sexta-feira, 27 de novembro de 2009

notícias : FALSO COMA. Homem diagnosticado passa 23 anos consciente na Bélgica


Rom Houben escutava e via tudo à sua volta, mas não conseguia se comunicar com médicos.
Da BBC



Um erro de diagnóstico fez um homem passar 23 anos consciente e "amarrado" a uma cama, enquanto médicos pensavam que ele estava em coma, na Bélgica.
Rom Houben, que tinha 23 anos quando sofreu um acidente de carro que o deixou completamente paralisado, foi submetido a vários exames normalmente utilizados para diagnosticar o coma, baseados em respostas motoras, verbais e oculares.
Estudo alerta que muitos pacientes considerados em coma podem estar conscientes
Ele, no entanto, escutava e via tudo o que acontecia à sua volta, sem conseguir se comunicar com médicos, familiares e amigos.
Apenas alguns meses atrás, exames com aparelhos de tomografia de última geração mostraram que seu cérebro estava funcionando de maneira praticamente normal.

Mensagens

Houben foi então submetido a várias sessões de fisioterapia e agora consegue digitar mensagens em uma tela de computador.


Notícia mais detalhada:
Falso coma: Rom Houben esteve preso dentro do seu corpo
durante 23 anos.
24.11.2009


Durante 23 anos, o belga Rom Houben esteve preso dentro do seu corpo. O seu cérebro funcionava normalmente, ouvia tudo o que lhe diziam, mas não podia mexer-se nem falar. O seu pesadelo acabou quando um neurologista usou um inovador sistema de monitorização e percebeu que o cérebro de Rom estava a funcionar quase normalmente. Nesse dia, Rom voltou a nascer.
Rom Houben espera vir a escrever um livro contando a sua experiência e o seu "renascimento"
Em 1983, Rom Houben, então um jovem estudante de engenharia e amante de desportos de combate, sofreu um acidente de viação. O seu coração parou e o seu cérebro ficou privado de oxigenação durante vários minutos. A partir dessa altura o seu corpo ficou paralisado e oficialmente em coma. Mas o diagnóstico dos médicos foi demasiado precipitado. Apesar de completamente imóvel, Rom conseguia ouvir tudo o que lhe diziam. Ouvia os médicos falarem do seu estado de saúde e ouviu a mãe comunicar-lhe a morte do pai. Ouviu tudo isto sem poder chorar nem mexer a cabeça. Estava consciente e com um cérebro a funcionar, mas nunca conseguiu que o seu corpo comunicasse esse facto.
Tudo mudou há cerca de três anos. O neurologista Steven Laureys, da Universidade de Liege, que decidiu experimentar uma nova abordagem aos doentes em coma, libertou-o da sua tortura. Usando um inovador sistema de monitorização da actividade cerebral através de ressonância magnética percebeu que o caso de Rom era o de um falso coma.
O momento em que descobriram que eu não estava num estado vegetativo, disse Houben, foi como se tivesse nascido outra vez. “Nunca esquecerei o dia em que me ‘descobriram’. Foi o meu segundo nascimento”, disse Rom à revista alemã “Der Spiegel”, que trouxe o caso a público.
Nos últimos três anos Rom Houben, agora com 46, foi submetido a intensas sessões de fisioterapia e já conseguiu recuperar algum movimento. Comunica através de um ecrã táctil, acoplado à sua cadeira de rodas.
Rom explicou que, durante todos estes anos, conseguiu suportar o pesadelo de não poder comunicar o seu estado através da meditação e revivendo episódios passados. “Viajei com os meus pensamentos para o passado, ou então para uma nova existência. Eu era apenas a minha consciência, e nada mais”, disse Rom, que fala quatro línguas.

“Impotente. Extremamente impotente. Inicialmente fiquei revoltado, mas depois aprendi a viver com isso”, recorda agora Rom, citado pela AP.
O neurologista Steven Laureys - que chefia o grupo científico que estuda os estados de coma no hospital universitário de Liege - acredita que este caso é apenas um entre muitos, estimando que possa haver inúmeros falsos comas diagnosticados em todo o mundo. Laureys estima que os doentes em coma são mal diagnosticados com “assustadora regularidade”. De entre 44 doentes que se pensava estarem em coma, 18 deles responderam fisicamente a pedidos de comunicação.
De acordo com o “The Guardian”, os médicos belgas que diagnosticaram Rom como estando em coma usaram a escala Glasgow Coma Scale, internacionalmente aceite. Esta escala monitoriza os movimentos dos olhos e as respostas verbais e motoras. Porém, apesar de terem usado esta escala, falharam em determinar o correcto funcionamento do cérebro do doente.

“A partir do momento em que alguém é diagnosticado como inconsciente, é muito difícil arrancar a pessoa a esse estado”, indicou Laureys ao “Der Spiegel”.

O neurologista indicou ainda que todos os doentes classificados num estado de coma não-reversível, deverão ser “testados dez vezes” e que os comas, tal como o sono, têm diferentes fases que precisam de ser monitorizadas.
Houben espera vir a escrever um livro contando a sua experiência e o seu “renascimento”, indica o "The Guardian".
Um aparelho especial colocado sobre sua cama permite que ele leia livros mesmo deitado.
"Nunca vou me esquecer do dia em que descobriram qual era o meu verdadeiro problema. Foi meu segundo nascimento", disse. "Todo este tempo eu tentava gritar, mas não havia nada para as pessoas escutarem."
"Frustração é uma palavra muito pequena para descrever o que eu sentia", afirmou, Houben, que deve permanecer internado em uma clínica perto de Bruxelas.
O neurologista Steven Laureys, que liderou a equipe que descobriu a situação de Houben, publicou um estudo há dois meses alertando que muitos pacientes considerados em estado de coma na verdade podem estar conscientes.
"Apenas na Alemanha, a cada ano, 100 mil pessoas sofrem de traumatismo cerebral grave. Estima-se que de 3 mil a 5 mil deles se mantêm presos em um estágio intermediário entre o coma verdadeiro e a total recuperação de seus sentidos e movimentos. Eles seguem vivendo sem nunca mais voltarem", disse Laureys, chefe do Grupo de Coma do Departamento de Neurologia da Universidade de Liège.

DEBATE SOBRE A COMUNICAÇÃO DE ROM HOUBEN


Ajudado por um terapeuta, o dedo esticado de Rom Houben digita com surpreendente rapidez em um computador de tela sensível ao toque, relatando sobre como se sentia "sozinho, solitário e frustrado" nos 23 anos em que ficou preso em um corpo paralisado.
Rom Houben com Josephine Nicolaas Houben, sua mãe, que diz acreditar nas mensagens escritas pelo filho com ajuda de terapeuta
Após um médico perceber que ele havia sido diagnosticado erroneamente em estado vegetativo e desenvolver um método para sua comunicação, Houben afirma que se sente "renascido".
"E, igual a um bebê, acontecem muitos tombos", escreveu o belga de 46 anos, digitando as palavras em holandês para a emissora de notícias da Associated Press na terça-feira, com uma auxiliar guiando sua mão.
Um especialista em bioética, no entanto, expressa ceticismo sobre a comunicação real de Houben, afirmando que as respostas parecem artificiais para alguém com danos tão profundos e que passou décadas inábil para se comunicar. A equipe médica que cuida de Houben afirma que realizou testes especiais para comprovar que a comunicação de fato está acontecendo.
Vítima de um acidente de carro em 1983 aos 20 anos, Houben foi diagnosticado em estado vegetativo. Um especialista, usando um tomógrafo que não estava disponível nos anos 80, afirma finalmente ter notado que ele sofria de uma forma de "síndrome de prisão", em que a pessoa não consegue falar ou se mover, mas pode pensar. O médico então disponibilizou um equipamento para Houben se comunicar.
Mas Arthur Caplan, professor de bioética da Universidade da Pensilvânia que não tem contato direto com Houben ou conhecimento pessoal do caso, vê com descrença o caso após assistir a um vídeo com a mão do homem sendo movida sobre o teclado.

"Isso se chama comunicação induzida", diz Caplan. "É 'mesa branca', algo que foi desacreditado diversas vezes. Normalmente quem está 'ajudando' é quem está também compondo a mensagem, não a pessoa que supostamente está sendo ajudada."

A terapeuta Linda Wouters afirmou à Associated Press que pode senti-lo guiar sua mão com uma pressão sutil vinda de seus dedos, e que inclusive percebe sua negativa quando digita uma letra errada.
Audren Vandaudenhuyse, da equipe de Steven Laureys, do Coma Science Group, da Bélgica --que descobriu o erro de diagnóstico--, afirma que tudo foi checado e confirmado. Em determinada ocasião, um objeto foi mostrado a Houben enquanto sua auxiliar não estava na sala. Depois, ela voltou e o auxiliou a descrever o objeto, diz Vandaudenhuyse. "Temos certeza de que é ele quem está se comunicando", afirma.
A mãe de Houben, Josephine, diz acreditar que ninguém está guiando seu filho. "Aos poucos, ele foi se desenvolvendo usando o computador e agora se comunica com a terapeuta segurando sua mão", descreve Fina.
Perguntado como se sente agora, Houben escreve: "Sinto-me muito aliviado. Finalmente posso mostrar que estou realmente aqui".


Outro exemplo: Italiano desperta de coma, diz ter ouvido tudo e reacende debate sobre eutanásia


Agência Reuters, 5 de outubro de 2005 - Fonte: Globo On Line

ROMA - Um italiano que passou quase dois anos em coma profundo e era tido como um caso perdido pelos médicos despertou dizendo ter ouvido e entendido tudo o que se passava ao seu redor durante esse longo drama, segundo seus familiares.
Salvatore Crisafulli, pai de quatro filhos, descreve seu caso como um "milagre" que prova que não existem causas perdidas. Sua recuperação parece ter fortalecido a posição dos italianos contrários à eutanásia.

- Estou vivo graças ao meu irmão. Os médicos diziam que eu não era capaz de ter sensações, mas eu escutava e entendia tudo. E chorava de desespero - declarou Salvatore depois de acordar do estado de coma que entrou em setembro de 2003, após um acidente de carro.

O irmão de Salvatore chegou a compará-lo à americana Terri Schiavo, vítima de lesões cerebrais, que morreu em março após dez anos em coma, depois que a Justiça autorizou a retirada do seu tubo de alimentação.

- Os médicos diziam que eu não estava consciente, mas eu entendia tudo - disse Crisafulli, segundo a imprensa italiana nesta quarta-feira.

Os comentários foram feitos ao seu irmão na Sicília quando
Crisafulli, de 38 anos, começava a se recuperar lentamente. Ele saiu do coma há três meses, mas só começou ã falar recentemente. Sua primeira palavra foi "mamma", disse sua mãe aos jornalistas.
A notícia surge no momento em que uma comissão nacional de bioética defendeu a obrigatoriedade dos cuidados a pacientes inconscientes, mesmo àqueles contrários a medidas médicas extraordinários para mantê-los vivos.
A comissão governamental, que serve de ponto de referência para os parlamentares, tomou essa decisão no fim de setembro, mas um documento sobre o tema ainda está sendo finalizado.

- Alimentar um paciente inconsciente por meio de um tubo não é um ato médico - disse o presidente da comissão, Francesco D'Agostino.

- É como dar uma mamadeira a um recém-nascido que não pode ser amparado por sua mãe. E então refletimos sobre o caso Schiavo. A mulher foi deixada para morrer de fome.

O caso Schiavo provocou comoção na Itália, onde a Igreja Católica exigiu que os médicos continuassem a alimentá-la, apesar da vontade em contrário do seu marido.
O Papa João Paulo II morreu dois dias depois de Schiavo, e o Vaticano comparou um tribunal americano a um "verdugo" por exigir que o tubo de alimentação fosse retirado dela.
Crisafulli provavelmente nunca mais será o mesmo de antes do acidente. A mãe diz que ele tem dificuldades de fala, mas a família garante que ele parece alerta e consciente.

- Meu irmão fala e se lembra. Não espero que seja como era, mas já um milagre - disse Pietro ao jornal Corriere della Sera.

- E pensar que alguns médicos disseram que tudo seria inútil e que ele estaria morto em três ou quatro meses.

DA PARA PENSAR?

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Falha de conexão


ALUNO REBELDE DE STEVEN PINKER, PSICÓLOGO AMERICANO GARY MARCUS ARGUMENTA EM LIVRO QUE O CÉREBRO HUMANO É UMA GAMBIARRA EVOLUTIVA QUE FREQÜENTEMENTE DÁ PAU

Autor: MARCUS, GARY

Ilustrador: WOOD, WILFRID

Editora: FABER AND FABER


RAFAEL GARCIA
Extraído do Jornal Folha de São Paulo.


Engenheiros americanos costumam usar a gíria "kluge" ao se referirem a soluções improvisadas para problemas em projetos. A falta de iluminação numa casa nova pode rapidamente ser resolvida, por exemplo, com um fio desencapado, uma lâmpada velha, uma extensão e esparadrapo. Esse tipo de gambiarra, diz o psicólogo Gary Marcus, da Universidade de Nova York, é também a melhor analogia para descrever a mente humana.
"Kluge" é o título do novo livro de Marcus, dedicado a mostrar como nossas faculdades mentais mais caras -consciência e raciocínio lógico- foram construídas pela evolução aproveitando estruturas cerebrais primitivas, na falta de algo melhor. Dá para o gasto, mas o preço que pagamos por não sermos fruto de um "projeto inteligente" é que nossa gambiarra cerebral freqüentemente entra em curto-circuito.
Auto-engano, teimosia, presunção -e crenças religiosas- seriam todos efeitos colaterais da forma como a mente é estruturada. Nossa memória, também, parece ser ótima para um caçador identificar pegadas de animais, mas não muito para guardar senhas de banco.
Analisando suas teorias à luz de experimentos psicológicos, Marcus mostra o quanto somos capazes de violar a racionalidade que supostamente é a marca registrada do Homo sapiens, o homem que sabe. Em um fenômeno conhecido como "ancoragem e ajuste", por exemplo, o cérebro é normalmente induzido por valores arbitrários -o autor descreve um experimento no qual números que saíam numa roda da fortuna influenciavam voluntários a responder uma questão não-relacionada, como "qual é a porcentagem de países africanos na ONU?"
Outro fenômeno analisado por Marcus a chamada "preparação", ou indução subliminar. As pessoas tendem a responder a perguntas sobre suas vidas com mais otimismo depois de assistir a "Os Smurfs" do que a "O Ladrão de Bicicletas".
Diante disso, Marcus acusa seu próprio professor Steven Pinker -o papa da psicologia evolutiva- de superexaltar o cérebro humano como um órgão perfeitamente adaptado. Em entrevista à Folha, o psicólogo falou um pouco sobre como até a própria ciência cai nas armadilhas da mente.


FOLHA - Seu livro tem uma espécie de seção de auto-ajuda ao final, listando coisas que as pessoas podem fazer para não serem apanhadas pelos truques que a mente prega em todos nós. Ter autoconsciência dessas falhas realmente pode fazer com que identifiquemos melhor nossas irracionalidades?

GARY MARCUS - Acho que a autoconsciência ajuda mais em alguns problemas do que em outros. Podemos reduzir a quantidade de problemas que acontecem. Não acho que possamos eliminá-los. Se você refletir um pouco mais sobre alguma decisão em particular e pensar: "Estou sendo influenciado por preparação?" ou "estou sendo influenciado por ancoragem?" você poderá melhorar, às vezes. Perguntar a si próprio sobre possíveis alternativas para explicar dados pode ajudar em diversas situações.

FOLHA - O sr. critica Steven Pinker, que foi seu orientador, por vender uma imagem do cérebro com um órgão bem adaptado ao ambiente, funcionando sempre em harmonia. Pinker respondeu à sua crítica?

MARCUS - Bom, acho que ele diria que os psicólogos evolutivos certamente estão cientes de que o cérebro tem limites. Eu diria que eles estão cientes, mas não têm prestado muita atenção nisso. Acho que nós temos uma diferença de ênfase. A maior parte dos exemplos que os psicólogos evolutivos dão são sobre coisas que o cérebro faz bem. Eu tenho tentado abordar isso com equilíbrio e falar também sobre as coisas que o cérebro não faz direito.

FOLHA - Seu livro se baseia em um argumento que questiona ideologias como o design inteligente. O combate ao design inteligente foi o que motivou o livro?

MARCUS - Certamente eu quis que o livro fosse um desafio ao design inteligente. Acho que essa é uma crença bizarra em tempos modernos, mas não gastaria muito tempo da minha vida combatendo especificamente um pequeno grupo de pessoas que não acho que esteja realmente querendo ter um debate científico.
Eu estava mais interessado, acho, em desafiar a psicologia evolutiva, mas acho que o livro é um ataque forte simultâneo a quem quer que pense que nós somos "bem projetados", por qualquer razão que seja, incluindo os criacionistas.

FOLHA - O livro destaca o quanto todos nós somos vulneráveis a adotar crenças que não temos base racional para sustentar. A religião se trata disso. O sr. acha que a evolução pode nos ter "programado" para a crença religiosa?

MARCUS - A evolução nos moldou de forma a que desejássemos ter explicações para as coisas. Não gostamos de informações mal explicadas. Isso é parte da razão pela qual somos atraídos pela religião. Acho que o fato de termos viés de confirmação -o hábito de acolher evidências favoráveis àquilo em que acreditamos e de desqualificar as evidências em contrário- nos torna inclinados a aceitar a religião com explicação para coisas que acontecem. Não acho que a evolução nos tenha tornado especificamente mais vulneráveis à religião do que a outros tipos de idéia, mas isso faz da religião um tipo de idéia muito sedutor para um humano.

FOLHA - Alguns sociólogos criticam hoje o culto ao otimismo, que é uma espécie de nova religião apregoada por livros populares de auto-ajuda. Seu livro, apesar de ter um traço de auto-ajuda, não apregoa o otimismo a qualquer custo...

MARCUS - Acho que todos procuramos ter um equilíbrio entre otimismo e realismo. O custo do otimismo excessivo é o auto-engano. E o auto-engano pode ser perigoso. Pessoas podem usar isso para justificar comportamentos que as põem em enrascadas.

FOLHA - Vários livros de ciência para leigos deste ano são títulos no estilo "Por Que as Pessoas Acreditam em Coisas Estúpidas". Todos tentam explicar por que a mente sofre tanto auto-engano. Atacar o cérebro é a tendência nova na psicologia?

MARCUS - O que existe é a tendência entre muitos acadêmicos de elaborar as coisas considerando que o cérebro é perfeito. A economia, por exemplo, parte do pressuposto de que sempre tomamos nossas decisões racionalmente, e acho que a literatura em psicologia não vinha falando muito desse problema. É claro que o cérebro também não é completamente irracional, mas somos limitados. Fazemos algumas coisas muito bem, outras nem tanto. O importante é ter um panorama realista, mas é como um pêndulo que sempre vai e volta. Acho que, se nesses últimos anos saíram mesmo mais livros tratando dessas limitações humanas, é uma coisa boa.

FOLHA - Com esse tipo de conhecimento caindo nas mãos de pessoas com más intenções, o sr. não acha que elas podem aproveitá-los para explorar os outros em vez de ajudá-los? Não é o caso do marketing?

MARCUS - Bom, acho que eles já estão fazendo isso. Os publicitários já sabem intuitivamente várias das coisas das quais falo no livro, e os políticos também. O ponto é que o livro pode dar poder a cidadãos e consumidores para entenderem o que está acontecendo com eles.

FOLHA - Vários dos experimentos psicológicos que o sr. descreve no livro usam testes econômicos. Alguns economistas vêem na atual crise econômica raízes que têm a ver com auto-engano e um otimismo desmesurado no mercado. A natureza humana vai tornar crises como essas sempre recorrentes?

MARCUS - Como espécie, nós somos muito vulneráveis àquilo que chamamos de "jogos de pareamento mental". Quando vemos uma pessoa ganhando dinheiro, supomos que, se fizermos a mesma coisa, vai dar certo. As pessoas não se dão conta de que recursos são limitados e nenhum desses planos pode funcionar para sempre. Aconteceu isso na crise das empresas ponto-com e agora está acontecendo com a crise das hipotecas "subprime". Em nenhuma delas as pessoas pararam para pensar que o dinheiro teria de acabar alguma hora. Os primeiros a entrarem no plano podem mesmo fazem dinheiro, mas as pessoas no fim da linha não vão conseguir, porque os recursos se acabam.

FOLHA - Quando o sr. fala sobre memória, dá como exemplo o fato de que, infelizmente, a evolução não criou em nosso cérebro um mecanismo para procurar informações arquivadas. O sr. acha que o advento da internet e do Google, afinal, pode mudar a maneira com que as pessoas lidam com a memória?

MARCUS - Acho que isso já está acontecendo. Antes as pessoas provavelmente contariam com sua própria memória, e hoje a internet pode substituí-la. Mas, na verdade, livros fazem a mesma coisa. Livros de referência, em particular, servem como substitutos para a memória há séculos. Acho que há risco de que as pessoas, se recorrerem inteiramente a máquinas, possam perder suas habilidades naturais. Hoje usam-se máquinas para fazer aritmética, e acho uma pena que as crianças de hoje não consigam fazer aritmética como nós fazíamos. Mas, de um modo geral, acredito, é bom usar ferramentas externas. Essa é a mesma razão pela qual fabricamos martelos, carros etc.: eles nos trazem habilidades que não temos. A internet torna muito mais fácil adquirir informação. Acho que devemos aproveitar isso e poupar as crianças de passarem muito tempo decorando coisas, e ensiná-las um pouco mais sobre nossas limitações.

FOLHA - Usar pouco a memória não poderia tornar as pessoas piores em lidar com informação também?

MARCUS - Acho que, no pior dos cenários, poderia, mas não estou muito preocupado. Existe uma tendência chamada "Efeito Flynn", mostrando que em média os índices de inteligência estão crescendo, apesar de algumas habilidades estarem decrescendo. As pessoas não são tão hábeis para escrever como eram antes, mas é fato que as crianças podem encontrar informações mais facilmente, o que provavelmente é uma coisa boa. Nós podemos ensiná-las melhor a discriminar informações boas e ruins, mas os fatos disponíveis significam mesmo que uma pessoa hoje tem em média um arcabouço de informações melhor do que uma pessoa de cem anos atrás.

FOLHA - O sr. acredita que efeitos como o raciocínio por motivação e viés de confirmação seja hoje uma praga em ciência? Esse tipo de coisa está atrapalhando a academia mais do que antes?


MARCUS - Absolutamente. Cientistas são pessoas, e pessoas cometem todos os tipos de erros que eu descrevo no livro. O único motivo pelo qual a ciência progride é que há tantas pessoas trabalhando na área que idéias ruins alguma hora acabam sendo substituídas por idéias

quarta-feira, 29 de abril de 2009

RELATO COMENTADO DE ATIVIDADE COM STEVEN PINKER

RELATO COMENTADO DE ATIVIDADE COM
STEVEN PINKER

Gilson Lima
[1]

No dia 23 de março de 2009 estive, juntamente com o Professor Éder Silveira (IPA), em uma atividade muito interessante com Steve Pinker (Professor de Harvard). Ele esteve aqui em Porto Alegre e tivemos o privilégio de poder ouvi-lo expor suas ideias.

MEU COMENTÁRIO INICIAL

STEVEN PINKER é professor de psicologia na Universidade Harvard (EUA). Ele é considerado uma das cem pessoas que mais influenciam hoje o mundo do conhecimento (certo exagero). De qualquer modo, seus três principais e grossos livros são: 1. Como Funciona a Mente (666 p.), 2. Tábula Rasa (684 p.) e 3. Do que é feito o pensamento (561 p.). São três clássicos da ciência cognitiva (da qual sou um modesto crítico). São livros que li e com os quais trabalhei, livros que foram e são fundamentais para minha pesquisa. Também são obras que marcaram e marcam ainda muito da hegemonia cognitivista na ciência e no conhecimento (não só da mente e do cérebro). Pinker também tem traduzido em português O Instinto da Linguagem (Ed. Martins Fontes).
Foi importante vê-lo fazendo pessoalmente a síntese de seus três livros mais importantes. Ele tratou, em síntese, de sua proposição sobre como a mente funciona (engenharia reversa); de como funciona a linguagem, da questão da Natureza humana (contrapondo John Locke e Leibniz, genética e comportamento) e por fim da obra que mais me interessa na pesquisa, a saber, aquela que trata do pensamento (em que ele abre mais espaço para a interação social).

1. Comecemos por sua abordagem de como funciona a mente

Pinker convida a ver o cérebro e a mente do ponto de vista da engenharia (para ele uma engenharia computacional sofisticada).
Ele chama a atenção para o fato de que, apesar do cérebro ser uma obra de engenharia muito complexa (hoje é impossível que um robô replique mesmo tarefas que o cérebro faz de modo muito simples), ele é também um aparelho com defeitos.
Por exemplo, comer minhoca dá nojo, mesmo que seja uma fonte muito razoável de proteína. Por que machos matam uns aos outros por poder? Por que tolos se apaixonam? Pinker então pergunta como funciona esse complexo dispositivo da mente. Para que serve? Como funciona isso? Para que foi feito?
Ele sugere, para entendê-la, que se adote a abordagem de engenharia reversa, ou seja, que se olhe o dispositivo por trás. Como se algum engenheiro da Panasonic pegasse um dispositivo da concorrente Sony e fosse estudá-lo para ver como funciona (de trás para frente, pegar as ferramentas e desmontá-lo, perguntando para que serve isso? Como funciona? Como foi projetado?...).
Pinker utiliza também da Teoria de Darwin (evolucionismo), segundo a qual o complexo dispositivo do cérebro foi se moldando, por exemplo, se tornou muito diferente nos 10.000 anos recentes depois da invenção da agricultura.
Ele dá exemplos.
O do olho humano é um deles. Quando olhamos um homem não portamos um homúnculo, um pequeno homem dentro do cérebro com um pequeno olho. Ele pergunta, então, quem enxergaria o homúnculo. Um homúnculo ainda menor? Segundo Pinker, não é assim que funciona.
Os olhos capturam pedaços de luz (fótons), milhares de fótons fluem em uma “superfície” (retina bidimensional). Quanto menor o ângulo, menos luz, que reflete mais ou menos sombra. O que o cérebro faz é trabalhar o inverso dessa lei. Pelo ângulo das sombras em uma superfície plana se calcula valores dos objetos e pessoas. Para isso o cérebro inicialmente pressupõe um mundo em superfície (sombras refletidas numa superfície plana). Depois o cérebro reconstrói as imagens. Por isso, segundo Pinker, passamos quatro horas olhando um vidro dentro de uma caixa (TV). Por isso as mulheres se maquiam (make-up) e fazem suas sombras. O cérebro adapta-se à superfície simulada como na TV. O cérebro se adaptou.
Outro exemplo é que o cérebro se adaptou ao anticoncepcional, que é um suicídio darwiniano (não procriar). Assim, o sexo, que significava quase automaticamente ter filhos, não significa mais.
Também os impulsos das emoções para comer doces provêm das frutas doces até inventarmos o açúcar. A partir de padrões aleatórios vão se conformando adaptações sobre a linguagem, a produção de sons, o poder de expressão.
Um parêntese: indícios nas cavernas européias e africanas indicam que os humanos tornaram-se mais humanos quando começaram a falar como nós falamos (linguagem abstrata e experiência do eu) há cerca de 35.000 anos. Fósseis também indicam (saliência encontrada perto da têmpera esquerda – área de Broca = linguagem) e o cérebro moderno triplicou de tamanho com o domínio complexo da linguagem (lobo frontal).
Os cérebros dos humanos e dos macacos possuem um mesmo padrão: são divididos em dois hemisférios e têm 4 lobos distintos: frontal, parietal, temporal, occiptal. Nos macacos os lobos occiptais (parte de trás do cérebro) são maiores do que os lobos frontais. Nos humanos esse padrão é invertido, o que implica também em uma diferente organização e criação da mente humana, oposta à mente do macaco.
Para Pinker não há um truque para entender a linguagem, mas dois. O primeiro foi oferecido por Ferdinand de Saussure (nascido em Genebra, em 26 de novembro de 1857). Quando falamos uma palavra memorizada ela vem direto do cérebro, do conceito ao som. Quando falamos pato, sabemos o que significa a palavra pato, assim como nas orações, que são computações de regras (algoritmos) operadas em tempo real. Por exemplo, com verbos regulares já sabemos o tempo do presente, do passado e do futuro pela regra (uma criança de cinco anos também). Uma criança saberia que irei é uma indicação de futuro de ir e de eu fui é uma indicação de passado. As sentenças têm predicados com verbos e adjetivos e mesmo não identificando cada uma das regras já sabemos o que significam.
Os verbos irregulares em inglês são aqueles verbos que não seguem a regra geral de formação do Passado e do Particípio Passado. No caso do inglês, a formação do Past e do Past Participle, de acordo com a regra geral, que se aplica a todos os demais verbos, se dá através do sufixo ed. Portanto, todo verbo em inglês que não seguir este padrão será classificado de irregular.
É por isso, então, que nos verbos irregulares (no caso do inglês Pinker citou o exemplo de verbos como saber [know], querer [mean], ver [see], ir [go]) o problema é mais complicado para a memorização, pois cada um dos verbos é conjugado fora da regra padrão dos verbos regulares. Deve ser memorizada a palavra, o léxico em si e não a regra. Tal é o caso de brought (trazido) ou de went (ido).
Segundo Pinker, em inglês existem 165 verbos irregulares (alguns dicionários variam, podendo-se encontrar 166) que devem ser memorizados como palavras e não através de regras. A memória, então, será a dos verbetes e não a das regras. Os verbos regulares são milhares. Pinker salientou que, embora os verbos irregulares se constituam em uma pequena minoria em relação a todos os verbos existentes na língua, a frequência com que ocorrem é muito alta, o que lhes dá uma importância significativa.
Como a memória de longo prazo funciona mais com a quantidade de uso e evocação da lembrança, quanto mais o verbo for acionado maior será a capacidade de lembrarmos e de acioná-lo novamente. Verbos com alta frequência permanecem irregulares e com baixa frequência transformaram-se em regulares.
Pinker também apresentou a suposição de que as palavras, os verbos, a língua também evoluem. Os conceitos, verbos, palavras são adaptados, recriados ou extintos. Na Idade Média lembrou que o inglês tinha o dobro de verbos irregulares.

2. Tabula Rasa e a natureza humana

Pinker começou sua exposição de síntese desse tema colocando o problema da contraposição entre genes e cultura. Ele nos interrogou e questionou sobre a explicação da ideia de natureza humana presente em John Locke (1632-1704), filósofo inglês. Segundo Pinker, “Locke afirma que não existe nada a priori no intelecto e que Leibniz contrapõe exceto o próprio intelecto”.
Vamos abrir um parêntese. A posição de Locke não é tão simplória assim. Vejamos: Locke criou a noção da visão inicial da mente na aprendizagem como uma “tábula rasa”, ou seja, nossa mente se encontraria vazia no nascimento e somente pela experiência efetiva de acontecermos no mundo é que gravaríamos informações e, assim, produziríamos conhecimento e saberes. Locke expressou essa posição mais precisamente na famosa passagem do Livro II, cap. I, seção 2:

Suponhamos, pois, que a mente é, como dissemos, um papel branco, desprovida de todos os caracteres, sem qualquer ideia; como ela será suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e que a ilimitada fantasia do homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde aprende todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra, da experiência.
Todo o nosso conhecimento está nela fundado e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento.

A teoria da tábula rasa é, portanto, uma crítica à doutrina das ideias inatas, formulada por Platão e retomada por Descartes, segundo a qual determinadas ideias, princípios e noções são inerentes ao conhecimento humano e existem independentemente da experiência. Pinker está correto nesse sentido e Locke, mesmo não partindo, realisticamente, do ser (dado como objetivo e natural), se voltou ao pensamento como fenômeno moldado pela experiência, que nos forma o “espírito” (mente) e que é como uma folha em branco, uma tábula rasa. No entanto, a experiência é para Locke dúplice, externa e interna:

1. A primeira realiza-se através da sensação, e nos proporciona a representação dos objetos (chamados) externos: cores, sons, odores, sabores, extensão, forma, movimento, etc. Nas ideias proporcionadas pela sensibilidade externa, Locke distingue as qualidades primárias, absolutamente objetivas, e as qualidades secundárias, subjetivas (objetivas apenas em sua causa).
2. A segunda realiza-se através da reflexão, que nos proporciona a representação das próprias operações exercidas pelo espírito sobre os objetos da sensação, como conhecer, crer, lembrar, duvidar, querer, etc.

Também as ideias ou representações para Locke dividem-se em ideias simples e ideias complexas, que são uma combinação das primeiras.

1. Perante as ideias simples – que constituem o material primitivo e fundamental do conhecimento – o espírito é puramente passivo;
2. Ao contrário, o espírito é ativo na formação das ideias complexas. O espírito é também ativo nas sínteses que são as ideias de relação, e nas análises que são as ideias gerais. Às ideias de relação pertencem as relações temporais e espaciais de ideias simples, os complexos nos quais estão integradas e a universalização da ideia assim isolada, obtendo-se, desse modo, a ideia abstrata (por exemplo, a brancura).

Na verdade Locke é, mais ou menos, nominalista. Para ele existem, propriamente, só indivíduos com uma essência particular e as ideias gerais não passam de nomes, que designam caracteres comuns a muitos indivíduos. Entretanto, os nomes que designam uma ideia abstrata têm um valor e um escopo práticos: auxiliar os homens a se conduzirem na vida.
Dado o nominalismo de Locke, compreende-se que para ele é impossível uma ciência verdadeira da natureza em moldes universais. É impossível também que se considere leis universais e necessárias do conhecimento do próprio conhecimento. Locke julga também inaplicável à natureza a matemática – reconhecendo-lhe, no entanto, o seu papel significativo na ciência. Ele, porém, não acredita na abordagem físico-matemática da natureza, à maneira de Galileu. Para Locke, mesmo que a ciência da natureza não nos desse senão a probabilidade, uma modesta opinião, seria útil enquanto prática.
É importante ressaltar que, mesmo sendo deveras reducionista a abordagem do empirismo na aprendizagem dos sentidos, apenas o fato de Locke afirmar a importância do aprender com o fazer ou a sua visão do próprio aprender como uma experiência é, em si mesmo, muito significativo para uma efetiva pedagogia da experiência.
Enfim, em um mundo ocidental acabamos por constituir duas grandes correntes do pensamento sobre o próprio pensamento: o Racionalismo e o Empirismo. Pinker nos lembrou da crítica de Leibniz e podemos encontrar uma clássica crítica ao Empirismo e de Defesa ao Racionalismo no livro Nouveaux Essais, de Leibniz. Nessa obra Leibniz ataca de forma direta o Empirismo de Locke. Uma das principais críticas dos racionalistas se refere às verdades da matemática e à lógica que se impõem a priori na experiência particular.
A tensão entre racionalismo e empirismo foi muito marcante na filosofia moderna e até a mesmo a filosofia e a ciência contemporânea beberam em suas fontes. Por exemplo, o empirismo e sua lógica foram reconstruídos, trabalhados, estudados e sistematizados pelo Círculo de Viena, cujos pensadores, como Popper e outros, procuraram conciliar os dois campos: a lógica dada imediatamente à razão (inata) e os dados com os quais a razão lógica trabalha, que é, por outro lado, o material obtido através dos “sentidos”. No entanto, essa é uma tensão ainda em aberto.
Voltando a Pinker, ele pergunta: O cérebro humano está programado ou pré-disposto a entender a linguagem? Não é apenas o ambiente que determina; ele lembra, por exemplo, que se colocarmos uma criança e um gato para aprender a falar a criança aprenderá a linguagem o gato não.
Pinker se volta contra os dois argumentos da tabula rasa: 1) Os universais humanos presente em todas as culturas; 2) A hereditariedade da estrutura cerebral e do comportamento.
Ele cita exemplo dos gêmeos idênticos (tipo zigotos com quase todos seus genes idênticos)
[2]. No caso de gêmeos idênticos, mesmo colocados em ambientes separados, acabam expressando gostos e comportamentos também idênticos. Segundo o próprio Pinker é um certo exagero considerar que os gêmeos teriam uma mesma probabilidade para divorciarem, de fumarem ou não de usarem a mesma cor de casacos, de gostarem de loiras ou de morenas... De qualquer modo, Pinker afirma que é possível detectar muitos comportamentos comuns mesmo sem eles nunca se conhecerem. Para Pinker, grande parte do controle do cérebro é operado pelos genes. Isso limita a ideia que temos da experiência e da importância e influência do ambiente na formação e na educação das pessoas, ainda que Pinker em vários momentos defenda a educação como um ambiente altamente favorável para o desenvolvimento da linguagem e da inteligência.
Para Pinker, no entanto, mesmo o papel dos pais na educação é muito limitado e a tendência a violência, por exemplo, é parcialmente genética. Conforme Pinke, o ambiente e muitas conversas com os pais não ajudam muito. Mesmo se os pais espancam os filhos, o que fará com que eles se tornem mais violentos, a pergunta é: por que o pai em questão está espancando o filho? Não haveria uma tendência genética e se a resposta é positiva isso não teria implicações hereditárias e não vai de algum modo induzir comportamento violento também no filho? Um filho que não tenha essa tendência não terá uma resposta idêntica de violência, mesmo sendo espancado pelos pais, afirmou Pinker.
Para ele, pais falantes geram filhos com inteligência verbal maior. Os genes mais semelhantes são compartilhados e herdados. Pinker lembra que nossa pré-disposição para a linguagem não provém da cultura. Mesmo que não exista em todas as culturas os três modos clássicos de tempo (presente, passado, futuro) e nem todas as culturas tenham na sua linguagem o tempo verbal de pretérito e o de futuro, todas as culturas sabem quando estão se referindo ao presente ou então há um tempo zero e de algum modo operam uma medição do tempo (do que ocorreu – passado e do que poderá ocorrer – futuro). Mesmo uma criança diferencia tempos verbais e apenas alguns físicos (adultos) não distinguiriam o tempo em uma ordenação do tipo passado, presente e futuro, demonstrando uma outra complexidade física do tempo.
Enfim, a questão entre genes x cultura; programa x acaso, seja com lógica ou afetos, é um dos pilares básicos da abordagem de Pinker, com um forte peso para o sistema nervoso central.
Vamos então a um novo parêntese.
Até a metade do século XX predominava nas pesquisas do conhecimento a ciência do comportamento observável (mensurando pela observação o comportamento visível), que reduzia praticamente toda a aprendizagem ao limite estrito dos métodos públicos de observação que qualquer cientista pudesse aplicar. Mesmos os educadores críticos do behaviorismo não questionavam o postulado comportamental, ao contrário, mostravam ou tentavam demonstrar que os condicionantes do forte componente do cânone behaviorista na crença da supremacia e do poder determinante do meio ambiente não eram adequados. Questionava-se a disciplina e até mesmo as bases biológicas da memória condicionada pelo comportamento. Era interessante que os críticos da aprendizagem behaviorista criticavam a desconsideração dos comportamentalistas em relação à reflexão subjetiva ou à introspecção particular, mas desconsideravam toda e qualquer referência à biologia da aprendizagem. A crítica era também macro-comportamental.
A partir da metade do século XX surgem as ciências cognitivas com abordagens cognitivistas (mais computacionais; coincidentemente, os cognitivistas aparecem junto com o surgimento das máquinas computacionais), ou seja, a ideia de conhecimento se funde com a de cognição como tratamento de informação, conteúdo ou mesmo raciocínio e o processo do determinismo na aprendizagem se fixa ao contrário. Os problemas levantados pela organização da linguagem e da aprendizagem passaram a ser entendidos como referências de atividades cerebrais. Processos motores, sensórios ou até mesmo erros cometidos por indivíduos – por exemplo, lapsos verbais – são agora apenas processos cerebrais que incluem a antecipação e produção de palavras. Desconsidera-se o dogma dos behavioristas de que toda atividade psicológica pode ser adequadamente explicada apenas em termos de comportamento visível. Agora uma gama de comportamentos celulares e moleculares tornam-se referentes também para uma biologia da aprendizagem.
Para os cognitivistas todas as sequências comportamentais têm de ser planejadas e organizadas com antecedência. Assim, por exemplo, no caso da fala, os mais altos nós da hierarquia envolvem a intenção geral que provoca a expressão, enquanto a escolha da sintaxe e a produção real de sons ocupam nós mais baixos da hierarquia. O sistema nervoso contém um plano ou estrutura geral, dentro do qual unidades de resposta individuais têm de ser encaixadas de modo independente do feedback específico em um ambiente.
Para os cientistas cognitivos, ao invés de o comportamento ser consequência de incitações ambientais, processos cerebrais centrais, na verdade, precedem e ditam as maneiras pelas quais um organismo realiza um comportamento complexo.
Os cognitivistas desafiaram a análise comportamental corrente na época questionando dois grandes dogmas da análise neurocomportamental:

1. A crença de que o sistema nervoso encontra-se em um estado de inatividade a maior parte do tempo;
2. A crença de que reflexos isolados são ativados apenas quando surgem formas específicas de estimulação.

Para eles o sistema nervoso era constituído de unidades sempre ativas, hierarquicamente organizadas, com o controle emanando do centro e não de estimulação periférica, questionando assim a ideia de um sistema nervoso estático e afirmando as evidências existentes de um sistema dinâmico, constantemente ativo ou, melhor dizendo, composto de muitos sistemas interativos.
[3]
É interessante lembrar também que quando Pinker pertencia ao Instituto Tecnológico de Massachusetts (Massachusetts Institute of Technology, MIT) compartilhava as suas dependências com um outro cognitivista muito conhecido, Noam Chomsky, um dos principais ativistas de esquerda norte-americano e criador da teoria da gramática universal ou transformacional (às vezes também chamada de gerativa ou transformacional-gerativa), que revolucionou os estudos da linguagem.
Noam Chomsky, nascido em 1928 na Filadélfia, é a personalidade viva com mais citações no Índice de Citações de Artes e Humanidades entre 1980 e 1992, além de ser autor de mais de 40 livros e mil artigos. Em seus estudos sobre o fenômeno lingüístico, Chomsky explora as fronteiras filosóficas e epistemológicas da linguagem. Para ele, a linguagem é um fenômeno biológico e pode ser estudada a partir de uma perspectiva internalista, ou seja, como fenômeno psicológico, retirando-se a ênfase em seu estudo como manifestação intersubjetiva e social. Conforme o próprio Pinker, “Chomsky também acredita que muitos significados de palavras são inatos” (Do que é feito o conhecimento, p. 118)
A teoria de Chomsky influenciou muitos cientistas. Um dos mais radicais defensores do inatismo é filósofo e psicólogo Jerry Fodor ,do MIT, que ajudou a lançar as bases da ciência cognitiva e a desenvolver o estudo científico da compreensão das frases. Na sua notória teoria afirma que nascemos com cerca de 50.000 conceitos inatos (uma interessante estimativa convencional do número de palavras do vocabulário de um falante típico do inglês). Pinker não chega a tanto ele propõe que a mente humana contém representações de significados mais básicos (não de palavras, mas de abordagem causal, de identificação de lugar, de identificação de meio ou fato), mas Fodor discorda para ele os significados das palavras são átomos, mas no sentido não quântico, ou seja, no sentido original de coisas que não se dividem. Como lembra o próprio Pinker o significado de matar nesse caso não é fazer morrer, mas matar mesmo e ponto, carregar é carregar e trombone é trombone, mesmo antes deles terem sido inventados.
Recentemente um outro lingüista Dan Everett e sua mulher produziram uma grande polêmica. Estudaram a tribo Pirahã, que vive às margens do rio Maici, em Rondônia, e que falam uma língua que aparentemente não é relacionada a nenhuma outra. Segundo Everett, os Pirahã não demonstram fazer uso de um recurso lingüístico que consiste em inserir uma frase dentro de outra do mesmo tipo, como quando o narrador combina pensamentos ("o homem caminha pela rua", "o homem está usando uma cartola") em uma única sentença ("O homem que está usando uma cartola está caminhando pela rua"). Everett, que já foi discípulo de Chomsky, insiste que não apenas os Pirahã são um "exemplo contrário" à sua teoria de Gramática Universal, mas também que não são um caso isolado.
Os Pirahã usam apenas oito consoantes e três vogais. Por outro lado, seu idioma possui grande variedade de tons, sílabas longas e sílabas fortes. Os índios podem usar estes recursos com vogais e consoantes juntas, cantando, cantarolando baixo ou assobiando conversas inteiras.
Mas os Pirahã não possuem palavras para designar números ou quantidades – termos como "tudo", "cada um", "cada", "muito" ou "pouco" -, algo que era considerado comum a todas as línguas. Os postulados da gramática universal indicam que tais termos são blocos comuns, básicos, do conhecimento humano. Como que uma criança que aprende uma língua já tivesse lugares apropriados para produzir paulatinamente blocos de significados e regras. Trata-se da ideia de que nascemos filogeneticamente programados para a linguagem. De minha parte acredito que afirmar que somos seres filogeneticamente programados para a oralidade é menos arriscado do que afirmar que o somos para a linguagem envolta em regras, causalidades e propensão à significação (recursividade; Interdependências entre elementos distantes; concordância, verbos auxiliares e flexão do verbo, deslocamentos – dissociação entre sítio da interpretação e sítio da pronúncia,...) como propõe os cientistas cognitivos.
Voltando à língua da tribo dos Pirahã, também ela não tem nenhum termo fixo para cores, não tem tempos verbais perfeitos, e os índios não têm tradição em artes ou desenho. Os fonemas (os sons que constróem as palavras) da linguagem dos Pirahã são extremamente difíceis, com sons lamentosos nasais, respirações curtas e precisas e sons feitos com estalos ou simplesmente por bater os lábios.
A natureza tonal do idioma também confunde: o significado das palavras depende de mudanças de volume. Por exemplo: as palavras para "amigo" e "inimigo" diferem apenas no volume de uma única sílaba.
Noam Chomsky criticou a dimensão midiática que "o caso dos pirahãs" teve e aos 78 anos ele disse que existem muitas confusões sobre a gramática universal. Em seu sentido moderno, o termo se refere à teoria correta da faculdade humana da linguagem. Nós todos reconhecemos que existe uma faculdade humana para a linguagem – que existe alguma diferença biológica com relação à linguagem entre uma criança e um gato e um chimpanzé ou um pássaro canoro, por exemplo.
Para ele, se essa faculdade não existe, então a aquisição linguística é um milagre. Se ela existe, por outro lado, não há razão para duvidar de que haja uma teoria correta sobre sua natureza. Chomsky afirmou que não há uma controvérsia sensível sobre a existência da gramática universal, assim como não há sobre a teoria correta do sistema visual.
[4] Nos dois casos, como em toda a ciência, existem muitas questões sobre quais são as teorias corretas. Não há nada para ser "desautorizado".
Chomsky afirmou que fez pesquisas de campo no mundo todo e que seu departamento no MIT tem sido um dos grandes centros internacionais de pesquisa, inclusive em pesquisa de campo substancial, sobre uma ampla variedade de línguas do mundo – fatos esses bem conhecidos entre linguistas profissionais. Como um cientista tradicional, Chomsky também afirmou, em recente entrevista sobre essa polêmica, que “os assuntos humanos são complexos demais para que a ciência seja capaz de dizer muito sobre eles. As ciências sociais são úteis, mas não podem penetrar muito fundo” (Folha de São Paulo, 03/05/2007). Para Chomsky, muitas pesquisas de campo têm sido feitas por excelentes linguistas no Brasil e em muitas outras partes do mundo. Para ele parece haver uma confusão sobre esse assunto e suas conclusões sobre a existência de uma gramática universal não deveriam ser confundidas com a existência de uma teoria correta da faculdade lingüística humana. Se a língua pirahã acabou revelando características incomuns (assim como muitas línguas, como o inglês, por exemplo), então a gramática universal teria que ser modificada para acomodá-las, da mesma forma como ela está sendo constantemente modificada para dar conta de novas descobertas sobre outras línguas, inclusive sobre aquelas que são estudadas de modo mais amplo.
Voltando a Pinker e sintetizando, por fim, esse longo parêntese, não devemos nos esquecer da importância do surgimento da expressão dos genes pela equipe de cientistas de um pequeno laboratório – o de cristalografia – do Cavendish Institute de Cambridge (que contava com a intensa colaboração de Francis Crick e James Watson) em 25 de abril de 1953. A publicização da descoberta da estrutura do DNA no final de 1951 já tinha sido anunciada à comunidade científica, em um artigo conciso publicado na revista Nature. Trata-se do epílogo de um acontecimento de suma importância: a estrutura cristalina do ácido desoxirribonucléico e a existência de um possível mecanismo de duplicação do material genético. Isso teve implicações imensas para os cientistas da cognição e, principalmente, já no início da década de 80, a genética se torna uma variável determinante para o programa das ciências cognitivas, complementando ainda mais a opção da abordagem computacional da mente. Agora a abordagem computacional se integra com a informação genética (infogene), fortalecendo de modo muito claro o determinismo do sistema nervoso central contra o determinismo ambiental e cultural antes dominante dos behavioristas. Com a emergência da informação genética, a abordagem cognitivista reforçou-se ainda mais, utilizando-se de recursos de processamento informacional dos genes e da sua integração na programação da informação genética pela estruturação da natureza e do comportamento humano. A relativização histórica da dominância genética se efetiva nas ciências cognitivas também com a perspectiva evolucionista dos próprios genes. Fechado o parêntese.

3.
Do que é feito o conhecimento

Nesse ponto Pinker iniciou sua defesa em torno da noção de linguagem indireta, para mostrar nesse seu último livro a importância também de sermos seres sociais. Para Pilker a linguagem é a janela da própria natureza humana.
Uma linguagem indireta, uma ironia, um clichê para uma cantada ou uma comunicação velada envolvem processos não tão explícitos de ameaça, seduções, subornos. Não são apenas os humanos que mentem, esse comportamento pertence à da natureza animal. Há animais que se camuflam para enganar a presa ou um predador. Há ainda a borboleta venenosa que se camufla de borboleta que não é venenosa, etc. E como lembra Pinker, os humanos também são animais, nós também mentimos, camuflamos.
A questão é que uma linguagem indireta dos humanos precisa de um determinado contexto para ser entendida. Pinker deu diversos exemplos em seu livro Do que é feito o comportamento, visando demonstrar isso, como o de que, ao se fazer barulhos ou apenas mover partes do corpo envia-se uma mensagem para alguém que esteja do outro lado da sala; ou a estratégia de locuções mentalmente invertidas como a de Woody Allen no filme Um sonho de sedutor, em que ele próprio entra em numa briga com uns sujeitos de bicicleta e conta aos amigos que bateu com o queixo no punho de um cara e que atingiu outro no joelho com seu nariz.
A linguagem implica, para Pinker:

1) Transferência de conteúdo e negociação de entendimento que envolve o contexto, o tipo de relação social e individual.
2) Dominância. Uma relação com a qual se preocupa.
3) Igualdade.
4) Reciprocidade: um para com o outro. Os biólogo chamam a isso de altruísmo recíproco.

Pinker exemplificou também com um ato de suborno, o de alguém que, para conseguir uma mesa em um restaurante lotado, oferece dinheiro ao Chefe dos Garçons.
No caso o chefe tem a dominância. O dinheiro possibilita a reciprocidade e ambos se tornam novamente iguais. Um Chefe dos Garçons corrupto possibilita a reciprocidade e, se ele não for mesmo corrupto, depois do oferecimento do dinheiro se restabelecerá a relação de dominância do chefe e será preciso, então, aguardar o lugar na fila.
Segundo Pinker, poderia ser oferecida uma propina ambígua: com uma nota de 20 dólares mal disfarçada na mão, se perguntaria se não houve algum cancelamento de reserva de mesa. Se o chefe for corrupto, resolve-se tudo dirigindo-se a uma mesa; se não for, precisaria haver maiores conflitos. O custo e o risco são menores.
Um parêntese. Aqui de algum modo Pinker entra em contradição com sua abordagem computacional e praticamente enfatiza que o conhecimento é feito efetivamente de uma dinâmica de interações sociais em contextos. Precisaríamos verificar, então, até que ponto essa sua abordagem não entraria em conflito com a de suas obras anteriores, que foram e são tão importantes para o programa da ciência cognitiva.
Vejamos, desde os primeiros dias da “Inteligência Artificial” (uma das áreas mais representativas das ciências cognitivas), um dos maiores desafios tem sido o de programar um computador para entender a linguagem humana. Apesar de gerarem múltiplos ganhos para a automação industrial e, sobretudo para a robótica, esses esforços traduziram-se em conquistas muito tímidas, se comparadas às ambições iniciais dos cientistas.
O próprio Pinker diz, em seu livro Do que é feito o pensamento, que “a flexibilidade cognitiva é uma benção, mas quando se trata de descobrir como a linguagem funciona, é mais uma praga” (p. 70). Uma mesma pessoa em um mesmo grupo em diálogo pode depositar um diferente significado sobre uma mesma sentença. Após várias décadas de trabalhos frustrantes sobre esse problema, pesquisadores estão começando a entender que os seus esforços estão fadados a continuar inúteis, pois o computador e a sua arquitetura digital não podem entender a linguagem humana em um sentido muito profundo e significativo. A questão é: a linguagem humana está embutida em uma teia de convenções sociais e culturais, a qual fornece um contexto de significados não-expressos em palavras. Os seres humanos entendem esse contexto, porque faz parte de um “senso comum”, mas um computador digital não pode ser dotado desse “senso comum”. Fechado o parêntese.

Finalizando, Pinker afirmou que a mente é o produto de uma engenharia muito complexa. Não adianta centrarmos nosso conhecimento apenas sobre o cérebro, precisamos também decifrar a mente, entendê-la, verificar sua evolução, a produção da linguagem e as regras da computação. Ele propôs a técnica da engenharia reversa e a aplicou demonstrando como funcionam os verbos regulares e irregulares na linguagem. Ele afirmou também que não podemos entender a natureza humana apenas pela criação e pelo comportamento e que existem pressupostos e programas universais que independem dos ambientes e do comportamento social e da cultura. Destacou, inclusive, que o papel dos pais é muito relativo na formação dos filhos e destacou o papel muito significativo da hereditariedade, da programação genética. Enfatizou também a evolução natural como de grande importância para a compreensão da mente. Por fim, ele afirmou que os seres humanos são sociais e demonstrou isso através da linguagem indireta, na qual o papel do contexto e da interatividade social é relevante para o conhecimento.

Foram dirigidos alguns questionamentos a Pinker. Vejamos.

1. A primeira pergunta foi sobre a neurociência e a psicanálise. Sobre os problemas e conflitos entre as duas áreas.
Pinker reagiu dentro daquilo que se espera de um cientista cognitivo. Reafirmou algumas posições de identidade com a psicanálise e descartou o que geralmente os cientistas cognitivos chamam de folclore científico (ele não usou literalmente essa expressão, mas é comum no meio).
Primeiro precisou que existe dentro da neurociência um campo específico denominado neurociência cognitiva, que se aproxima muito das ciências cognitivas, envolvendo descobertas e pesquisas com mapas de ressonâncias e pesquisas diversas sobre o cérebro, e que têm um nexo grande com a psicologia cognitiva que estuda a mente (eu diria aqui com as ciências cognitivas em geral). Alguns tradicionalmente confundem tudo (neurociências, ciências da mente, psicologia cognitiva,...).
Ele concorda com a psicanálise de que a maior parte do processamento mental é inconsciente. Admite também a importância do papel e do conceito de ego, mas não acredita que todos os meninos queiram fazer sexo com sua mãe ou que odeiem os pais (mito de Édipo).

2. A segunda pergunta foi sobre o papel das emoções e o problema da mentira na linguagem.
Pinker começou a responder a indagação dando como exemplo os palavrões. Um palavrão em uma língua, quando traduzido para outra, pode não significar nada.
Geralmente os palavrões têm relação com uma ofensa religiosa, uma explicitação de sexualidade, um xingamento de sons odiados, de ofensas às minorias, excrementos ironizados que envolvem nojo, temor, sátira, medo ou ódio. Trata-se de forçar o ouvido para a agressividade (um som perturbador). Não se pode fazer nada disso sem contaminação emocional.
Segundo Pinker, a linguagem tem implicações emocionais e gera comportamentos tomados e coloridos pelas emoções.
Um parêntese: as emoções nas ciências cognitivas são igualmente computações. Elas são complexas e geram reações muito difíceis de se replicadas, mas os cientistas cognitivos as entendem como processamentos informacionais também. Aqui temos novamente uma distância em relação aos cognitivistas. Não se pode converter ou transmutar e reduzir todo o processamento mental (e o que denomino de estados de mentitude) em computação. Fechado o parêntese.
Quanto à mentira, como Pinker expressou antes, para ele é natural e os humanos mentem, inclusive, para si mesmos. Mentir melhor exige prática e desempenho. Para Pinker um bom mentiroso deve acreditar que sua mentira é verdade. Nas interações as mentiras são processadas e detectores de mentiras são acionados (suor, nervosismo,...). Os detectores de mentiras e a capacidade de decifrar uma mentira de um bom mentiroso também vão se sofisticando e se desenvolvem sucessivamente.

3. A terceira pergunta foi sobre a violência.
Pinker começou demonstrando que hoje, ao contrário do que pode parecer, somos menos violentos. As taxas de mortes, de guerras entre nações, fenômenos altamente mortais, diminuíram muito. Com algumas exceções, depois da segunda grande guerra mundial não temos grandes guerras entre países. As guerras civis são muito menos violentas. Verificando a Europa, que possui estatística há centenas de anos, a taxa de homicídio caiu para apenas 10% do que era. Pinker afirmou que um inglês tem quase 100 vezes mais probabilidade de viver sem ser assassinado hoje. Nos Estados Unidos, que ainda é muito mais violento do que a maioria dos países europeus, houve também uma significativa queda de homicídios. Mesmo que tal taxa seja maior que a da Inglaterra, ainda é muito menor do que a da Idade Média. As penas de morte estão também sendo reduzidas no mundo. Nos Estados Unidos (um dos poucos países altamente desenvolvido que tem pena de morte) se matava antes por fofoca. Fofoca dava forca, morria-se por roubo de cavalo. Hoje nos Estados Unidos a pena de morte se aplica apenas a assassinato. Pinker afirmou que muito provavelmente não haverá mais pena de morte nos Estados Unidos.
Em síntese, os humanos ficaram menos violentos em relação às mortes. As guerras entre estados são mais obsoletas e as guerras civis são menos mortais.

4. A quarta pergunta foi sobre as pesquisas de Alzheimer.
Trata-se de uma doença de causa desconhecida que provoca a degeneração do sistema nervoso central, nas sinapses (envolve produção de placas de gorduras que rompem com as neurotransmissões). A doença é a causa mais frequente de demência e afeta, sobretudo, a memória. O sintoma mais evidente é a acelerada perda das capacidades intelectuais que naturalmente se encontra com o envelhecimento ou em decorrência de derrames. Ele acredita que até 2015 teremos a cura para o Alzheimer. Para a demência natural ele chamou a atenção do exercício mental. Não se trata de exercícios com pesos para músculos, mas de realizar exercícios constantes tentando sempre fazer melhor e se concentrando no que mais gostamos de fazer, porque também é provavelmente o que sabemos fazer melhor.

5. A quinta pergunta foi sobre a cultura do audiovisual.
Pinker afirmou que realmente temos hoje muito mais acesso a imagens. Lembrou que a escrita é também uma invenção recente, de apenas 5.500 anos apenas. O alfabeto com vogais é mais recente ainda. Hoje com a internet podemos, segundo ele, complementar a leitura de textos com a de imagens. Podemos ler um livro e um jornal no saguão do aeroporto com um audiovox ou um hiphone portátil. Para Pinker a cultura está indo em ambas as direções com imagens, texto e aumento da capacidade de escrever.

6. Houve ainda uma pergunta sobre se é importante colocar cedo uma criança na escola e a relação entre a escola e a leitura.
Pinker, apesar de ter defendido a relativização do ambiente na aprendizagem, enfatizou a importância da criança entrar o mais cedo possível na escola.
A escola vai ajudar a criança a aumentar o seu vocabulário e ampliar sua percepção de mundo. Uma criança com cinco anos já aprendeu seis mil palavras, uma palavra a cada duas horas. Com a escola esse processo se amplia ainda mais (conhecimento e mais percepção do mundo).
As crianças estão mais aptas nesse momento a aprender uma segunda língua. As áreas cerebrais que processam as diferentes línguas serão as mesmas se ela aprender nessa idade. Um adulto terá maiores dificuldades. Como a nova língua é processada em outra áreas, ele sempre acessa primeiro a língua padrão, a palavra mais próxima de sua língua materna. Até ele aprender de modo mais automático a nova língua, as operações são em áreas diferentes. A criança não. O mesmo podemos dizer sobre a música, as artes. Quanto maior a idade menor é a taxa de facilitação da aprendizagem, pois aprender passa a ser também desaprender e reaprender. Para a criança tudo é novo, novas conexões estão se formando.

7. A sétima pergunta foi acerca de sua posição sobre o anarquismo.
Pinker declarou que está longe do anarquismo. Ele se posicionou muito mais próximo de Hobbes. Disse que a anarquia gera violência, pois onde todos podem fazer qualquer coisa: eu tendo a atacar o outro com medo do que ele poderá me fazer. Ataco mesmo não querendo atacar, mas com medo de que ele poderá me atacar. Seria um mundo agressivo. Ele aposta mais na democracia e em governos democráticos de Estados e governos que não matem seus cidadãos.

8. A oitava pergunta foi sobre mente e corpo: existe autonomia entre a mente e o corpo?
Pinker, certamente, como a quase totalidade dos cognitivistas, é monista e não dualista (corpo/mente) e afirmou que as mentes estão ligadas aos corpos. Os antigos não sabiam que quando dormíamos o cérebro (e a mente) continua ativo, mesmo que aparentemente o corpo não estivesse nos sonhos e quando acordávamos tinham a impressão que saíamos do corpo para viajar, mas hoje sabemos que é o cérebro que está produzindo sonhos e reorganizando memórias.

NOTAS

[1] Doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professor e pesquisador da Pós-Graduação e do Mestrado de Reabilitação e Inclusão da Rede Metodista de Educação do Sul (IPA), em Porto Alegre – RS. Pesquisador do CEDCIS – Centro de Estudos e Difusão de Conhecimento, inovação e sustentabilidade e pesquisador do LaDCIS – Laboratório de Difusão de Ciência, Tecnologia e Inovação Social. Colaborador do Núcleo de Violência e Cidadania do Programa de Pós-Graduação em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. E-mail: gilima@gmail.com.
[2] Homozigoto é um termo da genética para indicar que os alelos presentes em um locus genético são idênticos. Gene é uma fração de Ácido Desoxirribonuclêico (DNA) que está codificando um determinado peptídeo, como uma proteína. Por exemplo, em uma proteína com 1000 aminoácidos, pode ser que o aminoácido na posição 379 possa variar, sem que se descaracterize a proteína. O gene que indica na posição 379 o aminoácido glicina é um possível. O gene que indica na mesma posição o aminoácido alanina é outro possível. O gene é o mesmo, mas tem dois alelos diferentes. Se um indivíduo herda dos pais genes idênticos, ele é chamado de homozigoto. Neste caso, há dois genes indicando glicina na posição 379 daquela proteína. Se herda o gene da mãe diferente do gene do pai, ele é chamado de heterozigoto. Neste caso, um gene indica alanina e o outro glicina na posição 379 da mesma proteína.
A expressão heterozigoto ou heterozigóticos refere-se a pares de genes que apresentam uma característica diferente do outro, sendo sempre um recessivo (possui menor capacidade manifestar as suas características, apresentando-as apenas em homozigotia) e outro dominante (possui maior capacidade de manifestar as suas características).
Um organismo heterozigótico, apresenta para um determinado carácter, dois alelos diferentes do mesmo gene num mesmo locus em cromossomos homólogos.
[3] Lembramos do psicólogo canadense Donald Hebb, nascido em 1904 e falecido em 1985, que doutorou-se na Universidade de Harvard nos Estados Unidos da América em 1936. A partir de 1947 publicou Organização do comportamento. Segundo vários autores e cientistas importantes esse é um dos livros mais citados e menos lidos da neurociência – é presença quase obrigatória em listas de referências bibliográficas de trabalhos da área, mas as citações se referem sempre a um mesmo parágrafo sobre a “lei do aprendizado”. Mas a contribuição de Hebb foi muito maior. “Ele foi o primeiro a declarar que não existe a ditadura do neurônio único”, conta o renomado cientista Nicolelis. O que existem são circuitos. Como Hebb não tinha provas experimentais de suas teorias, porém, a publicação não teve impacto imediato. “Ele criou uma nova era sem que ninguém percebesse”, afirmou Nicolelis.
Lembro também de Humberto Maturana. Um biólogo (Neurobiologia), filósofo, chileno, crítico do Realismo Matemático e criador da teoria da autopoiese e da Biologia do Conhecer, junto com Francisco Varela, faz parte dos propositores do pensamento sistêmico e do construtivismo radical.
Desafiando o domínio da ciência cognitiva, onde se situa Humberto Maturana? Ele desafia os cognitivistas, pois mesmo concordando, como biólogo, cim a primazia do sistema nervoso para a aprendizagem, discorda veementemente do representacionismo que compartilha da noção de que capturamos através dos sentidos um mundo que é dado de antemão, com relação aos quais nossos esforços devem ser então de descoberta, desvendamento ou revelação do que está oculto.
Maturana fala do sistema nervoso em relação ao conhecimento, mas não meramente em termos de neurônios e impulsos nervosos, mesmo sabendo de sua importância. Ele está interessado em uma dinâmica mais complexa do fenômeno do conhecer. Ele foi um dos que mais contribuiu para a consolidação da ideia de sistema nervoso como um sistema fechado, ou mais precisamente, para a visão do ser vivo como um sistema fechado (autopoiese). Ele defendeu uma conexão complexa entre o sistema nervoso junto ao organismo. Os dois sistemas, organismo e sistema nervoso, para ele são um sistema complexo que opera com conservação da organização, como um sistema fechado, como uma rede de produções de componentes no qual os componentes produzem o sistema circular que os produz. Por isso Maturana afirma que viver é conhecer. No momento em que o organismo não está mais em congruência com sua circunstância, morre — acaba o conhecimento de sua circunstância. Mas a pergunta é: como relacionar o fechamento do sistema nervoso e o fechamento do organismo com o conhecer? Como pode o fechamento desses sistemas gerar o conhecer? O que acontece com a ideia tradicional de sistema nervoso como um sistema aberto que capta informações pelos sentidos e com elas constrói representações internas do mundo exterior?
Humberto Maturana nega a noção de representação no momento em que encara o sistema nervoso como um sistema fechado. A noção de representação se acaba no momento em que para ele a atividade da retina não pode ser correlacionada com as características do estímulo: o que se pode correlacionar com a atividade da retina é o nome dado à cor. Portanto, a cor, a experiência cromática, deixa de ser uma representação do mundo, passa a ser uma configuração do mundo. Segundo o próprio Maturana:

A representação é um comentário do observador sobre a correlação entre organismo e circunstância. Sempre que eu encarar um sistema em congruência com sua circunstância e olhar a correlação entre sistema e circunstância, eu posso falar do operar do sistema como se ele operasse com uma representação de sua circunstância (Maturana, Ontologia da Realidade).

É uma mudança radical na maneira tradicional de ver as coisas. Tradicionalmente concebemos a linguagem como sistemas de signos e regras que os falantes manipulam. Para Maturana antes de signos e regras tem que haver a linguagem para que surjam os signos ou as regras porque as regras, os signos e símbolos são resultados desse operar. E isso completa o círculo (linguagem -> signo e regras -> observação como experimentação do conhecer -> expressão compartilhada do saber).
Experimentar o saber envolve para Maturana uma bioneurologia das emoções. Assim, Maturana, apesar de enfatizar a cognição e os aspectos biológicos da cognição, afasta-se da hegemonia das ciências cognitivas por entender que o processo de conhecer tem uma base biológica mais complexa do que meramente computacional. A complexidade do humano é muito mais ampliada e envolve entrelaçamentos múltiplos de ser com as emoções e a razão. Interagir entre símbolos e regras são processos secundários perante a linguagem e para ele, todo sistema racional se constitui no operar com premissas previamente aceitas, a partir de uma certa emoção.
Hoje, descobertas recentes apontam evidências cada vez maiores que sugerem que o cérebro não é computacional, tal qual pensavam os ciberneticistas da inteligência artificial. Além de todo o processamento químico e emocional, a lentidão dos processos cerebrais e a imensa capacidade de esquecimento são apenas alguns dos fatores mais comuns que diferenciam substancialmente e funcionalmente o cérebro humano de um modelo computacional. Os estados de mentitude não se reduzem a computação. Alguns processos mais primários como os motores podem ser reduzidos a processamentos computacionais e elétricos, mesmo tendo na sua origem hibridizações químicas sofisticadas.
Foi o cognitivismo informacional que acabou por nos levar a privilegiar muuito na pesquisa cérebro-mente o papel do neurônio (essa frágil e complexa célula informacional). No entanto, o cérebro é formado também por células glias, nove vezes mais numerosas que os neurônios no próprio cérebro e no resto do sistema nervoso. Cada vez mais descobrimos que elas desempenham um papel muito mais importante do que se imaginava para os processos mentais.
Um dos mais respeitáveis cientistas que examinaram seções do cérebro de Einstein foi Marian Diamond, da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Diamond não encontrou nada de incomum em relação ao número ou ao tamanho de seus neurônios. Mas, no córtex de associação, responsável pelo conhecimento de alto nível, descobriu um número surpreendentemente grande de células conhecidas como glias - uma concentração muito maior do que a encontrada na média dos Alberts por aí. Mera coincidência? Talvez não. Evidências cada vez maiores sugerem que as células glias desempenham um papel muito mais importante do que se imaginava. Durante décadas, fisiologistas se concentravam nos neurônios como os principais comunicadores do cérebro. Achava-se que as células glias, apesar de superarem os neurônios na proporção de nove para um, tinham somente papel de manutenção: levar nutrientes dos vasos sanguíneos para os neurônios, manter um equilíbrio saudável de íons no cérebro e afugentar patógenos que tivessem escapado do sistema imunológico. Com o apoio das células glias, os neurônios ficavam livres para se comunicar por meio de pequenos pontos de contato chamados sinapses e para estabelecer uma rede de conexões que permite pensar, lembrar e pular de alegria.
Os cientistas e estudiosos da mente ainda estão cautelosos e evitam atribuir importância à glia rápido demais. Apesar disso, estão entusiasmados com a perspectiva de que mais da metade do cérebro permanece inexplorada e pode representar uma mina de ouro em informações sobre o funcionamento da mente.
[4] Para Chomsky a faculdade de linguagem é considerada "um órgão da mente" – the language organ tal como o sistema visual, o aparelho digestivo, o sistema imunológico ou qualquer outro órgão – decorrente, portanto, de uma dotação genética específica e exclusiva da espécie humana. Como todos os demais órgãos, é um sistema internamente complexo, com subsistemas internos distintos (fonologia, sintaxe, semântica, pragmática, ...).

terça-feira, 10 de março de 2009

CRITICANDO O "NOVO" BESTEIROL DUALISTA DO Dr MIGUEL NICOLELIS

Gilson Lima – Sociólogo da Ciência – IPA.
Pesquisador do Research Committee Logic & Methodology and at the Research Committee of the Clinical Sociology Association International Sociological (ISA).
E-mail: gilima@gmail.com.
Blog http://glolima.blogspot.com

Tenho respeito pelo inteligente e criativo trabalho realizado por Miguel Nicolelis e sua equipe no Brasil e nos Estados Unidos. No entanto, mas críticas de fundo ao que está fazendo em matéria de reabilitação. A abordagem cognitivista de Nicolelis as vezes cheira a um nível tão adolescente e egocentrado que parece não vir de um cientista e sim de um artista tecnológico sem muitas pretenções científicas.

Gostaria de fazer alguns comentários profundamente discordantes de seu trabalho em busca de descobertas e conquistas dos caminhos corpo-cérebro e mente, mas de algumas de suas abordagens mais epistemológicas, sociológicas e teóricas.

Miguel Nicolelis afirmou que estamos chegando perto de fazer algo que os nossos colegas fizeram há alguns anos na parte da genética, de não só reconhecer as sílabas do código neural, mas também de começar a tentar decodificar de verdade a linguagem usada pelos circuitos neurais para gerar comportamentos. Será mesmo de todo tipo de comportamento? Não será “apenas” (entre aspas, pois não é algo menor) o entendimento da ponte entre o comportamento motor na escala molecular/celular em simbiose com o comportamento motor na escala macrofísica do corpo ou com o corpo e um artefato cibernético e não corporal que também opera no mundo do visível e do elétron não visível a olho nú - em simultaneidade -com o nosso escrachado macro-mundo.

Será que não se está “apenas”(novamente entre aspas de propósito) registrando cronicamente as alterações contínuas que o cérebro sofre quando esse animal aprende algo no plano motor ou quando o cérebro converte um aprendizado motor em consolidação de memória de longo prazo podendo posteriormente realizar o aprendizado para fora do cérebro de modo independe do próprio corpo em que ele depende para suas funções motoras específicas?

Na minha abordagem da simbiose orgânica e inorgânica em complexidade as atividades motoras são mais dependentes de uma tarefa especializada e menos complexa. Vejamos o exemplo da macaca Aurora que opera o braço motor direto do comando cerebral. Primeiro ela precisa muito de seu corpo para continuar operando o braço cibernético, por exemplo, precisa estar respirando (poderia estar respirando numa máquina artificial), mas precisa de fluxo sanguíneo (poderia estar imbricada numa máquina também artificial de pressão sanguínea e até mesmo o próprio sangue poderia ser sintético) a priori poderia quase a totalidade motora do corpo da Aurora num futuro ser mecanicamente substituído, mas nunca, é claro, cérebro (encéfalo). Será?
Você não pode fazer um transplante cerebral, pode fazer do coração, dos pulmões, mas do cérebro não seria mais você mesmo. Será? Será possível o cérebro como um complexo sistema auto-organizado se auto-organizar de modo independente do corpo/ambiente?





DENÚNCIA

Mesmo compartilhando de modo menos radical de uma abordagem simbiótica do corpo obsoleto é preciso lembrar que o sistema nervoso é altamente sensível a invasões, ele se defende de qualquer ameaça interna até mesmo um simples eletrodo como o que foi implantado no córtex motor da macaca Aurora e que pode ficar ali apenas por quinze dias (coitada da Aurora seu próprio cérebro e as células glias a mataram. Mataram? Isso mesmo.  Certamente, todo o eletrodo mesmo de tungstênio implantados num cérebro de qualquer mamífero como o da Aurora receberá muito rapidamente e em alguns dias toda uma cobertura que impedirá seu funcionamento (as glias agem em defesa dos neurônios e matará o cérebro).
Interessante de um uso de sacrifício de primatas em pesquisas sem importância científica nenhuma a  foi proibido de ser feito nos Estados Unidos e Nicolelis transferiu para o Nordeste brasileiro sua experiência pore que aqui a ignorância pega e ainda póde ser tratado como um Rei do mundo da sabedoria. É tão absurdo precisar acoplar cirurgicamente silício, fios de cobre, soldas no córtex de um primata tão inteligente para brincar de mover um cursor que eu demonstrei que podemos fazer isso sem nem tocar em tela e em nenhum objeto. Só acessando a luz do ambiente. Fizemos isso e não patenteamos. Não transformamos nossas descobertas em segredo. Por isso essa tecnologia está em jogos de telas e fará cada vez mais parte do dia a dia do codidiano de nossas vidas.

O pior é que o Governo Lula deu 300 milhões para esse camarada brincar de uma árvore piscante chamada de exoesqueleto "para paraplégico". Um exoesqueleto assimbiótico. Repito 300 milhões para dar um chute no ar. 
Isso um tempo depois de eu ter realizado com uma equipe em Porto Alegre com um simples tutor mecânico de exoesqueleto sem nenhuma lasca de silício e muito menos robótica antisocial (que gera doença para os paraplégicos e não saúde) 512 passos sequenciais com um tetraplégico fora de uma cadeira de rodas. Pior sem usar uma única moeda do governo.
Não foram poucas vezes que solicitei ajuda desse e de outros governos para mimhas pesquisas e nunca se dispuseram a nem me receber. Afinal sou um cientista simbiótico e tupiniquim, um nômade, independente e que não me submeto aos ditames de práticas antibióticas tão comuns nios corredores de Brasília.

Mas o que me impressiona é que todo o avanço da pesquisa cerebral foi possível graças ao monismo materialista da neurociência, esse tipo de reinvenção de um novo BESTEIROL dualista tem acolhida até por cientistas renomados e aceitam a perspectiva de Nicolelis  de que ele constrói e construiu pela primeira vez na história ligações diretas do cérebro com máquinas e que nas palavras dele isso permitiu definitivamente, nos últimos dez anos principalmente, que o cérebro se libertasse dos limites do corpo.
Meu caro Nicolelis para liberta o cérebro do corpo é só usar a imaginação. Ela não precisa de pernas e pode até voar sem asas.

Não deixa de ser um novo re-encontro com a velha noção antiga e clássica do dualismo dos egípcios, dos gregos e do próprio Descartes. O mesmo Descarte que considerava o cérebro um mero objeto mecânico-receptor de interações externas e destituído de capacidade de sujeitamento.

Claro que no caso dos egípcios e dos gregos e mesmo de Descartes era a alma o instituto superior diante do corpo. Nem mesmo o cérebro para os egípcios era importante.
Os mais remotos antepassados do antigo Egito, sacerdotes responsáveis pela preparação dos mortos para a viagem em outra vida eterna, inseriam um gancho pelo nariz dos cadáveres, rompiam o osso etmóide, fino como uma casca de ovo, e pescavam o cérebro, pedaço por pedaço, até esvaziar por completo o crânio, preenchendo em seguida com panos. O coração, ao contrário, permanecia no corpo por ser considerado a sede da inteligência. Sem ele, ninguém seria admitido na outra vida.
Hoje é difícil entender como o cérebro podia ser descartado assim, mas ao longo de toda a Antiguidade, muitos o consideravam sem importância.

O próprio ARISTÓTELES. (130-200 d. C.) foi um importante filósofo que desconstruiu a tese da importância cosmológica do cérebro. O cérebro para ele não combinava com a sua concepção de alma. A Alma Aristotélica era racional, superiora.
Ela acreditava que o coração e sua pulsão energética era o centro biológico do intelecto. O cérebro (o encéfalo) era um mero radiador que servia para resfriar o sangue que era superaquecido pelo coração. Assim, o temperamento racional do cérebro era explicado pela sua grande capacidade de resfriamento.
Uma coisa é comum a toda a história da ciência do cérebro/mente em geral o corpo sem foi desconsiderado. Na anatomia platônica o corpo era a porção da alma que deseja a carne e outras bebidas e as outras coisas de que necessita em razão da natureza corpórea. É a parte da alma, chamada de alma vegetativa responsável pelo crescimento e nutrição do corpo, mas também por paixões inferiores – luxúria, desejos e ganância.
Como finaliza Nicolelis falando em nome de uma criança: “Fui eu que participei da primeira demonstração que o cérebro se libertou do corpo e voltou a sonhar”. (Nicolelis).


Vejamos rapidamente um comentário crítico sobre esse curioso retorno ao dualismo realizado por um eminente neurologista experimental e eminente materialista. Um dualismo expresso na ideia do cérebro se libertando do corpo ou da noção mais pop da cibernetização do corpo como corpo obsoleto.

Distingo entre Inteligência Artificial no sentido forte e no sentido fraco, mesmo sendo uma besteira considerar inteligência fora da vida (coisa de tecnologia) e mesmo considerando equivocada a ideia do modelo e ideia de inteligência fora da vida. Aliás sou simbiótico. Isso é impossível para nós. 
Para ambas tecnologias de inteligência artificial o problema básico é o conceito de inteligência. Já fiz inúmeras críticas a esse reducionismo conceito de inteligência, principalmente numa publicação intitulada: Síndrome de Frankenstein. Se os gregos reduziram a noção de conhecer a razão, re-significada na modernidade industrial como matematização mecânica ou algébrica da natureza, os mais modernos cognitivistas reduziram ainda mais a noção de inteligência a de modelagem informacional ou de conhecimento como cognição ou mais precisamente como processamento eletrônico e computacional de informações.

Vejamos o problema do dual entre o Behaviorismo x Ciência cognitiva.

CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO. => behavioristas que desde o século XX quando os apresentaram suas propostas e pesquisas interessadas em uma ciência do comportamento observável (mensurando pela observação o comportamento visível) e reduzindo praticamente toda a aprendizagem ao limite estrito dos métodos públicos de observação, que qualquer cientista pudesse aplicar. Mesmos os educadores críticos do behaviorismo não questionavam o postulado comportamental, ao contrário, mostravam ou tentavam demonstrar que os condicionantes do forte componente do cânone behaviorista na crença da supremacia e do poder determinante do meio ambiente não eram adequados. Questionava-se a disciplina e até mesmo as bases biológicas da memória condicionada pelo comportamento. Era interessante que os críticos da aprendizagem behaviorista criticavam a desconsideração dos comportamentalistas da reflexão subjetiva ou da introspecção particular, mas nada de biologia da aprendizagem. A crítica era também macro comportamental.

CIÊNCIAS COGNITIVAS => A partir da metade do século XX surgem as abordagens cognitivistas (mais computacionais coincidentemente os cognitivistas aparecem junto com o surgimentos das máquinas computacionais), ou seja, onde a ideia de conhecimento se funde na da cognição como tratamento de informação, conteúdo ou mesmo raciocínio o processo do determinismo se fixou ao contrário. Os problemas levantados pela organização da linguagem e da aprendizagem passam a se referir como referências de atividades cerebrais. Desde processos motores, sensórios ou até mesmo erros cometidos por indivíduos - por exemplo, lapsos verbais – são processos cerebrais que incluem a antecipação e produção de palavras. Desconsidera-se o dogma dos behavioristas de que toda atividade psicológica pode ser adequadamente explicada apenas em termos de comportamento visível, agora uma gama de comportamentos celulares e moleculares tornam-se referentes para uma neurobiologia da aprendizagem.

Para os cognitivistas todas as sequências comportamentais têm de ser planejadas e organizadas com antecedência. Assim, por exemplo, no caso da fala, os mais altos nós da hierarquia envolvem a intenção geral que provoca a expressão, enquanto a escolha da sintaxe e a produção real de sons ocupam nós mais baixos da hierarquia. O sistema nervoso contém um plano ou estrutura geral, dentro do qual unidades de resposta individuais têm de ser encaixadas de modo independente do feedback específico num ambiente.
Ao invés de o comportamento ser conseqeência de incitações ambientais, processos cerebrais centrais, na verdade, precedem e ditam as maneiras pelas quais um organismo realiza um comportamento complexo.

Os cognitivistas desafiaram a análise comportamental corrente na época questionando dois grandes dogmas da análise neurocomportamental: 1. a crença de que o sistema nervoso encontra-se em um estado de inatividade a maior parte do tempo e 2. a crença de que reflexos isolados são ativados apenas quando surgem formas específicas de estimulação.

Para eles o sistema nervoso era constituído de unidades sempre ativas, hierarquicamente organizadas, com o controle emanando do centro e não de estimulação periférica questionando a idéia de um sistema nervoso estático e afirmando as evidências existentes de um sistema dinâmico, constantemente ativo ou, melhor dizendo, composto de muitos sistemas interativos.
É o próprio Nicolelis, em contradição, afasta-se da perspectiva cognitivista quando lembra Psicólogo canadiano, Donald Hebb.
Hebb, esse psicólogo canadiano, nascido em 1904 e falecido em 1985 que doutorou-se na Universidade de Harvard nos Estados Unidos da América em 1936. A partir de 1947 e que publicou Organização do comportamento. Segundo o próprio Nicolelis esse é um dos livros mais citados e menos lidos da neurociência – é presença quase obrigatória em listas de referências bibliográficas de trabalhos da área, mas as citações se referem sempre a um mesmo parágrafo sobre a “lei do aprendizado”. Mas a contribuição de Hebb foi imensamente maior. “Ele foi o primeiro a declarar que não existe a ditadura do neurônio único”, conta Nicolelis. O que existem são circuitos complexos que se auto-organizam. Como Hebb não tinha provas experimentais de suas teorias, porém, a publicação não teve impacto imediato. “Ele criou uma nova era sem que ninguém percebesse” (afirmou Nicolelis). Reduzir inteligência e cérebro a ditadura do neurônio é um imenso equívoco.
Lembro também de Humberto Maturana. Um biólogo (Neurobiologia), filósofo, chileno, crítico do Realismo Matemático e criador da teoria da autopoiese e da Biologia do Conhecer, junto com Francisco Varela e faz parte dos propositores do pensamento sistêmico e do construtivismo radical.
Desafiando o domínio da ciência cognitiva. Onde se situa Humberto Maturana? Ele desafia os cognitivistas, pois mesmo concordando, como biólogo, da primazia do sistema nervoso para a aprendizagem discorda veementemente do representacionismo que compartilha da noção de que capturamos através dos sentidos um mundo que é dado de antemão, com relação aos quais nossos esforços devem ser então de descoberta, desvendamento ou revelação do que está oculto.
Maturana fala do sistema nervoso em relação ao conhecimento, mas não em termos meramente de neurônios e impulsos nervosos, mesmo sabendo de sua importância. Ele está interessado numa dinâmica mais complexa do fenômeno do conhecer. Ele foi um dos que mais contribuiu na consolidação da ideia de sistema nervoso como um sistema fechado, ou mais precisamente, a visão do ser vivo como um sistema fechado (autopoiese). Ele defendeu uma conexão complexa entre o sistema nervoso junto ao organismo. Os dois sistemas, organismo e sistema nervoso para ele é um sistema complexo que opera com conservação da organização, como um sistema fechado, como uma rede de produções de componentes no qual os componentes produzem o sistema circular que os produz. Por isso Maturana afirma que viver é conhecer. No momento em que o organismo não está mais em congruência com sua circunstância, morre — acaba o conhecimento de sua circunstância. Mas a pergunta é: como relacionar o fechamento do sistema nervoso e o fechamento do organismo, com o conhecer? Como pode o fechamento desses sistemas gerar o conhecer? O que acontece com a ideia tradicional de sistema nervoso como um sistema aberto que capta informações pelos sentidos e com elas constrói representações internas do mundo exterior?
Humberto Maturana nega a noção de representação no momento em que encara o sistema nervoso como um sistema fechado. A noção de representação se acaba no momento em que para ele a atividade da retina não pode ser correlacionada com as características do estímulo: o que se pode correlacionar com a atividade da retina é o nome dado à cor. Portanto, a cor, a experiência cromática, deixa de ser uma representação do mundo, passa a ser uma configuração do mundo. Segundo o próprio Maturana:

“A representação é um comentário do observador sobre a correlação entre organismo e circunstância. Sempre que eu encarar um sistema em congruência com sua circunstância e olhar a correlação entre sistema e circunstância, eu posso falar do operar do sistema como se ele operasse com uma representação de sua circunstância”. (Maturana – Livro: Ontologia da Realidade).

É uma mudança radical na maneira tradicional de ver as coisas. Tradicionalmente concebemos a linguagem como sistemas de signos e regras que os falantes manipulam. Para Maturana antes de signos e regras tem que haver a linguagem para que surjam os signos ou as regras porque as regras, os signos e símbolos são resultados desse operar. E isso completa o círculo (linguagem >; signo e regras >; observação como experimentação do conhecer >; expressão compartilhada do saber).

Experimentar o saber envolve para Maturana uma bioneurologia das emoções. Assim, Maturana apesar de enfatizar a cognição e os aspectos biológicos da cognição se afastam da hegemonia das ciências cognitivas por entender que o processo de conhecer tem uma base biológica mais complexa do que meramente computacional. A complexidade do humano é muito mais ampliada e envolve entrelaçamentos múltiplos de ser com as emoções e a razão. Interagir entre símbolos e regras são processos secundários perante a linguagem e para ele, todo sistema racional se constitui no operar com premissas previamente aceitas, a partir de uma certa emoção.

Hoje, descobertas recentes apontam evidências consolidadas de que o nosso cérebro não é computacional tal qual pensavam os ciberneticistas da inteligência artificial. Além de todo o processamento químico e emocional, a lentidão dos processos cerebrais e a imensa capacidade de esquecimento são apenas alguns dos fatores mais comuns que diferenciam substancialmente e funcionalmente o cérebro humano de um modelo computacional. Os estados de mentitude não se reduzem a computação. Alguns processos mais primários como os motores podem ser reduzidos a processamentos computacionais e elétricos, mesmo tendo na sua origem hibridizações químicas sofisticadas.

Foi o cognitivismo informacional que acabou a nos levar a privilegiarmos muito na pesquisa cérebro-mente o papel do neurônio (essa frágil e complexa célula informacional). No entanto o cérebro é formado também por células glias e elas são nove vezes mais numerosas que os neurônios no cérebro e no resto do sistema nervoso. Cada vez mais descobrimos que elas desempenham um papel muito mais importante do que se imaginava para os processos mentais.

Um dos mais respeitáveis cientistas que examinaram seções do cérebro de Einstein foi Marian Diamond, da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Diamond não encontrou nada de incomum em relação ao número ou ao tamanho de seus neurônios. Mas, no córtex de associação, responsável pelo conhecimento de alto nível, descobriu um número surpreendentemente grande de células conhecidas como glias - uma concentração muito maior do que a encontrada na média dos Alberts por aí. Mera coincidência? Talvez não. Evidências cada vez maiores sugerem que as células glias desempenham um papel muito mais importante do que se imaginava. Durante décadas, fisiologistas se concentravam nos neurônios como os principais comunicadores do cérebro. Achava-se que as células glias, apesar de superarem os neurônios na proporção de nove para um, tinham somente papel de manutenção: levar nutrientes dos vasos sanguíneos para os neurônios, manter um equilíbrio saudável de íons no cérebro e afugentar patógenos que tivessem escapado do sistema imunológico. Com o apoio das células glias, os neurônios ficavam livres para se comunicar por meio de pequenos pontos de contato chamados sinapses e para estabelecer uma rede de conexões que permite pensar, lembrar e pular de alegria.

Os neurologistas ainda estão cautelosos e evitam atribuir importância à glia rápido demais. Apesar disso, estão entusiasmados com a perspectiva de que mais da metade do cérebro permanece inexplorada e pode representar uma mina de ouro em informações sobre o funcionamento da mente.