quarta-feira, 27 de março de 2013

A METÁFORA COMPUTACIONAL DO CÉREBRO => a Síndrome de Frankenstein => criamos máquinas cognitivas e não máquinas inteligentes


Dr. Gilson Lima
Sociólogo e cientista em reabilitação

gilima@gmail.com 

Os elementos guardados na mente não possuem nomes e não são ordenados em pastas. Eles são acessados não por um nome, mas pelo conteúdo. Você pode “ver” tudo que está em sua mente sob o ponto de vista do passado, do presente e do futuro. Na moderna ciência da computação, existe um conceito chamado lifestream, que consiste em organizar as informações de forma parecida com a da mente humana. David Gelernter (“guru” da elite digital).

Quando os computadores folheiam as Web Pages, não sabem a que (elas) se referem. Os computadores estão apenas transmitindo bits, que, no que lhe diz respeito, não precisam ter necessariamente um significado. Estão apenas atuando como um grande sistema telefônico.
Cliff Stoll (Astrofísico considerado um cético pelos membros da elite digital).


Extraído do livro: Nômades de Pedra: Teoria da sociedade simbiogênica. 


Prosa A metáfora computacional e a Síndrome de Frankenstein: criamos máquinas cognitivas e não máquinas inteligentes   ppgs 203-216.
Dr. Gilson Lima 
Prefácio feito por Domênico de Masi no Livro: Nômades de pedra. Autor: ©Gilson Lima, 2005.
Capa e projeto gráfico Bureau Escritos
Revisão: Lúcia Regina Lucas da Rosa
Revisão Final: Iara Linei Romero


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

L832n       Lima, Gilson Luiz de Oliveira
                      Nômades de pedra: teoria da simbiogênese contada em
                 forma de prosas / Gilson Lima ; Prefácio: Domênico De Masi. Tradutora do prefácio Flávia
                  Movizzo Smith. ¾  Porto Alegre: Escritos, 2005
                      306 p. ; il.

                     ISBN: 85-98-33422-4

         1. Sociologia Contemporânea. 2. Prosa Sociológica. 3. Estu-
     dos de Tecnologia e Sociedade. 4. Sociologia das Ciências.
     5. Cultura e Sociologia. 6. Literatura e Sociologia. I. Smith,
     Flávia Movizzo. II. Título.

                                                                  CDD  301
                                                                            301.2
Bibliotecária Responsável: Ginamara Lima Jacques Pinto CRB 10/1204

Todos os direitos desta edição reservados ao autor: Gilson Lima.
gilima@gmail.com

Escritos editora
Porto Alegre –RS
www.escritos.com.br
escritos@escritos.com.br
Brasil/2005


Os fundacionistas (fundadores) da moderna informação computacional (cientistas e matemáticos), sonhavam em construir um modelo reduzido do cérebro humano. Esse modelo se materializaria em máquinas, que seriam autônomas o suficiente, para criar e solucionar problemas abstratos. Teriam capacidade de manipular, simultaneamente, uma enorme quantidade de dados. Acreditava-se que, num futuro bem próximo, seriam criados artefatos pensantes superiores aos homens.
Nesse sentido, divergimos claramente dos enfoques históricos muito presentes entre os tecnólogos e na vasta literatura editorial destinada ao moderno mercado empresarial. Esse enfoque resulta da demasiada primazia atribuída ao papel dos componentes eletrônicos na classificação das temporalidades históricas da Informática. Suas periodizações transformam-se ironicamente em gerações. Assim, vemos freqüentemente classificações do tipo: máquinas de primeira geração (a válvula), de segunda geração (transistorizadas), de terceira geração e assim por diante. Essa classificação é totalmente operatória e visa identificar o ritmo histórico da moderna informação numérica, como se esse ritmo fosse apenas determinado pela evolução dos componentes desses artefatos eletrônicos construídos pela Engenharia instrumental. Essa abordagem cria uma armadilha, fazendo-nos crer que, a cada conquista de um novo componente eletrônico, teremos um novo impacto cultural. Defenderemos que essa abordagem sofre de uma síndrome a qual denominamos Síndrome de Frankenstein.
O sonho da criação de um modelo reduzido de cérebro humano por parte dos fundacionistas da moderna informação computacional não se concretizou até hoje. Uma boa dose de confusão é causada pelo fato de os informaticistas usarem termos como “inteligência”, “memória” e “linguagem” para descreverem os recursos computacionais. Uma vez que essas expressões referem-se aos fenômenos humanos, tal nomenclatura pode induzir os cientistas a graves equívocos. A significância da inteligência consiste na operação de se agir de maneira adequada quando um problema não é claramente definido e as soluções não são evidentes. Nessas situações, o comportamento humano inteligente baseia-se em práticas e reflexões existenciais acumuladas por meio de múltiplas experiências. A inexistência da capacidade de abstração, e as limitações intrínsecas às operações formais dos artefatos digitais os tornam impossibilitados de serem dotados de inteligência.  

A fixação na “Síndrome de Frankenstein” dividiu os informaticistas modernos. Alguns cientistas e pesquisadores pensaram em instituir uma “ciência total da informação” a fim de produzirem artefatos dotados de inteligência autônoma, seja ela menor, igual, ou para alguns, superior à inteligência humana (“inteligência artificial”). Assim, eles investiram todas as suas energias na construção de máquinas pensantes e programas numéricos “inteligentes”. 
Desde os primeiros dias da Inteligência Artificial, um dos maiores desafios tem sido o de programar um computador para entender a linguagem humana. Apesar de gerarem múltiplos ganhos para a automação industrial e, sobretudo para a robótica, esses esforços traduziu-se em conquistas muito tímidas, se comparadas às ambições dos cientistas. Após várias décadas de trabalhos frustrantes sobre esse problema, pesquisadores em Inteligência Artificial estão começando a entender que os seus esforços estão fadados a continuarem inúteis, pois o computador e a sua arquitetura digital, não podem entender a linguagem humana num sentido significativo. A questão é: a linguagem humana está embutida numa teia de convenções sociais e culturais, a qual fornece um contexto de significados não-expressos em palavras. Os seres humanos entendem esse contexto, porque faz parte de um “senso comum”, mas um computador não pode ser programado e/ou dotado desse “senso comum”. Portanto, ele não entende a linguagem.  

Nesse sentido, muito se tem feito para que os programas digitais e as máquinas cognitivas entendam, de modo automático, a linguagem humana. Tais programas interagem com o comando de voz, dispositivo simbiótico muito importante e que envolve, não apenas o processamento lógico, mas o emocional da comunicação oral humana. Apesar das dificuldades implícitas, as pesquisas já estão obtendo resultados significativos. Hoje, através de uma página Web com mineração sintática que, com grande eficácia transforma caracteres em voz, podemos encontrar cegos ouvindo a leitura de um jornal. Não podemos deixar de levar em consideração que, apesar dos feitos grandiosos, a mineração sintática permite-nos, desde uma simples localização de termos até a identificação de hipóteses em grandes bases textuais. Na simbiose com a comunicação humana, ela apenas reduz o fosso entre a formalização sistêmica da oralidade e a sua modulação lógica em contextos interpretativos. 

No entanto, o problema de que um computador não possa entender a linguagem humana em níveis simbióticos mais profundos, não significa, como já vimos, que ele não possa ser programado para reconhecer e para manipular estruturas lingüísticas simples e compartilhar processos conectivos com nossa mente biológica.
Outros cientistas e pesquisadores, insatisfeitos com os resultados alcançados na busca de replicação do cérebro humano, abandonaram o princípio da substituição parcial ou total da inteligência humana, por um ser artificial dotado de potência pensante. Abandonaram, também, a pretensão de criarem uma ciência que possua o monopólio disciplinar do objeto informação. Assim, passaram a empenhar-se na produção de uma infinidade de artefatos eletrônicos a fim de dar suporte aos múltiplos campos do conhecimento humano. 

Foi a partir daí que esses informaticistas provocaram dois significativos impactos sociais. O primeiro foi uma crescente eliminação, numa velocidade exponencial, de múltiplas atividades humanas no mundo do trabalho e de muitos processos cognitivos na produção do conhecimento que se realizava através do monopólio da mente humana. O segundo foi a possibilidade de quase todos os campos sociais do conhecimento humano, compartilharem e manipularem diferentes artefatos e recursos digitais que constituíam meios físicos (hard) ou imateriais, que eram programas numéricos (soft), nos diferentes processos e atividades do mundo do saber/fazer. Esse compartilhamento está intensamente integrado em médias e grandes redes numéricas, está permitindo progressivamente que um vasto acervo de registros e informações esteja sendo estocado por quase todos os diversos campos do saber, dotando-os de significativa precisão, bem como de alta qualificação operacional.

Num momento determinado, diante da crise decorrente da inadequação entre suas ambições e os resultados alcançados, esse grupo dividiu-se em dois subgrupos: o daqueles que decidiram continuar a manter seus esforços no caminho da construção da inteligência artificial e do modelo computacional da mente, com suas abordagens, entre outras do conexionismo (redes “neurais”) e o outro, ao contrário, incorporou-se a uma perspectiva transdisciplinar, simbiótica, dos saberes e dotou e está dotando múltiplos campos do conhecimento de um processamento informacional mais preciso, qualitativo e muito mais compartilhado com a inteligência humana.

É certo que os artefatos digitais desempenham funções indisponíveis em outros recursos automáticos, como o armazenamento de dados, textos, imagens, sons e hipertextos, podendo ainda se “comunicar” entre si. Isso nos permite, cada vez mais, compartilharmos conhecimentos por meio de uma ou diversas e vastas redes digitais com seus permanentes fluxos de recuperação primária e de interação ambiental e simulações. Entretanto, as idéias, as soluções criativas, só podem ser obtidas por meio do pensamento e não pelo computador. O culto ao computador deixa a impressão mágica de que um “progresso” está em curso sem a sua participação.* Não devemos esquecer que a própria arquitetura do computador é histórica e está sendo ultrapassada para dar conta de simbioses mais profundas com a vida humana. Ou seja, já estamos entrando numa época que vivenciamos o fim do computador, ou pelo menos o fim do seu monopólio de acessarmos as redes em nossas interações simbióticas. 


Arquiteturas semióticas mais profundas das máquinas cognitivas também estão sendo testadas, como as que integram, de modo mais intenso, na própria engenharia maquínica, componentes inorgânicos e orgânicos, com arquiteturas baseadas em DNA e com presença de chips orgânicos vivos que juntamente com a nanotecnologia fará desaparecer de nossos olhos o velho, feio e desajeitado computador de silício. Depois da introdução do computador ser um dos principais responsáveis pela eliminação da força viva no trabalho industrial, está chegando a vez de ser ele ultrapassado pela revolução mais intensamente simbiótica do que a computacional, tal como a conhecemos hoje.

Um parêntese nessa questão. É certo que uma tecnologia boa é também uma tecnologia bela. Se dermos importância a excelência em tecnologia, seremos muito reducionistas se não considerarmos também sua estética, sua elegância, seu conforto e sua beleza. Os jovens engenheiros e cientistas, construtores de computadores, parece que esqueceram disso. Um pouco disso seria evitado se eles estudassem em seus cursos universitários desenho, história da arte e design. É claro que educação artística não é uma poção mágica, contudo, poderia tornar a coisa menos pior nesse sentido. 

O que conhecemos como computador, ainda hoje, é o padrão da arquitetura do computador pessoal, projetado pela, na época gigante, IBM (IBM-PC em 1981), e que, convenhamos, é muito feio, um absurdo estético e que também desconsidera o mínimo do conforto necessário aos seus usuários. Encontramos esse tipo de máquina em quase todos os escritórios do mundo e em milhares e milhares de casas por esse planeta afora. Não estou sozinho nessa crítica, vejam o que diz um dos mais respeitados gurus da informática, David Gelernter: 

“Somos centralizados e obrigados a consumir uma versão eletrônica de um fusquinha, uma configuração fácil de ser montada, um santuário permanente da primeira solução que veio a cabeça. E todos eles são iguais. Essa mesmice absoluta tem suas virtudes, mas outros materiais, por exemplo, também têm. Há milhões de tipos de plásticos – opaco ou transparente, fosco ou brilhante, marmorizado, com bolinhas, listrado -, mas quase todos os computadores que encontramos têm o mesmo acabamento liso e fosco e têm quase a mesma cor. Quando bebem e ficam alucinados, os projetistas de computadores sonham com cores tão extravagantes como cinza-claro desbotado e branco-ovo neutro e, após tamanho afã criativo, desmaiam”. 

Se o design é tedioso, eles praticamente ignoram o conforto para o usuário.  Aquele monitor quadrado tem que ficar a 30 centímetros ou mais de nossos rostos, e os nossos dedos devem estar sempre, bem próximos, ao teclado. Precisamos de muito espaço quando estamos trabalhando, por exemplo, gostamos de tomar café, mas os computadores determinam nossos espaços e acabam por colonizar nossos hábitos. É preciso, por justiça, fazer uma tímida exceção aos computadores da Apple, que sempre tiveram mais preocupação com essa questão, pelo menos da estética. Porém, mesmo os computadores pessoais Machintosch e seu software operacional, não são a última palavra em elegância. O Machintosch, lançado há mais de uma década, passou todo esse tempo sem uma grande mudança, sequer nessa questão. Somente nesses últimos dois anos é que ele recebeu alguma mudança, mas que não enfrentou significativamente o marasmo da estagnação estética e muito menos a simbiose qualificada com os usuários em matéria de conforto e de praticidade em si, como certamente todos gostaríamos que ocorresse. Aqui, junto com Gelernter, termina nosso parêntese.

A informação analógica tem como suporte um sinal contínuo, uma oscilação, que se propaga por um fio elétrico, ao passo que, na informação digital, os registros são tratados, uns após os outros, na unidade lógica. O computador, assim, é concebido como uma máquina de estados discretos. Uma informação digital é lógica e expressa uma codificação de forma simbólica, por algoritmos decimais ou, mais geralmente, por unidades binárias. Um computador processa informações, ou seja, manipula símbolos com base em certas regras. 

Por sua vez, os símbolos são elementos distintos da matéria física existente no interior do computador, precisando ser introduzidos de fora, seja através da direta interação humana, seja através de sua captura por múltiplos sensores. É certo que os computadores em rede não apenas absorvem injeções externas de símbolos introduzidos passo a passo por interação humanas, como compartilham protocolos simbólicos em rede sem exigir a presença humana na interação e, compartilham, também, protocolos simbólicos entre as próprias máquinas e artefatos, automaticamente. No entrando, eles não compreendem significativamente essas interações durante seus processamentos, nem sequer têm consciência delas, não ocorre sequer uma mudança física na máquina, ou seja, a estrutura do computador é fixa, determinada pela engenharia de sua construção atual. 

A realidade não é discreta, nem é contínua e nem é lógica. É, sim, muito mais que os neopositivistas admitem: analógica. O bit está no mundo, mas o mundo não é o bit, sequer feito de bit, muito menos só de silício, esse abundante elemento que a natureza de nosso planeta nos brindou e que integra os microchips. Nós somos uma complexa unidade de carbono com sistema nervoso e consciência, não somos apenas um produto funcional como uma unidade de silício. Somos simbioticamente integrados numa complexa energia chamada vida. Tudo isso parece óbvio, mas não custa nada dizer, até por que, muitas vezes, é necessário que o óbvio seja dito.

A cognição humana envolve linguagem e pensamento abstratos. Portanto, símbolos e representações mentais. Porém, o pensamento abstrato constitui apenas uma pequena parcela da cognição humana, não sendo, geralmente, a base para as nossas decisões e ações. As decisões humanas nunca são completamente racionais, estão sempre coloridas por emoções, e o pensamento humano está sempre encaixado nas situações e nos processos corporais que contribuem para o pleno espectro da cognição. Acontece que o pensamento racional filtra a maior parte desse espectro cognitivo e, ao fazê-lo, cria uma “cegueira de abstração”. Num programa de computador, ao contrário, diversos processos, comandos e tarefas são inseridas sob a forma de uma coleção limitada de objetos, de propriedades e de operações, coleções essa que incorpora a “cegueira” que surge com as abstrações na criação do programa.  

No entanto, há restritos domínios de tarefas nos quais essa cegueira não impede um comportamento que se mostra inteligente. Por exemplo, muitos jogos são acessíveis a uma aplicação de técnicas capazes de produzir um programa que derrota os oponentes humanos. [...] São áreas nas quais a identificação das características relevantes é direta e a natureza das soluções é clara. 

A Síndrome de Frankenstein também está presente nas pretensões de alguns cientistas e pensadores, como a do otimista francês Pierre Levy, que comemora o surgimento da Internet ou da rede mundial Web, como um “matrix da inteligência coletiva”, No entanto, apenas do ponto de vista tecnológico, o processo de comunicação entre máquinas ainda é muito primário. A World Wide Web (www), essa enorme página eletrônica do mundo, facilitou, e muito, o acesso do usuário à Internet, transformando-a nessa enorme malha mundial de fluxos e links, por tratar-se de uma linguagem com interface gráfica, que permite conexões entre imagens, textos, sons etc. A www permitiu a expansão da Internet, numa enorme velocidade, entretanto, pelo seu padrão de comunicação, ela não permite que as máquinas computacionais elaborem seus próprios raciocínios e pensamentos. Estamos ainda muito longe da comunicação inteligente entre máquinas. Quando os computadores folheiam as diversas páginas da WEB - através de interface humana - eles não entendem o que essas páginas significam, apenas executam a transferência de conteúdos binários. Estão atuando como se fosse um grande sistema telefônico. 

Nosso misterioso cérebro, ao contrário, não armazena a memória sob a forma de fotografias fac-similares de objetos, de acontecimentos, de palavras ou de frases. Como indicam as novas e revolucionárias descobertas na área da Neurologia, o cérebro não “arquiva” a realidade como se ele fosse uma máquina de fotografia polaroid que registra pessoas, paisagens, caracteres ou objetos, assim como não armazena a realidade em fitas magnéticas sonoras de ruídos, de músicas ou falas, ou filmes de cenas da vida ou de contextos existenciais. Em resumo, as novas descobertas da Neurologia demonstraram que não parece existir imagem que sejam retidas no cérebro, mesmo em miniatura, em microfichas ou outro tipo de cópias. Em face da enorme quantidade de conhecimento que adquirimos, qualquer processo de armazenamento fac-similar colocaria problemas insuperáveis de capacidade; nossa cabeça, por exemplo, deveria ser, então, do tamanho de Júpiter. É bom lembrarmos de que Júpiter é o maior planeta do sistema solar e que graças a sua “incompetência” em não tornar-se uma estrela é que a fina película da vida reina na Terra.

Ao contrário, as novas concepções da Neurologia apontam na direção de que possuímos, de fato, uma memória reconstrutiva. Assim, as nossas sensações existenciais compartilhadas, ao serem evocadas, brotam de nossos sentidos e provocam na mente, surgimento de imagens, tentativas de réplicas de padrões mentais que um dia já foram experimentados afetivamente.  

O bit (binary digit) é uma unidade elementar de medida, que contém a informação concebida como grandeza física, não medindo nada diverso das transmissões de sinais. Quando transportamos informações para fora da órbita dos sinais, o bit desaparece, idéia mítica que pode nos levar a uma compreensão simplificada de que é a informação que mede a organização. Ainda que encontremos essa abordagem em inúmeras publicações editoriais destinadas ao mercado empresarial, ela reduz o conhecimento apenas ao enfoque físico e material da informação, contudo, a informação jamais poderá traduzir-se totalmente em termos de informação física. 

A informação computacional é numérica e digital, dependendo atualmente, para tudo, do cálculo binário. Não podemos, assim, reduzir a informação, apenas ao seu aspecto digital. A moderna informação da rede numérica limita-se a ser a superfície de um iceberg profundo do conhecimento, logo, uma verdadeira teoria da informação não pode deixar de ser metainformacional, isto é, só pode realizar-se quando integrada, articulada e “ultrapassada” no seio de uma teoria complexa da organização.  

Não existe apenas a palavra “código” para se exprimir à natureza da informação, nem apenas a palavra “programa” para se exprimir a sua generalidade. Tal afirmação não implica rejeitarmos esses termos, mas relaciona-se à necessidade de não nos encerrar dentro deles. A informação não é o mito e nem o bit. Ao contrário, a visão complexa da informação leva-nos a uma sociedade da comunicação, a uma sociedade que opera para a comunicação e não ao contrário, onde a comunicação tenha de se tornar serva de um único processo de transmissão, armazenamento e recuperação de informação, ou seja, onde todos nos tornemos escravos da moderna informação numérica.




A genialidade da metáfora borgeana pode nos ser muito útil para que se possa entender este dilema entre memória e conhecimento. Num criativo conto de Jorge Luis Borges intitulado Funes, o Memorioso,  o narrador descreve o personagem de nome Irineu Funes como alguém cronométrico, que sempre sabia, como ninguém, a hora exata, como se fosse um relógio. Certa vez, Funes passou a relatar ao narrador, casos de memórias prodigiosas encontradas no clássico livro escrito em latim, Naturalis Historia, de Plínio. Conforme essa obra, Ciro, rei dos persas, sabia o nome de todos os soldados de seus exércitos. Mitridates Eupator administrava a justiça expressando-se nos vinte e dois idiomas de seu império; Simônides inventara a mnemotécnica e Metrodoro professava a arte de repetir com fidelidade o que houvesse escutado uma só vez. De acordo com o autor do conto, o político iluminista Locke, “no final do século XVII, postulou (e reprovou) um idioma impossível, no qual cada coisa individual, cada pedra, cada pássaro e cada ramo tivessem um nome próprio”.   Funes projetou um idioma análogo, “mas o rejeitou por parecer-lhe demasiado geral e demasiado ambíguo”.  Com efeito, Funes não recordava somente cada folha de cada árvore de cada monte, como também cada uma das vezes que a tinha percebido ou imaginado” . Segundo o narrador, além do espanhol, sua língua nativa, Funes aprendera “sem esforço o inglês, o francês, o português e o latim”.  Também armazenava minuciosamente eventos e movimentos, relacionando-os a cada fração de tempo, discernindo “continuamente os tranqüilos avanços da corrupção, das cáries e da fadiga. Notava os progressos da morte, da umidade. Era solitário e lúcido espectador de um mundo multiforme e instantâneo e quase intoleravelmente, exato”.  Era-lhe muito difícil dormir, pois isso o distraía do mundo: “Funes, de costas no catre, na sombra, configurava cada fenda e cada moldura das casas que o rodeava”.  Apesar de Funes estar integrado ao imenso e inútil catálogo de lembranças, era quase incapaz de ter idéias geniais, de pensar de modo complexo, pois “Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No abarrotado mundo de Funes não havia senão pormenores, quase imediatos”.   

O homem moderno é como Funes, pois, segundo Nietzsche, “[...] acaba por arrastar consigo, por toda a parte, uma quantidade descomunal de pedras indigestas de saber, que ainda, ocasionalmente, roncam na barriga [...]” . Imagine estarmos mergulhados num cotidiano existencial em que, como se não bastasse, lembrarmos de tudo o que lembramos, mas lembrarmos também de todos os momentos em que já nos lembramos sobre o que lembramos. Assim, realmente nos damos conta de que o tipo ideal de mente moderna assemelha-se à de Funes, que carregava o peso das lembranças da vida, acreditando que conhecer é memorizar, é acumular fisicamente dados e informações. Infelizmente, ao contrário do que se pensa, o acúmulo de conhecimentos em links, em fluxos apenas conecta, cruza, escorrega, navega, mas não permite que nos preocupemos em acumular de modo complexo o conhecimento. Para isso, é necessário que coloquemos no jogo simbiótico, uma dimensão muito mais complexa que a navegação em links nos permite, e que, somente a experiência, e muita experiência, nos permite adquirir.

No mundo da aceleração tecnológica, circulam teorias apocalípticas que vêem um grande perigo no homem ramificado e cercado por máquinas sedutoras. As tecnologias são vistas como drogas, que possuem um caráter alucinógeno e alucinatório que, como qualquer droga, aprisionam o homem em existências virtuais de alta sofisticação. A exemplo do que ocorre ao viciado em drogas, o homem acabará por perder o controle sobre as máquinas, tornando-se incapaz de manter um comportamento sadio diante da interação com elas. Assim, infelizmente, o mundo dos que pesquisam os efeitos da aceleração tecnológica dividiu-se entre o dos apocalípticos e o dos integrados.

Acredito que a simbiogênese caminha entre esses dois extremos (entre os apocalípticos e os integrados) sem deixar-se levar pelos fantasmas adrenalizantes e superficiais. Porém, não podemos esquecer que criamos outros fantasmas conservadores. Acredito que, mesmo sendo assustadores, nossos fantasmas não devem nos imobilizar pelo terror ou pela veneração alucinógena, pois somos “entes simbióticos” mais reflexivos e muito complexos. Por exemplo, temos uma mente tão complexa, não apenas no seu nível bio-eletro-químico funcional, que seria necessário mudarmos completamente as nossas limitações de pensarmos sobre o mundo e a vida para simplesmente entendermos sua energia invisível, velocidade, potência, a sua “alma”.


Infelizmente, há uma notável dissonância entre as conquistas aceleradas da indústria computacional, motivadas quase que exclusivamente por fortes interesses comerciais e as pretensões mais sérias da inteligência produtora do otimismo científico e tecnológico da informação computada. Nos laboratórios de pesquisas mais avançadas do mundo digital, cada vez mais privadas, começa a crescer o entendimento de que o computador, assim como o conhecemos hoje, deixará de existir em pouco tempo. As pastilhas de silício – os chips – estão deixando de ser de uso exclusivo de um computador e encontra-se em toda parte. Também com o surgimento das TVs e vídeos digitais acoplados ao comando de voz, certamente tanto o acesso à rede digital como o próprio processamento dos conteúdos no seu interior, sofrerá mudanças significativas.


Através de novos domínios da informação digital podemos e poderemos acessar, receber, transmitir e manipular interativamente conteúdos, textos ou imagens estáticas ou em movimento, presencial e a distância através de broches, canetas, periféricos diversos, chips integrados ao corpo ou a objetos como paredes, lâmpadas, plantas.


Isso não implica em reconhecer a restrita compreensão da inteligência da indústria computacional e nem de desmerecer a invenção do computador que permitiu que se inaugurasse uma nova forma de comunicar, de guardar e manipular informações. Trata-se da emergência da moderna informação digital que, como vimos, passa a ter os seus registros encapsulados de modo organizado por máquinas e artefatos cognitivos que computam processamentos numéricos binários. 

É certo que os velhos e novos artefatos digitais têm capacidades que outros recursos automáticos não possuem (como armazenar dados, textos, imagens, sons, hipertextos e fazer uma recuperação primária desses). Esses artefatos podem, ainda, transferir dados, textos, sons e imagens entre si. Cada vez mais compartilhamos. O conhecimento nutre-se de uma ou de diversas e vastas redes digitais com seus permanentes fluxos de recuperação primária e de interação ambiental e simulações. Isso já é muito e os impactos sociais e societários são imensos para que nos preocupemos, o que não significa que devemos compartilhar da Síndrome de Frankenstein produzida pelos deterministas tecnológicos.

terça-feira, 12 de março de 2013

NOVA POLÍTICA DE DROGAS E A CONTRA REFORMA MORAL


Gilson Lima

A poesia não é nem verdadeira, nem falsa. Os conservadores em tratar o comércio e o consumo de certas drogas que alteram a percepção de adultos com argumentos morais também não. A insistência de muitos e por anos a fio em criminalizar algumas drogas e tratá-las como um problema moral tem levado ao desastre incalculável para milhares de vidas. São séculos e séculos febris de defesas morais encarnadas no verbo da verdade moral.  A contra reforma moralista torna os conservadores devoradores de suas próprias mensagens, prisioneiros de suas ciladas e o diálogo do tema um delírio de paixão coletiva.
A tentativa de implementar decisões em bases moralistas sobre as drogas transforma-os em sócios de uma indústria mundial de armas e atividades de um desastroso estopim de violência. A economia auto-organizada do crime impuro torna-se lenha de signos morais e certezas de milícias de Deus e de forças repressoras armadas em favor do povo, pelo povo e para o povo. O terror religioso, o terror político e o moralismo no trato de uma temática tão complexa deslocam os operadores atuais da economia auto organizada das drogas ilícitas no jogo da clandestinidade muito útil aos corruptores de caráter duvidoso. Também transformam milhares de jovens vendedores e consumidores de algumas substâncias ativas em prisioneiros condenados de porões insalubres gradeados, lotados e que são efetivamente, verdadeiras escolas do crime.
Enquanto isso, assassinos que sequestram, matam e tiram a vida humana estão soltos ou - como mestres - encontram-se em presídios lotados recrutando suas milícias e novos recrutas.
A população planetária envelhece e a maioria de nossas elites políticas e religiosas continua presa em suas cadeias morais.
Princípios ativos são específicos e cada uma das substâncias proibidas  derivam seus sistemas organizacionais de mercado. Existem venenos produzidos como crack ou o pó colorido e fino de dioxina que penetraram nas peles humanas dos inimigos de guerra. Essas substâncias devem ser perseguidas desde a sua produção e comercialização, mas o combate deve ser feito na legalidade, como estamos fazendo com o crack que transformam almas livres em sombras de si mesmo sem alma. O álcool (do árabe-kohul) é uma classe de compostos orgânicos que possui na sua estrutura um ou mais grupos de hidroxilas - OH, ligados a carbonos saturados. O álcool implica em alterações motoras graves a cannabis sativa, por exemplo, não. A cocaína acelera como a cafeína, a canabbis sativa não. Muitos consumidores de drogas não legais são trabalhadores consumidores, apenas isso. Muitos  “bandidos” são meros atores que exercitam atividades comerciais de mercado.
O excesso de morfina mata. O da cocaína também. Tomar alvejante industrial encontrado nas prateleiras dos supermercados também é fatal. A divulgação massiva e a motivação para fazermos exercícios físicos é vida pura.

Pesquisador, cientista em reabilitação, professor, empresário.
Ps. Esse artigo foi enviado para a grande imprensa, mas não surtiu efeito. Sem grande publicação!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Projeto de Gilson Lima & Ortobras = Cadeira de rodas pode ser comandada com piscar de olhos. Portal Terra de notícias


21 de dezembro de 2012 • 07h35
Ao contrário das cadeiras comuns, que só resolvem o problema da mobilidade, kit promove inclusão digital e aprendizagem
Foto: Shutterstock




Foto: Gilson Lima


Uma pesquisa desenvolvida no Rio Grande   do Sul pretende colocar no mercado kits de inclusão que permitem que pessoas com paralisia nos membros superiores e inferiores controlem um laptop com movimentos da cabeça, dos olhos e da boca. O Kit de Inclusão Digital para Lesões Cerebrais Severas é acoplado a uma cadeira de rodas e ajuda quem tem deficiências cognitivas a utilizar o computador para acessar a internet e realizar atividades em programas educativos.
As cadeiras de rodas comuns para tetraplegia, segundo o inventor, pesquisador e sociólogo Gilson Lima que coordenou a pesquisa, suprem apenas o déficit de mobilidade. O kit, por sua vez, agrega um notebook com um software que faz uma leitura do rosto do usuário e passa a detectar seus movimentos. Para guiar o mouse, por exemplo, basta mover a cabeça de um lado para outro. Os cliques podem ser comandados com os olhos, com a boca ou com a fixação do olhar por três segundos em determinado ponto da tela. As alternativas são disponibilizadas justamente para atender a diferentes tipos de dificuldades. "Cada pessoa cria um perfil de interação entre o robô e o comando do usuário", detalha Lima.
Para desenvolver a tecnologia, foi realizado um estudo de caso com a estudante Fernanda Xavier, 18 anos, que nasceu com paralisia cerebral. O pesquisador relata que a menina, devido à severidade da lesão, tem dificuldades com a parte motora da fala, além da limitação dos movimentos. A partir de uma série de exames, detectou-se as áreas lesionadas, diagnóstico que serviu de base para a projeção do software. "Os exames de caso são bastante universalizáveis. Os mais graves dão acesso a uma série de situações mais leves", destaca Lima. Para o pesquisador, a utilização do kit é bastante positiva e deve ter um potencial ainda maior em pessoas com paralisia dos membros, mas que não tenham as funções cognitivas afetadas.

Kit proporciona autonomia aos usuários

Ao comandar o laptop adaptado, o usuário tem acesso a diversas ferramentas, como programas de aprendizagem e sites como o YouTube, para assistir a vídeos online. "Inclusive tem um programa que treina para ser piloto de tela", enumera Lima. Também existe a possibilidade de fazer ligações e de digitar em um teclado virtual, o que pode ser útil na alfabetização e na comunicação. "A partir da tecnologia, ganha-se uma vida com autonomia", descreve o pesquisador. O pesquisador ressalta que o projeto deu prioridade a softwares livres, para reduzir custos e proporcionar maior número de atividades disponíveis.

Para dar autonomia de funcionamento ao aparelho, o kit prevê a inclusão de dois circuitos. Um deles, acoplado na parte inferior da cadeira, garante carga de energia suficiente para 16 horas em alto uso, podendo chegar a dois dias em nível médio de uso. O segundo circuito monitora o nível de carga, avisando quando for preciso recarregar - a operação não dura mais do que seis horas para abastecer totalmente.

Com o kit, a cadeira funciona quase como uma classe, uma vez que é adaptada ao usuário, e possui mecanismos que ajudam a corrigir a postura. Assim, o estudante pode ir à sala de aula ou ao pátio da escola tranquilamente, sem a necessidade de se conectar por fios para utilizar o laptop. Para Lima, trata-se de um sistema de inclusão que promove uma simbiose, sem necessidade de acoplamento cirúrgico. "É uma uma cooperação entre tecnologia e corpo", frisa. O projeto, aprovado pelo CNPq em dezembro de 2011 e trabalhado ao longo deste ano - em parceria com a Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI) e com a empresa Ortobras, fabricante da cadeira de rodas -, deve chegar ao mercado em 2013. A estimativa é de que o custo do kit seja entre R$ 3 mil e R$ 5 mil - desconsiderando o valor da cadeira.



http://p2.trrsf.com.br/image/fget/cf/619/464/img.terra.com.br/i/2012/12/20/2686518-2842-rec.jpg



Matéria Portal Terra:
http://tecnologia.terra.com.br/inovacoes-tecnologicas/noticias/0,,OI6395194-EI20546,00-Cadeira+de+rodas+pode+ser+comandada+com+piscar+de+olhos.html


Gilson Lima – Sociólogo da Ciência. Porto Alegre. Sócio proprietário da empresa NITAS: inovação e tecnologia. Brasil. Pesquisador do Research Committee Logic & Methodology and at the Research Committee of the Clinical Sociology Association International Sociological (ISA). gilima@gmail.com
Matéria: http://tecnologia.terra.com.br/inovacoes-tecnologicas/noticias/0,,OI6395194-EI20546,00-Cadeira+de+rodas+pode+ser+comandada+com+piscar+de+olhos.html

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Seu Cérebro no Google



Gilson Lima. Doutor em sociologia das Ciências envolvendo metodologias informacionais de processos e produtos de sistemas com alta complexidade. Pesquisador do CNPq.
Professor interdisciplinar de Reabilitação e neuroaprendizagem - Porto Alegre. Brasil. Pesquisador e Sócio Proprietário da NITAS LTDA: inovação e tecnologia – com atividades na área da interface  entre corpo-cérebro-mente-máquina visando gerar novos produtos e processos de políticas de reabilitação envolvendo situações críticas de déficits e lesões. MEMBERSHIP e coordenador para a América Latina (2005-2010) do Comitê de pesquisa RC46 CLINICAL SOCIOLOGY da ISA - International Sociological Association

Sabemos que o circuito neural do cérebro responde a cada momento qualquer entrada sensorial que recebe, e que muitas horas as pessoas gastam em frente ao computador – “linkando” na internet, trocando e-mails, vídeo conferências, mensagens instantâneas e comércio eletrônico – expõem seus cérebros a estimulações cerebrais constantes. Em pesquisa realizada com o patrocínio do Google pode-se ver quanto desse impacto em longo tempo de interação computacional esta promovendo novos circuitos neurais do cérebro. Vemos não apenas novas trilhas para novos comportamentos sendo realizadas, mas as vemos ocorrendo numa velocidade muito maior do que realizávamos antes de ficarmos grudados na frente das telas conectadas em redes interativas. Podemos hoje observar os cérebros de crianças, jovens, adultos e velhos construindo novos caminhos, mas não sabemos totalmente mensurar e entender totalmente essas mudanças e como elas ocorrem.

Eu contei com a ajuda das Drs. Susan Bookheimer e Teena Moody que são especialistas em neuropsicologia e neuroimagem. A nossa hipótese de pesquisas com usos de computadores e outras atividades online é que esses usos – cada vez mais intensos - causam alterações rápidas e mensuráveis para um circuito neural do cérebro, particularmente, em pessoas sem prévia experiência com computador.

Para testar essa hipótese, planejou-se usarmos escaneamento funcional MRI para medir caminhos neurais do cérebro durante uma tarefa computacional de Internet comum: pesquisar no Google por informações precisas.

 Primeiro precisávamos encontrar pessoas que eram relativamente inexperientes e inocentes com computador. Porque a pesquisa mostrou que de 90 por cento dos adultos jovens são usuários habituais da Internet com o uso da Internet em comparação com menos de 50 por cento dos idosos, sabemos que no geral  as pessoas ingênuas com computador ainda existem  e que elas tendem a ser mais velhas.

Após dificuldade inicial de encontrar pessoas que ainda não tinham utilizados computadores, foram selecionados três voluntários com idade entre 50 e 60 anos e que eram totalmente desprovidos de práticas computacionais ou de tecnologia de computador, mas que estavam  dispostos a experimentar esse uso através de pesquisa observáveis.

Para comparar a atividade cerebral destes três voluntários ingênuos de práticas computacionais, também foram recrutados três voluntários experientes no uso de computador e com idade comparável, sexo e nível socioeconômico. Para essa atividade experimental, optou-se pesquisar no Google para obter informações específicas e precisas sobre uma variedade de tópicos, que vão desde os benefícios de saúde de comer chocolate até planejar uma viagem para Galápagos.

Em seguida, foi realizada uma maneira específica de fazer escaneamento MRI nos voluntários enquanto eles usavam a Internet. Como os participantes do estudo tinham que estar dentro de um tubo longo e estreito de um scanner de MRI durante o experimento, não haveria espaço para um computador, teclado ou mouse. Para recriar a experiência de pesquisa do Google, dentro do scanner os voluntários utilizaram um par de óculos especiais que apresentavam imagens de páginas de sites projetados para simular as condições de uma sessão típica de busca na Internet. O sistema permitiu aos voluntários navegar na tela do computador simulado e fazer escolhas para avançar em sua busca, simplesmente pressionando um dedo em um pequeno teclado, convenientemente posicionado.

Para se certificar de que a MRI do scanner estava medindo o circuito neural que controla pesquisas na Internet, precisou-se identificar outras fontes de estimulação cerebral. Para fazer isso, adicionou-se uma tarefa controle que envolveu os sujeitos do estudo ler páginas de um livro (texto pagus) projetadas através dos óculos especiais durante a MRI. Esta tarefa nos permitiu subtrair a partir das medições de MRI quaisquer ativações cerebrais inespecíficas da simples leitura do texto, com foco em uma imagem visual ou deles se concentrarem especificamente para isso de uma leitura de navegação hipertextual no Google.

Queria-se observar e medir apenas a atividade do cérebro, ou seja, tarefas mentais necessárias para a pesquisa na Internet, tais como a verificação de palavras-chave específicas, rapidamente escolher entre várias alternativas, voltar para uma página anterior, se uma opção de pesquisa particular era ou não útil, bem como, identificar os estímulos cerebrais específicos causados pela visualização de fotos e desenhos, imagens em movimentos e interações de conteúdo midiático que normalmente são exibidos em uma página de Internet.

Finalmente, para determinar o treinamento do cérebro dos voluntários inexperientes de Internet, após a sessão de digitalização, solicitou-se a cada voluntario também pesquisar na Internet por uma hora por dia durante cinco dias. Foi cedido aos voluntários experientes de computador a mesma tarefa e repetiu-se os exames de escaneamentos MRI em ambos os grupos após os cinco dias de utilização do Google e da Internet.

Como havia-se previsto, os cérebros de usuários experientes e dos usuários ingênuos não mostraram qualquer diferença quando eles estavam lendo o livro texto pagus; ambos os grupos tinham anos de experiência nessa tarefa mental e seus cérebros foram bastante familiarizados com a leitura de livros. Por contraste, os dois grupos apresentaram padrões distintos de ativação neural ao pesquisar no Google.

Durante a sessão de linha de base de varredura, os sujeitos experientes utilizaram uma rede específica na parte frontal esquerdo do cérebro, conhecida como o córtex pré-frontal dorso lateral. Os sujeitos inexperientes de Internet mostraram uma ativação mínima, se alguma, nesta região encefálica.

Uma das preocupações na concepção do estudo foi que cinco dias não seria tempo suficiente para observar qualquer alteração, mas pesquisas anteriores sugeriram que até mesmo imigrantes digitais podem treinar seus cérebros de forma relativamente rápida. Nossa hipótese inicial acabou por ser correta. Depois de apenas cinco dias de prática, o mesmo circuito neural exato na parte frontal do cérebro tornou-se ativo nos assuntos dos inexperientes de Internet.
Cinco horas na Internet e os sujeitos ingênuos de uso da rede global já haviam religado os seus cérebros no Google com essa região.

A figura a seguir mostra a rede neural (setas) que uma pesquisa no Google irá acionar após poucos dias de atividade no computador. 



Essa descoberta é muito significativa. Muito importante para a análise dos efeitos do uso da Internet nos nossos cérebros.
Esta área específica do cérebro controla a nossa capacidade de tomar decisões e integrar a informação complexa. Ele também controla o nosso processo mental de integrar sensações e pensamentos, bem como memória de trabalho, que é a nossa capacidade de manter as informações em mente para um curto tempo, o tempo suficiente para gerir uma tarefa de busca na Internet ou discar um número de telefone após obtê-lo do auxílio à lista.

Os voluntários de computador experientes ativaram a mesma região frontal do cérebro no início e tinha um nível semelhante de ativação durante a segunda sessão, sugerindo que para alguém experiente com computador, o treinamento dos circuitos neurais ocorrem relativamente cedo e permanece estável. Mas estes resultados iniciais levantam várias questões sem resposta. Se os nossos cérebros são tão sensíveis à apenas uma hora por dia de exposição ao computador, o que acontece quando nós gastamos mais tempo? E sobre os cérebros de jovens, cujo circuito neural é ainda mais maleável e plástico? O que acontece com seus cérebros quando eles passam em média oito horas por dia com os seus brinquedos e dispositivos de alta tecnologia?

Para isso precisamos entender a importância dessa região cerebral para os humanos e sua implicação para o processo do conhecimento e aprendizagem. Somente assim poderemos entender a importância dessas modificações e do gap geracional e uso indevido de ritalina e outras substâncias inibidoras da atenção é um subproduto de uma atual desconexão desse novo processo com os atuais sistemas educacionais produzidos e massivamente popularizados com o ensino massivo realizado pelas revoluções industriais onde a produção de conhecimento no ensino estava praticamente focado na tarefa disciplina. Provavelmente não é o cérebro dos jovens que estão doentes de excesso de atenção em multitarefas,, mas talvez sejam as nossas instituições escolares que estejam esclerosando. Mas essa tarefa de entender o processo de tomada de decisão no cérebro que foi um processo vital da evolução de nossa espécie (cada vez mais capturada pelo Google e a Internet) fica para outra matéria (aguardem).

Cordialmente,

Dr. Gilson Lima


Ps. Esse texto tem como referência em português o livro Ibrain* (ainda não traduzido em português) que trabalhei com meus alunos de informática e sociedade na UNISC – Cidade de Santa Cruz do Sul – RS –Brasil. 2012.

*Fonte de referência: SMALL, Gary; VORGAN, Gigi. Ibrain: surviving the technological alteration of the modern mind.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

ORTOBRAS LANÇA PRODUTO INOVADOR PARA BENEFICIAR A INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM TETRAPLEGIA - 03/12/2012


Ao completar 30 anos de atuação, mantendo a promessa de inovar constantemente o mercado e fomentando e investindo em pesquisas, a Ortobras lança, no próximo dia 4 de dezembro, às 14h30, um produto inovador e diferenciado. Trata-se de kit de acoplamento computacional integrado a um novo conceito de cadeira de rodas e de atividades clínicas e pedagógicas para a inclusão e alfabetização de crianças com tetraplegia. O evento será na Escola Estadual Cônego Paulo de Nadal (Av. da Cavalhada, 4357), em Porto Alegre/RS, local de execução do projeto-piloto.
O kit pode ser adaptado em qualquer cadeira de rodas. É composto por um notebook configurado para ser usado apenas com o movimento dos olhos, sem a necessidade de abrir algum programa específico, sobre uma bandeja (como se fosse uma mesinha de avião para ficar guardada quando não está em uso). Inclui baterias de autonomia de 16 horas, que possui uma placa que avisa, por meio de voz, quando a carga está no fim.
A ideia é que esse produto ajude as pessoas com paralisia cerebral e tetraplégicos graves, pois não é necessário tocar no computador para operá-lo, o mouse se movimenta com os olhos e o clique é feito pelo piscar”, salienta o engenheiro e diretor comercial da Ortobras, Jonathan Hummel.
Dr. Gilson Lima e Fernanda
 Xavier na cadeira

Com financiamento do CNPq e apoio da Secretaria Estadual de Educação, da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI SDPI) do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, do Centro de Microgravidade PUC/RS e do Research Committee on Clinical Sociology - International Sociology Association, a coordenação geral da pesquisa para elaboração do kit ficou a cargo do pesquisador do CNPq, Dr. Gilson Lima. De acordo com ele, o lançamento da Ortobras é um produto-conceito, mas que a empresa pretende disponibilizar em breve em escala de produção industrial.Como na indústria automobilística, por exemplo, a ideia de produto-conceito é muito bem aceita pela mídia e pelo mercado em geral. A sugestão, aqui, é um novo conceito de cadeira de rodas, que amplia a atual concepção de cadeira como assistência de déficit motor”, defende.

“É a tecnologia a serviço da educação inclusiva”, ratifica Jonathan Hummel.


http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=110320

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Lançamento do KIT de Inclusão! Dia 04 de dezembro!

É com grande prazer que informo o lançamento de um novo conceito de cadeira de rodas pela Fábrica Ortobras envolvendo minhas pesquisas com com Jonathan Hummel (Diretor Comercial - Ortobras) e parceiras como: 

=========================================
  1. CNPQ -Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - "National Counsel of Technological and Scientific Development". 
  2. Colégio Estadual Cônego Paulo de Nadal;
  3. Secretaria do Estado do Rio Grande do Sul (Seduc); 
  4. Agência Gaúcha de Investimento e Promoção do Investimento do Governo do Estado do Rio Grande do Sul; 
  5. Centro de Microgravidade da PUCRS;
  6. Research Committe - Clinical Sociology da Association International Sociology;
  7. Grupo de Robótica da Universidade de Lieida da Espanha (Headmouse);
  8. Parceria de utilização gratuita de recursos cibernéticos.  Softwares licença: GNU/FDL: Eviacam – Linux-Windows; Gcampris.
    =======================================================


O Kit integrado a cadeira permite autonomia de 6 horas de uso com notebook para a inclusão digital de crianças e adultos com tetraplegia (cadeirantes sem o recurso de uso dos membros inferiores). Isso permitirá autonomia significativa para os usuários seja permitindo novos processos de alfabetização como: acesso à Internet, às redes sociais, aos filmes do Youtube, aos noticiários, aos blogs, para telefonar via web,...
Destaca-se que utilizando praticamente apenas  o manuseio da cabeça, dos olhos e da boca os usuários sentados na cadeira podem comandar as telas de diferentes programas com processos totalmente suportado por calibração em infra-vermelho e softwares tanto de aprendizagem da nova pilotagem das telas como de recursos educacionais específicos utilizáveis em windows e Linux.
O Kit contém baterias de 12 volts, cabos de conversão, circuito próprio de monitoramento de carga, aviso de recarga,... 
Tudo agora está disponível numa  cadeira MANUAL altamente modelável para lesões neuronais severas permitindo, inclusive, permitindo desacoplar o computador da cadeira para usá-lo nos charutos dos cinzeiros dos automóveis para viagens. 

Veja convite abaixo



sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Por que o novo é novo?


Por que o novo é novo?

Uma ou outra vez na história, ao serem tomadas por pulgas, submergem pouco a pouco na água para concentrar todas as suas pulgas nos seus focinhos e; com um rápido mergulho, livrarem-se delas. Assim, devemos diminuir nossa estranheza de que de tempos em tempos tenhamos que sacudir nossa própria cultura e ficarmos desnudos dela. (Ortega Y Gasset).
Gilson Lima.         Doctor en Sociología por la Universidad Federal de Rio Grande do Sul.  MEMBERSHIP e Representante Regional - Brasil do Comitê de pesquisa RC46 CLINICAL SOCIOLOGY da ISA - International Sociological Association. Pesquisador do CNPq www.cnpq.br/ Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - "National Counsel of Technological and Scientific Development" - con actividades experimentales en la área de la interface entre cuerpo-cerebro-miente-máquina visando generar nuevos productos y procesos de políticas de rehabilitación y neuro aprendizaje envolviendo situaciones críticas de déficits y lesiones. Pesquisador e Sócio Proprietário da NITAS LTDA: inovação e tecnologia – com atividades na área da interface entre corpo-cérebro-mente-máquina.



  Fragmento do Livro: Nômades de pedra. Autor: 

©Gilson Lima, 2005.


Capa e projeto gráfico Bureau Escritos
Revisão: Lúcia Regina Lucas da Rosa
Revisão Final: Iara Linei Romero


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


L832n       Lima, Gilson Luiz de Oliveira
                      Nômades de pedra: teoria da simbiogênese contada em
                 forma de prosas / Gilson Lima ; Prefácio: Domênico De Masi. Tradutora do prefácio Flávia
                  Movizzo Smith. ¾  Porto Alegre: Escritos, 2005
                      306 p. ; il.

                     ISBN: 85-98-33422-4


         1. Sociologia Contemporânea. 2. Prosa Sociológica. 3. Estu-
     dos de Tecnologia e Sociedade. 4. Sociologia das Ciências.
     5. Cultura e Sociologia. 6. Literatura e Sociologia. I. Smith,
     Flávia Movizzo. II. Título.

                                                                  CDD  301
                                                                            301.2

 

Bibliotecária Responsável: Ginamara Lima Jacques Pinto CRB 10/1204


Todos os direitos desta edição reservados ao autor: Gilson Lima.


Escritos editora
Porto Alegre –RS
Brasil/2005



É de Nietzsche a ideia de que o esquecimento é uma habilidade importantíssima para a vida. A faculdade e o direito a ele são vitais e indispensáveis ao prazer humano; praticamente uma condição da vida. A história não pode transformar nossas vidas em um pesado fardo que nos transforma em funestos coveiros do presente. É necessária a atrofia da história para a imersão vital no presente e para o surgimento do novo e sua conversão em futuro.
Vamos dar um exemplo. Imaginemos um programador de computador. Nesse sentido, ele deve esquecer quase tudo que lhe ensinaram nas disciplinadas universidades industriais sobre como fazer um software, não sobre programação e suas fórmulas algorítmicas, mas sobre o disciplinado espírito de engajamento meramente perital e funcional a um projeto de opacidade e vazia de conteúdo estético e de envolvimento emocional.
Se Miguelangelo estivesse vivo, certamente, estaria pintando pixels em telas eletrônicas integradas em múltiplas técnicas de produzir imagens e sons, numa atenção sensível aos detalhes. Pois, um artista sabe, se não há detalhes, não há projeto artístico. Como clichê, ouvimos várias vezes que uma imagem vale mais que mil palavras, e a computação reflete isso na quantidade de bits necessários para produzir uma imagem. Pois, um arquivo de imagem é, coincidentemente, cerca de mil vezes maior do que um arquivo de texto.
Os projetos de softwares devem ser entendidos como quadros de uma obra de arte e seus projetistas como potenciais renascentistas. Considerar a estratégia técnica é um imperativo categórico para um programador de software. Porém, integrar estratégias criativas em simbiose com elas, implicaria levar em consideração a exploração de representações visuais, espaciais, de textura, de áudio, além de evitar a abstração exagerada de valores e procedimentos funcionais. Implica, também, em acolhermos ambigüidades possibilitando as expressões de múltiplos significados. Assim, um artista do software será além de um grande perito funcional, alguém capaz de potencializar ao máximo suas intuições e sua capacidade imaginativa.
Nada disso será válido, se os informaticistas não romperem com certa prepotência natural que historicamente pairou e foi reforçada em sua formação lógica autofágica; tendo clareza de que nada valeria a pena se do outro lado do software não estivéssemos vendo um usuário que, a seu modo, é também um legítimo ser criante da mesma obra mutante. Assim, um projeto criativo de software sempre permitirá disparos de motivações e facilitará a inclusão de novos artistas estranhos e amadores que compartilharão de uma obra de arte que também funciona e, muitas vezes, opera tão sutilmente bem, que nós nos sentimos, simbioticamente, dentro da tela, mexendo nas tinturas dos pixels, como se estivéssemos dentro de uma generosa oficina de um velho e sábio inventor da arte de imaginar o mundo, imaginando a si mesmo, nele.
Se o exemplo de uma “aparente” área dura do conhecimento, programação de software já nos serve de referência para a lição nietzschiana, imagine o que nos reserva os outros campos do conhecimento complexo, que a simbiose com a sociologia da simbiogênese, nos permitiria. É bom lembrarmos que Nietzsche, ao que nos parece, não está defendendo um elogio simplório do esquecimento, mas de uma crítica da relação moderna de submissão da vida à história, aos fatos, ao cronos e ao técno-poder sistêmico empobrecido. Uma crítica da relação a um passado com potência colonizadora sobre o presente e que castra e impede a criação do futuro.
Para criarmos um futuro novo no agora, temos que ignorar muita coisa do presente, que o impede de emergir e, sobretudo, de sermos injustos com o nosso passado. A vida é sempre interessada. Escolhemos sempre as circunstâncias que julgamos interessar-nos num determinado momento. É da injustiça da vida em relação ao nosso passado, a nossa história, que produzimos e criamos o novo. A justiça do presente é a que ignora o instante como algo ainda não domado e de potencialidade e indeterminação sobre o futuro. É a que não permite que o homem se realize como um experimentar de si mesmo, como afirmou Nietzsche.[1]
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ENTENDENDO O TEXTO PAGUS

1) Em primeiro lugar, ele é escrito em páginas estáticas que são as demarcações físicas de um plano reto, do tipo tábua.
2)
Tem um ciclo próprio, ou seja, um início, um desenvolvimento e um fim, portanto, é uma unidade isolada, ou seja, um livro é uno, uma unidade em si mesma. Mesmo uma coleção ou enciclopédia de livros é um conjunto seqüencial de unidades isoladas que formam o conjunto de uma unidade maior, a enciclopédia.
3) A organização da sua narrativa,  do que está escrito é linear, como se seguíssemos uma linha, como se cada vez mais acumulássemos conhecimento progressivamente enquanto caminhamos na linha imaginante da leitura. Alguns cientistas pensavam que nós transferíamos com a leitura direta ou até indireta através de alguém que pudesse ler em voz alta um texto, um estoque de informações que estavam impressas nos documentos que eram lidos e que se deslocavam para o cérebro. Achavam que Assim que nos tornávamos inteligentes. Hoje sabemos que esta é uma maneira muito primitiva da inteligência, conhecida como memória primária.____________________________________________________________________

Síntese: Fatos x acontecimentos

Os fatos são ordenados no tempo, dispostos em seqüência  como uma fila; agrupam-se  apertados, pisam nos calcanhares uns dos outros. Suas almas serão  marcadas sempre pela continuidade e sucessão. Cada fato tem uma passagem, tem seu lugar reservado para sua viagem no trem da história. como todos bem sabem, para manter o trem da história no trilho é necessária uma meticulosa assistência de disciplina, um apurado e detalhado controle. Privado desta assistência controladora, o tempo fica propenso totalmente a transgressões, travessuras irresponsáveis, palhaçadas amorfas. Ao não exercermos vigilância no trem, ele descarrila, vira turbulência, cria suas travessuras. 

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É através do peso do passado que selecionamos as circunstâncias do presente. Para emergir o novo na vida precisamos, como defendeu Nietzsche, de certo esquecimento, de certa não-história, de liberação do fardo da história, possibilitando o surgimento de uma atmosfera potencializadora e liberadora do desejo de imaginar e de criar, que se efetiva no fragmento do instante, onde encontramos mais profundamente a fonte de criação que permite a emersão do novo, da novidade, sem a qual, apenas reproduziremos o curso natural colonizado por cartografias de pesadas lembranças acumuladas por um excesso de memória. Temos, assim, na emergência do novo a importância de na topografia do tempo, de modo muito destacado, o papel do instante. Apenas quando o homem é forte o suficiente para dobrar o passado em benefício da vida é que pode inaugurar e tornar o novo vivo, onde, pela emergência do novo, o nosso velho “tudo” consolidado se desfaz. Para isso, precisamos ser injustos com nossas histórias. Quem consegue viver numa atmosfera de nuvens de esquecimento, estará vivo para o novo e apto a tornar o novo vivo.A modernidade congelou o instante e o presente ficou submetido ao trajeto unidirecional de uma flecha originária de um passado, de um acúmulo de encadeamentos factuais que progride em uma mono-direção ao futuro.

A valorização do arrebatamento do umbral do instante é a valorização do nosso estado vital mais limitado e cego aos perigos. Talvez por isso pode até ser um ato muito ingrato com o passado, mas o instante não apenas engendra contra as ações justas do passado, mas engendra também todos os seus atos de injustiça e é esse mesmo instante, esse fragmento turbinado de vida que nos tornam vivos. É nele que a vida acontece e, sem os instantes, nenhum artista teria realizado ou realizará suas grandes obras, nenhum imperador teria conquistado seus impérios.
As grandes criações, as ações extraordinárias, as grandes invenções são exemplos cabais de instantes envolvidos pelas nuvens de esquecimento, uma gama de fragmentos extraordinários de traições e de injustiça diante da história.
O instante são fragmentos de vida que se desprenderam do círculo vicioso da memória do qual pode aflorar o surgimento do novo, sobretudo a partir de suas traições e injustiças sobre as crenças e fatos do passado, do rompimento com o ordinário e da realização do extraordinário na vida. O direito ao novo, que deve nascer da criação do que pode vir, nos impele à traição ao passado, para que possamos ser justos com nosso futuro.[2]
A racionalização moderna ergueu suas cercas visando a transformação absoluta da quase infinita potência da escuta sensível da imaginação humana enclausurá-la num oceano já mensurado e congelado. É vital para uma dobra criativa que converta o instante em um novo futuro.
Trata-se de enfrentarmos radicalmente a ideia que conhecemos de fatalismo[3], o qual implica, nada mais nada menos, em um respeito incondicional à potência dos fatos, à crença determinante neles, nos seus encadeamentos históricos tal como a história nos inscreve. O respeito a essa potência factual é também o respeito aos interesses dos mandarins desses fatos. Trata-se de uma concepção que aborta o novo, o que está em vias de nascer. O novo quase sempre ofende o que existe, porque em geral ele é, inevitavelmente, impiedoso e injusto também com o passado.



Síntese: Fatos x acontecimentos
Os acontecimentos são múltiplos fragmentos que chegaram atrasados à estação da vida e perderam o trem da história. Eles chegaram na estação quando já tinha sido realizada a distribuição das passagens, por isso, não possuem lugar no trem. Ficam vagueando e ziguezagueando sem rumo definido pela vida.
Os acontecimentos também não são contrabandos que encontram lugares clandestinos nos vagões. Na verdade, eles não cabem no trem, pairam errantemente e sem lar, suspensos no ar. O tempo regular, cronológico é estreito demais para abriga-los.

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A potência criadora acontece na crença, na paixão desmedida e no gosto pela ilusão da particularidade e não na fria mensuração dos fatos, na sua pobre datação e nominação petrificante.
A imaginação criativa acontece numa perspectiva amante pela emergência do novo, na paixão que arremata e contempla o instante na sua plena realização viva, no jorro de sua novidade, que não pede passagem, apenas passa.
Assim, os seres vivos e potencialmente criativos necessitam estarem envoltos num véu de mistério, de vitalidade, de força, de garra, da ilusão necessária para enfrentarem as cegueiras, as parcialidades desconsideradas, desfazendo o pesado fardo que o passado impõe sobre o  presente e o futuro.
O presente não é o instante; ele é o que é e não dá direitos ao que está vindo expressar-se na sua potencialidade inovadora. Apenas é o que é, ou seja, o presente. O instante se relaciona muito mais com o futuro; só esse pode habitar a novidade do instante. É para ele que o instante impõe suas forças, visando dobrá-lo em direção a um dever ser gerador de um habitat que possibilite acolhê-lo no que de mais potente ele possui: a novidade criante.
A história está apenas acostumada a traduzir o novo como acúmulo e sucessão. A novidade precisa ser domada, explicada, decomposta, fazendo tudo para que o novo possa emergir como uma obra que tenha pouco efeito inventante. A novidade é assim, neutralizada, traduz o novo como uma reinauguração do velho, uma continuidade melhorada.
A história factual mensuradora não só esvazia o novo e sua potência inventiva da vida, mas ainda reduz as novidades, “as linhas de fuga” presas em seqüências de uma cadeia de causas históricas, como que se reencaixasse as intempestividades descarrilantes retornando sempre para o seguro trilho do trem da história. É o moderno desejo cientificista que pretende dar conta de tudo, deixando quase tudo de fora como se fosse apenas um nada que nada tenha. Os velhos sábios hindus há muito tempo e a física quântica mais recentemente, nos dizem: “Prestem bem atenção! Há algo no nada, há algo nos zeros formais criados pelos árabes, há algo impalpável, imaterial e não é apenas um diminuto da solidez objetiva da matéria”. O mais estranho de tudo isso é que estamos também ali naquilo que antes era nada, estamos em profunda simbiose e ali estamos nós, mesmo estando também aqui simultaneamente.




[1] PALBEART, Peter Pál. A vertigem por um fio: políticas de subjetividade contemporânea. São Paulo: Iluminuras, 2000. p. 13. Ver também: NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral. São Paulo: 1987. p. 63.
[2] PALBEART, Peter Pál. A Vertigem por um fio: políticas de subjetividade contemporânea. São Paulo: Iluminuras, 2000. p.129-131.
[3] No sentido de fatal; uma espécie de mescla entre fato + ismo.