vácuo social, há auto-organização da economia clandestina. A violência é uma expressão visível dessa auto-organização econômica, uma atividade socialmente auto-organizada, com regras sociais, culturais e econômicas de um mercado cada vez mais clandestino e cada vez mais globalmente sofisticado.
Sendo assim, a ineficácia da ação pública sobre a violência é proporcional à eficácia da auto-organização econômica e social da violência. Um judiciário ineficiente, uma polícia mal paga, um Estado cada vez mais falido, politicas sociais de saúde e educação cada vez menos adequada aos desafios dos novos tempos, falta de incentivo público e privado a pesquisa científica e tecnológica são apenas sintomas que só explicitam o fortalecimento da organização da economia clandestina e, assim, por decorrência, da violência auto-organizada.
Pensamos que só é possível eliminar a auto-organização da violência combatendo a economia clandestina, sobretudo das drogas, na legalidade. O combate às drogas deve ser na legalidade, assim como o álcool, assim como o fumo. Foi assim com a bebida alcoólica. Não vencemos o vício da bebida alcoólica, temos muitos acidentes de trânsito para confirmar isso, mas vencemos a máfia que se movia pela ilegalidade de seu comércio. Podemos agora combater o vício do álcool publicamente e na legalidade. O cenário da clandestinidade indica e sempre indicou a guerra. Muitos ganham com a clandestinidade, a sociedade toda perde. O segredo da auto-organização da violência é a ilegalidade, a clandestinidade, é daí que ela tira toda sua força.
Assim afirmamos que a sociedade já sabe quem são os joãozinhos, onde se encontram, onde moram, já sabe que irão morrer no ano que vem envolvidos em conflito violentos. A questão agora é: Vamos enfrentar seus “destinos” ou não?
Os joãozinhos de que estamos tratando aqui são provenientes de famílias perdedoras ou excluídas dos plenos benefícios da sociedade industrial (da modernidade simples) e continuam sendo excluídos, como seus pais o foram. Agregam agora, além da exclusão, a precarização informacional e de conhecimento proveniente das sociedades tomadas pela modernidade mais reflexiva, mobilizadas pelo conhecimento científico e tecnológico.
Assim, a problemática da reinvenção da Esfera Pública é um dos calcanhares mais significativos da expressão da violência nas cidades brasileiras, pesquisas envolvendo violência nas grandes cidades são cruciais para a formulação e aprimoramento de políticas públicas de educação e saúde.

No entanto, o Estado, cada vez mais carente de recursos, depara-se com um duplo dilema no enfrentamento da inclusão na modernidade reflexiva das camadas mais de jovens pobres moradores de assentamentos precários (zonas selvagens) das cidades brasileiras:

1.   O problema da exclusão desses jovens da modernidade simples (industrial), sobretudo renda e acesso qualificado à escolaridade;
2.   O problema da desprecarização do acesso da modernidade reflexiva para esses jovens, já excluídos dos benefícios conquistados pela modernidade simples.

Para enfrentar as mortes dos jovens sugerimos concentrar reforços e recursos também em uma abordagem de centro de atividades, ou seja, uma solução que envolvesse uma efetiva política de integração com as escolas (como um centro de atividade de prevenção, informação e formação). Logo, é necessária uma ação que pudesse gerar uma formação escolar integral de longo curso, bem como uma política alternativa de renda para esses jovens. Sem essa política pública integrada à escolarização não seria obtida a eficácia desejada e continuaríamos a conviver com as suas mortes violentas.
Como já dissemos, a ineficácia da ação pública sobre a violência é proporcional à eficácia da auto-organização econômica e social da violência. Conhecimento, informação e ciência são cada vez mais imprescindíveis para simular, prevenir e tratar o problema com a complexidade que ele apresenta Se não enfrentarmos o âmago da violência, o Brasil caminha para se tornar uma nova Colômbia, só que mais dramática.


3.3 Caso 02: Um centro de atividades informacionais visando a prevenção de homicídios na violenta cidade de São Leopoldo (Estado do Rio Grande do Sul)

Este segundo caso refere-se a uma pesquisa que desde 2007 estamos realizando. É uma pesquisa financiada pelo FINEP que envolve uma parceria entre a pós-graduação do Centro Universitário IPA, O núcleo de estudos de violência e cidadania do Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Secretaria Estadual de Segurança Pública do Rio Grande do Sul através do seu Departamento de Estratégia Operacional, Divisão de Estatística.
O objetivo da nossa pesquisa foi testar e simular o potencial da análise em base de mineração de dados para fins de subsidio às políticas de prevenção da violência. Para isso realizamos um conjunto de simulações de diagnoses analíticas e relacionais (SIDAR).
Estamos verificando um aumento cada vez maior, junto aos responsáveis pela política pública de segurança no Rio Grande do Sul, da importância dada ao tratamento inteligente da informação visando antecipar e prevenir ações violentas no nosso Estado. A Secretaria de Segurança Pública tem demonstrado um avanço significativo e cada vez maior na gestão, análise e publicização das informações conforme é possível verificar pelas recentes e freqüentes publicações dos estudos dessa Secretaria realizadas na imprensa do Rio Grande do Sul.
Para encontrar a diferença que faça a diferença baseamos nossa abordagem em uma concepção segundo a qual as informações se encadeiam em redes de informações, que por sua vez têm centros de atividades sociológicas e informacionais. Isso quer dizer que pensamos tratar as redes de dados em uma abordagem conhecida na Teoria de Redes, baseada em grafos que apontam para a constituição, no interior dessas redes, de Centros de Atividades.
Para citar um exemplo, mesmo uma rede de dados muito complexa e aparentemente caótica, como a World Wide Web, tem seus centros de atividades, e assim é uma rede capaz de absorver facilmente falhas aleatórias (como um site que sai do ar), mas está fadada ao desastre se tiver de enfrentar um ataque dirigido.
Para começar fizemos uma simulação experimental sobre homicídios em São Leopoldo para testarmos nossas hipóteses e o potencial da construção de cenários preventivos diante da abordagem baseada em centros de atividades. Escolhemos São Leopoldo por se tratar de uma das cidades mais violentas em relação a esse tipo de crime e por, de algum modo, também ser uma das poucas cidades do Estado que nos últimos anos apresenta redução na taxa de homicídios. Em 2003 São Leopoldo ficou em primeiro lugar, com 82 casos. Em 2004, foram 60.
Frente aos dados de homicídios em São Leopoldo priorizamos no estudo piloto dezesseis (16) variáveis para posteriormente compormos o centro de atividades informacionais dos eventos de homicídios na cidade . Vejamos:

1 Faixa etária: A maioria das vítimas, tanto em 2004 (61,29 %) como em 2005 (66,13%), pertence ao grupo dos jovens adultos (18-35 anos).
2 Dias da semana: Observa-se uma predominância de ocorrências nos finais de semana (53,23% em 2004 e 48,38% em 2005), considerando-se apenas sábados e domingos. Nesse sentido, cruzando informações de horários com os dias da semana é possível relacionar um maior número de homicídios nos sábados de madrugada e à noite, bem como aos domingos de madrugada, evidenciando que tais crimes ocorrem, na maioria dos casos, em momentos nos quais as pessoas, em regra, não estão envolvidas em seus trabalhos. Essas noites são conhecidas pelo maior fluxo de pessoas em bares, bailes, danceterias e em outras festas noturnas em que há maior disposição e liberalidade para o consumo de bebidas alcoólicas. Diante disto, é fácil perceber relação entre tais noites, o consumo de bebidas alcoólicas e o incremento dos homicídios. Mas tal percepção não é objeto desta pesquisa e merece estudos mais detalhados.
3 Horários: Pela visualização rápida do gráfico observa-se que os crimes de homicídios em São Leopoldo ocorrem com freqüência muito maior à noite, destacando-se o período das 18h às 24h, sendo que das 18h às 6h ocorrem praticamente dois terços dos homicídios, com 66,13% em 2004 e 62,90% em 2005. E confirma-se a constatação de aumento de homicídios nas noites dos finais de semana, em especial sextas e sábados.
4 Suspeitos: Como as informações tratadas neste trabalho dizem respeito aos dados obtidos no local ou logo após os crimes, o gráfico retrata que, ao tomarem conhecimento do crime, os órgãos policiais já possuem, coletam e/ou recebem informações sobre suspeitos em uma proporção significativa de 37,10% em 2004 e de 50% em 2005. Porém, não podemos afirmar se todos os suspeitos apontados foram confirmados no decorrer das investigações.
5 Arma de fogo: Utilizada na maioria dos homicídios ─ 80,65% em 2004 e 83,87% em 2005. Instrumento comum, aliás, na maioria dos homicídios no Brasil, conforme levantamentos oficiais. O que deve ser destacado é o volume de sua utilização, sendo seus números muito próximos aos revelados no Rio de Janeiro, o que já não é tão evidente em São Paulo, conforme destaca Beato (BEATO, 1999, p. 08): “as mortes por armas de fogo representam 87% das mortes por homicídios no Rio de Janeiro, ao passo que em São Paulo elas representam 47%”. Assim, justificam-se, no entender do autor, as ações recentes no sentido de coibir o porte de armas de fogo. E se devem endurecer as ações contra o contrabando de armas.
6 Antecedentes criminais: Os percentuais de 56,45% em 2004 e de 69,35% em 2005 evidenciam uma triste realidade das pessoas que se envolvem em atos criminais. Analisando caso a caso, em boa parte dos homicídios fica evidente uma relação entre vítima e autor, sendo muitos crimes motivados por situações popularmente conhecidas como “queima de arquivo” ou “acerto de contas”.
7 Situação penal: Observa-se que 67,74% em 2004 e 58,06% em 2005 das vítimas estavam com sua situação perante a Justiça normalizada, ou seja, embora boa parte das vítimas apresentasse antecedentes criminais, conforme figura 6, uma parcela significativa já havia cumprido sua pena ou respondia em liberdade. O conjunto de vítimas restante também corrobora a informação apontada na figura 6 sobre o alto número de pessoas com antecedentes criminais.
8 Cor da pele: Contrariando alguns estudos em que são apontadas como principais vítimas dos homicídios as pessoas de cor de pele preta, em São Leopoldo a quase totalidade (87,10% em 2004 e 88,71% em 2005) é de pessoas com pele branca. Para este quesito, é importante esclarecer que foi utilizado, como critério para definição da cor, a consulta ao sistema de identificação do Estado, no qual, para as pessoas com carteira de identidade (RG), consta a cor da pele. Afora, obviamente, a observação in loco do agente policial que atendeu à ocorrência e registrou tal característica da vítima.
9 Sexo: Os percentuais de 90,32% em 2004 e de 93,55% em 2005 dão mostra do que é amplamente apontado nas mais variadas pesquisas sobre homicídios, ou seja, que os homens são as principais vítimas deste tipo de crime.
10 Estado civil: Para este item, os policiais da Inteligência levam em consideração, além do estado civil registrado no sistema de identificação, as informações coletadas no local, principalmente para possibilitar a definição da situação de União Estável, que não figura nos sistemas informacionais. A predominância de vítimas solteiras (62,90% em 2004 e 51,61% em 2005) coincide com a juventude da maioria das vítimas, conforme figura 1. Segundo Maia (1999, p. 126), “68% dos óbitos por homicídios ocorreram entre solteiros” em São Paulo, o que coaduna com este levantamento.
11 Óbito no local: Tal gráfico aponta que metade das vítimas, aproximadamente, ainda recebe socorro. Coincidentemente, 53,23% dos óbitos no local ocorreram tanto em 2004 como em 2005.
12 Tipo do local do crime: Embora se tente esmiuçar e especificar os diversos locais de crime, conforme se depreende no gráfico, uma constatação fica evidente e confirma levantamentos similares em todo o país, ou seja, a maioria (59,68% em 2004 e 62,90% em 2005) dos crimes ocorreu em vias públicas. Destaca-se a residência da própria vítima como segundo local mais incidente, representando 20,97% em 2004 e 22,58% em 2005.
13 Bairros onde ocorreram os homicídios: No ano de 2004, os bairros Rio dos Sinos (16,13%), Feitoria (14,52%), Campina (14,52%) e Vicentina (12,90%) recepcionaram 58,07% dos homicídios do município. Igual constatação em 2005 com 45,16% dos crimes. Embora, a destacar, a redução de 50% no bairro Rio dos Sinos (de 10 para 5) e de um terço no bairro Campina (de 9 para 6), em ambos os anos os bairros Feitoria e Vicentina praticamente mantiveram os mesmos níveis.
14 Bairro de residência da vítima: Os números de vítimas por bairro de residência coincidem, em linhas gerais, com os números de homicídios por bairros, o que reforça a constatação de que a vítima é assassinada, na maioria dos casos, próxima à sua residência. Os bairros que apresentam maior número de homicídios abrigam a maioria das vítimas, e se destacam novamente os bairros Feitoria (9,68% em 2004 e 14,52% em 2005), Vicentina (12,90% em 2004 e 9,68% em 2005) e Campina (12,90% em 2004 e 6,45% em 2005). No ano de 2004, o bairro Rio dos Sinos, que engloba a Vila dos Tocos, teve um volume expressivo de vítimas e, juntando ambos os quantitativos, chegamos ao percentual de 11,29%.
15 Distância aproximada entre a residência e o local do crime: Através do gráfico abaixo e confrontando-o com as figuras 12 e 13, temos a certeza de que, no município de São Leopoldo, a maioria dos homicídios ocorre nas proximidades das residências das vítimas. Observamos que 67,75% em 2004 e 62,9% em 2005 foram perpetrados a menos de um quilômetro da residência da vítima. Se considerarmos, então, que até cinco quilômetros da residência também é uma distância muito próxima, elevamos a quase totalidade dos crimes como ocorridos próximo à residência da vítima. Sobre tal característica destaca-se que a maioria dos homicídios ocorre entre pessoas conhecidas, em ambientes domésticos e em locais próximos às suas residências (BEATO, 1999).
16 Nível de escolaridade das vítimas: Uma constatação com relação ao nível de escolaridade é a dificuldade de registro exato desta informação, pois o sistema de identificação, quando o apresenta por ocasião da confecção da carteira de identidade, não leva em consideração qualquer aprimoramento posterior. Neste sentido há um elevado número de vítimas cuja escolaridade não foi possível identificar (24,19% em 2004 e 37,10% em 2005). Mas, considerando o conjunto de vítimas restante como uma amostra significativa e que as informações foram confirmadas pela Seção de Inteligência, a totalidade das vítimas possui, no máximo, o ensino fundamental completo.

Para compor nossa abordagem de Centro de Atividades nesse estudo piloto verificamos, então, dois tipos de centros: 1) Um centro de atividades capaz de indicar um perfil das vítimas de homicídios e 2) Um centro de atividades capaz de indicar o perfil dos acontecimentos geradores dos homicídios nessa cidade. Vejamos:
   -  Do perfil das vítimas: A maioria das vítimas de homicídios em São Leopoldo é constituída por homens, negros, com idades entre 18-35 anos, solteiros, em sua quase totalidade com, no máximo, o ensino fundamental completo, com antecedentes criminais e situação penal pendente; pessoas envolvidas em conflitos com potenciais homicidas portadores de armas de fogo e que moram em alguns bairros da cidade: Feitoria, Vicentina, Campina e Rio dos Sinos, que engloba a Vila dos Tocos.
  -   Do perfil dos acontecimentos geradores: As vítimas de homicídios em São Leopoldo morrem nas madrugadas de sábado e de domingo, envolvidas em fluxos de danceterias e outras festas noturnas, no período das 18h às 06h da manhã. Mais da metade desses acontecimentos ocorre em determinadas vias públicas de determinados bairros: Rio dos Sinos (16,13%), Feitoria (14,52%), Campina (14,52%) e Vicentina (12,90%). Os conflitos ocorrem próximo à moradia das vítimas e nos bairros onde moram: Feitoria, Vicentina, Campina e Rio dos Sinos (Vila dos Tocos).

Por fim, as informações indicam que, para quase todas essas mortes, não seriam necessários maiores esforços para se chegar rapidamente a suspeitos fortes da ação letal, o que evidencia, certamente, que um processo de investigação preliminar do perfil das vítimas envolvidas em antecedentes criminais permitiria evitar e prever muitas dessas mortes, antes mesmo da consumação dos fatos.

3.4 Caso 03: Mineração de texto. Análise de descrições sobre homicídios realizadas em ocorrências policiais no Estado do Rio Grande do Sul entre 2005 e 2006

Dando continuidade a nossa pesquisa financiada pelo FINEP, relatada no caso anterior, obtivemos acesso a dados brutos das ocorrências policiais de todos os homicídios no Estado do Rio Grande do Sul, fornecidos pelo Departamento de Estratégia Operacional, Divisão de Estatística da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Sul.
Ao analisarmos as planilhas verificamos de imediato um sistema de ocorrência muito antigo e precário, mas ao mesmo tempo pudemos constatar que uma precisa mineração de textos no campo livre onde os policiais realizavam suas descrições de campo nas ocorrências poderia nos fornecer um enorme caldo de indicações e suportes para descoberta de conhecimento visando à constituição de um novo sistema informatizado de ocorrências no Estado.
Assim redirecionamos nossos esforços para a seguinte situação-objetivo: codificar léxicos visando montagem de fluxos e algoritmos para indicação de um novo sistema informacional de ocorrência.
De imediato compomos os fluxos e diagramas em uma abordagem de eventos orientados por processos. Encontramos três (3) grandes processos: 1. Processo de identificação-localização, 2. Processo do evento-vítima 3. Processo do evento-agressor.
Vamos sintetizar rapidamente e em formato os três grandes processos encontrados.
FIGURA 1 – FLUXO DE EVENTOS ORIENTADOS POR PROCESSOS
EVENTO DE IDENTIFICAÇÃO-LOCALIZAÇÃO (não foi possível integrá-la ao texto).

Encontramos 23 códigos descritores. Os códigos descritores estão em forma de número.

De imediato encontramos um nó crítico.
Verificamos que o número da ocorrência inicial na Polícia Civil, não é o mesmo durante todo o processo na Justiça. No Ministério Público o evento ajuizado ganha um número diferenciado e o mesmo ocorre no processo judicial, Assim, uma tentativa de homicídio – como um acidente de trânsito doloso -, onde a vítima foi sorrida e levada com vida a um hospital pode ter-se mantido como registro de dados, uma tentativa de homicídio e não efetivamente um homicídio. Assim como um determinado agressor homicida pode em um posterior julgamento final da justiça ser considerado inocente. SUGERIMOS QUE UM SISTEMA DE OCORRÊNCIAS SEJA INTEGRADO EM TODAS AS INSTÂNCIAS, CONSTITUINDO APENAS UM ÚNICO EVENTO INFORMACIONAL DE IDENTIFICAÇÃO EM  UM MESMO FLUXO RELACIONAL DE DADOS.

Sugerimos decodificar no máximo o processo de parametrização da temporalidade, permitindo que o novo sistema informacional possa realizar relatórios relacionais de temporalidade muito mais detalhados. Por exemplo, vimos que os dados do evento homicídio se concentram em dias da semana e horários. Na constituição de centros de atividades informacionais, apenas essas duas relações já permitiriam dotar ações muito significativas de prevenção.

Aqui também sugerimos decodificar ao máximo os dados de identificação espacial. Converter, localizar e relacionar diferentes dados com a localização da ocorrência pode constituir-se em um dos principais instrumentos de política de prevenção. Aqui também incluímos o código do registro do número do distrito da delegacia e do Regimento do Batalhão da Brigada Militar como instrumento significativo de manuseio de recursos humanos e materiais para políticas de prevenção da violência. Adequação da concentração de recursos humanos e materiais é um dos instrumentos mais significativos de prevenção da violência. Esses dados se alteram e permitem uma gestão mais adequada aos efetivos indicadores das ocorrências nos locais onde elas mais se concentram.

EVENTO VÍTIMA
Encontramos 30 códigos descritores, muitos desses descritores podendo ser ainda mais sub-decodificados. Os códigos descritores estão em forma de número.

1) Número de vítimas; 2) Número de vítimas fatais; 3) Número de identificação da vítima ou de cada uma das vítimas; 4) Vítimas identificadas (nome, sobrenome); 5) ID; 6) endereço; 7) CEP; 8) escolaridade (1. Ensino fundamental, 2. Ensino médio, 3. Ensino superior); 9) Profissão formal; 10) Profissão informal; 11) Desempregado; 12) Data de Nascimento; 13) Sexo; 14) Cor da pele.
15) Vítima sem situação penal; 15.1) Situação penal da vítima (1. Liberdade provisória, 2. Semi-aberto, 3. Regime fechado, 4. Foragido).
16) Vítima com antecedentes criminais [Sim/Não]. 16.1) Qual? 1. Ameaça, 2. Lesão corporal, 3. Furto, 4. Porte ilegal de arma, 5. Receptação, 6. Condução sem habilitação, 7. Dano, 8. Posse de entorpecente, 9. Tráfico de entorpecentes, 10. Homicídio, 11. Estupro, 12. Jogos de azar, 13. Transtorno da ordem, 14. Falsidade ideológica, 15. Contravenção, 16. Extorsão, 17. Maus tratos.
16.2) Descrevendo características físicas (1. Cor do cabelo, 2. Comprimento do cabelo, 3. Altura, 4. Cor da vítima, 5. Peso, 6. Tipo de vestimenta – 6.1 –  descrição, 7. Idade provável).
17) Local da morte. 1. Em Trânsito, 2. Em socorro, 3. Hospital, 4. Via pública, 5. Ponte, 6. Praça, 7. Residência vítima, 8. Residência outra, 9. De quem. Nome proprietário, 10. Terreno, 11. Pátio, 12. Terreno baldio, 13. Chácara, 14. Casa noturna, 15. Bar, 16. Comércio (Tipos: 1. Lojas, 2. Armazéns, 3. Estética, 4. Posto de Gasolina, 5. Bar, 6. Casa Noturna).
18) Local da morte. 1. Em Trânsito, 2. Em socorro, 3. Hospital, 4. Via pública, 5. Ponte, 6. Praça, 7. Residência vítima, 8. Residência outra, 9. De quem. Nome proprietário, 10. Terreno, 11. Pátio, 12. Terreno baldio, 13. Chácara, 14. Casa noturna, 15. Bar, 16. Comércio (Tipos: 1. Lojas, 2. Armazéns, 3. Estética, 4. Posto de Gasolina, 5. Bar, 6. Casa Noturna).
19) Corpo indica: (1. Homicídio, 2. Suicídio, 3. Morte pela polícia, 4. Indicativo de execução sumária [Sim/Não]).
20) Fato Gerador do Homicídio (1. Furto, 1.1.  Tipo objeto, 1.2. Descrição; 2. Vingança; 3. Passional; 4. Briga; 5. Discussão).
21) Indicativo de interferência de tráfico [Sim/Não]. 1. Dívida, 2. Confronto policial, 3. Desavença familiar, 4. Briga de ponto, 22) Rebelião, 23. Estupro, 24. Jogos de azar, 25. Transtorno da ordem, 26. Falsidade ideológica, 27. Contravenção, 28. Extorsão.
30. Vítima sob efeito de drogas? 30.1. Em caso positivo, tipo (1. Álcool, 2. Maconha, 3. Cocaína, 4. Crack, 5. Sintética).
30.2. Porte de drogas. 30.3. Tipo. Quantidade. 1.Álcool. Quant. 2. Maconha. Quant. 3. Cocaína, Quant. 4. Crack, Quant. 5. Sintética, Quant.,6. Outra. Qual: Quant.

EVENTO AGRESSOR
Encontramos 23 códigos descritores, muitos desses descritores podendo ser ainda mais sub-decodificados. Os códigos descritores estão em forma de número.

1) Número de agressores, 2) Número de identificação de cada um dos agressores, 4) Agressor identificado (nome, sobrenome), 5) ID, 6) endereço, 7) CEP, 8) escolaridade (1. Ensino fundamental, 2. Ensino médio, 3. Ensino superior), 9) Profissão formal, 10) Profissão informal, 11) Desempregado, 12) Data de nascimento, 13) Sexo, 14) Cor da pele.
15) Situação do Agressor. 1. Autoria, 2. Acusado, 3. Infrator, 4. Indiciado
Suspeito.
16) Agressor sem situação penal, 17) Situação penal do agressor (1. Liberdade provisória, 2. Semi-aberto, 3. Regime fechado, 4. Foragido).
18) Agressor com antecedentes criminais [Sim/Não], 18.1) Qual? (1. Ameaça, 2. Lesão corporal, 3. Furto, 4. Porte ilegal de arma, 5. Receptação, 6. Condução sem habilitação, 7. Dano, 8. Posse de entorpecente, 9. Tráfico de entorpecentes; 10. Homicídio, 11. Estupro, 12. Jogos de azar, 13. Transtorno da ordem, 14. Falsidade ideológica, 15. Contravenção, 16. Extorsão, 17. Maus tratos).
19) Descrevendo características físicas – agressor (1. Cor do cabelo, 2. Comprimento do cabelo, 3. Altura, 4. Cor do agressor, 5. Peso, 6. Tipo de vestimenta – 6.1 – descrição, 7. Idade provável).
20) Agressor sob efeito de drogas? 21) Em caso positivo, tipo (1. Álcool, 2. Maconha, 3. Cocaína, 4. Crack, 5. Sintética).
22) Porte de drogas. 23) Tipo. Quantidade. 1.Álcool. Quant. 2. Maconha. Quant. 3. Cocaína, Quant. 4. Crack, Quant. 5. Sintética, Quant., 6. Outra. Qual: Quant.
FONTE: Elaborado pelo autor

Enfim, mesmo que as pesquisas estejam demonstrando um avanço considerável nessa área da gestão pública do Estado no Estado do Rio Grande do Sul, no tratamento informacional verificamos que ainda temos alguns nós críticos fundamentais. Vejamos alguns:

1. A falta de valorização da importância da atividade de coleta de dados junto aos funcionários públicos dos diferentes órgãos responsáveis pela captura e registros das ocorrências e dos dados envolvidos nas ações violentas.  Por exemplo, na Brigada Militar ainda é mais valorizado o soldado que “dá tiro” do que o que realiza os registros e cadastra os dados em um determinado chamado policial. A chegada mais próxima do momento dos eventos é crucial para a precisão das investigações e para a constituições de padrões a serem analisados no futuro.
2. Na formação dos soldados e sargentos da Brigada não existe cursos específicos de capacitação na teoria e no tratamento de informação nas ocorrências policiais.
3. O sistema de ocorrência no Estado ainda é muito antiquado, precário e altamente primário. Precisamos modernizar e integrar todo o processo de coleta, armazenamento, tratamento e recuperação dos dados em uma abordagem mais elaborada e com sistemas de banco de dados mais inteligentes e tecnologicamente muito mais complexos.
4. Precisamos unificar procedimentos e números das ocorrências envolvendo todos os órgãos dos diferentes poderes do executivo (polícia civil e brigada – aqui o processo já está mais adiantado), do Ministério Público (no qual ainda encontramos muitas resistências) e do Judiciário (que opera de modo independente). O desencontro e a desintegração dos processos de coleta, registros e guarda dos dados, bem como sua despadronização dificultam e muito uma ação inteligente visando a posterior prevenção e um efetivo subsídio de políticas públicas preventivas. Por exemplo, uma tentativa de homicídio registrada em uma ocorrência, em que a vítima é socorrida em um hospital e falece posteriormente se torna uma posterior ocorrência de homicídio e não uma tentativa de homicídio. Na acusação de homicídio em que, em um julgamento posterior pelo poder judiciário, ocorre a absolvição de um acusado de crime, o perfil dos dados sobre os agressores será alterado. Hoje não temos como cruzar sequer os dados das ocorrências com as investigações do Ministério Público e do Poder Judiciário se não de modo manual e muito trabalhoso.

Os avanços nesse campo devem ser feitos com uma efetiva política integrativa e de valorização da inteligência dos recursos humanos. Já aformamos e reafirmamos que a violência é uma produção social auto-organizada. Podemos sim enfrentar de modo mais preciso a produção social e auto-organizada da violência e permitir que a sociedade gaúcha viva de modo mais qualificado e digno. Falta muito, mas começamos e estamos a caminho. Os primeiros passos estão sendo dados e os primeiros passos são sempre os mais difíceis.

4 PALAVRAS FINAIS

“Os seres humanos quanto mais se complexificam menos aptos se tornam para resolver os problemas coletivos complexos que eles mesmos criam. Diferentemente das formigas, que se comportam como geniais agentes coletivos e profundas idiotas individuais, os humanos estão se transformando em geniais agentes individualizados e cada vez mais um profundo idiota coletivo” Joël Rosnay – adaptado

A emergência da sociedade reflexiva do conhecimento implica “poderes” sempre crescentes dos atores sociais em relação à estrutura. Porém, isso não elimina as efetivas circunstâncias de que não exista um novo conjunto de condições estruturais da reflexividade, implica apenas um novo lugar do conhecimento no modo de produção de nossas sociedades contemporâneas e implica, também, o surgimento de novas estruturas reflexivas de acesso e produção de informação e comunicação (LASCH, 1997, p. 146-147).
A mineração de dados é um método com um enorme potencial para apoio de descoberta de conhecimento. Diante de volumes cada vez maiores de dados disponíveis no cotidiano e diante também do fato de que tais dados envolvidos são cada vez mais tratados de algum modo por procedimentos computacionais, o que chamamos de uma sintetização digital da emergência da sociedade da informação em detrimento da sociedade industrial (produção e consumo de mercadorias), os métodos de mineração de dados são cada vez mais importantes para o apoio à descoberta de conhecimento.
A pesquisa sobre recuperação de informações é antiga. A novidade das pesquisas em mineração de dados diz respeito ao fato de que as regras para extração são programadas de modo sofisticado para buscas auto-organizadas.
A próxima geração de tecnologias de busca e sua sofisticação serão ao mesmo tempo mais e menos visíveis. O papel visível será representado por ferramentas poderosas que combinam funções de busca com operações de extração de dados – sistemas especializados que procuram tendências ou anomalias em bancos de dados sem realmente saber o sentido dos dados. O papel invisível envolverá o desenvolvimento de grande número de operações de busca complexas como serviços back-end para diversas aplicações e plataformas. Com o tempo, será difícil para os usuários de redes digitais distinguir onde começa a busca e onde tem início a compreensão.
Na pesquisa sociológica, particularmente, a mineração de dados gera dois grandes eventos:

1. O primeiro, o processo responsável pela aplicação de algoritmos para a extração de padrões dos mesmos. Isso implica muitas buscas personalizadas, que envolvem programações específicas de algoritmos, geralmente desenvolvidas por algum informaticista especializado em técnicas de mineração que atue de modo transdisciplinar nas pesquisas sociológicas. Isso implica também a aquisição, por parte do sociólogo, de uma habilidade de precisão muito grande para que possa solicitar a tradução de suas necessidades de descoberta em algoritmos.
2. O segundo, que se desdobra da técnica de mineração de dados, é a análise propriamente dita e o processo de construção da descoberta de conhecimento suportada por metodologia informacional, processo maior que envolve, sobretudo, a segmentação dos dados, eventos ou objetos garimpados e a interpretação dos resultados.

O desafio ainda existente é conseguir gerar uma ontologia na simulação que seja adequada à complexidade vital em análise. Essas ontologias geradoras de simulação de fenômenos sociais nesses ambientes é que permitem formar os vocabulários controlados ou linguagens para representar conceitos, segmentos conceituais (de caracteres e/ou miméticos) e eventos socialmente reconstruídos pela sintetização digital seja em tempo real ou obtendo simulações históricas e prospecções.
Devemos, por fim, também estar atentos aos processos de redução da complexidade diante da informação ressignificada pela nova mídia digital e aos caminhos estruturantes que ela nos apresenta. Não esqueçamos que a redução sistêmica informacional da complexidade da realidade nunca deve ser confundida com a própria complexidade da realidade. Seus resultados, por mais sofisticados que sejam, são pasteurizações do mundo e não o próprio mundo. São reduções operadas por mediações de estruturas informacionais semi-reflexivas da chamada sintetização digital da realidade, apenas isso.
Um desafio cada vez maior à nossa capacidade analítica, para continuarmos no difícil caminho da qualidade complexa da produção do conhecimento sociológico, é aprendermos a escapar dos atalhos facilitadores oferecidos pelos encantamentos juvenis do determinismo cibertecnológico.
Assim, uma questão é importante que tenhamos em conta: não se trata de pequena façanha humana realizarmos a replicação das atividades rotineiras do processamento lógico do cérebro humano em máquinas e suportes cognitivos digitais e também não é insignificante a criação humana que permite amplificarmos nossas ressonâncias sensórias em sofisticados suportes ambientalizados por sistemas digitais de simulação e interação.
Porém, não podemos concordar com a idéia de que a infra-estrutura reflexiva de informação e comunicação digital, mesmo sendo capaz de replicar, inclusive, uma reflexividade mimética (representação imitada), seja sinônimo de conhecimento complexo, ou de que ela em si mesma represente uma nova modulação de conhecimento. A rede digital de comunicação e de informação computada não passa de uma mera invenção potente de redução de complexidade (MORIN, 2000)  
Reafirmamos que, ao darem conta de modo extremamente preciso da redução da complexidade da realidade vital, as novas tecnologias de informação e comunicação possibilitam, em contrapartida, uma gama quase infinita de amplificadores cognitivos a serem exercidos em simbiose do mundo vital com o mundo digital, facilitando extremamente a produção do conhecimento na sociedade contemporânea, de modo que o próprio conhecimento possa agora ocupar efetivamente, na história de nossa civilização, um novo lugar na produção e reprodução das sociedades.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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quarta-feira, 27 de março de 2013

A METÁFORA COMPUTACIONAL DO CÉREBRO => a Síndrome de Frankenstein => criamos máquinas cognitivas e não máquinas inteligentes


Dr. Gilson Lima
Sociólogo e cientista em reabilitação

gilima@gmail.com 

Os elementos guardados na mente não possuem nomes e não são ordenados em pastas. Eles são acessados não por um nome, mas pelo conteúdo. Você pode “ver” tudo que está em sua mente sob o ponto de vista do passado, do presente e do futuro. Na moderna ciência da computação, existe um conceito chamado lifestream, que consiste em organizar as informações de forma parecida com a da mente humana. David Gelernter (“guru” da elite digital).

Quando os computadores folheiam as Web Pages, não sabem a que (elas) se referem. Os computadores estão apenas transmitindo bits, que, no que lhe diz respeito, não precisam ter necessariamente um significado. Estão apenas atuando como um grande sistema telefônico.
Cliff Stoll (Astrofísico considerado um cético pelos membros da elite digital).


Extraído do livro: Nômades de Pedra: Teoria da sociedade simbiogênica. 


Prosa A metáfora computacional e a Síndrome de Frankenstein: criamos máquinas cognitivas e não máquinas inteligentes   ppgs 203-216.
Dr. Gilson Lima 
Prefácio feito por Domênico de Masi no Livro: Nômades de pedra. Autor: ©Gilson Lima, 2005.
Capa e projeto gráfico Bureau Escritos
Revisão: Lúcia Regina Lucas da Rosa
Revisão Final: Iara Linei Romero


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

L832n       Lima, Gilson Luiz de Oliveira
                      Nômades de pedra: teoria da simbiogênese contada em
                 forma de prosas / Gilson Lima ; Prefácio: Domênico De Masi. Tradutora do prefácio Flávia
                  Movizzo Smith. ¾  Porto Alegre: Escritos, 2005
                      306 p. ; il.

                     ISBN: 85-98-33422-4

         1. Sociologia Contemporânea. 2. Prosa Sociológica. 3. Estu-
     dos de Tecnologia e Sociedade. 4. Sociologia das Ciências.
     5. Cultura e Sociologia. 6. Literatura e Sociologia. I. Smith,
     Flávia Movizzo. II. Título.

                                                                  CDD  301
                                                                            301.2
Bibliotecária Responsável: Ginamara Lima Jacques Pinto CRB 10/1204

Todos os direitos desta edição reservados ao autor: Gilson Lima.
gilima@gmail.com

Escritos editora
Porto Alegre –RS
www.escritos.com.br
escritos@escritos.com.br
Brasil/2005


Os fundacionistas (fundadores) da moderna informação computacional (cientistas e matemáticos), sonhavam em construir um modelo reduzido do cérebro humano. Esse modelo se materializaria em máquinas, que seriam autônomas o suficiente, para criar e solucionar problemas abstratos. Teriam capacidade de manipular, simultaneamente, uma enorme quantidade de dados. Acreditava-se que, num futuro bem próximo, seriam criados artefatos pensantes superiores aos homens.
Nesse sentido, divergimos claramente dos enfoques históricos muito presentes entre os tecnólogos e na vasta literatura editorial destinada ao moderno mercado empresarial. Esse enfoque resulta da demasiada primazia atribuída ao papel dos componentes eletrônicos na classificação das temporalidades históricas da Informática. Suas periodizações transformam-se ironicamente em gerações. Assim, vemos freqüentemente classificações do tipo: máquinas de primeira geração (a válvula), de segunda geração (transistorizadas), de terceira geração e assim por diante. Essa classificação é totalmente operatória e visa identificar o ritmo histórico da moderna informação numérica, como se esse ritmo fosse apenas determinado pela evolução dos componentes desses artefatos eletrônicos construídos pela Engenharia instrumental. Essa abordagem cria uma armadilha, fazendo-nos crer que, a cada conquista de um novo componente eletrônico, teremos um novo impacto cultural. Defenderemos que essa abordagem sofre de uma síndrome a qual denominamos Síndrome de Frankenstein.
O sonho da criação de um modelo reduzido de cérebro humano por parte dos fundacionistas da moderna informação computacional não se concretizou até hoje. Uma boa dose de confusão é causada pelo fato de os informaticistas usarem termos como “inteligência”, “memória” e “linguagem” para descreverem os recursos computacionais. Uma vez que essas expressões referem-se aos fenômenos humanos, tal nomenclatura pode induzir os cientistas a graves equívocos. A significância da inteligência consiste na operação de se agir de maneira adequada quando um problema não é claramente definido e as soluções não são evidentes. Nessas situações, o comportamento humano inteligente baseia-se em práticas e reflexões existenciais acumuladas por meio de múltiplas experiências. A inexistência da capacidade de abstração, e as limitações intrínsecas às operações formais dos artefatos digitais os tornam impossibilitados de serem dotados de inteligência.  

A fixação na “Síndrome de Frankenstein” dividiu os informaticistas modernos. Alguns cientistas e pesquisadores pensaram em instituir uma “ciência total da informação” a fim de produzirem artefatos dotados de inteligência autônoma, seja ela menor, igual, ou para alguns, superior à inteligência humana (“inteligência artificial”). Assim, eles investiram todas as suas energias na construção de máquinas pensantes e programas numéricos “inteligentes”. 
Desde os primeiros dias da Inteligência Artificial, um dos maiores desafios tem sido o de programar um computador para entender a linguagem humana. Apesar de gerarem múltiplos ganhos para a automação industrial e, sobretudo para a robótica, esses esforços traduziu-se em conquistas muito tímidas, se comparadas às ambições dos cientistas. Após várias décadas de trabalhos frustrantes sobre esse problema, pesquisadores em Inteligência Artificial estão começando a entender que os seus esforços estão fadados a continuarem inúteis, pois o computador e a sua arquitetura digital, não podem entender a linguagem humana num sentido significativo. A questão é: a linguagem humana está embutida numa teia de convenções sociais e culturais, a qual fornece um contexto de significados não-expressos em palavras. Os seres humanos entendem esse contexto, porque faz parte de um “senso comum”, mas um computador não pode ser programado e/ou dotado desse “senso comum”. Portanto, ele não entende a linguagem.  

Nesse sentido, muito se tem feito para que os programas digitais e as máquinas cognitivas entendam, de modo automático, a linguagem humana. Tais programas interagem com o comando de voz, dispositivo simbiótico muito importante e que envolve, não apenas o processamento lógico, mas o emocional da comunicação oral humana. Apesar das dificuldades implícitas, as pesquisas já estão obtendo resultados significativos. Hoje, através de uma página Web com mineração sintática que, com grande eficácia transforma caracteres em voz, podemos encontrar cegos ouvindo a leitura de um jornal. Não podemos deixar de levar em consideração que, apesar dos feitos grandiosos, a mineração sintática permite-nos, desde uma simples localização de termos até a identificação de hipóteses em grandes bases textuais. Na simbiose com a comunicação humana, ela apenas reduz o fosso entre a formalização sistêmica da oralidade e a sua modulação lógica em contextos interpretativos. 

No entanto, o problema de que um computador não possa entender a linguagem humana em níveis simbióticos mais profundos, não significa, como já vimos, que ele não possa ser programado para reconhecer e para manipular estruturas lingüísticas simples e compartilhar processos conectivos com nossa mente biológica.
Outros cientistas e pesquisadores, insatisfeitos com os resultados alcançados na busca de replicação do cérebro humano, abandonaram o princípio da substituição parcial ou total da inteligência humana, por um ser artificial dotado de potência pensante. Abandonaram, também, a pretensão de criarem uma ciência que possua o monopólio disciplinar do objeto informação. Assim, passaram a empenhar-se na produção de uma infinidade de artefatos eletrônicos a fim de dar suporte aos múltiplos campos do conhecimento humano. 

Foi a partir daí que esses informaticistas provocaram dois significativos impactos sociais. O primeiro foi uma crescente eliminação, numa velocidade exponencial, de múltiplas atividades humanas no mundo do trabalho e de muitos processos cognitivos na produção do conhecimento que se realizava através do monopólio da mente humana. O segundo foi a possibilidade de quase todos os campos sociais do conhecimento humano, compartilharem e manipularem diferentes artefatos e recursos digitais que constituíam meios físicos (hard) ou imateriais, que eram programas numéricos (soft), nos diferentes processos e atividades do mundo do saber/fazer. Esse compartilhamento está intensamente integrado em médias e grandes redes numéricas, está permitindo progressivamente que um vasto acervo de registros e informações esteja sendo estocado por quase todos os diversos campos do saber, dotando-os de significativa precisão, bem como de alta qualificação operacional.

Num momento determinado, diante da crise decorrente da inadequação entre suas ambições e os resultados alcançados, esse grupo dividiu-se em dois subgrupos: o daqueles que decidiram continuar a manter seus esforços no caminho da construção da inteligência artificial e do modelo computacional da mente, com suas abordagens, entre outras do conexionismo (redes “neurais”) e o outro, ao contrário, incorporou-se a uma perspectiva transdisciplinar, simbiótica, dos saberes e dotou e está dotando múltiplos campos do conhecimento de um processamento informacional mais preciso, qualitativo e muito mais compartilhado com a inteligência humana.

É certo que os artefatos digitais desempenham funções indisponíveis em outros recursos automáticos, como o armazenamento de dados, textos, imagens, sons e hipertextos, podendo ainda se “comunicar” entre si. Isso nos permite, cada vez mais, compartilharmos conhecimentos por meio de uma ou diversas e vastas redes digitais com seus permanentes fluxos de recuperação primária e de interação ambiental e simulações. Entretanto, as idéias, as soluções criativas, só podem ser obtidas por meio do pensamento e não pelo computador. O culto ao computador deixa a impressão mágica de que um “progresso” está em curso sem a sua participação.* Não devemos esquecer que a própria arquitetura do computador é histórica e está sendo ultrapassada para dar conta de simbioses mais profundas com a vida humana. Ou seja, já estamos entrando numa época que vivenciamos o fim do computador, ou pelo menos o fim do seu monopólio de acessarmos as redes em nossas interações simbióticas. 


Arquiteturas semióticas mais profundas das máquinas cognitivas também estão sendo testadas, como as que integram, de modo mais intenso, na própria engenharia maquínica, componentes inorgânicos e orgânicos, com arquiteturas baseadas em DNA e com presença de chips orgânicos vivos que juntamente com a nanotecnologia fará desaparecer de nossos olhos o velho, feio e desajeitado computador de silício. Depois da introdução do computador ser um dos principais responsáveis pela eliminação da força viva no trabalho industrial, está chegando a vez de ser ele ultrapassado pela revolução mais intensamente simbiótica do que a computacional, tal como a conhecemos hoje.

Um parêntese nessa questão. É certo que uma tecnologia boa é também uma tecnologia bela. Se dermos importância a excelência em tecnologia, seremos muito reducionistas se não considerarmos também sua estética, sua elegância, seu conforto e sua beleza. Os jovens engenheiros e cientistas, construtores de computadores, parece que esqueceram disso. Um pouco disso seria evitado se eles estudassem em seus cursos universitários desenho, história da arte e design. É claro que educação artística não é uma poção mágica, contudo, poderia tornar a coisa menos pior nesse sentido. 

O que conhecemos como computador, ainda hoje, é o padrão da arquitetura do computador pessoal, projetado pela, na época gigante, IBM (IBM-PC em 1981), e que, convenhamos, é muito feio, um absurdo estético e que também desconsidera o mínimo do conforto necessário aos seus usuários. Encontramos esse tipo de máquina em quase todos os escritórios do mundo e em milhares e milhares de casas por esse planeta afora. Não estou sozinho nessa crítica, vejam o que diz um dos mais respeitados gurus da informática, David Gelernter: 

“Somos centralizados e obrigados a consumir uma versão eletrônica de um fusquinha, uma configuração fácil de ser montada, um santuário permanente da primeira solução que veio a cabeça. E todos eles são iguais. Essa mesmice absoluta tem suas virtudes, mas outros materiais, por exemplo, também têm. Há milhões de tipos de plásticos – opaco ou transparente, fosco ou brilhante, marmorizado, com bolinhas, listrado -, mas quase todos os computadores que encontramos têm o mesmo acabamento liso e fosco e têm quase a mesma cor. Quando bebem e ficam alucinados, os projetistas de computadores sonham com cores tão extravagantes como cinza-claro desbotado e branco-ovo neutro e, após tamanho afã criativo, desmaiam”. 

Se o design é tedioso, eles praticamente ignoram o conforto para o usuário.  Aquele monitor quadrado tem que ficar a 30 centímetros ou mais de nossos rostos, e os nossos dedos devem estar sempre, bem próximos, ao teclado. Precisamos de muito espaço quando estamos trabalhando, por exemplo, gostamos de tomar café, mas os computadores determinam nossos espaços e acabam por colonizar nossos hábitos. É preciso, por justiça, fazer uma tímida exceção aos computadores da Apple, que sempre tiveram mais preocupação com essa questão, pelo menos da estética. Porém, mesmo os computadores pessoais Machintosch e seu software operacional, não são a última palavra em elegância. O Machintosch, lançado há mais de uma década, passou todo esse tempo sem uma grande mudança, sequer nessa questão. Somente nesses últimos dois anos é que ele recebeu alguma mudança, mas que não enfrentou significativamente o marasmo da estagnação estética e muito menos a simbiose qualificada com os usuários em matéria de conforto e de praticidade em si, como certamente todos gostaríamos que ocorresse. Aqui, junto com Gelernter, termina nosso parêntese.

A informação analógica tem como suporte um sinal contínuo, uma oscilação, que se propaga por um fio elétrico, ao passo que, na informação digital, os registros são tratados, uns após os outros, na unidade lógica. O computador, assim, é concebido como uma máquina de estados discretos. Uma informação digital é lógica e expressa uma codificação de forma simbólica, por algoritmos decimais ou, mais geralmente, por unidades binárias. Um computador processa informações, ou seja, manipula símbolos com base em certas regras. 

Por sua vez, os símbolos são elementos distintos da matéria física existente no interior do computador, precisando ser introduzidos de fora, seja através da direta interação humana, seja através de sua captura por múltiplos sensores. É certo que os computadores em rede não apenas absorvem injeções externas de símbolos introduzidos passo a passo por interação humanas, como compartilham protocolos simbólicos em rede sem exigir a presença humana na interação e, compartilham, também, protocolos simbólicos entre as próprias máquinas e artefatos, automaticamente. No entrando, eles não compreendem significativamente essas interações durante seus processamentos, nem sequer têm consciência delas, não ocorre sequer uma mudança física na máquina, ou seja, a estrutura do computador é fixa, determinada pela engenharia de sua construção atual. 

A realidade não é discreta, nem é contínua e nem é lógica. É, sim, muito mais que os neopositivistas admitem: analógica. O bit está no mundo, mas o mundo não é o bit, sequer feito de bit, muito menos só de silício, esse abundante elemento que a natureza de nosso planeta nos brindou e que integra os microchips. Nós somos uma complexa unidade de carbono com sistema nervoso e consciência, não somos apenas um produto funcional como uma unidade de silício. Somos simbioticamente integrados numa complexa energia chamada vida. Tudo isso parece óbvio, mas não custa nada dizer, até por que, muitas vezes, é necessário que o óbvio seja dito.

A cognição humana envolve linguagem e pensamento abstratos. Portanto, símbolos e representações mentais. Porém, o pensamento abstrato constitui apenas uma pequena parcela da cognição humana, não sendo, geralmente, a base para as nossas decisões e ações. As decisões humanas nunca são completamente racionais, estão sempre coloridas por emoções, e o pensamento humano está sempre encaixado nas situações e nos processos corporais que contribuem para o pleno espectro da cognição. Acontece que o pensamento racional filtra a maior parte desse espectro cognitivo e, ao fazê-lo, cria uma “cegueira de abstração”. Num programa de computador, ao contrário, diversos processos, comandos e tarefas são inseridas sob a forma de uma coleção limitada de objetos, de propriedades e de operações, coleções essa que incorpora a “cegueira” que surge com as abstrações na criação do programa.  

No entanto, há restritos domínios de tarefas nos quais essa cegueira não impede um comportamento que se mostra inteligente. Por exemplo, muitos jogos são acessíveis a uma aplicação de técnicas capazes de produzir um programa que derrota os oponentes humanos. [...] São áreas nas quais a identificação das características relevantes é direta e a natureza das soluções é clara. 

A Síndrome de Frankenstein também está presente nas pretensões de alguns cientistas e pensadores, como a do otimista francês Pierre Levy, que comemora o surgimento da Internet ou da rede mundial Web, como um “matrix da inteligência coletiva”, No entanto, apenas do ponto de vista tecnológico, o processo de comunicação entre máquinas ainda é muito primário. A World Wide Web (www), essa enorme página eletrônica do mundo, facilitou, e muito, o acesso do usuário à Internet, transformando-a nessa enorme malha mundial de fluxos e links, por tratar-se de uma linguagem com interface gráfica, que permite conexões entre imagens, textos, sons etc. A www permitiu a expansão da Internet, numa enorme velocidade, entretanto, pelo seu padrão de comunicação, ela não permite que as máquinas computacionais elaborem seus próprios raciocínios e pensamentos. Estamos ainda muito longe da comunicação inteligente entre máquinas. Quando os computadores folheiam as diversas páginas da WEB - através de interface humana - eles não entendem o que essas páginas significam, apenas executam a transferência de conteúdos binários. Estão atuando como se fosse um grande sistema telefônico. 

Nosso misterioso cérebro, ao contrário, não armazena a memória sob a forma de fotografias fac-similares de objetos, de acontecimentos, de palavras ou de frases. Como indicam as novas e revolucionárias descobertas na área da Neurologia, o cérebro não “arquiva” a realidade como se ele fosse uma máquina de fotografia polaroid que registra pessoas, paisagens, caracteres ou objetos, assim como não armazena a realidade em fitas magnéticas sonoras de ruídos, de músicas ou falas, ou filmes de cenas da vida ou de contextos existenciais. Em resumo, as novas descobertas da Neurologia demonstraram que não parece existir imagem que sejam retidas no cérebro, mesmo em miniatura, em microfichas ou outro tipo de cópias. Em face da enorme quantidade de conhecimento que adquirimos, qualquer processo de armazenamento fac-similar colocaria problemas insuperáveis de capacidade; nossa cabeça, por exemplo, deveria ser, então, do tamanho de Júpiter. É bom lembrarmos de que Júpiter é o maior planeta do sistema solar e que graças a sua “incompetência” em não tornar-se uma estrela é que a fina película da vida reina na Terra.

Ao contrário, as novas concepções da Neurologia apontam na direção de que possuímos, de fato, uma memória reconstrutiva. Assim, as nossas sensações existenciais compartilhadas, ao serem evocadas, brotam de nossos sentidos e provocam na mente, surgimento de imagens, tentativas de réplicas de padrões mentais que um dia já foram experimentados afetivamente.  

O bit (binary digit) é uma unidade elementar de medida, que contém a informação concebida como grandeza física, não medindo nada diverso das transmissões de sinais. Quando transportamos informações para fora da órbita dos sinais, o bit desaparece, idéia mítica que pode nos levar a uma compreensão simplificada de que é a informação que mede a organização. Ainda que encontremos essa abordagem em inúmeras publicações editoriais destinadas ao mercado empresarial, ela reduz o conhecimento apenas ao enfoque físico e material da informação, contudo, a informação jamais poderá traduzir-se totalmente em termos de informação física. 

A informação computacional é numérica e digital, dependendo atualmente, para tudo, do cálculo binário. Não podemos, assim, reduzir a informação, apenas ao seu aspecto digital. A moderna informação da rede numérica limita-se a ser a superfície de um iceberg profundo do conhecimento, logo, uma verdadeira teoria da informação não pode deixar de ser metainformacional, isto é, só pode realizar-se quando integrada, articulada e “ultrapassada” no seio de uma teoria complexa da organização.  

Não existe apenas a palavra “código” para se exprimir à natureza da informação, nem apenas a palavra “programa” para se exprimir a sua generalidade. Tal afirmação não implica rejeitarmos esses termos, mas relaciona-se à necessidade de não nos encerrar dentro deles. A informação não é o mito e nem o bit. Ao contrário, a visão complexa da informação leva-nos a uma sociedade da comunicação, a uma sociedade que opera para a comunicação e não ao contrário, onde a comunicação tenha de se tornar serva de um único processo de transmissão, armazenamento e recuperação de informação, ou seja, onde todos nos tornemos escravos da moderna informação numérica.




A genialidade da metáfora borgeana pode nos ser muito útil para que se possa entender este dilema entre memória e conhecimento. Num criativo conto de Jorge Luis Borges intitulado Funes, o Memorioso,  o narrador descreve o personagem de nome Irineu Funes como alguém cronométrico, que sempre sabia, como ninguém, a hora exata, como se fosse um relógio. Certa vez, Funes passou a relatar ao narrador, casos de memórias prodigiosas encontradas no clássico livro escrito em latim, Naturalis Historia, de Plínio. Conforme essa obra, Ciro, rei dos persas, sabia o nome de todos os soldados de seus exércitos. Mitridates Eupator administrava a justiça expressando-se nos vinte e dois idiomas de seu império; Simônides inventara a mnemotécnica e Metrodoro professava a arte de repetir com fidelidade o que houvesse escutado uma só vez. De acordo com o autor do conto, o político iluminista Locke, “no final do século XVII, postulou (e reprovou) um idioma impossível, no qual cada coisa individual, cada pedra, cada pássaro e cada ramo tivessem um nome próprio”.   Funes projetou um idioma análogo, “mas o rejeitou por parecer-lhe demasiado geral e demasiado ambíguo”.  Com efeito, Funes não recordava somente cada folha de cada árvore de cada monte, como também cada uma das vezes que a tinha percebido ou imaginado” . Segundo o narrador, além do espanhol, sua língua nativa, Funes aprendera “sem esforço o inglês, o francês, o português e o latim”.  Também armazenava minuciosamente eventos e movimentos, relacionando-os a cada fração de tempo, discernindo “continuamente os tranqüilos avanços da corrupção, das cáries e da fadiga. Notava os progressos da morte, da umidade. Era solitário e lúcido espectador de um mundo multiforme e instantâneo e quase intoleravelmente, exato”.  Era-lhe muito difícil dormir, pois isso o distraía do mundo: “Funes, de costas no catre, na sombra, configurava cada fenda e cada moldura das casas que o rodeava”.  Apesar de Funes estar integrado ao imenso e inútil catálogo de lembranças, era quase incapaz de ter idéias geniais, de pensar de modo complexo, pois “Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No abarrotado mundo de Funes não havia senão pormenores, quase imediatos”.   

O homem moderno é como Funes, pois, segundo Nietzsche, “[...] acaba por arrastar consigo, por toda a parte, uma quantidade descomunal de pedras indigestas de saber, que ainda, ocasionalmente, roncam na barriga [...]” . Imagine estarmos mergulhados num cotidiano existencial em que, como se não bastasse, lembrarmos de tudo o que lembramos, mas lembrarmos também de todos os momentos em que já nos lembramos sobre o que lembramos. Assim, realmente nos damos conta de que o tipo ideal de mente moderna assemelha-se à de Funes, que carregava o peso das lembranças da vida, acreditando que conhecer é memorizar, é acumular fisicamente dados e informações. Infelizmente, ao contrário do que se pensa, o acúmulo de conhecimentos em links, em fluxos apenas conecta, cruza, escorrega, navega, mas não permite que nos preocupemos em acumular de modo complexo o conhecimento. Para isso, é necessário que coloquemos no jogo simbiótico, uma dimensão muito mais complexa que a navegação em links nos permite, e que, somente a experiência, e muita experiência, nos permite adquirir.

No mundo da aceleração tecnológica, circulam teorias apocalípticas que vêem um grande perigo no homem ramificado e cercado por máquinas sedutoras. As tecnologias são vistas como drogas, que possuem um caráter alucinógeno e alucinatório que, como qualquer droga, aprisionam o homem em existências virtuais de alta sofisticação. A exemplo do que ocorre ao viciado em drogas, o homem acabará por perder o controle sobre as máquinas, tornando-se incapaz de manter um comportamento sadio diante da interação com elas. Assim, infelizmente, o mundo dos que pesquisam os efeitos da aceleração tecnológica dividiu-se entre o dos apocalípticos e o dos integrados.

Acredito que a simbiogênese caminha entre esses dois extremos (entre os apocalípticos e os integrados) sem deixar-se levar pelos fantasmas adrenalizantes e superficiais. Porém, não podemos esquecer que criamos outros fantasmas conservadores. Acredito que, mesmo sendo assustadores, nossos fantasmas não devem nos imobilizar pelo terror ou pela veneração alucinógena, pois somos “entes simbióticos” mais reflexivos e muito complexos. Por exemplo, temos uma mente tão complexa, não apenas no seu nível bio-eletro-químico funcional, que seria necessário mudarmos completamente as nossas limitações de pensarmos sobre o mundo e a vida para simplesmente entendermos sua energia invisível, velocidade, potência, a sua “alma”.


Infelizmente, há uma notável dissonância entre as conquistas aceleradas da indústria computacional, motivadas quase que exclusivamente por fortes interesses comerciais e as pretensões mais sérias da inteligência produtora do otimismo científico e tecnológico da informação computada. Nos laboratórios de pesquisas mais avançadas do mundo digital, cada vez mais privadas, começa a crescer o entendimento de que o computador, assim como o conhecemos hoje, deixará de existir em pouco tempo. As pastilhas de silício – os chips – estão deixando de ser de uso exclusivo de um computador e encontra-se em toda parte. Também com o surgimento das TVs e vídeos digitais acoplados ao comando de voz, certamente tanto o acesso à rede digital como o próprio processamento dos conteúdos no seu interior, sofrerá mudanças significativas.


Através de novos domínios da informação digital podemos e poderemos acessar, receber, transmitir e manipular interativamente conteúdos, textos ou imagens estáticas ou em movimento, presencial e a distância através de broches, canetas, periféricos diversos, chips integrados ao corpo ou a objetos como paredes, lâmpadas, plantas.


Isso não implica em reconhecer a restrita compreensão da inteligência da indústria computacional e nem de desmerecer a invenção do computador que permitiu que se inaugurasse uma nova forma de comunicar, de guardar e manipular informações. Trata-se da emergência da moderna informação digital que, como vimos, passa a ter os seus registros encapsulados de modo organizado por máquinas e artefatos cognitivos que computam processamentos numéricos binários. 

É certo que os velhos e novos artefatos digitais têm capacidades que outros recursos automáticos não possuem (como armazenar dados, textos, imagens, sons, hipertextos e fazer uma recuperação primária desses). Esses artefatos podem, ainda, transferir dados, textos, sons e imagens entre si. Cada vez mais compartilhamos. O conhecimento nutre-se de uma ou de diversas e vastas redes digitais com seus permanentes fluxos de recuperação primária e de interação ambiental e simulações. Isso já é muito e os impactos sociais e societários são imensos para que nos preocupemos, o que não significa que devemos compartilhar da Síndrome de Frankenstein produzida pelos deterministas tecnológicos.